Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
288/16.5PDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: CRIME CONTINUADO
CONCURSO REAL
CRIME DE FALSIFICAÇÃO
BEM JURÍDICO
Nº do Documento: RP20180124288/16.5PDPRT.P1
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 745, FLS 257-277)
Área Temática: .
Sumário: I – São pressupostos do crime continuado:
- a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime (ou de vários tipos que protejam essencialmente o mesmo bem jurídico);
- pluralidade de resoluções criminosas;
- homogeneidade da forma de actuação;
-proximidade temporal das respectivas condutas;
- unidade do dolo, no sentido de que as diversas resoluções criminosas deverem conservar-se dentro de uma linha de continuidade psíquica, ou numa linha psicológica continuada;
- quadro de uma situação exterior que facilita a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente.
II – Existe concurso real entre os crimes de falsificação de documentos em que está em causa a segurança e a credibilidade no tráfico jurídico probatório, e o crime de falsidade de declaração em que está em causa a realização ou administração da justiça como função do Estado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 288/16.5PDPRT.P1
Comarca do Porto
Juízo Central Criminal do Porto.

Acordam, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I-Relatório.
No Processo Comum Colectivo n.º 288/16.5.PDPRT do Juízo Central Criminal da Comarca do Porto, Juiz 2, foi submetido a julgamento o arguido B..., identificado no Acórdão a fls. 874.
O Acórdão de 26 de Setembro de 2017, depositado mesmo dia tem o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, o Tribunal Coletivo delibera:
A. Condenar o arguido B... pela em autoria material de um crime de tráfico de estupefaciente p. e p. no art.º 21º, nº 1, do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão.
B. Condena o arguido B... pela em autoria material de um crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo artigo 359º, nº 1 e 2, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
C. Condena o arguido B... pela em autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256, nº 1, alínea d) do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
D. Condena o arguido B... pela em autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256, nº 1, alínea d) do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
E Condena o arguido B... pela em autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256, nº 1, alínea b) e d) e 3 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.
F Operando nos termos do artigo 77º, e 30º, nº 1, do Código Penal o cúmulo jurídico das penas parcelares atrás referidas, de A a E condenar o arguido B..., na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
G) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando em 3 UC de Taxa de Justiça, ficando a cargo deste os demais encargos a que a sua atividade deu causa, dando pagamento dos encargos referentes a perícias e relatórios que ainda não se mostrem com as faturas pagas ainda por pagar, devendo o pagamento ser considerado para efeitos de pagamento antecipado do processo (cfr. arts. 3.º, n.º 1, 8.º, n.º 9, 19.º, do RCP e Tabela III do mesmo, 2.º, n.º 3, n.º 4, da Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril e 513.º, n.º 1 e n.º 2 e 514.º, n.º 1, do C.P.P.). Após trânsito:
-remeta boletim (cfr. art.º 6.º, al. a), da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio) e dê cumprir no que aos objetos respeita o determinado em 2.4.4 após trânsito
Uma vez que, na situação “sub iudice” não se procedeu à recolha de amostras nos termos do art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, e ficou demonstrada a prática de crimes dolosos, tendo sido aplicada, a título principal e por um deles, pena parcelar não inferior a 3 (três) anos de prisão, não se vislumbrando razões que desaconselhem ou torne desnecessária a ordem de recolha de amostra, pelo que, se determina que após transito em julgado desta decisão se proceda à recolha de vestígio biológicos ao arguido, de origem humana, destinado a análise de ADN a efetivar, em duplicado, sempre que possível, por profissionais diferentes, através de método não invasivo, que respeite a dignidade humana e a integridade física e moral individual, designadamente pela colheita de células da mucosa bucal ou outro equivalente, devendo o arguido ser previamente informada nos termos do art.º 10.º, n.º 1, da Lei de Proteção de Dados Pessoais e 9.º da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, com a entrega do documento constante do anexo III do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN (cfr. Deliberação n.º 3191/2008, de 15-07-2008 do Instituto Nacional de Medicina Legal, IP in Diário da República, II Série, n.º 234, de 03-12-2008, pág. 48881 e segs.), a fim de o perfil de ADN a obter a partir das amostras recolhidas e os correspondentes dados pessoais ser introduzido na base de dados de perfis de ADN a que alude o art.º 15.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro (cfr. arts. 8.º, n.º 2, 10.º e 18.º, n.º 3, da referida Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro e arts. 7.º e 8.º, do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN), ficando desde já dispensada a recolha caso não tenham decorrido cinco anos desde a primeira a que eventualmente tenha aquele sido sujeito e, em qualquer caso, quando a mesmo se mostre desnecessário ou inviável (cfr. art.º 8.º, n.º 6, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro). As amostras recolhidas deverão ser destruídas imediatamente após a obtenção do perfil de ADN (cfr. arts. 34.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro e 13.º do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN).
- comunique enviando certidão da decisão condenatória, com nota de trânsito em julgado, e do presente despacho, ao Instituto Nacional de Medicina Legal, IP (cfr. arts. 5.º da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro e 7.º do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN).
Fica o arguido advertido que não se pode eximir a ser submetido à dita recolha, sob pena de, caso se recuse a se submeter à dita recolha, ser compelida à mesma pela uso da força física estritamente necessária para o efeito (cfr. arts. 6.º, n.º 1 e 7.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro e 4.º do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN, que apenas impõem o consentimento livre, informado e escrito no caso das recolhas de amostras em voluntários ou em pessoas para fins de identificação civil, designadamente em parentes de pessoas desaparecidas, o que não é o caso dos autos; 172.º, n.º 1, do C.P.P. ex vi art.º 10.º da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro).
Os custos da recolha deverão ser oportunamente adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, entrando em regra de custas (cfr. art.º 8.º, n.º 1, n.º 5 e 6, do dito Regime jurídico das perícias médico-legais e forenses).
- comunique nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 477.º, n.º 1, do C.P.P. e 35.º, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto.
Tendo também em conta a Deliberação de 15-01-2013 do CSM (Circular n.º 3/2013), comunique a presente sentença, com nota de trânsito em julgado, ao estabelecimento prisional onde o arguido se encontrar.
Após trânsito em julgado da presente decisão, abra vista nos autos ao Ministério Público (cfr. art.º 477.º, n.º 2, do C.P.P.).
Notifique.
(…)»
*
Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
«1 – B..., arguido, melhor identificado nos autos à margem referenciados, não se conformando com o douto Acórdão que o condenou pela práctica em autoria material e em concurso efectivo de: um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à Tabela anexa I-B, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão; um crime de falsidade de declaração, previsto e punido pelo art. 359º nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; dois crimes de falsificação ao abrigo do art. 256º nºs 1 al. d) do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão cada um, o que perfaz 12 (doze) meses de prisão; e um crime de falsificação, previsto e punido pelo art. 256º nºs 1 al. b) e d) e 3 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão. Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, foi o arguido condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
2 - Entendemos pois, que o identificado Acórdão padece vícios que versam Matéria de Direito, designadamente: Da Qualificação Jurídica e Da Medida da Pena.
3 - DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA: O Tribunal a quo deu como provado o seguinte:
4 - Em data e modo não concretamente apurados, o arguido entrou na posse do passaporte nº ........., documento que foi subtraído “em branco” da “Comissária de Polícia de ...”, em Pontevedra, Espanha, em 19 de Dezembro de 2014. Na posse do referido documento, de modo não apurado, inseriu a sua fotografia e assinou como B1..., de nacionalidade espanhola, nascido em 10/07/1988, em ... (Pontevedra).
5 - Na sequência da detenção sofrida, no dia 5 de Agosto de 2016, o arguido prestou termo de identidade e residência, identificando-se como B1... e assinando apondo esse mesmo nome, no auto de constituição de arguido e no auto de apreensão.
6 - Ainda na sequência da detenção sofrida, no dia 6 de Agosto de 2016, o arguido foi presente a primeiro interrogatório judicial, na Secção Central de Instrução Criminal do Porto e exibiu o mencionado passaporte, tendo sido advertido pela Meritíssima Juíza que presidiu à diligência, que era obrigado a responder com verdade em relação às questões que se prendem com a sua identidade, sob pena de cometer o crime de falsidade de declarações. Nesse seguimento, o arguido indicou uma falsa identidade, afirmou chamar-se B1..., ter nascido em 10-07-1988 e ser natural de Espanha. Após ler o auto com as mencionadas declarações, confirmou-as e assinou-as, apondo o nome B1.... Nessa data, juntou ao processo uma procuração passada a advogado, onde se identificava do modo supra referenciado.
7 - A quando da sua detenção no dia 1 de Novembro de 2016, o arguido assinou o termo de identidade e residência com o nome B1... e exibiu o referido passaporte. 8 - Tendo em conta o ora explanado, o Tribunal a quo condenou o ora Recorrente pela práctica em concurso efectivo de um crime de falsidade de declaração, de dois crimes de falsificação de documento e um crime de falsificação qualificado. Destarte, com o devido respeito – que é muito - no nosso ponto de vista, os crimes cometidos pelo arguido inserem-se no âmbito do crime continuado.
9 - Passemos agora à concretização do art. 30º nº 2 do Código Penal:
10 - Protecção do mesmo bem jurídico: De facto, para se verificar o crime continuado a conduta do agente tem de preencher o mesmo tipo de crime, ou tipos de crime diversos, porém, que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico. Ora, este requisito encontra-se preenchido pela conduta do arguido pois o tipo de crime e o bem jurídico protegido pelos três crimes de falsificação de documento é o mesmo, este relaciona-se com a segurança e credibilidade dos documentos no tráfico jurídico probatório. Por sua vez, não obstante o crime de falsidade de declarações constituir um tipo de crime distinto dos demais, o bem jurídico que visa tutelar é essencialmente o mesmo e prende-se com impedimento de realização da justiça.
11 - Com efeito, a nosso ver, os dois tipos legais encontram-se ligados por uma relação de instrumentalidade, constituindo assim, um concurso aparente de crimes.
12 - Homogeneidade da execução: no caso em apreço, o arguido levou a cabo a prática dos quatro crimes de que vem acusado, de modo homogéneo e semelhante, isto é, o seu “modus operandi” foi o mesmo.
13 - Existência de uma situação exterior que diminua a culpa do agente: Determinante para a concretização deste pressuposto é a existência de uma situação exterior, que facilite a prática de novo crime ou desincentive o agente a agir em conformidade com o Direito. Desta forma, admite-se que a circunstancialismo que contribui para a decisão de continuar a contrariar a lei, deve originar uma diminuição de culpa no caso concreto.
14 - Na verdade, existe uma circunstância que facilita a prática dos crimes que se prende com a utilização do passaporte falso. Com efeito, o arguido guardava sempre o referido documento na carteira que trazia consigo (juntamente com os restantes documentos) o que fazia com que se sentisse sempre “tentado” a utilizá-lo. Tendo tido êxito – no seu ponto de vista no momento da prática dos factos – decidiu voltar a utilizá-lo.
15 - Acresce que, a lei é clara, quando exige no seu art. 30º nº 2 do Código Penal, a verificação de uma circunstância externa que diminua a culpa do agente. Porém, uma grande parte da doutrina, citada inclusive no Acórdão que ora de recorre, acrescenta exigências que não constam do texto da lei.
16 - Urge ressalvar, que o desígnio criminoso do arguido era a ocultação da sua verdadeira identidade apresentando, para isso, uma falsa identificação corporizada num passaporte, assim, a falsificação do documento apresenta-se como um complemento ou, uma consequência instrumental necessariamente ligada à prévia identificação falsa.
17 - Acresce que, os crimes ocorreram num espaço de tempo muito curto, designadamente em Agosto e Novembro de 2016, o que, a nosso ver, corresponde a mais um vector justificativo da condenação com base no crime continuado.
18 – Mais releva que, no momento da prática dos factos, o Recorrente B... agia sempre movido e sob efeito do consumo de substâncias estupefacientes. Tal facto, foi demonstrado em audiência de discussão e julgamento pelas duas testemunhas de acusação que prestaram depoimento, os senhores agentes da PSP C... e D... - que perguntados pela defesa sobre o aspecto físico e postura do arguido, ambos foram perentórios ao afirmar que o mesmo tinha “aspecto de consumidor”.
19 - Sem prescindir, o Tribunal do Relação do Porto, no Processo nº 17/12.2GAOAZ.P1, relatado pela Exma. Senhora Desembargadora Eduarda Lobo, de 12-03-2014, decidiu, em caso idêntico - onde havia um concurso aparente precisamente entre os mesmos crimes dos presentes autos – que estamos perante um crime continuado de falsas declarações.
20 - Face ao exposto, consideramos que o arguido B..., com a sua conduta preenche os requisitos plasmados no art. 30º nº 2 do Código Penal, devendo como tal ser condenado pela prática do crime continuado de falsas declarações.
21 - DA MEDIDA DA PENA: Neste âmbito, importa atentar na questão atinente à dosimetria da pena de prisão aplicada ao Recorrente, que considera que o Tribunal a quo além da sua injustificável severidade, tendo em conta as circunstâncias do caso, não levou em conta as suas condições pessoais, nos termos do art. 71° nº 2 do Código Penal.
22 – Ademais, a decisão que ora se recorre não fez correcta aplicação dos artigos 40º nº 1 e 2, 70º e 50º nº 1 do Código Penal.
23 - Assim, apesar do Tribunal a quo ter reconhecido que o Recorrente possui apoio familiar, não valorou devidamente: o relatório social, elemento fundamental para se aferir em como o arguido é merecedor de uma oportunidade; o enquadramento habitacional do arguido; o facto de ter hábitos de trabalho e por isso tem boas perspectivas de se inserir profissionalmente; o Tribunal também não valorou o arrependimento demonstrado, nem tão pouco o facto de ter confessado (ainda que parcialmente) a prática dos crimes.
24 - Destarte, é certo que o pressuposto formal de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é que a pena seja de prisão em medida não superior 5 (cinco) anos, ao abrigo do art. 50º do Código Penal. Estamos convencidos, que tal pressuposto … se preencheria, caso o Tribunal a quo tivesse condenado o arguido pela prática de um crime continuado de falsas declarações.
25 - O Recorrente encontra-se a cumprir medida de coacção de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional do Porto, Cadeia de Custóias, no âmbito dos presentes autos, desde 01/11/2016.
26 - Nasceu a 21/10/1987, pelo tem 30 anos de idade.
27 - Desde que se encontra detido, voltou a contactar com os familiares próximos, designadamente, o pai, a mãe e os dois irmãos, que o apoiam incondicionalmente. Estes visitam-no todas as semanas, bem como são contactados diariamente via telefone por este.
28 - A casa de morada de família é habitada pelos pais e pelos irmãos do Recorrente, tem boas condições de habitabilidade e encontra-se situada numa zona pacífica, sem se encontrar associada a problemáticas de delinquência.
29 - Caso fosse condenado em pena não privativa da liberdade, o aqui Recorrente teria possibilidade, com efeitos imediatos, de laborar juntamente com o seu pai, na área da construção civil, quer pela influência da figura paterna bem referenciada no meio, quer por competência própria, pois o arguido é conhecido por se tratar de um bom trabalhador.
30 - Em audiência de discussão e julgamento demonstrou um arrependimento sincero e confessou a prática dos factos pelos quais está acusado. Ademais, reconhece a ilicitude penal e a gravidade dos mesmos.
31 - É a primeira vez, que o ora Recorrente, se encontra privado da sua liberdade, não obstante possuiu outro registo de confronto com o sistema de justiça penal, por crimes distintos dos crimes dos presentes autos.
32 - Ademais, no Estabelecimento Prisional onde se encontra, apresenta um comportamento incriticável e exemplar, cumprindo todas as normas do mencionado estabelecimento e mantem-se isento de medidas disciplinares.
33 - Desde que se encontra preso preventivamente, o aqui Recorrente deixou de consumir substâncias estupefacientes. Tal facto, afigura-se de todo relevante, pois os crimes alegadamente cometidos por este ocorreram em virtude do consumo ou por causa dele.
34 - Ora, em termos práticos e objectivos uma vez que o arguido deixou de consumir substâncias psicotrópicas, já não tem qualquer “motivo” para desenvolver qualquer tipo de actividade criminosa.
35 - Estamos convencidos que, caso o aqui Recorrente seja condenado em pena privativa da liberdade, esta terá o efeito oposto ao pretendido, já que é bastante provável que o arguido, que é bastante jovem, se deixe influenciar pelo apanágio negativo vivenciado no Estabelecimento Prisional onde se encontra, fazendo com que o mesmo se torne num verdadeiro criminoso.
36 - Face ao exposto, consideramos que, a condenação do caso sub judicie para além de se apresentar contrária aos princípios e aos fundamentos legais e constitucionais expostos, constituiu uma opressão desnecessária do direito à liberdade do arguido, pelo que se apresenta manifestamente injustificada, severa, excessiva e injusta.
37 - Atendendo a todos os elementos supra-referidos, estamos em crer que o arguido B..., a ser condenado com uma pena de prisão suspensa na sua execução, garantiria, de forma cabal, o cumprimento das necessidades de prevenção geral e especial do caso concreto. Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, por provado, nos termos sobreditos.
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O recurso foi admitido por despacho constante de fls. 959 dos autos.
O MP junto do tribunal a quo veio oferecer a sua resposta, onde pugnou fundamentadamente pela negação de provimento ao recurso.
Nesta Relação, o Exm. PGA emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta.
Colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, pela ordem em que são enunciadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir.
- Quanto aos crimes de falsificação, averiguar se estamos perante um crime de falsificação na forma continuada ou perante um concurso de crimes.
- Medida das penas parcelares e única.
- Suspensão da pena.
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2. Enumeração dos factos provados, não provados e respectiva motivação.
«2.1.MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
Da discussão da causa resultou provado que:
1.No dia 5 de Agosto de 2016, antes das 15h30, o arguido B... deslocou-se num táxi ao ..., para ali adquirir cerca de 53 gramas de cocaína a fim de as transportar para Braga, área de sua residência.
2. Na posse da cocaína que tinha adquirido, o arguido dirigiu-se para o táxi e abandonou o ....
3. Quando seguiam pela A20, em ..., o referido táxi foi intercetado, tendo o arguido sido encontrado na posse de um saco que continha vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 50,334g, um papel contendo vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 1,519g, e duas embalagens contendo vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,542g, estupefaciente que o arguido detinha e consigo transportava.
4. O arguido B... tinha ainda, na sua posse, a quantia monetária de 15,30€.
5. Na sequência da detenção sofrida, no dia 6 de Agosto de 2016, pelas 12h05, o arguido B... foi presente a primeiro interrogatório judicial, na Secção Central de Instrução Criminal do Porto, no âmbito dos presentes autos.
6. Tendo sido dado início ao ato, a Mma. Juíza que presidiu à diligência advertiu o arguido B... que a falta ou falsidade de resposta sobre a sua identidade o fazia incorrer em responsabilidade penal, tendo-lhe então perguntado o nome, ao que o arguido referiu chamar-se B1....
7. Depois de lhe perguntar qual a sua filiação, perguntou-lhe qual a sua data de nascimento, tendo o arguido dito ter nascido em 10.07.88, e ainda de onde era natural, tendo o arguido dito ser natural de Espanha.
8. O arguido B... sabia que tais elementos de identificação não eram os seus, visando com o seu comportamento evitar que se apurasse a sua real identidade, ou seja que se chamava B..., ter nascido em 21/10/87 e ser natural e nacional de Portugal.
9. Após ler o auto com as referidas declarações, o arguido B... confirmou-as e assinou-as, apondo o nome B1....
10. No âmbito das diligências realizadas após a sua detenção em 05.08.16, o arguido B... assumiu sempre uma identidade que sabia não ser a sua, identificando-se em todos os documentos como B1..., com os restantes elementos de identificação já referidos, com vista a impedir a obtenção da sua real identidade.
11. Desde logo, com esse mesmo propósito de impedir a obtenção da sua real identidade, no dia 5 de Agosto de 2016, o arguido B... prestou termo de identidade e residência, identificando-se como B1..., e assinou tal documento apondo esse mesmo nome, factos que sabia não corresponderem à realidade. Bem assim, apôs o nome B1... no auto de apreensão de 05.08.16, e no auto de constituição de arguido de 05.08.16.
12. Também no ato de primeiro interrogatório judicial ocorrido em 6 de Agosto, o arguido juntou aos autos a procuração em que se identificou como B1..., natural de Espanha, e assinou apondo o nome B1....
13. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 5 de Agosto de 2016, o arguido B..., de modo não apurado, entrou na posse do passaporte n.º ........., documento este que foi subtraído “em branco” da “Comisária de Policía de ...”, em Pontevedra, Espanha, em 19 de Dezembro de 2014.
14. Na posse do referido documento, o arguido B..., também de modo não apurado, inseriu no mesmo a sua fotografia e fez ali inscrever como seu titular B1..., de nacionalidade espanhola, nascido em 10.07.88, em ... (Pontevedra), tendo ainda aposto no local destinado à assinatura o nome B1..., de modo a poder utilizar o referido passaporte como documento próprio, visando criar a convicção de que tal documento emitido em nome do B1... lhe pertencia e que os elementos de identificação nele apostos eram os seus, o que sabia não corresponder à verdade.
15. Assim, no ato de primeiro interrogatório judicial decorrido no dia 6 de Agosto de 2016, o arguido B... foi identificado pelo passaporte com o n.º ........., no qual se encontrava aposta a sua fotografia e como seu titular B1....
16. No dia 1 de Novembro de 2016, pelas 10h10, o arguido B... seguia no lugar de passageiro na viatura marca “Ford”, modelo “...”, com a matrícula XC-..-.., pela Rua ..., no Porto, acompanhado de outro indivíduo cuja identidade ainda não se logrou apurar, encontrando-se parados numa fila de trânsito.
17. Nessa altura, apercebendo-se da presença dos agentes da PSP e com o propósito de evitar ser encontrado na posse de estupefaciente, de imediato, o arguido saiu do veículo e atirou para um chão um maço de tabaco que continha vários pedaços de cocaína, o que logo foi recolhido pelos agentes.
18. O arguido B... encetou uma fuga, vindo a ser intercetado momentos depois, tendo, nessa altura atirado para chão de modo a evitar ser encontrado na sua posse, um canto de plástico contendo vários pedaços de cocaína.
19. Quer o maço de tabaco, quer o canto de plástico, lançados para o chão pelo arguido B..., foram logo recuperados, contendo os mesmos vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido global de 35,733g. A cocaína era detida e transportada pelo arguido B....
20. Na sequência da apreensão efetuada, o arguido B... foi conduzido à Esquadra da PSP, e no âmbito das diligências realizadas o arguido assumiu sempre uma identidade que sabia não ser a sua, identificando-se em todos os documentos como B1..., nascido em 10.07.88, natural de Espanha, com vista a impedir a obtenção da sua real identidade.
21. Assim, nesse mesmo dia, o arguido B... prestou termo de identidade e residência, identificando-se como B1..., e assinou tal documento apondo esse mesmo nome, factos que sabia não corresponderem à realidade.
22. Bem assim, apôs o nome B1... no auto de apreensão de 01.11.16, no auto de constituição de arguido de 01.11.16 e no termo de identidade e residência de 01.11.16.
23. Ainda na mesma altura, o arguido B..., para confirmar a sua identificação, exibiu o passaporte com o n.º ........., no qual se encontrava aposta a sua fotografia e como seu titular B1....
24. No dia 2 de Novembro de 2016, pelas 20h00, quando deu entrada no Estabelecimento Prisional do Porto, foi encontrado na posse do arguido B... o passaporte n.º ......... emitido em nome de B1..., com a fotografia do arguido B... aposta.
25. O arguido B... atuou sempre de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que detinha, guardava, transportava, sempre com a intenção de obter contrapartida económica.
26. Sabia ainda que a posse, detenção, guarda, transporte não autorizada de tais produtos é proibida por lei.
27. O arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei.
28. O arguido B... atuou também conforme supra descrito e sempre de forma livre e consciente, com a intenção concretizada de, na qualidade de arguido, prestar falsas declarações sobre a sua identidade, após ter sido advertido das consequências penais da falsidade das mesmas.
29. Mais sabia que ao assinar os termos de identidade e residência e demais documentos com um nome que sabia não ser o seu era fazer constar falsamente desses documentos factos juridicamente relevantes, visando obter benefícios ilegítimos encobrindo a sua atuação e identidade, sabendo ainda que com o comportamento descrito colocava em causa a credibilidade merecida por tais documentos.
30. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas por lei.
31. O arguido B... agiu ainda livre e conscientemente, fazendo inserir no passaporte acima referido a sua fotografia e os elementos de identificação ali descritos, de modo a utilizá-lo e através dele identificar-se perante terceiros, nomeadamente autoridades judiciárias e autoridades policiais, sabendo que os elementos de identificação nele apostos não correspondiam aos seus.
32. Sabia ainda que com o comportamento descrito colocava em causa a credibilidade merecida por tal documento, que constitui um documento autêntico, visando obter benefícios ilegítimos encobrindo a sua atuação e identidade, sabendo ainda que com o comportamento descrito colocava em causa a credibilidade merecida por tal documento.
33. Mais sabia que a sua conduta era proibida por lei.
34. O arguido fez uma confissão parcial assumindo-se consumidor de produtos estupefacientes, cocaína/heroína.
35. Do Relatório Social do arguido consta que: o processo de crescimento e socialização de B... decorreu no agregado familiar de origem, constituído pelos progenitores, numa prole de 3, em convivência familiar funcional. A família esteve emigrada na Suíça, país onde o arguido viveu dos 3 aos 6 anos de idade, regressando com a mãe após o nascimento do irmão mais novo, tendo o pai continuado emigrado durante mais 8 anos.
Os seus progenitores mantiveram hábitos de trabalho regulares, o pai no setor da construção civil e a sua mãe como cozinheira, zelando pela satisfação das necessidades dos seus descendentes.
B... integrou o sistema de ensino em Portugal com a idade regular, tendo concluído o 12º ano de escolaridade com 20 anos de idade, através da via profissionalizante “curso de mecatrónica”. O arguido registou duas retenções, uma no 7º ano de escolaridade e outra no 9º ano de escolaridade.
B... inicia-se nos consumos de substâncias psicotrópicas, em contexto escolar, pelos 18 anos de idade, efetuado na companhia do seu grupo pares, acarretando uma aproximação a grupo de pares conotados com problemáticas desviantes.
A sua primeira experiência profissional decorreu durante as férias escolares, laborou como eletricista na construção civil, após concluir os estudos, aos 20 anos de idade, iniciou o seu percurso profissional como mecânico auto, numa oficina sedeada em Monção, onde permaneceu durante 5 anos.
Após esse período, passou a trabalhar por conta própria (em regime de biscates), por opção própria, tendo inclusive laborado nesse regime em Espanha, (designadamente 2013/2014) ficando por lá alguns períodos de tempo, altura essa em que se inicia na prática criminal. B... após a sua saída de Monção distancia-se da família, deixando de dar notícias durante longos períodos.
Da última vez, esteve mais de um ano sem comunicar com a família, tendo os pais tomado conhecimento do seu paradeiro depois de ter dado entrada no Estabelecimento Prisional onde se encontra recluído à ordem dos presentes autos.
À data dos factos B... encontrava-se inativo laboralmente, e vivia na cidade de Braga.
B... mantém o apoio consistente do seu agregado de origem, constituída pelo seu progenitor com 54 anos de idade, ativo laboralmente no setor da construção civil como pedreiro, a sua progenitora com 50 anos de idade, ativa laboralmente no setor da restauração, o irmão com 23 anos de idade ativo laboralmente como vigilante, irmão com 12 anos de idade a frequentar o ensino básico, e uma tia paterna com 56 anos de idade, doméstica e portadora de uma deficiência mental.
A família reside em casa própria, suficientemente dimensionada para o agregado, dispondo de boas condições de habitabilidade.
O apoio familiar tem-se consubstanciado nas visitas ao estabelecimento prisional, os quais manifestam apoio ao nível do seu processo de reinserção social, em futuras medidas de flexibilização da pena ou quando restituído à liberdade, apesar do comportamento que tem evidenciado de forma recorrente nos últimos anos.
A subsistência do arguido estará garantida, dada a situação económica equilibrada que o seu agregado familiar possui, assegurada pelos rendimentos de trabalho dos progenitores e de um dos seus irmãos, complementados por algumas reservas financeiras obtidas aquando da emigração da família na Suíça.
No plano laboral, B... quando restituído à liberdade, poderá integrar-se profissionalmente na construção civil, com o apoio do seu progenitor, no local de residência, assim como, com o mesmo apoio, poderá ser integrado nessa atividade profissional, na Suíça.
Dado o interesse que o arguido manifesta em sair do país, o seu progenitor está disponível para o levar para a Suíça, usar dos seus conhecimentos para o integrar profissionalmente na construção civil e, sendo necessário, passar algum tempo com ele nesse país.
O progenitor do arguido embora não tenha uma perspetiva concreta para a sua integração (porque não quer fazer publicidade da prisão do filho) não terá dificuldade de obter emprego, quer por sua influência, quer porque, nos locais onde trabalhou, está conotado como sendo bom trabalhador.
B... encontra-se recluído preventivamente no Estabelecimento Prisional do Porto desde 02.11.2016, à ordem do presente processo, e regista outro confronto com o sistema de justiça penal, tendo sido condenado no âmbito do processo 103/14.4GAMNC numa pena única de 520 dias de multa à taxa diária de 7,00€, pelo crime de furto qualificado, introdução em local vedado ao público e dano simples.
B... encontra-se preso pela primeira vez, e manifesta dificuldades de adaptação ao contexto de privação da liberdade em virtude da consequente redução da sua capacidade de movimentação e escolha. No entanto o arguido tem mantido um comportamento de acordo com os normativos vigentes em meio prisional, evitando situações de risco e de cometimento de comportamentos passíveis de sanção disciplinar, e estará abstinente do consumo de substâncias psicotrópicas, problemática que possuía à data da sua reclusão, tendo sido acompanhado nas especialidades clínicas de psicologia e psiquiatria, até Fevereiro de 2017.
B... reconhece a ilicitude penal e a gravidade dos factos pelos quais está acusado, contudo possui um discurso centrado nos prejuízos para si próprio, desculpabilizando-se com a influência do seu grupo de pares bem como a problemática aditiva de opiáceos que possuía à data, e mantém um discurso onde desvaloriza a existência de vítimas.
36. Do CRC do arguido consta que foi condenado no PCS nº 103/14.4GAMNC do Tribunal de Monção, Juízo de Competência Genérica, por decisão de 6.10.2015 mas só tornada definitiva, isto é transitada em 19.12.2016, pela prática de um crime de furto qualificado, de 12.03.2014, nº 1 al. b) do artigo 204º, por referência ao artigo 203º, introdução em lugar vedado ao público art.º nº 191º, e dano 212º, todos do Código Penal na pena única de 520 dias de multa à taxa diária de 7€, o que perfaz a multa única do valor de 3.640€.
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2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:
Da discussão da causa não se lograram provar outros factos que assumam relevância para a sua decisão, ou que com os provados ou não provados estejam em contradição ou por ainda encerrarem matéria conclusiva ou de direito, designadamente:
a. O arguido B... vem-se dedicando ao transporte, guarda e venda de produtos estupefacientes, designadamente cocaína, desde data não apurada, mas anterior a Agosto de 2016.
b. O arguido nas circunstâncias descritas em 15 também exibiu o passaporte ali identificado.
c. O valor indicado em 4 era proveniente da venda de produto estupefaciente que o arguido B... tinha efetuado até àquela altura.
d. O estupefaciente apreendido ao arguido B... era por si destinado à venda.
e. O arguido fazia nas circunstâncias constantes nos factos assentes, o transporte da cocaína, que lhe foi apreendida, para ciganos do ..., em Braga, para obter produto estupefaciente para seu consumo, pois era consumidor de heroína, vivendo em função de tais consumos.
f. O arguido vivia na rua a arrumar carros, pelo que se viu “obrigado” – em razão de tal situação - a fazer o transporte de droga para os ciganos do ..., em Braga, que lhe deram o passaporte apreendido em 2016, instruindo-o como agir, no caso de ser detido pelas autoridades policiais, o que fazia apenas para financiar os seus consumos de estupefacientes.
g. O arguido sobrevivia das moedas de arrumar carros ou comia nas roulottes.
h. O arguido nas circunstâncias dos factos assentes era quem vendia a cocaína a consumidores.
i. O arguido destinava o produto estupefaciente apreendido ao seu consumo pessoal e exclusivo.
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2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO E ANALISE CRITICA
Nos termos do artº 374º, nº2 CPP, na elaboração da sentença, a seguir ao relatório, “… segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
Ora salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente – art. 127º, do CPP.
A propósito deste princípio o Prof. Figueiredo Dias não deixa de salientar: “Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionaridade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há- de ser, em concreto recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e de controlo...” – cfr. Direito Processual Penal, 1º vol., Coimbra Editora Ldª, 1974, págs 202/203.
Também Marques Pereira, a propósito do mesmo princípio, refere: “Permite-se às diversas entidades que apreciem a prova existente nos autos ou produzida perante si com base exclusivamente na livre valoração destas e na sua convicção pessoal.
O citado art. 127º, impõe que a apreciação se faça segundo as regras da experiência (...) Significa, por um lado, a ausência de critérios legais que predeterminem o valor a atribuir à prova ou hierarquizem o valor probatório dos diversos meios de prova.
Por outro lado, livre convicção ou apreciação não poderá nunca confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova”.
E prossegue o mesmo autor “...a mais importante inovação introduzida pelo Código nesta matéria consiste, precisamente, na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do processo de modo a permitir-se um controlo efetivo da sua motivação” – cfr. Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, “ Meios de Prova”, Livraria Almedina, págs. 227/228.
Ora, in casu, o Tribunal apreciou toda a prova documental, por declarações e testemunhal, livre, conjugada e criticamente (nos termos dos art.º s 124 a 127º, do CPP) com a ressalva da prova que se mostra pericial subtraída à livre apreciação do julgador nos termos do artigo 163º, do CPP.
Relevaram para a prova dos factos assentes: factos 1 e 2 (auto de detenção de arguido e apreensão de cocaína, após teste rápido de fls. 3 a 5 e 44) no que respeita ao facto 3, (o auto de exame de fls. 93 a 95); para o facto 4 (fls. 6 o auto de apreensão de moedas e notas do BCE com a identidade falsa); para prova dos factos 5 a 12 (fls. 7 auto de constituição de arguido, fls.8 Termo de Identidade e Residência -onde o arguido B... após o nome com que se identificou B1...; fls. 9 a 13 expediente subsequente lavrado no pressuposto de o arguido ser a pessoa que se identificou; fls. 16 a 25 diligências e despachos exarados no pressuposto da pessoa detida ser B1... e por via disso ser como tal apresentado a primeiro interrogatório judicial de arguido detido; fls. 27 procuração a favor do Advogado Dr. E..., onde o arguido assumiu identidade de B1..., assinando com tal nome a mesma; fls. 28 a 34 auto de interrogatório de arguido detido, - de consta a advertência do arguido para as consequências da falta ou falsidade das respostas às perguntas sobre a sua identidade, que o fariam incorrer em responsabilidade penal, (onde o arguido B... se identificou com o nome de B1..., com data de nascimento que não é a sua bem assim como de nacionalidade Espanhola, mecânico de automóveis por conta própria a prestar serviços em stands, dando a sua residência em ..., Pontevedra Espanha, e em território nacional na cidade de Braga, que não indicou por ali se encontrar há 3 meses), tinha consigo um passaporte emitido com tal nome de onde consta a sua fotografia. O interrogatório de 6.08.2016 deveu-se à detenção de estupefaciente, mais concretamente, cocaína em quantidade que daria aproximadamente para 650 doses individuais, (apresentando-se pedras) vendo-lhe aplicado em razão de tal interrogatório as medidas de coação; de Termo de Identidade e Residência, obrigação periódica de se apresentar na esquadra da policia da área da residência, bi-semanalmente, em Braga, proibição de contatos com pessoas ligadas ao tráfico de estupefacientes, ou de por interposta pessoa adquirir estupefacientes; e prestação de caução de 1.000€, em 30 dias, ponderadas as condições financeiras ali apuradas através do arguido; fls. 35 prestação de Termo de identidade e residência na sequencia do interrogatório judicial prestado pelo arguido B..., com e identidade e assinatura da identidade falsa; fls. 37 e 38 notificações na sequência do expediente lavrado) prova dos factos 13 a 15 (fls. 46 a 57, informação de serviço na sequencia da resenha do arguido; e diligencias por suspeita de falsidade de declaração sobre identidade e falsidade de passaporte, comparação das resenhas e apuramento da verdadeira identidade do arguido como B..., fls. 96 cliché fonográfico, fls. 2 a 22 apenso de caução prestada de 1.000; os factos 16 a 23 e 25 a 33, ( fls. 3 e 6 do apenso B, detenção em 1.11. 2016, do arguido que volta a identificar-se como B1...; fls. 3 auto de apreensão de produto estupefaciente a B1..., como se identificou, fls. 4 teste rápido, cocaína, fls. 5 e 6 auto de constituição de arguido e prestação do termo de identidade e residência, com identidade falsa, declarada e assinada, exibindo o passaporte nº ......... à autoridade policial; fls. 7 a 16 expediente que se lhe seguiu, fls. 24 a 26 alerta sirene, incorporação/apensação ao inquérito 288/16.5PDPRT fls. 141 a 144 expediente relativo ao arguido que se identificou falsamente, apreensão da viatura onde o arguido se fazia transportar fls.139 e 140, exame do LPC de fls. 309; fls. 171 a 213 dados de identificação do arguido B..., diligencias e apreensão da viatura XC-..-.., Ford ..., em 1.11.2016; fls. 404 certidão de nascimento do arguido e filiação respetiva, fls. 419, 429, 430, 520 a 523, 625 e 626 relativos ao passaporte utilizado com a falsa identidade); fls. 104 a 106 (auto de interrogatório de arguido detido, nos termos do artigo 141º, do CPP, com a identidade verdadeira B..., fls. 104 (procuração do arguido com o nome B... a favor do Dr. E...), fls. 108 a 118 (promoção e despacho a aplicar a medida de coação de prisão preventiva ao arguido B... que se identificou com verdade perante a juiz do Tribunal de Instrução Criminal, ao contrário do que até ali tinha feito, aquando ainda daquela detenção, e resenha do arguido) facto 24 (fls. 4 e 5 do apenso C, apreensão do passaporte no Estabelecimento Prisional e sua remessa aos autos a fls. 3).
Os factos como assentes foram corroborados pelos depoimentos dos agentes detentores que com o arguido intervieram na sua identificação e detenção.
Assim o depoimento de C..., agente da PSP, com domicílio profissional em EIFP da 2.ª Divisão da PSP/Porto, cuja razão de ciência foi devidamente controlada, que no dia 5.08.2016, fez a intervenção e detenção do arguido no táxi de Braga que saíra do .... De facto a atuação policial nas imediações do ..., publicamente conhecido como local de venda de estupefacientes, dirige-se à fiscalização de viaturas dali provindas. Uma vez que muitos adquirentes de produtos estupefacientes utilizam para se transportar táxis, estes são fiscalizados. O táxi de Braga, provindo do ... foi fiscalizado, tendo como passageiro o arguido. Nessa altura o arguido tentou ocultar algo na zona genital, o que criou a suspeita ao agente da PSP de que aquele deteria consigo algo de ilícito, motivando a que fosse sujeito de imediato a revista sumária. Como resultado de tal revista foi encontrado na sua posse, um produto doseado, (pedrinhas) que sendo suspeito de ser de natureza estupefaciente, exigia ser sujeito a confirmação. Conduzido o arguido à esquadra, este identificou-se como B1..., fazendo uso de um passaporte que exibiu com a sua fotografia e aquela identidade, que não suscitou dúvidas nesta altura à autoridade policial.
Por sua vez o produto doseado foi submetido a análise rápida (vulgo teste rápido) vindo a confirmar-se tratar-se de produto estupefaciente, mais concretamente cocaína, após a realização do teste rápido foi o arguido encaminhado para o Tribunal. Mais se verificou ter na sua posse 15,30€ em moedas e notas do BCE que ficaram apreendidas. Acrescentou a testemunha que a viagem do táxi se mostrava já paga, ao taxista fiscalizado. Este depoimento apresentou-se desinteressado, verdadeiro e coerente. Por sua vez o depoimento de D..., agente da PSP, com domicílio profissional em EIFP da 2.ª Divisão da PSP/Porto; cuja razão de ciência foi devidamente controlada que interveio com o arguido no dia 1 de Novembro de 2016, sendo esta a única intervenção policial com o arguido. Relatou que a fiscalização da viatura foi aleatória, e na altura em que se abeiraram apercebeu-se do nervosismo dos ocupantes, tendo o arguido saiu em fuga do lugar de passageiro, a quem moveu a perseguição e interceção. Viu o arguido o arguido lançar o maço de tabaco e depois a lançar um saco plástico, que foram apreendidos e que continham algo, que depois de analisado veio a constatar-se ser produto estupefaciente, cocaína, pelo que foi dada ordem de detenção. O arguido identificou-se pela apresentação de um passaporte e prestado TIR naquela conformidade pois tal documento foi exibido. Na altura da abordagem, reconheceu o arguido por o já ter visto na esquadra, por deter cocaína e se fazer transportar num táxi.
O Tribunal conjugou a prova produzida e renovada em audiência, isto é os documentos, a confissão parcial e a prova testemunhal, com o que logrou fixar com a certeza constitucionalmente exigida os factos como assentes. Relevou a confissão ainda que parcial, no que respeita ao empreendimento na vertente da detenção e transporte, de cocaína (repudiado que ficou a venda direta a consumidores, de que nenhuma prova foi feita daí a não prova do facto b) e ainda do produto estupefaciente não ser destinado ao seu consumo pessoal e exclusivo) e sua consciência da ilicitude das condutas, (pois consumidor de substancias estupefacientes) atuando com conhecimento e vontade no seu empreendimento (isto é na adoção das condutas), demonstrando com a sua execução, uma atitude pessoal contrária ou indiferente ao dever-se jurídico-penal (elemento emocional), revelando quanto a todas que tinha o domínio da ação, pois realizou as ações típicas, tomando a execução pelas suas próprias mãos, de tal modo que dele dependeu o se e o como da realização típica das condutas, para o que estava preparado designadamente para frustrar a ação da justiça, identificando-se falsamente com passaporte falso, o qual é um passaporte Espanhol original (em branco) preenchido com dados de identificação que não pertencem ao arguido mas com a sua fotografia, por este fornecida bem como a aposição de uma assinatura pelo seu punho, (com vista a poder reproduzir aquela assinatura em quando necessário) elementos essenciais para a produção do passaporte falso que tinha para seu uso, fornecendo tal identidade como sua.
Ora a obtenção deste tipo de passaporte exige meios económicos que, não são consentâneos com o retrato que o arguido quer fazer de si.
De facto o arguido não logrou convencer o Tribunal coletivo de que fazia o transporte da cocaína que lhe foi apreendida para ciganos de ..., em Braga, para obter produto estupefaciente para seu consumo pessoal e exclusivo, (pois era consumidor de heroína) nem de que estava agarrado às drogas; que vivia na rua a arrumar carros; que se viu “obrigado” – em razão de tal situação a fazer o transporte de droga para os ciganos; que foram os ciganos que lhe deram o passaporte em 2016, e o instruíram como agir, para não ser apanhado; de que apenas fazia a detenção e transporte da cocaína, para financiar os seus consumos de estupefacientes, pois estava a sobreviver a arrumar carros e comia nas roulottes, vivendo na rua; versão que não se apresenta fiável e se mostra infirmada, por prova em contrário, já que, a aposição na emissão do passaporte é em 2014, altura em que aquele arguido, como esclareceu estava em Espanha.
De facto e criticamente apreciando, somos a constatar que a versão confessória do arguido, não assume relevância de maior, tanto quanto é certo que o arguido, foi detido em flagrante delito pela autoridade policial, detendo produto estupefaciente na quantidade e qualidade – cocaína- peso liquido total 88.128 gramas, conhecedor que era da natureza estupefaciente do produto estupefaciente que detinha e transportava, o que quis fazer apesar de ter consciência de que a detenção e transporte de produto estupefaciente – cocaína é punido como crime pela lei penal, com a intenção de obter contrapartida económica, querendo furtar-se à ação da justiça, prestou falsas declarações, sobre a sua identidade, assinou vários documentos com factos juridicamente relevantes com identidade falsa, para encobrir a sua verdadeira identidade, e prosseguir na senda do crime, - obtendo benefícios ilegítimos, colocando em causa a fé publica de tais documentos, o que igualmente fez ao fazer inserir no passaporte a sua fotografia uma assinatura pelo seu punho e os elementos de identificação dali constantes.
Criticamente apreciando a versão do arguido a questão a colocar será quem em seu “são juízo” confiaria dinheiro (acima dos 1.250€ considerando o valor por grama da cocaína a 25€, em 5.08.2016 e acima dos 1.000€ em 1.11.16, atenta a quantidade da cocaína apreendida e dada por assente pois examinada e pesada) a um heroinómano a viver na rua, para ir buscar estupefaciente ao ..., indicando o seu fornecedor e confiando que o mesmo heroinómano e cocainómano lhe faria a entrega do produto estupefaciente, adquiria um passaporte imaculadamente forjado e prestaria uma caução de 1.000€?
A resposta não pode ser outra - ninguém, e muito menos ciganos do ..., a quem não poderá deixar de ser reconhecida, esperteza.
De facto, resulta de mediana clareza que um qualquer heroinómano como o arguido se arrogou em audiência, - miserável a viver na rua, subjugado pelo vicio, a arrumar carros e a comer nas roulottes - teria uma grande dependência de drogas naquele período, e como resulta das regras da experiência comum e normalidade social, uma pessoa nesse estado, não é de confiança para fazer a compra e o transporte da droga. O certo é que um individuo nas descritas circunstâncias de dependência de drogas do arguido, das duas uma: ou fugiria com o dinheiro para comprar droga e desapareceria para Espanha de onde tinha um passaporte com a sua fotografia (emitido em 2014), ou depois de adquirida a droga desapareceria no ..., para a consumir até acabar a droga e por ali ficaria, (pois até habilitado com uma identidade falsa, fazendo uma viagem desacompanhado), pois estava a viver por viver na rua mais vale em local onde o estupefaciente é mais barato, pois seria mais um consumidor e é de consumidores de droga de que muita gente do ... vive.
Por isso, nesta parte as declarações do arguido não são fiáveis, antes fazem parte do exercício do direito de defesa na tentativa de convencer o Tribunal coletivo de que era um traficante consumidor, e que teria a sua capacidade e vontade diminuída pelas drogas, o que o levaria a submeter-se ao que os ciganos lhe mandavam para satisfazer os seus consumos, tese que não obteve qualquer acolhimento pelo Tribunal coletivo.
Aliás, infirmando esta tese está a perícia psiquiátrica forense a que o arguido se submeteu de fls. 750 e segs., e de onde resulta que o arguido ali se apresentou “com bom estado geral e aspeto físico cuidado.” “Tem orientação tempo-espacial e na situação. Não tem alterações da memória recente ou remota. A sua dotação intelectual, numa avaliação clínica, é de nível normal. Não apresenta alterações do curso ou do conteúdo do pensamento. O seu Humor é adequado e sintónico.” Na entrevista “manteve-se calmo, com comportamento adequado. Tem boa capacidade de argumentação em sua defesa, mostrando-se ter estratégias de auto conservação íntegras”. Não evidencia nem se lhe identificou “na sua narrativa retrospetiva, qualquer evidência de emergência de patologia psiquiátrica ou estados alterados de consciência. Mostra capacidade de discernir sobre os seus comportamentos que motivaram os factos dos autos, revelando uma consciência plena da sua ilicitude, Não há registo, na sua história clínica, da existência de perturbação psiquiátrica comórbida.” (….)
A perícia concluiu que “o examinado (aqui arguido) à data dos factos em apreço nos autos, estava capaz de avaliar a ilicitude dos factos e de determinar o seu comportamento em função dessa avaliação, pelo que deve ser considerado imputável para os mesmos factos.” Por outro lado, o arguido estava munido de um passaporte imaculadamente falso, que como é do conhecimento geral não é adquirido para alguém nas circunstâncias de dependências de droga relatadas pelo arguido. Temos outro sim por certo que o arguido movimenta-se num mundo criminoso de trafico de estupefacientes, onde justifica o investimento feito na aquisição e falsificação daquele passaporte que sem pruridos usou para se furtar à ação da justiça, e justifica o depósito de caução aos autos, o que apenas se coaduna com consumos ocasionais de estupefaciente, confiança e investimento em si (arguido). Ora revelador disso é nunca ter sido submetido a qualquer desintoxicação de drogas como adiantou e no estabelecimento prisional já não carecer de acompanhamento médico. Por outro lado, não estamos a falar de uma deslocação ao ... a fim de adquirir estupefaciente, mas de duas vezes, a segunda das quais já não se fazia transportar de táxi mas em viatura particular com condutor, que foi fiscalizada e onde o arguido se fazia transportar ao lado do condutor (no lugar do “pendura”) e que ao ser intercetado pela policia se pôs em fuga vindo a ser intercetado deitando para o chão o produto que veio a verificar-se tratar-se de cocaína.
O total líquido do estupefaciente, cocaína é no total de 88,128 gramas de cocaína líquida, num total de 500 pedras, que a preço de custo rondará o valor de 2.300€ (isto de acordo com as regras de como se processa este tipo de negócio e o conhecimento que vimos tendo do valor como corre a grama da cocaína na cidade do Porto, mais concretamente naquele Bairro).
A fragilidade da atual versão do arguido para circunstanciar os factos cai por terra, uma vez que logo na sua primeira detenção e apresentação ao TIC do arguido foi aplicada para além de outras medidas de coação, a medida de caução económica no valor de 1.000€, ora a um cidadão como ele pretende personificar atualmente em audiência, o Tribunal nunca aplicaria tal medida de coação, já que isso seria votado ao insucesso, por falta de meios económicos, logo “ab initio” para prestar a caução. A medida de prestação de caução económica, apenas se justifica ter sido aplicada, por o arguido arrogar-se meios económicos bastantes, para adquirir a cocaína, atento a quantidade e valor da droga a detida.
Por outro lado revela-se de assaz importância, pois faz cair por base toda a versão da defesa para justificar o transporte e detenção da droga, o facto de o arguido ser portador de um passaporte onde se mostra aposta a sua fotografia, passaporte este Espanhol que foi furtado em branco, e de onde constam como elementos de identificação B1.... Este passaporte falso de tanta qualidade emitido em 2014, é muito difícil de adquirir e os seus custos são muito altos o que mais uma vez infirma a versão do arguido que alegou que tal documento foi-lhe dado pelos ciganos, e por eles feito em 2016 para aquele serviço tendo sido os mesmos a indicar e a ensinar como proceder. Aliás no TIC o arguido mandata o seu advogado com um nome falso e apresenta-se perante a Srª Juíza após todas as advertências com a falsa identidade que igualmente usa nas duas ocasiões em que presta termo de identidade e residência no Tribunal assinando o nome de terceiro. Da segunda vez que foi detido, intervindo o mesmo ilustre causídico é a conselho deste que se identifica no primeiro interrogatório ao Tribunal, após as devidas advertências a respeito da falsidade com a sua verdadeira identidade (apesar de ter consigo o passaporte e ter-se identificado com base nele perante a autoridade policial e prestado Termo de Identidade e residência) passando agora uma procuração verdadeira identidade, mas com um fito de que não se apercebessem que era a segunda detenção da sua pessoa. Mais uma vez teve como estratégia iludir a justiça, para não dar azo a que verificassem a violação das medidas de coação. Não logrou foi êxito.
De facto, entretanto havia diligências em curso para descobrir a verdadeira identidade do arguido em razão da resenha a que foi sujeito e do pedido de colaboração internacional, que alertaram para o facto de B... usar identidade falsa o que passou a constar da sua ficha biográfica aberta na sequência da primeira detenção e resenha.
Para a prova dos demais factos assentes relevaram as declarações do arguido em audiência de discussão e julgamento, o relatório social junto aos autos, e o CRC do arguido que à data dos factos era delinquente primário.
No que respeita aos factos não provados não foi feita prova ou os mesmos resultam infirmados por prova contrária, critica e validamente apreciada, daí a não prova dos factos a) a i), que resulta de mera alegação não estribada em prova.»
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3.- Apreciação do recurso.
3.1. - Quanto aos crimes de falsificação, averiguar se estamos perante um crime de falsificação na forma continuada ou perante um concurso de crimes.
Sustenta o recorrente nas suas conclusões 1 a 20 que o Tribunal a quo condenou-o pela prática em concurso efectivo de um crime de falsidade de declaração, dois crimes de falsificação de documento e um crime de falsificação qualificado.
Sustenta que os crimes cometidos pelo arguido inserem-se no âmbito do crime continuado.
Argumenta que para se verificar o crime continuado a conduta do agente tem de preencher o mesmo tipo de crime, ou tipos de crime diversos, porém que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico; este requisito encontra-se preenchido, pois o tipo de crime e o bem jurídico protegido pelos três crimes de falsificação de documento é o mesmo, este relaciona-se com a segurança e credibilidade dos documentos no tráfico jurídico probatório.
Mais argumenta que, não obstante o crime de falsidade de declarações constituir um tipo de crime distinto dos demais, o bem jurídico que visa tutelar é essencialmente o mesmo e prende-se com impedimento de realização da justiça: argumenta ainda que os dois tipos legais encontram-se ligados por uma relação de instrumentalidade, constituindo assim, um concurso aparente de crimes.
Argumenta haver homogeneidade da execução; o arguido levou a cabo a prática dos quatro crimes de que vem acusado, de modo homogéneo e semelhante, o “modus operandi” foi o mesmo.
Existir uma situação exterior que diminui a culpa do agente: determinante é a existência de uma situação exterior, que facilite a prática de novo crime ou desincentive o agente a agir em conformidade com o Direito; no caso, existe uma circunstância que facilita a prática dos crimes que se prende com a utilização do passaporte falso - o arguido guardava sempre o referido documento na carteira que trazia consigo (juntamente com os restantes documentos) o que fazia com que se sentisse sempre “tentado” a utilizá-lo.
O desígnio criminoso do arguido era a ocultação da sua verdadeira identidade apresentando, para isso, uma falsa identificação corporizada num passaporte, assim, a falsificação do documento apresenta-se como um complemento ou, uma consequência instrumental necessariamente ligada à prévia identificação falsa. E continua, defendendo que os crimes ocorreram num espaço de tempo muito curto, designadamente, em Agosto e Novembro de 2016, o que corresponde a mais um vector justificativo da condenação com base no crime continuado.
Mais defende que, no momento da prática dos factos, o Recorrente agia sempre movido e sob efeito do consumo de substâncias estupefacientes e que tal facto, foi demonstrado em audiência de discussão e julgamento pelas duas testemunhas de acusação que prestaram depoimento, os senhores agentes da PSP C... e D... - que perguntados pela defesa sobre o aspecto físico e postura do arguido, ambos foram perentórios ao afirmar que o mesmo tinha “aspecto de consumidor”.
Chama à colação o Ac. do TRP de 12.03.2014, Processo nº 17/12.2GAOAZ.P1, Rel. Eduarda Lobo, onde diz ter sido decidido em caso idêntico - onde havia um concurso aparente precisamente entre os mesmos crimes dos presentes autos – que estamos perante um crime continuado de falsas declarações.
Pugna finalmente que a conduta do recorrente preenche os requisitos plasmados no art. 30º nº 2 do Código Penal, devendo como tal ser condenado pela prática do crime continuado de falsas declarações.
O Tribunal a quo fundamentou a subsunção jurídica dos factos, relativamente aos crimes de falsificação do seguinte modo:
«Vem o arguido acusado em concurso efetivo, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-B, anexa àquele diploma legal, um crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo art.º 359.º, nºs. 1 e 2, do Cód. Penal, dois crimes de falsificação, p. e p. pelo art.º 256.º, nºs. 1, d) do Cód. Penal, e um crime de falsificação, p. e p. pelo art.º 256.º, nºs. 1, b) e d) e 3, do Cód. Penal.
(…)
-Do crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo art.º 359.º, nºs. 1 e 2, do Cód. Penal.
Nos termos do art. 359, que 1.“Quem prestar depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sobre os quais deve depor, depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequências penais a que se expõe com a prestação de depoimento falso, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. Na mesma pena incorrem, o assistente e as partes civis relativamente a declarações que prestarem em processo penal, bem como o arguido relativamente a declarações sobre a identidade.
Com a norma incriminatória em apreço tutela-se a realização ou a administração da justiça, assegurando-se que as declarações prestadas pelos sujeitos aqui referenciados sejam fidedignas, de modo a afiançar o bom funcionamento da atividade jurisdicional, enquanto pilar essencial de um Estado de Direito Democrático.
Relativamente aos outros sujeitos processuais, convém ter presente que no nosso ordenamento processual penal, a posição processual do arguido é distinta, tendo o mesmo um conjunto de deveres e direitos, que se encontram genericamente fixados nos arts. 60º e 61.º do C. P. Penal. Destes e com interesse para o caso dos autos destacam-se, os seguintes:
- o direito ao silêncio sobre os factos que lhe são imputados (n.º 1, al. c)) ou de dizer o que muito bem entender (art. 141.º, n.º 5, do C.P.P.)
- o dever de responder com verdade às perguntas feitas pela entidade competente sobre a sua identidade (art. 61.º n.º 3, al. b), do C.P.P.).
Um dos casos em que a lei impõe esse dever de verdade é aquele que decorre do primeiro interrogatório judicial do arguido detido, ao estabelecer no art.º 141.º, n.º 3, do C.P.P. que: “O arguido é perguntado pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, local de trabalho, (…) ”. Deve ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das respostas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.”
A razão de ser desta obrigatoriedade tem que ver com a possibilidade de ser aplicado ao arguido, naquele ato, uma medida de coação – veja-se Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime” (2005), p. 641.
Como se refere no Ac. do T. C. n.º 372/98, de 13.05.1998, “após o primeiro interrogatório judicial do arguido, se o processo tiver de continuar, o juiz tem de tomar uma decisão sobre as medidas de coação que deverá impor ao arguido e, para tomar tal decisão, é fundamental que a identidade pertença à pessoa que tem à sua frente, e não a qualquer outra ou até a ninguém, o que frusta a boa administração da justiça e contamina as diligencias de prova subsequentes relevantes para a escolha da adequada medida de coação processual”.
Assim e face ao bem jurídico protegido pelo crime aqui em apreço, essas falsas declarações do arguido relativamente à sua identidade infringem essa tutela por consubstanciar um impedimento à realização da justiça. O legislador entendeu que só tem sentido impor esta colaboração forçada no que respeita à identidade do arguido, pois essa colaboração apresenta efetivas vantagens na prossecução do interesse público da justiça.
Temos pois como elementos objetivos do tipo a saber:
- o sujeito – pessoa constituída arguida em processo penal;
- o dever processual de responder e responder com verdade sobre a sua identificação.
A resposta com verdade sobre a identidade impõe uma Advertência, de que o arguido está obrigado a falar a verdade sobre a sua identidade, de outra forma incorre na prática de um crime de falsas declarações o qual é punido com prisão ou multa.
- a prestação de falsas declarações – contradição entre o declarado e a realidade.
No que concerne ao elemento subjetivo do crime em apreço, estamos perante um crime doloso - art. 14º do C.Penal.
O dolo, como conhecimento e vontade de realização do tipo, é expressão de uma atitude contrária ou indiferente ao direito penal. É composto por três elementos: o elemento intelectual - conhecimento da ilicitude do facto -, o elemento volitivo - vontade de realização do tipo -, e o elemento emocional - atitude pessoal contrária ou indiferente à violação do bem jurídico protegido.
O dolo do agente, assim entendido tem de abarcar todas as circunstâncias relativas à sua ação - dolo genérico.
Cotejando a matéria de facto resulta de mediana clareza que teremos de concluir pelo preenchimento da tipicidade objectiva uma vez que resultou provado que:
Na sequência da detenção sofrida, no dia 6 de Agosto de 2016, pelas 12h05, o arguido B... foi presente a primeiro interrogatório judicial, na Secção Central de Instrução Criminal do Porto, no âmbito dos presentes autos.
Tendo sido dado início ao ato, a Mma. Juíza que presidiu à diligência advertiu o arguido B... que a falta ou falsidade de resposta sobre a sua identidade o fazia incorrer em responsabilidade penal, tendo-lhe então perguntado o nome, ao que o arguido referiu chamar-se B1....
Depois de lhe perguntar qual a sua filiação, perguntou-lhe qual a sua data de nascimento, tendo o arguido dito ter nascido em 10.07.88, e ainda de onde era natural, tendo o arguido dito ser natural de Espanha.
O arguido B... sabia que tais elementos de identificação não eram os seus, visando com o seu comportamento evitar que se apurasse a sua real identidade, ou seja que se chamava B..., ter nascido em 21/10/87 e ser natural e nacional de Portugal.
Após ler o auto com as referidas declarações, o arguido B... confirmou-as e assinou-as, apondo o nome B1.... (factos 5 a 9) Mais se provou que:
O arguido B... atuou de forma livre e consciente, com a intenção concretizada de, na qualidade de arguido, prestar falsas declarações sobre a sua identidade, após ter sido advertido das consequências penais da falsidade das mesmas. (cf. facto 28).
Está assim preenchido o elemento subjetivo do tipo legal imputado, tendo o arguido agido com dolo direto.
Inexistem causas de exclusão da ilicitude, culpa ou punibilidade, pelo que teremos de extrair as consequências jurídicas da sua prática.
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Do Crime de falsificação
O arguido está acusado de dois crimes de falsificação, p. e p. pelo art.º 256.º, nºs. 1, d) do Cód. Penal, e um crime de falsificação, p. e p. pelo art.º 256.º, nºs. 1, b) e d) e 3 do Cód. Penal.
Dispõe o citado dispositivo que:
1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
4 - Se os factos referidos nos nºs 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
*
Nos artigos acima indicados e seguintes procura-se proteger o valor probatório dos documentos e, consequentemente, os interesses cuja existência só é possível certificar através dos meios de prova. Nesta conformidade, ao se ter erigido na lei que, o crime de falsificação previne o uso do documento falsificado, aquele que usa documento por si falsificado, (ou por interposta pessoa a seu mando) não poderá ser punido pelo uso, sob pena de violação do ne bis in idem, (a falsificação precede o uso do falso,) art.º 29º, nº5, da CRP.
Diz Marques Borges que “Ao proteger o valor probatório dos documentos acautela-se o desenrolar de vida em sociedade, garantindo a confiança mútua nas relações sociais”, in Dos Crimes de falsificação de documentos, moedas, pesos e medidas, pag. 28.
É, precisamente, esta confiança na prova documental que o Estado procura tutelar através dos vários tipos integrados no Capitulo II, do Titulo III, do Código Penal, por forma a que os documentos possam merecer fé-pública.
Assim o bem jurídico que se visa tutelar reside na segurança e credibilidade dos documentos no tráfico jurídico probatório, tendo em conta que os mesmos se destinam não só a perpetuar uma determinada declaração humana, como também a garantir que as declarações que encerram não foram desvirtuadas, apresentando-se como o seu autor as expôs num certo momento e local.
A ação do falsificador, uma vez que quebra a relação que se interpõe entre a aparência e a realidade, atenta contra o crédito de que goza o documento, isto é, contra a confiança que a generalidade das pessoas deposita em que a sua aparência corresponde à realidade. O objeto sobre o qual deverá incidir a conduta do agente é o documento no sentido exposto no art.º 255.º do C.P.
No documento o que se apresenta como penalmente relevante é a declaração corporizada em escrito que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante.
O documento terá assim de representar uma declaração de vontade humana – função de perpetuação; terá que ser apto para prova daquilo que contém, que detenha a virtualidade de demonstrar um facto relevante para o mundo do Direito – função probatória do documento; e o seu autor deverá ser reconhecível: o documento deve tornar possível a identificação do emitente da declaração, para que aquele mais tarde possa reconhecer a declaração como sua – elemento de garantia pessoal do documento (cf. GARCIA, M. Miguez, in O Direito Penal Passo a Passo, Volume II, Livraria Almedina, 2011, pág. 306 e 307).
Distinguem-se várias direções de proteção que acompanham a confiança:
- na autenticidade do documento ( al. a) e b) do nº1 do art.º 256º): o emitente é quem aparenta ser;
- na exatidão do conteúdo, isto é na sua veracidade al. d) do nº1, do artº 256;
- no abuso da assinatura de outra pessoa: c) do nº1, do artº 256;
- na correspondente utilização não abusiva: de e f) do nº1, do artº 256;
Revelando desta forma a tutela não só de interesses públicos como ainda de interesses privados.
São elementos objetivos deste tipo legal: fabrico de documento inteiramente falso; falsificação ou alteração de documento (…), nas várias modalidades de ação que poderemos agrupar:
- aquela em que o crime consuma-se quando o agente forja totalmente um documento falso. Por outras palavras, o agente fabrica, desde a origem, um documento que não existia.
- aquela em que o agente vicia o documento, alterando-lhe parte do seu conteúdo. Isto é, o agente preenche com atos falsos um documento verdadeiro ou acrescenta, em documento já completo, aditamentos, ou suprime dizeres de forma a produzir a modificação do seu conteúdo.
- aquela em que o agente “abusa” da assinatura de outrem para falsificar ou contrafazer documento;
- a falsificação por desconformidade entre o documento e a declaração ou a realidade (al. d) 256º, nº 1) de facto juridicamente relevante;
- uso de documento fabricado ou falsificado por outra pessoa, bem como aquele que faculta ou detiver documento fabricado ou contrafeito por outra pessoa.
Quanto ao elemento subjetivo, exige-se dolo específico, consubstanciado na intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo.
Em duas situações dos autos assentes, e temporalmente diferenciadas verificamos que o arguido com as suas apuradas condutas preencheu a tipicidade objetiva e subjetiva dos crimes de falsificação que lhe estão imputados, na modalidade do tipo base, - simples, do nº1 al. d) -, - pois nestas estão em causa vários documentos ali previstos, cujos elementos para preenchimento forneceu e assinou, pois que em cada uma das situações tomou a resolução de fazer constar em cada um deles factos falsos sobre a sua identidade, os quais são juridicamente relevantes, pois respeitam à sua identificação pessoal, visando o arguido encobrir a sua atuação criminosa, escondendo a sua identidade, sabendo ainda que tais comportamentos poem em causa a credibilidade merecida por tais documentos e causavam prejuízo ao Estado, na vertente da boa administração da justiça, obstando (beneficio ilegítimo) à sua perseguição criminal. (cf. fatos 10, 11 e 12, 20, 21, a 24, 29 e 30).
Estão por esta via preenchidos dois crimes de falsificação, nos termos do artigo 30º, nº1 do Código Penal, nos termos acusados, daí termos de extrair as consequências jurídicas dos mesmos;
e o crime de falsificação qualificado p. e p. pelo artigo 256º, nº 1 b) e d) do nº3, (isto é a agravação do crime em razão do tipo de documento) no caso o passaporte emitido em 2014 (que faz parte das categorias de documentos autênticos) falsificação de documento, que somos a entender estar numa relação de concurso real e não aparente, com o crime de falsidade de declaração e ainda no caso estar com os demais crimes numa relação de concurso e não numa relação de uma de continuação criminosa, que teria de resultar da prova, pelo que será submetida a sua prática ao nº1, do artigo 30º, do Código Penal.
Ora, sendo a matéria de facto resulta de meridiana clareza que o arguido forneceu a sua fotografia e assinou o passaporte incorporando desta forma elementos essenciais no fabrico do passaporte falso, determinando e contribuindo de forma essencial, para a feitura do documento falso, tendo por esta via e salvo o devido respeito por opinião diversa o domínio da ação. O arguido quis o passaporte falso e praticou atos de execução do crime de falsificação deste passaporte ao apor a assinatura (que dali em diante ia usar) e ao fornecer e determinar a para incorporar no passaporte a sua fotografia, com a identidade que não era a sua (falsa) visando que o passaporte em branco constasse tal declaração falsa sobre a sua identidade, isto é que se chamava B1..., e de assim dele retirar beneficio ilegítimo, o que visou para acobertar a sua verdadeira identidade e a coberto daquela prejudicar o Estado na frustração da ação da justiça, e atingir a segurança no tráfico jurídico, mais do que o interesse de assegurar a veracidade dos documentos.
Quando o documento foi falsificado – consumou-se o crime- no mundo das relações jurídicas já se mostra violado o bem jurídico da segurança e credibilidade no tráfico jurídico o que o arguido quis, como a intenção de iludir as autoridades publicas, a quem quis identificar-se com identidade falsa, identidade que é de outrem, o que fez pela determinação e colaboração prestada na feitura do passaporte para o qual contribuiu assinando-o e fotografando-se, para um passaporte original em branco, que fez preencher, com elementos de identificação falsos, desde 2014.
O arguido ao assim agir de forma deliberada livre e consciente determinando e colaborando na feitura do passaporte falso, bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. Como elementos subjetivos, o crime de falsificação de documento exige o dolo, isto é, o conhecimento (elemento intelectual) e vontade (elemento volitivo) por parte do agente de falsificar um documento, demonstrando, com a sua execução, uma atitude pessoal contrária ou indiferente ao dever-se jurídico-penal (elemento emocional) (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa, in Direito Penal, Lições da cadeira de Direito Penal (3.º ano), 1996, pág. 268/9).
No entanto na previsão subjetiva, este tipo legal de crime revela ainda uma intencionalidade específica que deve presidir à atuação do agente, isto é, a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, que mais não é do que um plus que acresce ao dolo genérico referido, e que no caso igualmente se mostra comprovado.
O arguido preencheu com a sua apurada conduta a tipicidade objetiva e subjetiva e demais pressupostos da punição, os factos imputados - cf. factos 13, 14, 31, 32 e 33- pelo que será de extrair as consequências jurídicas do facto.
*
O Ministério Publico acusou o arguido para além de um crime de tráfico de estupefacientes, da prática em concurso efetivo de um crime de falsidade de declaração, dois crimes de falsificação simples e um crime de falsificação agravado. Em relação a estes últimos estaremos perante o concurso de crimes pelo qual o arguido foi acusado ou perante um crime continuado de falsas declarações, como sustenta a defesa, (apelando a jurisprudência do Ac. do Tribunal da Relação do Porto, no processo de 17/12.2GAOAZ.P1, relatado pela Exma. Senhora Desembargadora Eduarda Lobo, de 12.03.2014, publicado na dgsi.pt).
Temos desde já que adiantar que a solução não é pacífica, pelo que, iremos explicitar a posição a que aderimos.
Para tanto será bom relembrar os quadros legais e dogmáticos da unidade e pluralidade de infrações.
O art.º 30º, nº1, do Código Penal é explícito quanto à unidade e pluralidade de infrações: “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente preenchido, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente.” Nesta forma está definido o que se apelida de concurso, dito efetivo ou puro o qual pode ser ideal (com uma ação violam-se diferentes tipos de crime ou com uma só ação viola-se o mesmo tipo várias vezes- heterogeneidade ou homogeneidade) ou real (com várias ações preenche vários tipos ou várias vezes o mesmo tipo).
É inequívoco que neste caso o arguido desenvolveu várias ações, fez um passaporte falso em 2014, assinou com identidade falsa a sua constituição como arguido em julho de 2016 e voltou a fazê-lo em Novembro de 2016, prestou os termos de identidade e residência, assinando com identidade falsa, em julho de 2016 e Novembro de 2016, passou em julho de 2016 uma procuração a advogado com identidade falsa, e ainda após advertida pela Srª Juíza prestou falsas declarações sobre a sua identidade, para o que não necessitava de qualquer passaporte (atento o estatuto de arguido que detinha).
Por isso e perante cada uma das situações o arguido replicou a sua vontade no empreendimento das condutas, cujo domínio detinha ora como coautor (no passaporte de 2014) ora como autor imediato na medida em que preenche documentos com factos juridicamente relevantes pré- impressos, (constituição de arguido, prestação de termos de identidade e residência e mandata o seu Advogado passando a procuração) e quando presta no TIC perante Juiz falsas declarações, sobre a sua identidade.
O espaço temporal entre a data aposta no passaporte, como de sua emissão Dezembro de 2014, e que respeita a um passaporte em branco furtado em Espanha no inicio de 2014) e sua falsificação em 2014 (data de emissão) e os empreendimentos em 2016, das falsificações e prestação de falsas declarações, não permite ao Tribunal cogitar que o arguido agiu como agiu em obediência a uma só resolução inicial, isto é a um só desígnio criminoso.
Afirmamos desde já, que nos parece desajustado apelar a um critério que não está na lei e que respeitará a uma qualquer resolução criminosa unitária para todos os casos expostos. Este critério, usado por vezes para unificar ações criminosas, é puramente arbitrário não se encontra definido na lei e resulta da mera interpretação empírico-desculpabilizante da mesma. De resto, está demonstrado que de cada vez que o arguido necessitou de se identificar, renovou a intenção de prestar identidade falsa, pois assinou impressos diversos, fez declarações diversas, fez uma procuração, em alturas em que distintamente foi detido, o que impede que se considere a também fictícia construção da resolução unitária.
Ponderemos o crime continuado.
O artigo 30º, nº 2 do Código Penal dispõe que: constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminuiu consideravelmente a culpa do agente.
O crime continuado, como decorre do art.º 30º, nº2 do Cód. Penal há uma unificação de várias condutas criminosas desde que se verifiquem os seguintes requisitos aí elencados:
- a realização plúrima do mesmo tipo de crime, ou de vários tipos que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;
- a execução de forma homogénea;
- o quadro da solicitação de uma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa.
Já se vê que não basta a repetição do “modus operandi”, e que os bens jurídicos violados tutelem bens jurídicos muito próximos para que se verifique continuação criminosa. A continuação criminosa pressupõe de facto a execução de forma homogénea, mas pressupõe mais, pois exige que se verifique que o quadro da solicitação de uma situação exterior que diminua a culpa, i.é. que exista algo que esteja fora ou seja exterior ao agente e que este aproveite para concretizar mais ações da mesma da mesma natureza.
Como se refere no Ac. do STJ de 8.11.07 (Proc. 07P3296, disponível wwwdgsi.pt e exatamente relativo ao crime cometido em contexto semelhante): a circunstância de se verificar a repetição do “modus operandi” utilizado não permite configurar algum dos índices referidos pela Doutrina, v.g. “a perduração do meio apto para realizar o delito que se criou ou adquiriu para executar a primeira conduta criminosa”.
Na verdade a matéria de facto apurada não permite afirmar que foi a perduração do meio apto que levou ao cometimento de novos crimes, assim diminuindo a culpa do agente, antes se pode afirmar que a realização dos factos foi gizado exatamente pelas potencialidades que oferecia na maior eficácia em plúrimas ocasiões, o que agrava a responsabilidade criminal, pois a sua prática ocorreu na prática de factos criminosos, em alturas diversas.
O arguido falsificou um passaporte, para dando os elementos dele constante se furtar à ação da justiça, quando fosse detido pela prática de crimes. Isto é quem cria a situação para a comissão dos crimes é o arguido, inexistindo qualquer circunstância exterior que o leve / arraste para o crime e que diminua a sua culpa.
É a falsificação deste passaporte o meio arranjado pelo arguido para poder cometer múltiplos crimes, o que só por si afastaria a unificação da sua conduta num crime continuado.
Também Paulo Pinto de Albuquerque escreve no Comentário ao Código Penal, (2º edição, p. 162): “a diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. É o que sucede por exemplo quando o agente se depara repetidamente com um meio facilitador da prática do crime, como uma janela ou porta aberta, isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ativamente a provoca (…)”, [em suma são as situações que integram o adágio popular de que “a ocasião faz o ladrão”].
Assim, “não há diminuição da culpa quando o agente engendra ou fabrica o meio apto a realizar o crime, como uma máquina de falsificar moeda ou um documento falso para burlar, enganar, ocultar a autoridade publica ou outras pessoas, que utiliza repetidamente diante do sucesso da primeira conduta criminosa”.
Sublinhando a ductilidade da vertente normativa, Teresa Beleza refere que, “não colidindo com o princípio da legalidade “a fluidez da sua aplicação poderá pôr em causa diretamente o princípio da igualdade, não deixando de notar que “a dificuldade em encontrar uma definição segura e rigorosa se reflete na abundância dos advérbios: fundamentalmente, essencialmente, consideravelmente” (Direito Penal, 2º vol. AAFDL, 620-621).
Na verdade, o crime continuado não é uma “mera ficção pietatis causa” ou um expediente de política ou de pragmatismo processual mas que se funda numa realidade substancial ou ontológica a qual permite que se conclua por uma diminuição da culpa do agente, diminuição essa cujo fundamento se encontra no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para os factos criminosos.
Vale dizer que uma disposição interior do agente para determinado tipo de crimes não é critério para considerar una uma atividade criminosa que, em si mesma, é constituída por diferentes e plúrimos crimes.
Do mesmo passo, como já dissemos a prova de uma qualquer resolução criminosa única, é por si, insuficiente para constituir um quadro de unidade de infrações posto que o artigo 30º, nº 2, do Código Penal, quando alude a uma solicitação exterior.
“A existência de um crime continuado pressupõe que a atuação do agente se traduza numa pluralidade de atos de execução do mesmo tipo legal (ou de tipos legais que protejam o mesmo bem jurídico- exceção aos bens jurídicos de carater eminentemente pessoal), em que se verifique uma homogeneidade do modo de comissão que conforma um “dolo continuado”; apresenta-se como um “fracasso psíquico”, sempre homogéneo do agente perante a mesma situação de facto, suposto que o agente não revele uma personalidade que se deixe facilmente sucumbir perante situações externas favoráveis.
Quanto às situações exteriores que criam um quadro favorável à repetição da atividade criminosa é conhecida a exposição, não exaustiva, de Eduardo Correia, designadamente a repetição de uma oportunidade à prática do crime que foi aproveitada aquando da primeira conduta criminosa, isto é, a pressão externa que resulta para o agente do facto de já anteriormente ter cometido o mesmo crime e, assim, ser impelido a reiterar; a perduração do meio apto; a possibilidade de alargar o âmbito da atividade criminosa que surge depois de ser tomada a primeira resolução criminosa.
Fazendo realçar o caráter exemplificativo do que ficou exposto, logo o autor adverte que só existe crime continuado quando as situações exteriores facilitem “de maneira apreciável” a reiteração criminosa e desde que a atenuação da culpa resulte dessas situações exteriores e não de uma disposição interna do agente. Isto é, não existe unidade criminosa quando a estrutura da personalidade do agente “é efetivamente de um habitual”.
Do mesmo modo a conexão temporal e espacial dos factos tem, para o autor, uma importância secundária e na verdade quando a atuação do agente se prolonga por um período de tempo demasiado longo, designadamente, durante meses ou até anos, poderá questionar-se no caso concreto a verificação do crime continuado.
Na verdade, como refere Paulo Pinto de Albuquerque, “a mediação de um período de tempo tão dilatado entre os factos criminosos permite ao agente mobilizar os fatores críticos da sua personalidade para avaliar a sua anterior conduta de acordo com o Direito, e distanciar-se da mesma. Não o fazendo já não se depara com uma culpa sensivelmente diminuída, mas com um dolo empedernido no crime” (Comentário do Código Penal, p. 138).
Em face do exposto, somos a entender que a qualificação jurídica feita na acusação, é a que perfilhamos, não se evidenciando uma situação de alteração da qualificação jurídica dos mesmos, para um só crime continuado de falsidade de declarações, como se entende a defesa.»
Vejamos, então, os Factos e o Direito.
Um eventual concurso efectivo de crimes pode-se conceber como um só crime ou um só crime continuado, punível com uma pena, nos termos do art. 79º do C. Penal [por contraposição a um concurso efectivo de crimes punido nos termos do art. 77º do CP.]
Como afirma Eduardo Correia in A Teoria do Concurso em Direito Criminal I – Unidade e Pluralidade de Infracções, 1963, pág. 90 “o tipo legal é o portador, o interposto da valoração jurídico-criminal, ante o qual se acham colocados os tribunais e o intérprete”.
Nestas circunstâncias para que estejamos face a um só crime, (não sendo o mesmo permanente ou de execução continuada) é necessário que exista uma só resolução criminosa. Sendo que, para que haja um só crime continuado, impõe-se que exista uma linha de continuidade psicológica que induza a persistir na prática do tipo de crime concernente, no âmbito de um contexto exterior desculpabilizador, favorável a tal cometimento: uma única resolução criminosa equivale a um só crime, havendo pluralidade de resoluções mas no mesmo circunstancialismo fáctico e psicológico desculpabilizante, também haverá um só crime, mas continuado.
Nesta linha o disposto no art. 30º do C.P., o número de crimes determina-se pelo número de tipos efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente, resultando inequivocamente de tal preceito, que o legislador consagrou um critério teleológico para a determinação do número de crimes praticados pelo agente… – Cfr. Eduardo Correia, in Direito Criminal, vol. II, págs. 197 e segs..
Será, portanto, um critério normativo que conseguirá dar-nos “o número de crimes praticados pelo agente em sentido jurídico-penal” (cfr. Faria Costa, in Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983, pág. 177); e o mesmo critério decide que o número de crimes há-de ser o número de acções entendidas teleologicamente, recorrendo a um critério normativo-valorativo, pois, acima de tudo a infracção é a ilicitude material modelada no tipo, como negação, pelo agente, de valores jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico.
Sem olvidar que nos crimes que tutelam bens jurídicos pessoais a ponderação do bem jurídico implica necessariamente a consideração da pluralidade de vítimas – vide Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código Penal, 12ª edição, pág. 158.
Como refere Eduardo Correia, ob. e loc. cit., “O número de infracções determinar-se-á pelo número de valorações que, no mundo jurídico criminal, correspondem a uma certa actividade”, “pelo que, se diversos valores ou bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de no plano naturalístico, lhes corresponder uma só actividade, isto é, de estarmos perante um concurso ideal”.
Assim, dispõe o n.º 2, do referido art. 30º do CP, que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
São, portanto, pressupostos do crime continuado:
- realização plúrima do mesmo tipo legal de crime (ou de vários tipos que protejam essencialmente o mesmo bem jurídico);
- pluralidade de resoluções criminosas;
- homogeneidade da forma de execução;
- proximidade temporal das respectivas condutas;
- unidade do dolo, no sentido de que as diversas resoluções criminosas devem conservar-se dentro de uma “linha de continuidade psíquica”, ou numa “linha psicológica continuada”;
- quadro de uma situação exterior que facilita a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente.
a diminuição da culpa do agente em certos factos de reiteração de condutas criminosas foi a ideia à luz da qual procurámos delimitar o âmbito do crime continuado” cf. Eduardo Correia in A Teoria do concurso em Direito Criminal, I. Unidade e Pluralidade de Infracções, pág. 271.
Assim, o primeiro pressuposto da continuação criminosa consiste na existência de uma relação, que de fora, e de maneira considerável, facilita a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que paute a sua conduta de acordo com o direito.
São circunstâncias exteriores (cf. Eduardo Correia, in Unidade e Pluralidade de Infracções, págs. 246-250) que apontam para aquela redução de culpa:
- a circunstância de se ter criado através da primeira acção criminosa uma certa relação de acordo entre os sujeitos;
- o facto de voltar a registar-se uma oportunidade favorável ao cometimento do crime, que foi aproveitada pelo agente ou o arrastou a ele;
- a perduração do meio apto para execução do delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira acção criminosa;
- e o facto de o agente, depois da mesma resolução criminosa, verificar a possibilidade de alargar o âmbito da acção delituosa.
«A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. É o que sucede, por exemplo, quando o agente depara repetidamente com um meio facilitador da prática do crime, como uma janela ou uma porta aberta. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa, (…) não há diminuição sensível da culpa. Também não há diminuição da culpa quando o agente engendra ou fabrica o meio apto para realizar o crime, como uma máquina de falsificar moeda ou um documento falso para burlar clientes, que utiliza repetidamente diante do sucesso da primeira conduta criminosa. É que o meio da prática do crime foi obtido devido à iniciativa e ao engenho do próprio agente (…). Em todos estes casos, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso.
Também afasta a culpa diminuta a circunstância de o agente ter sido advertido por algum órgão do Estado ou particular durante a repetição dos factos, uma vez que ele não se deixou motivar pelos valores da ordem jurídica apesar de eles lhe terem sido lembrados.» Vide Prof. P.P. de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª edição actualizada UCP, Pág. 162.
A propósito lê-se no sumário do Ac. STJ de 02-02-94, “O ponto de referência mais importante para aferir da possibilidade de unificação de uma pluralidade de condutas na ficção jurídica do crime continuado, é a circunstância exógena que diminua consideravelmente a culpa do agente”, e no do Ac. do STJ de 03-03-94, “2.- As referenciadas circunstâncias exteriores terão, no entanto, de arrastar irresistivelmente os agentes da infracção para a prática do facto, tirando-lhe toda a possibilidade de se comportarem de maneira diferente”; ambos citados in Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1º vol., Editora Rei dos Livros, 1995, pág. 292. [sublinhado nosso].
Cumpre referir, em primeiro lugar, que ao contrário do que pretende o recorrente B... nada nos factos nos autoriza a ter como certo que o arguido agiu sempre movido e sob efeito do consumo de substâncias estupefacientes, pois a motivação da convicção do tribunal contraria essa asserção; por outro lado, ter “aspecto de consumidor” nada prova.
Atento o que se referiu a propósito da figura jurídica do crime continuado, tal situação não ocorre no caso concreto, pois que, desde logo, não se vê que exista uma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente, a conexão entre os crimes, e não entre todos, é a existência de um documento falso prévio a certas actuações e que serve para além delas, o passaporte. Atente-se que o recorrente à entrada no EP no dia 2 de Novembro estava ainda na sua posse.
Sendo certo que, como provado, a posse do passaporte ocorre pelo menos em data anterior a 5 de Agosto, data em que há notícia da primeira exibição do passaporte, já com elementos identificativos relativos ao arguido, nomeadamente a sua fotografia, sendo que como provado o passaporte n.º ......... foi subtraído “em branco” da “Comissária de Polícia de ..., em Pontevedra, Espanha, em 19 de Dezembro de 2014.
Portanto, como resulta dos factos provados, nomeadamente do facto 14º, o arguido é autor da falsificação ocorrida no - (Impresso Passaporte) - Passaporte, nomeadamente a inserção da sua fotografia e de fazer ali inscrever como seu titular B1..., de nacionalidade espanhola, nascido em 10.07.88, em ... (Pontevedra), tendo ainda aposto no local destinado à assinatura o nome B1....
Posto isto, temos, no caso em apreço, que nos diversos crimes estão em causa bens jurídicos diversos, nos crimes de falsificação de documentos segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no crime de falsidade de declaração a realização ou administração da justiça como função do Estado.
A situação espácio temporal não é a mesma, os factos [com excepção da situação que respeita aos factos constantes do artigo 5 a 8, - crime de falsidade declaração – e aos factos constantes dos pontos 11 e 12 - crime de falsificação de documento -.] relativos às falsas declarações e às falsificações de documento simples ocorrem em inquéritos diversos e em dias desfasados no tempo por cerca de três meses, com expressas advertências no sentido da obrigação de falar com verdade relativamente à sua identidade.
No caso citado do ac. do TRP a situação é muito diversa, por duas razões, primeiro está ali provado, diferentemente do que ocorre nestes autos, uma unidade do dolo, no sentido de que as diversas resoluções criminosas se conservam dentro de uma “linha de continuidade psíquica”, ou numa “linha psicológica continuada”. Provou-se ali como consta do referido Acórdão relatado pela Srª Desembargadora Eduarda Lobo: «O arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente ao apresentar e entregar os documentos acima referidos, emitidos por autoridades públicas da República da Bulgária, como se se tratasse dos seus documentos pessoais, bem sabendo que as fotografias e as palavras neles inscritas não correspondiam à verdade, comportamentos que, não obstante, não se absteve de tomar, com intenção de evitar e furtar-se à ação penal, como modo de encobrir a sua verdadeira identidade e a prática do crime de falsidade de declarações.»
Além disso, no referido Ac. do TRP de 12.03.2014, com grande relevância para o caso, em relação aos documentos pessoais onde se incluía um passaporte apenas se provou o uso dos documentos para aquele fim “encobrir a sua identidade e a prática do crime de falsidade de declarações”.
No caso dos autos prova-se a falsificação [parcial] do passaporte pelo arguido.
E o uso do passaporte [não punido] para os crimes em causa nos autos, alguns separados no tempo por um período considerável, continuando o arguido na posse daquele instrumento falsificado à entrada do EP, daqui resulta que o arguido teve na sua posse o falso passaporte muito para além do uso que lhe deu nos presentes autos.
Não se verifica, assim qualquer relação de instrumentalidade entre o tipo de falsificação de documentos p. e p. pelo artigo 256º, n.º1 als. b) e d) e n.º3 e o tipo de crime de falsidade de declaração p. e p. pelo art. 259º, n.ºs 1 e 2 do CP, que são os tipos mais próximos dos em causa no referido Ac. do TRP, existindo entre estes crimes uma relação de concurso efectivo.
Não há, também, qualquer situação de crime continuado.
Mesmo em relação aos factos descritos nos pontos 5 a 12 [grupos de factos 5 a 9; e 10, 11] e atendendo à advertência feita ao arguido pelo Tribunal [que a falta ou falsidade de resposta sobre a sua identidade o fazia incorrer em responsabilidade penal], entre os factos relatados em 10 e 11 - a que corresponde o crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artigo 256º, n.º1 al d) do CP - e os factos relatados em 5 a 9 - a que corresponde o crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo artigo 359º do CP – este ganha autonomia em relação aos factos anteriores, descritos em 10 e 11, verificando-se crimes autónomos, porquanto o arguido não se deixou motivar pelos valores da ordem jurídica [apesar de eles lhe terem sido lembrados pelo Tribunal e apesar de ter sentido o peso dos valores da comunidade de que é originário] como o faria uma pessoa de menor tenacidade na sua vontade criminosa, o que nos comprova que não existe modo de afirmar uma unidade do dolo, no sentido de que as diversas resoluções criminosas se conservaram dentro de uma “linha de continuidade psíquica” ou numa “linha psicológica continuada”.
Portanto, no caso sub judice, conciliando o exposto com a matéria de facto assente, verifica-se que existem, diferentes resoluções criminosas por parte do arguido, e tantas quantas as apuradas que se traduzem no facto de o arguido em dias e horas diferentes, e até, em períodos distanciados no tempo por cerca de três meses, portanto com um considerável distanciamento no tempo, ter accionado e renovado os mecanismos da sua vontade para praticar os enunciados crimes e repeti-los, o que faz com que a cada uma dessas resoluções corresponda um crime.
Por outro lado, também não estamos perante um só crime continuado, porque para que tal acontecesse, era necessário que se verificasse uma situação exterior que permitisse concluir pela considerável diminuição da culpa do agente, o que face ao que ficou provado não se verifica.
Com efeito, o circunstancialismo exterior que rodeia a actuação do arguido em vez de diminuir a sua culpa aumenta-a, visto que o meio onde se alicerçam as demais condutas não serve exclusivamente para este efeito, e além disso foi um meio por si engendrado visando iludir as autoridades e o sistema de justiça no sentido de estarem a tratar com um cidadão espanhol de nome, B1..., o que não correspondia a verdade.
Não obstante os crimes - com excepção do crime de falsificação de documento autêntico, o relativo ao passaporte [praticado antes dos factos de 05.08.2016] – serem cometidos [embora em dois períodos distintos e distanciados no tempo] no essencial da mesma forma, não existem no entanto factores exteriores ao próprio indivíduo que o “arrastem irresistivelmente para a prática” do crime. É o próprio arguido que providenciou as condições para perpetrar os crimes visando obter benefícios ilegítimos encobrindo a sua atuação e identidade, sabendo ainda que com o comportamento descrito colocava em causa a credibilidade merecida por tais documentos.
Deste modo, o arguido cometeu tantos crimes quantas as resoluções criminosas que tomou por referência aos momentos temporais em que levou a efeito as respectivas condutas.
Praticou o arguido, aqui recorrente, os cinco crimes em concurso efectivo de crimes e não em concurso aparente.
Pelo exposto, improcede a questão.
*
3.2.- Medida das penas parcelares. Medida da pena única.
§1º Medida das Penas Parcelares.
Cumpre referir em primeiro lugar que quer na sua motivação quer nas suas conclusões o recorrente não tem uma argumentação clara no sentido de questionar as medidas parcelares concretas aplicadas a cada um dos crimes em concurso. Apenas refere que o tribunal a quo “na questão atinente à dosimetria da pena de prisão aplicada ao recorrente”… “além da sua injustificável severidade, tendo em conta as circunstâncias do caso, não levou em conta as suas condições pessoais, nos termos do art. 71º, n.º2 do Código Penal.”
Nada refere em relação a cada um dos crimes nem sequer avança qualquer pena para cada um deles.
E toda a sua argumentação subsequente se dirige ou à medida da pena única ou mesmo de modo mais visível à suspensão da execução da pena.
Não obstante vejamos como fundamentou o tribunal a quo a medida concreta das penas parcelares:
«…DA MEDIDA CONCRETA DA PENA:
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.
Todas as operações a realizar pelo Tribunal baseiam-se nos artigos 40º, 70º, e 71º, nº 1, todos do Código Penal.
Na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121): “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo art.º 18º nº 2, da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no citado artigo 40º, do Código Penal, cujo nº 2 refere que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
A aplicação de penas (principal ou de substituição e acessória) visa a proteção de bens jurídicos (fim-último do Direito Criminal-Penal) e a reintegração do agente na sociedade (art.º 40º, nº1, do Código Penal) e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art.º40, nº 2,) conforme critérios de “determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (art.º 71º, 1 do Código Penal) às quais se reconhecem as funções de retribuição do crime (por expiação da pena), prevenção especial positiva (de ressocialização por prevenção da reincidência do agente), prevenção especial negativa (de dissuasão por intimidação do agente), prevenção geral positiva ou de integração por interiorização, ou aprofundamento desta, dos bens jurídico penais e restabelecimento da confiança da comunidade na norma violada que tem de revelar-se na efetiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais da vida em comunidade e a prevenção geral negativa de intimidação (por dissuasão de potenciais criminosos).
Em face do que vimos explicitando o Tribunal na determinação da pena baseia nos artigos 40º, 70º e 71º do C.P. Determina, por um lado, a moldura penal abstrata cabida aos factos dados como provados no processo. Dentro desta moldura penal encontrar o quantum concreto de pena em que o arguido deve ser condenado, tendo em atenção que a culpa estabelece o máximo de pena concreta que não pode, em caso algum, ser ultrapassado. Até ao máximo consentido pela culpa, é a prevenção geral positiva ou de integração que vai determinar a medida da pena, criando uma moldura de prevenção, dentro da qual atuarão as finalidades de prevenção especial.
Após o que em alguns casos antes, fará a escolha da espécie de pena a aplicar concretamente sempre que o legislador tenha posto mais do que uma à disposição do juiz.
Assim a pena determina-se, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente: o grau de ilicitude do facto, modo de execução deste, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo ou da negligência, sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram, condições pessoais do agente e a sua situação económica, conduta anterior ao facto e a posterior a este, falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto. É esta a enumeração dos fatores de medida da pena que estão exemplificativamente estabelecidos no artigo 71º, nº 1 e 2 nas alíneas a) a f) do Código Penal, e que Figueiredo Dias dividiu em três categorias relativos à execução do facto: os relativos à personalidade do agente e relativos à conduta do agente anterior ou posterior ao facto; os fatores relativos à execução do facto - se encontram o grau da violação ou do perigo de violação (tentativa e crimes de perigo), o dano causado ou posto em causa, a natureza, os meios, a forma e a eficácia da perpetração, a dimensão do conhecimento e da vontade, a medida da lesão do dever de cuidado e da violação dos deveres impostos ao agente (estes, para além daquele, ao nível das relações do mesmo com o bem jurídico ofendido, a vítima, o objeto da ação), e finalmente os sentimentos manifestados, os motivos e os fins, o próprio comportamento da vítima.
Nos fatores relativos à personalidade do agente pesam as condições pessoais e económicas, a sensibilidade à pena e a suscetibilidade de por ela ser influenciado, as qualidades pessoais manifestadas.
Nos fatores relativos à conduta do agente se perfilam a vida anterior, o passado criminal, alguns serviços relevantes, a reparação (com efeito conseguido ou objeto de esforço) das consequências do crime (em particular o dano causado), o comportamento processual (que não seja apenas tático).
A moldura penal abstrata aplicável do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, do DL 15/93, de 22/01, é de prisão de 4 a 12 anos; para o crime de falsidade de declaração (artigo 359º) é pena de prisão até três anos ou multa; dos crimes de falsificação simples (256, nº1) é pena de prisão até 3 anos ou multa; para o crime de falsificação agravado é pena de prisão entre 6 meses a 5 anos ou pena de multa de 60 a 600 dias (256, nº 1 e 3) dispositivos todos do Código Penal.
Não se verificam quaisquer circunstâncias modificativas da pena abstrata, e não há que fazer escolha da pena para o tráfico de estupefaciente pois o ilícito em causa é só punido com prisão.
Já não é assim para os demais crimes onde terá de realizar-se a escolha. Ora no caso concreto a pena de multa não satisfaz as necessidades da prevenção pelo caso requerido, em face da conduta do arguido, e atenta as necessidades de repor a validade das normas violadas e ainda obviar á criação de uma situação de pena compósita, no caso de opção por penas distintas, para factos que ocorreram nas mesmas circunstâncias espácio-temporais, e que merecem um forte juízo de censura.
Cumpre ponderar que o legislador do Cod. Penal de 95 afastou as penas compósitas, pois que segundo o preâmbulo do DL n.º 48/95, de 15 de Março, expressamente se aceitou “o abandono da indesejável prescrição cumulativa das penas de prisão e multa na parte especial” De facto na vigência do Código Penal anterior eram visíveis os inconvenientes das chamadas penas mistas de prisão e multa, assim estas devem ser vistas na vigência do atual, em caso de cúmulo jurídico, o que é de evitar, na medida do possível, a aplicação de pena parcelar de multa com pena de prisão, devendo em tal caso, salvo razões ponderáveis, dar-se preferência a uma pena única de prisão. Mais, se na pena única conjunta importa incluir necessariamente uma pena de prisão, impõe-se, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas “penas mistas” de prisão e multa. - Cfr. Sumário do ASTJ de 29.06.2004, Pereira Madeira com Simas Santos e Santos Carvalho no Processo 05P2106 in www.dgsi.pt;
É assim de todo aconselhável e adequada a opção pela pena de prisão quanto aos crimes de falsidade de declaração, e falsificações, por ajustada à gravidade dos ilícitos em causa, olhado na sua globalidade, bem como às necessidades de prevenção geral e especial, seguindo-se assim de perto o entendimento do STJ, bem como o dos Ac. TRP de 22-09-2010, proferido no 439/07.0PUPRT.P1, in http://www.dgsi.pt/jtrp. e no processo nº 240/10.4SPPRT.P2, da 1ª Secção Criminal do TRP, gentilmente cedido pelo seu relator, Exmº Srº Juiz Desembargador Castela Rio.
Na determinação, dentro da moldura penal abstrata, da medida concreta da pena, segue-se, como já foi referido, o critério geral do art. 71º, nº 1: em função da culpa do agente e atendendo ainda às exigências de prevenção de futuros crimes.
Assim:
- no que respeita ao grau de ilicitude, é elevado, considerando o peso da cocaína apreendida e a sua natureza que a faz catalogar de “droga dura”.
- o arguido sofreu duas detenções em circunstancias similares, detendo e transportando o produto estupefaciente, que corresponderá a mais de seiscentos e cinquenta doses individuais, apenas considerando o número de pedras de cocaína apreendida;
- o modo de falsificar o passaporte contribuindo com a fotografia e assinatura e ainda com os meios económicos que são necessários para aceder a que falso de tanta qualidade, dificílimos de detetar pela autoridade pública.
- o modo ardiloso e arguto para iludir as autoridades pelo preenchimento e assinatura da constituição de arguido, dos termos de identidade e residência e passagem de procuração a advogado (aliás uma com a identidade falsa mas a última com identidade verdadeira, com o fito de não estar a violar as medidas de coação que lhe foram impostas quando falsamente se identificou com a identidade de terceiro, que apenas as resenhas lograram chegar à identidade do arguido por comparação com as do titular daquela identidade)
- a assunção de identidade falsa em documentos aptos a obstruir a justiça.
- intensidade do dolo é a mais elevada, o que constitui uma forma superior de culpa – dolo direto.
-a confissão do arguido parcial do arguido não assume valor de maior pois detido em flagrante delito não vindo a prova a ser muito afetada, perante as conclusões que se retirariam do facto do arguido ter sido detetado com a cocaína;
-por outro lado o arguido assumiu vários cenários para justificar a detenção do estupefaciente, todas elas contrárias às regras da normalidade social, assumindo condutas desculpabilizantes e sem consciência critica da danosidade social da sua conduta.
-valora-se contra o arguido o facto de o tráfico ser de cocaína, droga que, notoriamente, tem um poder aditivo e com capacidade para provocar efeitos muito superiores a outros produtos estupefacientes, mesmo sendo “drogas duras”.
- as necessidades de prevenção geral são enormes atentos os bens jurídicos violados e a necessidade de reposição da validade de tais normas.
- a motivação que está na origem do tráfico, a ganância do arguido, apesar de valor não apurado mas que lhe permite ser possuidor de um passaporte falso difícil de conseguir, porque de difícil acesso pelo valor que poderá atingir no mercado ilícito, e ainda prestar a caução que lhe foi imposta.
- o arguido era consumidor de estupefacientes, mas nunca careceu de ser desintoxicado e no estabelecimento prisional a sua recuperação foi rápida, infirmando a sua versão no que concerne à sua toxicomania.
- o arguido quando foi detido não trabalhava e já se tinha afastado da família por sua iniciativa, apesar do apoio que esta sempre lhe quis dar, e se mostra pronta a dar, e que percecionamos que o arguido não aceita ( e onde poderia beneficiar de uma situação estável e integrado social e economicamente).
-o cidadão comum, perante as dificuldades financeiras, tenta atingir maiores recursos financeiros através do trabalho ou através do acesso lícito a doações de terceiros. Mas outros há que tentam atingir esses maiores recursos através da prática de ilícitos. O arguido integra-se nesta segunda categoria.
- o arguido tem suporte familiar como sempre teve, mas fazia-se acompanhar por pessoas de condutas desviantes com as quais convive no ócio;
- as exigências de prevenção geral são elevadas atenta o alarme social que crimes como o dos autos causam na sociedade pelo que se impõe a reposição da validade das normas violadas.
- atendendo aos próprios crimes que estão em causa e à natureza da personalidade do próprio arguido, que facilmente recorre a mecanismos de defesa não credíveis.
- predispor-se a correr os riscos inerentes ao tráfico transportando cocaína só pode demonstrar uma adesão consciente e segura de uma conduta antijurídica.
- os crimes não foram praticados no âmbito das relações sociais normais do arguido (não foi um crime praticado numa empresa em que o arguido trabalhava;) na sua família. Como refere o STJ “Os «correios de droga» -ou transportadores em território nacional,- são uma peça fundamental no tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo direto, para a sua disseminação, não merecendo um tratamento penal de favor. De facto, torna-se mais difícil a sua detenção e apreensão, não se deixando contra motivar pelas consequências perniciosas do seu ato, demonstra arrojo, audácia e dolo intenso, insensibilidade e ganância.
O arguido tem como habilitações literárias o 12º ano, uma arte “mecânico” tem família que o visita. Tudo ponderado, afiguram-se adequadas às circunstâncias do caso as seguintes penas parcelares, e condenar o arguido:
- pela prática do crime de tráfico de estupefaciente, a pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão;
- pela prática do crime de falsas declarações, a pena de 8 (oito) meses de prisão
- pela prática de cada um dos crimes de falsificação simples, 6 (seis) meses de prisão,
- pela prática do crime de falsificação de documento autêntico, falsificação qualificada (passaporte) 18 (dezoito) meses de prisão, (já que não poderemos olvidar que o limite mínimo são 6 meses de prisão).»
Visto que o recorrente nada argumentou sobre a medida concreta das penas parcelares, visto que o tribunal na sua fundamentação fez adequado e criterioso uso, quer dos critério de opção – artigo 70ºdo CP - pela pena de prisão, nos crimes que prevêem em alternativa pena privativa e pena não privativa da liberdade, quer dos factores de determinação da medida da pena – artigos 40º e 71º do CP - que se mostram elencadas com adequada argumentação, sendo que as penas assim fixadas se mostram proporcionais à culpa do arguido demonstrada nos factos e adequadas e necessárias para atingir os fins de prevenção geral e especial evidenciados nos mesmos, entendemos que são de manter as penas parcelares fixadas pela primeira instância.
Aliás, o caso concreto não é de molde a justificar qualquer intervenção correctiva deste Tribunal, já que como vem entendendo Figueiredo Dias [In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197]: ‘a intervenção corretiva do tribunal superior no que diz respeito à medida da pena - quantum exacto da pena - aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se revelar de todo desproporcionada’; entendimento que também vem sendo seguido pelo STJ. Ora, no caso concreto os referidos pressupostos de intervenção correctiva não se verificam de todo.
Com o que improcede mais este fundamento do recurso, mantendo-se na totalidade as penas parcelares encontradas pela primeira instância.
*
§ 2º Medida da pena única.
Quanto à pena única pretende o recorrente, em suma, uma pena que permita a sua suspensão, uma pena igual ou inferior a 5 anos (?) pois verdadeiramente dirige a sua argumentação para a aplicação desta pena substitutiva.
Relativamente a este aspecto discorreu o acórdão recorrido:
«…Do concurso de crimes
Encontrando-se os crimes praticados pelo arguido numa relação de concurso, importa proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas – art.º 77º, nº 1, do C.P.
E a referida pena única tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando -se de pena de prisão e 900 dias tratando -se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (nº 2 do art. 77° do CP).
Nos termos do nº 2 do art.º 77° C.P., a pena unitária aplicável tem como limite máximo 7 anos 5 meses de prisão e como limite mínimo 4 anos e 3 meses de prisão.
Neste momento trata-se agora é de ver os factos concorrentes no seu conjunto e detetar uma possível conexão e o tipo de conexão que os liga os factos, tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido por forma a possibilitar uma avaliação da gravidade do ilícito global perpetrado e a “culpa pelos factos em relação” (cfr. MONTEIRO, Cristina Líbano, in “A Pena “Unitária” do Concurso de Crimes”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano XVI, n.º 1, pág. 162 e segs.).
Tendo em conta, em conjunto;
-os factos acima elencados e que aqui reproduzimos para as determinação das penas parcelares,
-a personalidade do arguido neles espelhada,
-o período temporal em que os factos ocorreram,
-o seu contexto e circunstancialismo,
- o vertido no relatório social e o facto de poder beneficiar de apoio dos pais e familiares se quiser dar um novo rumo à sua vida, que apesar de até à data não o ter feito, o Tribunal pondera que disso poderá se consciencializar, já que com capacidade e habilidade para o fazer e vir a dar um novo rumo à sua vida.
-no Estabelecimento prisional o arguido não é acompanhado sob o ponto de vista médico. B... reconhece a ilicitude penal e a gravidade dos factos pelos quais está acusado, contudo possui um discurso centrado nos prejuízos para si próprio, desculpabilizando-se com a influência do seu grupo de pares, e bem como a problemática aditiva de opiáceos mas mantém um discurso onde desvaloriza a existência de vítimas;
Em face do exposto o Tribunal Coletivo tem ajustada por adequada e necessária à ressocialização do arguido a sua condenação na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses, de prisão, necessariamente efetiva.»

Vejamos.

Estabelece o art. 77º, n.º1 do Código penal, sobre as regras de punição do concurso de crimes, que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E nos termos do nº 2, a moldura do concurso, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria.
Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente. Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71º do Código Penal.
Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 420 e 421, págs. 290/2 -, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º-1 (actual 71º-1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.
Expõe o Autor que, na busca da pena do concurso, «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». Acrescenta que «de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».
No caso concreto, a moldura de punição tem como limite mínimo 4 anos e 3 meses de prisão, e como limite máximo [4 anos e 3 meses de prisão + (8 meses de prisão+ 6 meses de prisão+ 6 meses de prisão + 18 meses de prisão] 7 (sete) anos e 5 (cinco) meses de prisão.
Quanto à ilicitude do conjunto dos factos, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais é de considerar elevada, pois no caso presente estamos face a um crime de tráfico de estupefacientes, dois crimes de falsificação de documentos simples e um qualificado e um crime de falsas declarações, sendo vários e importantes os bens jurídicos violados.
Quanto à modalidade de dolo, o recorrente agiu com dolo directo e intenso.
No que toca à indagação de uma conexão entre os ilícitos presentes, a relação que se surpreende é os ilícitos ocorrerem num curto período de tempo encadeados uns nos outros, sobressaindo pela sua gravidade, o crime de tráfico de produtos estupefacientes e visando os restantes a subtracção do arguido à responsabilidade pela prática desse crime.
Na avaliação da personalidade do recorrente, importa reter o que consta dos factos dados como provados, nomeadamente, as suas condições de vida, com o 12º ano, uma pessoa inteligente e capaz de expedientes elaborados, a profissão de mecânico, apoio familiar, a sua idade [nasceu em 21.10.87] com idade entre os 29 e os 30 anos à data dos factos, demonstrando uma personalidade fria, calculista e indiferente aos valores de convivência em comunidade.
Por outro lado, é de considerar o ilícito global agora julgado como resultado de uma pluriocasionalidade, não revestindo ainda a carga necessária para que se possa falar de tendência criminosa radicada na sua personalidade.
São prementes as exigências de prevenção geral como já referido foi supra.
No que toca à prevenção especial, não há dúvidas que o recorrente carece de socialização, tendo-se em vista a prevenção de nova reincidência, atenta a indiferença demonstrada pelos valores socias e levando em conta que num período de tempo curto cometeu cinco crimes.
Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando que estamos perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do arguido, e considerando a preponderância do crime de tráfico de produtos estupefacientes e a «gravidade do ilícito global perpetrado», entendemos que a pena única de 5 anos e 2 meses de prisão, encontrada pela primeira instância, se mostra proporcional à culpa demonstrada nos factos e adequada, embora necessária, a satisfazer as exigências de prevenção geral e especial que o caso exige, e, nessa medida justa, pelo que assim se mantém, e nesta medida improcede mais esta questão do recurso.
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Visto que a pena única aplicada ao recorrente é superior a 5 anos de prisão não se coloca a questão da suspensão da execução da pena, pois o pressuposto formal de aplicação da pena de substituição não se mostra preenchido - art. 50 do CP.
Improcede, na totalidade o recurso interposto.
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III- Decisão.

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar não provido o recurso interposto pelo recorrente, confirmando-se o acórdão da primeira instância.
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Custas pelo recorrente nos termos dos artigos 513.º e 514º do Código de Processo Penal (e artigo 8º, n.º9 do regulamento das custas processuais e, bem assim, tabela anexa n.º III), fixando-se a taxa em 5 [cinco] UC.
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Notifique.
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Elaborado e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.

Porto, 24 de Janeiro de 2018.
[Maria Dolores da Silva e Sousa
Manuel Soares