Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
191/17.1IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL
CONDIÇÃO DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
EXIGIBILIDADE
Nº do Documento: RP20221109191/17.IDPRT.P1
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A aplicação do nº 1 do artigo 14.º do R.G.I.T. não derroga o nº 2 do artigo 51º do Código Penal (ou seja, o pagamento da quantia em causa deve ser razoavelmente exigível em face da situação económica do condenado), constituindo apenas uma especialidade em relação ao regime facultativo previsto no nº1 deste último preceito; tal especialidade impõe que a suspensão seja sempre sujeita ao pagamento de quantias indevidamente obtidas.
II – A fixação do montante concreto do condicionamento da prestação tributária com sujeição ao regime previsto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal (isto é, que o pagamento de tal montante seja exigível em face da situação económica do condenado) cumpre o princípio geral da humanidade das penas e da proporcionalidade, impondo que o regime de suspensão não seja condicionado por medidas ou deveres irrealizáveis, sob pena de os fins da suspensão perderem racionalidade, tornando-se inoperantes.
III - Na ponderação exigida no Ac.do S.T.J. de fixação de jurisprudência n.º 8/2012, o raciocínio jurídico de penologia que faz depender a escolha da pena das possibilidades económicas do arguido situa-se à revelia das exigências de prevenção previstas nos arts. 40.º n.º1 e 70.º do Código Penal e importa uma distorção grave desta escolha
IV – Esse raciocínio persegue a ideia de que o pagamento integral da dívida do fisco pertence à fenomenologia da pena, numa ótica da eficácia do sistema penal tributário; no entanto, a verdade é que se descredibiliza a referida eficácia quando, na hipótese de o crime ser apenas punido com pena de prisão e se admite na suspensão da execução da pena a sujeição à condição de pagamento integral do valor devido, nos casos em que é de cumprimento impossível para o arguido (se for essa a condição económica apurada), essa solução representa um fracasso anunciado do pagamento imposto, colidindo com a lógica da suspensão, com perda completa da racionalidade e compreensibilidade da pena.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº191/17.1IDPRT.P1
XXX
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No processo comum com intervenção do Tribunal Singular do Tribunal judicial da comarca de Porto Este no Juízo Local Criminal de Felgueiras, realizado julgamento foi proferida a sentença a qual decidiu nos seguintes termos:

Pelo exposto, julgo a acusação totalmente procedente, por provada e em consequência:
1) Absolver o Arguido AA, da prática, como co-autor material, e na forma consuma, de dois crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelos arts. 6º, nº1, 103º, nº 1 al. a) e 104º, nº1 e nº 2, al. a) e b), do R.G.I.T., aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06;
2) condenar a arguida BB, como co-autora material, e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelos arts. 6º, nº1, 103º, nº 1 al. a) e 104º, nº1 e nº 2, al. a) e b), do R.G.I.T., aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06, na pena de pena de 2 (dois) anos de prisão, a qual se decide suspender, nos termos do art. 14º do R.G.I.T, pelo período de 5 anos, na condição da arguida pagar em tal período a quantia de € 139.965,01 à Administração fiscal (Estado Português).
3) condenar o arguido CC, como co-autor material, e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelos arts. 6º, nº1, 103º, nº 1 al. a) e 104º, nº1 e nº 2, al. a), do R.G.I.T., aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06, na pena de pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, a qual se decide suspender, nos termos do art. 14º do R.G.I.T, pelo período de 5 anos, na condição do arguido pagar em tal período a quantia de € 139.965,01 à Administração fiscal (Estado Português).
4) condeno os referidos arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s, a reduzir a metade, atenta a confissão do arguido, nos termos do art. 8º do R.C.P.. 5) Ao abrigo do disposto no artigo 111º, n.º 2, 3 e 4 do Código Penal, e a título de perda de vantagem patrimonial, condenam-se ainda os arguidos BB e CC a pagar Estado Português a quantia de € 190.599,16 (cento e noventa mil, quinhentos e noventa e nove euros e dezasseis cêntimos).”
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Não se conformando com a decisão, o arguido CC veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões:
A) O dever de fundamentação de uma decisão só se cumpre quando esta contiver os elementos, que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse num sentido e não noutro.
B) A fundamentação de uma decisão tem de permitir avaliar o porquê dessa decisão. Assumindo que aquela se encontra preenchida, questionam-se as suas derivações.
C) No caso sub júdice e com o devido respeito não foram convenientemente fundamentadas e valoradas pelo Tribunal a quo as circunstâncias que determinaram a razoabilidade do arguido poder cumprir com a pena concretamente aplicada no que diz respeito à obrigação de proceder ao pagamento ao estado da quantia em dívida, € 139.965,01. acrescida dos respetivos juros de mora, no prazo de um cinco anos enquanto condição de suspensão da pena de prisão por igual período;
D) Nos termos do disposto no art. 14° do RGIT, a suspensão da execução da pena aplicada era sempre condicionada ao pagamento dos benefícios indevidamente obtidos.
E) Todavia, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 8/2012 veio introduzir uma alteração na hora de optar pelas penas de substituição em crimes fiscais ao decidir o seguinte: No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105°, n° 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos
do artigo 50°, n° 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14°, n° 1, do RGIT, pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica,
presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
F) Assim o tribunal recorrido não formulou o juízo de prognose sobre a satisfação da condição, e quanto a este ponto conforme decidido pelo S.T.J. no acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012. “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, que uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia”
G) Efetivamente, neste acórdão o S.T.J. decidiu que na suspensão da execução da pena por crime de abuso de confiança fiscal o tribunal tem que fazer um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal imposta à suspensão por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, decidindo ainda que a falta desse juízo gera nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
H) Salvo devido respeito, aquando da escolha e fixação da pena, o tribunal a quo não efectuou um juízo de prognose, nos termos decididos pelo S.T.J., pelo que incorreu em omissão de pronúncia de onde resulte a razoabilidade do arguido conseguir cumprir o pagamento do montante de € 139.965,01. como condição de suspensão da pena, geradora de nulidade da sentença, no segmento em causa referente à escolha e fixação da pena – art. 379º, nº 1, al. c), do C.P.P.
TERMOS EM QUE DEVE CONCEDER-SE INTEGRAL PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA, COMO É DE JUSTIÇA.
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O Digno Procurador em 1ª instância apresentou resposta ao recurso: sustentando O arguido CC, interpôs recurso da sentença que a condenou como co-autor material, e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelos arts. 6º, nº1, 103º, nº 1 al. a) e 104º, nº1 e nº 2, al. a), do R.G.I.T., aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06, na pena de pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, a qual se decide suspender, nos termos do art. 14º do R.G.I.T, pelo período de 5 anos, na condição do arguido pagar em tal período a quantia de € 139.965,01 à Administração fiscal (Estado Português).
DA RESPOSTA No entanto, pese embora tudo o supra exposto, e salvo o devido respeito por opinião contrária, cumpre ainda referir que se nos afigura não assistir qualquer razão ao recorrente. Senão vejamos: O recorrente, alega que a sentença recorrida, incorreu em omissão de pronúncia de onde resulte a razoabilidade do arguido conseguir cumprir o pagamento do montante de € 139.965,01. como condição de suspensão da pena, geradora de nulidade da sentença, no segmento em causa referente à escolha e fixação da pena – art. 379º, nº 1, al. c), do C.P.P. Para tanto, socorre-se do Acórdão de Fixação de Jurisprudência 8/2012, mas tal Acórdão é relativo ao crime de abuso de confiança fiscal e não ao crime de fraude fiscal qualificado, que apenas admite pena de prisão de um a cinco anos, em que não há desde logo que ponderar entre pena de multa ou pena de prisão. Veja-se neste sentido: Ac. TRP de 29-04-2015: I. Em obediência ao artº 14º1 RGIT não pode a pena de prisão em que o arguido foi condenado pela prática de crimes tributários ser suspensa 5 de 9 sem que se estabeleça como condição dessa suspensão o pagamento das quantias de que se apropriou. II. Tal norma não viola os princípios constitucionais da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade, pois o juízo quanto á impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão, sempre pode haver melhor fortuna e a revogação da suspensão depende de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição. III. A doutrina do AFJ nº 8/2012 só é aplicável quando o crime tributário é punível com pena de prisão ou outra pena não privativa da liberdade. IV. Estando em causa o crime de fraude fiscal tributária punível apenas com pena de prisão não se coloca a possibilidade de opção entre pena de prisão suspensa na sua execução e pena de multa.
Ac. TRG de 10.10.2016 I. A interpretação do artigo 14.º do RGIT tem de ser conjugada com o disposto no artigo 51.º, n.º 2 do Código Penal, no sentido de que nos crimes tributários, assim como sucede relativamente a todos os outros, a subordinação da suspensão da execução da pena ao dever de pagamento só poderá acontecer quando do juízo de prognose realizado resulte existirem condições para o cumprimento dessa condição. II. Sendo o arguido um homem que perfez este ano 49 anos de idade e como tal em plena vida ativa, com competências profissionais na área da construção civil, que adquiriu na sua já longa atividade profissional, há pelo menos expetativas objetivas de que venha a ter meios financeiros que lhe permitam pagar, ao longo de três anos, o montante correspondente ? vantagem patrimonial obtida. Ac. do TRP de 30.04.2018 Crime de fraude fiscal. Suspensão da pena. Prestação tributária. Constitucionalidade. I A exigência de pagamento da prestação tributária como condição de suspensão da pena? margem da avaliação do quadro económico do responsável tributário, nada tem de desmedida, mostrando-.se inteiramente justificada pelo interesse preponderantemente publico que acautela e pela necessidade de eficácia do sistema penal tributário. II? Pelo crime de fraude fiscal o prejuízo patrimonial causado? AT traduziu-se num efectivo enriquecimento do devedor tributário e o dever de restituição é exigível de toda e qualquer pessoa sancionada pelo cometimento de uma infracção criminal tributária. III? Não ofende os princípios constitucionais da culpa, da adequação, da proporcionalidade e da igualdade e o princípio da necessidade das sanções penais, não sofrendo de inconstitucionalidade o artº 14º RGIT que obriga que a suspensão da execução da pena de prisão fique sujeita? condição do pagamento da indemnização.
Ac. do TRL de 23.10.2018 Fraude fiscal. Pena suspensa. Condição. - O artigo 14º, nº 1, do RGIT impõe que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada seja condicionada ao pagamento das quantias correspondentes? ?prestação tributária e acréscimos legais? ou ao ?montante dos benefícios indevidamente obtidos?, podendo ler-se no Acórdão nº 8/2012, do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2012, de 12/09/2012, in D.R. I Série, nº 206, de 24/10/2012 que a escolha da pena de substituição é um priusem relação? imposição da condição. - De acordo com a linha de pensamento do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2012, de 12/09/2012, in D.R. I Série, nº 206, de 24/10/2012 haverá que efectuar um ?juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte dos condenados, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura? decidindo-se a final em conformidade com tal ponderação e após prévia justificação da suspensão da execução das penas e da proporcionalidade de aplicação da condição do pagamento tributário.- A imposição do condicionamento da pena suspensa ao pagamento das quantias equivalentes aos benefícios indevidamente obtidos, constitui sanção pelo cometimento de crime de natureza fiscal, ou melhor integra-se na pena fixada ao arguido, condenado como responsável pelo crime de fraude fiscal qualificada, e não deriva diretamente da qualidade de sujeito passivo da relação jurídica de imposto em falta. A sentença recorrida fundamenta devidamente a decisão de suspensão de execução da pena de prisão, no que se refere “arguido CC, o qual também se encontrará a trabalhar; ou seja, e por ora, entende-se que os mesmos, têm rendimentos, e, ainda que num período alargado, o tribunal entende, e relativamente a todos eles, fixar o dever de pagamento como condição de suspensão da pena de prisão, uma vez que se consegue efectuar, e reafirma-se e relativamente a cada um dos arguidos, um juízo de prognose de que todos eles conseguem reunir condições para que essa obrigação possa ser cumprida.” Pior seria, não suspender a pena de prisão e decretar a prisão efectiva, obviamente que na hora da sentença, o Tribunal não dispõe de meios suficientes nem de uma varinha de condão para prever se nos cinco anos seguintes o arguido vai dispor ou não de meios para obter tal valor e pagar efectivamente à A.T. Isto porque, como é evidente o arguido pode dispor desse valor de forma oculta, pode auferir rendimentos não declarados, pode auferir rendimentos ilícitos, pode no futuro receber uma herança, ganhar no euromilhões ou qualquer outro jogo. Certo é que o arguido é um homem jovem, nasceu em 1979, é armador de ferro na área da construção civil, em plena vida activa com capacidade de obter o valor em que foi condenado ao longo de cinco anos (30 meses), até no período de suspensão, o Tribunal teve em consideração, o valor a pagar, optando pelo prazo máximo da suspensão. Pelo que a sentença não enferma de qualquer nulidade de omissão de pronúncia, nem de qualquer erro na escolha e determinação concreta da pena a aplicar.
III CONCLUSÕES
1. Os argumentos invocados pelo recorrente, nos quais assenta a sua discordância, não permitem, salvo o devido respeito, decisão diversa da proferida pelo Mmº Juiz “a quo”;
2. A sentença recorrida não enferma de qualquer nulidade de omissão de pronúncia, nem de qualquer erro na escolha e determinação concreta da pena aplicada;
3. O Acórdão de Fixação de Jurisprudência 8/2012, é relativo ao crime de abuso de confiança fiscal e não ao crime de fraude fiscal qualificado, que apenas admite pena de prisão de um a cinco anos, em que não há desde logo que ponderar entre pena de multa ou pena de prisão. Veja-se neste sentido: Ac. TRP de 29-04-2015; Ac. TRG de 10.10.2016; Ac. do TRP de 30.04.2018;
4. Pior seria, não suspender a pena de prisão e decretar a prisão efectiva, obviamente que na hora da sentença, o Tribunal não dispõe de meios suficientes nem de uma varinha de condão para prever se nos cinco anos seguintes o arguido vai dispor ou não de meios para obter tal valor e pagar efectivamente à A.T.
5. O arguido pode dispor desse valor de forma oculta, pode auferir rendimentos não declarados ou ilícitos, pode no futuro receber uma herança, ganhar no euromilhões;
6. Certo é que o arguido é um homem jovem, nasceu em 1979, é armador de ferro na área da construção civil, em plena vida activa com capacidade de obter o valor em que foi condenado ao longo de cinco anos (30 meses), até no período de suspensão, o Tribunal teve em consideração, o valor a pagar, optando pelo prazo máximo da suspensão.
7. Face às molduras penais abstractamente aplicáveis ao ilícito criminal perpetrado pelo recorrente, os critérios estabelecidos pela lei penal para determinação da medida da pena, o grau de ilicitude dos factos perpetrados por aquele, atento o respectivo modo de execução, o dolo directo com que sempre actuou, a pena suspensa na sua execução apicada ao arguido, sob a condição de pagamento, não merece reparo,
8. Pelo que o tribunal a quo não violou os artigos. 379º, nº 1, al. c), do C.P.P., 14º,103º, nº1 al. a) e 104º, nº1 e nº 2, al. a) do RGIT; 40.º, 52º e 71º do Código Penal, nem qualquer outro preceito legal ou constitucional ou ainda jurisprudência fixada. Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pelo Mmº Juiz “a quo” na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pelo recorrente improcedente, como é de toda a JUSTIÇA
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Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu pugnou pela improcedência do recurso, sustentando em síntese que I 1. O arguido CC veio recorrer da sentença que o condenou como coautor material, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido nos artigos 6.º, n.º1, 103.º, n.º1 a) e 104.º, n.º1 e n.º2, a), b) do RIGT, na pena de 1 ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, na condição do arguido pagar em tal período a quantia de 139.965,01 euros à Administração Fiscal /Estado Português); E ainda ao abrigo do disposto no artigo 111.º, n.º2, 3, 4, do Código Penal e a título de perda de vantagem a pagar ao Estado Português a quantia de 190.599,16 euros; Alega dessa forma o recorrente e em sede de recurso que a sentença recorrida não fundamentou, como lhe era devido, o juízo de prognose sobre a satisfação da condição imposta, e como é exigido pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º8/2012. O tribunal a quo não efectuou um juízo de prognose favorável, de onde resulte a razoabilidade do arguido conseguir cumprir o pagamento do montante de 139.965,01 euros, como condição da suspensão da execução da pena de prisão, o que constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia, como se entendeu no acórdão do STJ citado. II Resposta do M.ºP.º em 1ª instância A sentença recorrida não enferma de qualquer nulidade de omissão de pronúncia, nem de qualquer erro na escolha e determinação concreta da pena aplicada. O acórdão de fixação de jurisprudência invocado pelo R. é relativo ao crime de abuso de confiança fiscal e não ao crime de fraude fiscal qualificado, que apenas admite pena de prisão de um a cinco anos, em que não há desde logo que ponderar entre pena de multa ou pena de prisão. O tribunal a quo não violou os artigos 379.º, n.º1, c) do CPP, 14.º, 103.º, n.º1 a), 104.º, n.º1 e n.º2 a) do RIGT e 40.º, 52.º e 71.º, do Código Penal.
III Fundamentação da sentença recorrida relativa ao objeto do recurso:
Quanto à situação pessoal e económica do Recorrente, foi dado como provado que o arguido é divorciado; dos dados recolhidos na SS o arguido tem como última remuneração o valor de 150 euros, referente a Dezembro de 2020; e não tem antecedentes criminais.
Quanto ao juízo de prognose relativo à opção pela suspensão da execução da pena de prisão, refere-se que «relativamente aos arguidos CC (aqui Recorrente) e BB, apesar desta estar detida e em cumprimento de pena, a mesma poderá, ainda sim, liquidar a quantia em dívida; o mesmo se dizendo do arguido CC, o qual também se encontrará a trabalhar; ou seja, e por ora, entende-se que os mesmos têm rendimentos, e ainda que num período alargado, o tribunal entende fixar o dever de pagamento como condição de suspensão de suspensão da pena de prisão, uma vez que se consegue efectuar e reafirma-se relativamente a cada um dos arguidos, um juízo de prognose de que todos eles conseguem reunir condições para que essa obrigação possa ser cumprida».
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Apreciando: Em primeiro lugar, concorda-se que o acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 8/2012, citado pelo Recorrente, não seja aplicável ao caso concreto, dos autos, pelas razões apontadas pelo M.ºP.º em 1ª instância e na própria sentença recorrida.
Por outro lado, entende-se que o tribunal a quo justifica a sua opção por suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, com a condição de pagar a quantia de 139.965,01 euros. O disposto no artigo 50.º n.º1 do Código Penal determina as circunstâncias em que a suspensão da execução da pena poderá ser decretada pelo tribunal e que poderão permitir um juízo de prognose favorável de que a mera ameaça da pena será suficiente para afastar o arguido da prática de novos crimes. O n.º2 do mesmo normativo estabelece que «O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. Por sua vez, o artigo 14.º do RGIT, condiciona obrigatoriamente a suspensão da execução da pena ao pagamento das quantias indevidamente recebidas e que foram causa do prejuízo patrimonial causado ao Estado (administração fiscal), tendo se já pronunciado o Tribunal Constitucional no sentido de que tal obrigatoriedade não padece de inconstitucionalidade.
Deste modo, e quanto à condição estabelecida ao arguido na suspensão da execução da pena de prisão- 1 ano e seis meses de prisão- referente ao crime de fraude fiscal qualificada, o juízo de prognose relativo à capacidade económica do arguido de cumprir o pagamento da quantia em dívida, pelo prazo de 5 anos, não tinha que ser feito, porque decorria do disposto no artigo 14.º n.º1 do RGIT, que tal condição, caso se optasse pela suspensão da execução da pena, era obrigatória, não havendo alternativa na moldura abstrata da pena a penas não detentivas da liberdade. Não obstante, o tribunal a quo pouco tinha em termos das circunstâncias a ponderar nos termos do artigo 50.º, n.º1 do Código Penal para a suspensão da execução da pena, a não ser o facto do arguido (recorrente) não ter antecedentes criminais e os factos se reportarem aos anos de 2014 e 2015. O prejuízo causado ao Estado foi elevado, o arguido/recorrente agiu com dolo directo, não lhe é conhecida actividade profissional desde 2019, desconhece-se a sua vida pessoal, por não a ter fornecido ao tribunal, sendo que dessa forma e em termos de prevenção especial no sentido de o afastar da prática de novos crimes e de reintegração futura na comunidade o juízo de prognose é fraco, não havendo também quaisquer espectativas, a não ser considerar que tem idade para ter uma vida produtiva, de que possa cumprir a condição imposta, o que em termos da finalidade da prevenção geral não é expressiva, nem dissuasora, podendo a suspensão da execução da pena não vir a ser revogada por incumprimento da condição- 5 anos- por se considerar não ser culposo esse incumprimento (artigo 55.º, n.º1 do Código Penal). É verdade que nos termos do artigo 43.º do Código Penal, ainda poderia ter sido ponderada, caso o arguido consentisse, o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, devendo o tribunal justificar a não opção por essa modalidade.
Pelo exposto, não sendo a sentença recorrida omissa, nos termos alegados pelo Recorrente, entende-se que a opção tomada pelo tribunal a quo de suspensão de execução da pena com a obrigação de pagamento da quantia em dívida ao Estado (cerca de 140 mil euros) é incorrecta, por não obedecer a um juízo de prognose favorável no que diz respeito às finalidades da punição. No entanto, e ao abrigo do princípio da proibição da reformatio in pejus (artigo 409.º, n.º1 do CPP, não pode a sentença recorrida ser alterada em desfavor do arguido/recorrente.
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Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II.
Objeto do recurso e sua apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Deste modo integram o objecto do recurso a arguição da nulidade de omissão de pronúncia quanto à fundamentação do regime de suspensão da pena e aferição do mérito do mesmo.
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Do enquadramento dos factos.
Discutida a causa, apuraram-se os seguintes factos:

“O Ministério Público para serem julgados em processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, Acusou:
1) Sociedade “F... Unipessoal, Lda.”, pessoa colectiva com o NIPC ..., com sede na Rua ..., nº ..., em ..., Felgueiras; 2) BB, filha de DD e de EE, nascida em .../.../1969, natural da freguesia ..., concelho de Felgueiras, divorciada, empresária, residente na Avenida ..., em Felgueiras, e actualmente detida no EP ..., desde 14.10.2017; 3) Sociedade “R... Unipessoal Lda.”, pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., s/n, 1º dto, P2, Cinfães; 4) AA, filho de FF e de GG, natural de ..., Marco de Canaveses, nascido em .../.../1989, solteiro, gerente de empresas, residente na Avenida ..., n.º ..., R/C, Marco de Canaveses; 5) CC, filho de HH, nascido em .../.../1979, natural da freguesia ..., concelho de Lisboa, divorciado, armador de ferro da construção civil, residente na Rua ..., ..., Marco de Canavezes. Imputando-lhes a prática:
- aos arguidos BB e CC, em coautoria, na forma consumada de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelos arts. 6º, nº 1, 103º, nº1 al. a) e 104º, nº1 e nº2 als. a) e b), do R.G.I.T., aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06; - ao arguido AA, em co-autoria, na forma consumada de dois crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelos arts. 6º, nº 1, 103º, nº1 al. a) e 104º, nº1 e nº2 als. a) e b), do R.G.I.T., aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06; - às sociedades arguidas de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelos arts. 7º, 103º, nº1, al. a) e 104º, nº1 e nº2 al. a) e b) do R.G.I.T., aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06, tudo com base nos factos constantes da Acusação de fls. 770 e ss, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os efeitos legais.
A sociedade arguida “R..., a fls. 839, apresentou contestação, oferecendo o mérito dos autos.
O Arguido AA, a fls. 836 também apresentou contestação, negando os factos constantes da acusação, oferecendo o mérito dos autos; arrolando prova testemunhal.
Os restantes arguidos não apresentaram contestação.
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS Não ocorreram nulidades, ou outras excepções, mostrando-se válida e regular a instância.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com a observância do formalismo legal e na ausência dos arguidos CC e AA ao abrigo do disposto no art.333º, nº2 do C.P.P..
Por despacho constante de fls. 837, foi declarada extinta a responsabilidade criminal da sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.” atenta a sua liquidação e o registo de cancelamento da sua matrícula.
III – FUNDAMENTAÇÃO:
1) Instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) A sociedade “F... Unipessoal, Lda.” era uma sociedade por quotas, com o NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ..., Felgueiras, e que tinha por objecto social a fabricação de calçado e de componentes para calçado.
2) Para efeitos de tributação fiscal, encontrava-se colectada para o exercício de actividade principal de fabricação de componentes para calçado – CAE ..., na área do Serviço de Finanças de Felgueiras, enquadrada em IVA no regime normal de periodicidade trimestral e, em sede de IRC, no regime geral de tributação
3) A gerência da referida sociedade está e esteve, desde a sua constituição em 26.06.2013, entregue à arguida BB, a qual enquanto sócia-gerente da referida sociedade, e na qualidade de seu legal representante, exercia de facto todas as funções de gestão e administração da sociedade.
4) Com efeito, era a arguida que dava as ordens, decidia o giro económico e de afectação das receitas às despesas, tomava as decisões, vinculava a empresa, assinava contratos, contratava pessoal e procedia ao pagamento dos salários, facturava os serviços prestados, liquidava nas facturas que emitia o IVA e cobrava-o aos seus clientes, procedia ao apuramento contabilístico do imposto exigível, declarando aquando da remessa à Administração Tributária das respectivas declarações periódicas do IVA, à elaboração e apresentação das declarações anuais de IRC e procedia ao pagamento de impostos.
5) A sociedade arguida “R... Unipessoal Lda.” era uma sociedade por quotas, com o NIPC ..., com sede na Rua ..., s/n, 1º dto, P2, Cinfães, e que tinha por objecto social o comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro e comércio por grosso de materiais de construção e equipamento sanitário.
7) Apesar de no contrato de sociedade da referida sociedade figurar que a gerência da referida sociedade, desde a data da sua constituição em 10.08.2012, pertencia ao arguido AA, de facto não era aquele sócio-gerente de facto da referida sociedade ou o seu legal representante, e como tal, aquele arguido nunca exerceu, de facto, quaisquer funções de gestão e administração daquela sociedade arguida.
8) A sociedade “M... Unipessoal Lda.” era uma sociedade por quotas, com o NIPC ..., com sede na Rua ..., em ..., Vizela e que tinha por objecto social, a fabricação e comercialização de calçado, importação e exportação.
9) A gerência da referida sociedade esteve, desde 08.06.2012 e até 14.02.2019, data do cancelamento da sua matrícula, entregue ao arguido CC, o qual enquanto sócio-gerente da referida sociedade, e na qualidade de seu legal representante, exercia de facto todas as funções de gestão e administração da sociedade. 10) Com efeito, era o arguido CC que representava a sociedade “M... Unipessoal Lda.” perante clientes e fornecedores e foi o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respectiva contabilidade da empresa e direcção dos trabalhadores bem como pela emissão das respectivas facturas. 11) Em data não concretamente apurada, mas a partir do ano de 2014, no âmbito da sua actividade profissional, a arguida BB, por si e em representação da sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.”, delineou um plano tendo em vista defraudar o Estado, a fim de obter benefícios fiscais a que não tinha direito.
12) Tal plano passava por pessoa que não foi possível apurar, na qualidade de legal representante da sociedade “R..., Lda.”, e CC, na qualidade de legal representante da sociedade “M... Unipessoal Lda.” emitirem ou mandarem emitir facturas em nome da sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.” referentes a transacções fictícias, forjando para o efeito o seu conteúdo.
13) De seguida, a arguida BB incluía na contabilidade da sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.”, como se de verdadeiros custos se tratassem, as mencionadas facturas referentes a supostas prestações de serviços à actividade desenvolvida e que não correspondiam a verdadeiras transacções comerciais, incrementando os custos, diminuindo o lucro tributável e, consequentemente, o valor do imposto IRC a pagar e do montante de IVA a entregar.
14) Na execução de tal propósito, conhecido e aceite por todos os arguidos, pessoa que não foi possível apurar, enquanto legal representante da sociedade arguida “R..., Lda.”, durante os anos de 2014 e 2015, emitiu ou mandou emitir e entregou a favor da arguida BB, que as fez incluir na contabilidade da sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.”, como se de verdadeiros custos se tratassem, as seguintes facturas: Ano de 2014: Doc.º n.º Data Descrição Valor Líquido (€) Valor para gastos IVA (€) TOTAL (€) 38 30-01-2014 Serviços de corte e costura sapatilhas 20.502,00 4.715,50 25.217,50 44 28-02-2014 Serviços de corte e costura sapatilhas 20.160,00 4.636,80 24.796,80 55 03-06-2014 Serviços de corte e costura 17.500,00 4.025,00 21.525,00 57 09-06-2014 Serviços de corte e costura 13.500,00 3.105,00 16.605,00 60 14-07-2014 Serviços de corte e costura botas 20.020,00 4.604,60 24.624,60 65 04-08-2014 Serviços de corte e costura botas 20.000,00 4.600,00 24.600,00 71 30-10-2014 19.912,00 4.579,00 24.491,00 72 20-11-2014 20.045,00 4.610,00 24.655,00 73 12-12-2014 19.875,00 4.571,25 24.446,00 74 16-12-2014 Serviços de corte e costura 15.350,00 3.530,50 18.880,00 75 22-12-2014 13.387,50 3.079,12 16.466,62 Totais 200.251, 50 46.056,77 246.308,27 Ano de 2015: Doc.º n.º Data Descrição Valor Líquido (€) Valor para gastos IVA (€) TOTAL (€) 77 30-01-2015 17.800,00 4.094,00 21.894,00 82 27-02-2015 17.875,00 4.111,25 21.986,25 83 31-03-2015 19.250,00 4.427,50 23.677,50 85 13-04-2015 17.700,00 4.071,00 21.771,00 86 28-04-2015 17.850,00 4.105,50 21.955,50 88 20-05-2015 Serviços de corte e costura 19.500,00 4.485,00 23.985,00 89 22-05-2015 Serviços de corte e costura 19.400,00 4.462,00 23.862,00 90 29-05-2015 Serviços de corte e costura 15.825,00 3.639,00 19.464,00 93 20-07-2015 Serviços de corte e costura 13.200,00 3.036,00 16.236,00 94 30-07-2015 Serviços de corte e costura 8.000,00 1.840,00 9.840,00 95 10-08-2015 Serviços de corte e costura 19.061,00 4.384,00 23.445,00 96 20-08-2015 Serviços de corte e costura 11.250,00 2.588,00 13.838,00 97 10-09-2015 Serviços de corte e costura 14.250,00 3.278,00 17.528,00 98 28-09-2015 19.000,00 4.370,00 23.370,00 87 08-10-2015 36.750,00 8.452,50 45.202,50 99 11-11-2015 37.500,00 8.625,00 46.125,00 100 08-12-2015 48.500,00 11.155,00 59.655,00 Totais 352.711,0 0 81.123,75 433.834,75
15) Também na execução do plano gizado, o arguido CC, enquanto legal representante da sociedade “M... Unipessoal Lda.”, durante o ano de 2014, emitiu ou mandou emitir e entregou a favor da arguida BB, que a fez incluir na contabilidade da sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.” como se de verdadeiros custos se tratassem, as seguintes facturas: Ano de 2014: Doc.º n.º Data Descrição Valor Líquido (€) Valor para gastos IVA (€) TOTAL (€) 20 14-04-2014 Pares, botas, serviços de corte e costura 10.000,00 2.300,00 12.300,00 21 15-04-2014 Pares, botas, serviços de corte e costura 13.500,00 3.105,00 16.605,00 43 23-06-2014 Pares, botas, serviços de corte e costura 17.500,00 4.025,00 21.525,00 44 25-08-2014 Pares, botas, serviços de corte e costura 13.500,00 3.105,00 16.605,00 totais 54.500,0 0 12.535,00 67.035,00.
16) Tais facturas, no entanto, não titulavam quaisquer operações comerciais reais, uma vez que a sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.”, através da arguida BB nunca adquiriu nem usufruiu dos bens e serviços a que as mesmas se referem, e, não obstante estar ciente que tais facturas não titulavam quaisquer transacções efectivamente realizadas, a arguida BB fez constar tais facturas na contabilidade da sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.” registando-as e discriminando-as.
17) Desta forma, a Administração Fiscal convenceu-se de que as facturas em causa eram verdadeiras e correspondiam a transacções comerciais e/ou prestação de serviços reais e, consequentemente, aceitou os montantes titulados pelas mesmas, nos exercícios fiscais de 2014 e 2015.
18) Sucede que, a sociedade arguida “R... Unipessoal Lda.”, à data da emissão das mencionadas facturas, já tinha procedido à cessação da actividade para efeitos de IVA, as facturas não foram emitidas de forma cronológica, a sua sede situava-se num edifício de escritórios e não dispunha de qualquer unidade fabril para laboração, não tinha qualquer trabalhador inscrito, nenhuma entidade lhe declarou venda de matérias primas ou subcontratação e não dispunha de estrutura para desenvolver uma actividade comercial nem tinha condições de efectuar as vendas constantes das facturas mencionadas.
19) Também no que se refere à sociedade “M... Unipessoal Lda.”, na sua sede não funcionava qualquer unidade de produção com a sua designação, não tinha qualquer contrato de prestação de serviços, algumas das facturas foram emitidas com data anterior à da sua requisição na tipografia, o veículo identificado nas facturas, não pertencia à sociedade, sendo que esta não dispunha de qualquer outra instalação ou equipamentos que lhe permitisse prestar os serviços mencionados nas facturas mencionadas.
20) Todavia, com base nas referidas facturas, a arguida BB, por si e em representação da sociedade “F... Unipessoal, Lda.”, procedeu a deduções fiscais indevidas em sede de IRC dos anos 2014 e 2015 e no IVA do 4.º trimestre de 2014 e 2.º, 3.º e 4.º trimestre de 2015 materializada através da adulteração dos registos contabilísticos e declarações fiscais da actividade desenvolvida por si, obtendo com este procedimento vantagens patrimoniais com a consequente diminuição das receitas tributárias.
21) Em virtude da emissão e inclusão das facturas supra referidas na contabilidade da sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.” e da sua inclusão nas declarações fiscais para efeitos de IRC, relativas ao ano fiscal de 2014 e 2015, apresentadas junto da autoridade tributária em 26.05.2015 e 30.05.2016, respectivamente declarando falsamente como custos o valor líquido daquelas facturas, a mencionada sociedade arguida deixou de pagar ao Estado a título de IRC a quantia de € 57.630,20 e € 43.838,09, respectivamente.
22) Acresce, ainda, que a utilização por parte da sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.”, por intermédio da arguida BB, das aludidas facturas teve como consequência a dedução indevida de IVA, o que implicou igualmente a obtenção de uma vantagem patrimonial relativamente a este imposto.
23) Assim, a sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.”, por intermédio da arguida BB, ao fazer constar o imposto suportado nas facturas sabendo que elas não correspondiam a serviços efectivamente prestados, aquando da apresentação das declarações periódicas de IVA, em 06.02.2015, 14.08.2015, 16.11.2015 e 10.02.2016, respectivamente referentes ao 4.º trimestre de 2014 e 2.º, 3.º e 4.º trimestre de 2015, obteve as seguintes vantagens patrimoniais: Período IVA indevidamente deduzido IVA 2014/12T € 20.639,87 IVA 2015/06T € 20.762,50 IVA 2015/09T € 19.496,00 IVA 2015/12T € 28.232,50.
24) Ao actuar da forma acima descrita, agiu a arguida BB, em representação e no interesse da sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.”, bem sabendo que as referidas facturas não correspondiam a negócios comerciais efectivos uma vez que os serviços delas constantes nunca foram prestados, antes tendo sido forjadas em conjugação de intentos e esforços com os restantes arguidos.
25) Não obstante ter perfeito conhecimento de que tais facturas não titulavam reais transacções comerciais e que eram documentos fiscalmente relevantes, a arguida BB, em representação e no interesse da sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.” incluíu as mesmas nas declarações de rendimentos da sociedade relativa aos anos de 2014 e 2015, que enviou aos serviços da administração fiscal, bem como nas declarações periódicas de IVA referentes ao 4.º trimestre de 2014, 2.º, 3.º e 4.º trimestre de 2015.
26) Ao proceder do modo descrito, a arguida BB agiu com o propósito de que a sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.” obtivesse uma vantagem patrimonial, no montante global de € 190.599,16, a que sabia não ter direito, diminuindo-lhe as receitas tributárias em valor equivalente, bem sabendo que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues.
27) Pessoa não concretamente apurada, por si e em representação da sociedade arguida “R...” e o arguido CC, por si e em representação da sociedade “M... Unipessoal Lda.” agiram, em comunhão de esforços, com o propósito conseguido de fazer constar das facturas mencionadas supra, prestações de serviços inexistentes, bem como entregar essas facturas à arguida BB e à sociedade arguida “F... Unipessoal, Lda.” para que estes obtivessem, como obtiveram, uma vantagem patrimonial ilegítima, através da diminuição das receitas tributárias do Estado.
28) Os arguidos, em nome e no interesse das sociedades arguidas, agiram sempre livre, consciente e voluntariamente, em comunhão de esforços e na execução do plano que previamente traçaram, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Mais se provou:
29) A Arguida BB:
a) encontra-se presa desde 14.10.2017, em cumprimento de uma pena de 7 anos de prisão; b) antes de ser detida tinha uma fábrica e era gerente da mesma;
c) é divorciada e vivia com um filho maior;
d) tem o 9º ano de escolaridade;
e) Do seu CRC constam os antecedentes criminais, aí melhor descritos e constantes de fls. 873 a 876, e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
30) O arguido CC:
a) conforme resulta do TIR prestado a fls. 805, aí declarou estar divorciado;
b) da consulta da base de dados da Segurança Social, e constante de fls. 883 e 884, resulta como última remuneração, o valor de € 150,00, e relativa ao mês de Dezembro de 2020
b) Do seu CRC, junto a fls. 882, não constam antecedentes criminais.
31) O arguido AA:
a) tem uma empresa de construção civil, auferindo um vencimento mensal declarado de € 700,00;
b) é solteiro, mas vive com a sua companheira que se encontra desempregada; c) têm 3 filhos menores;
c) habitam em casa arrendada pela qual pagam uma renda mensal de cerca de € 250,00;
d) tem o 6º ano de escolaridade;
e) Do seu CRC constam os antecedentes criminais, aí melhor descritos e constantes de fls. 877 a 881, e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
32) A Sociedade arguida “R..., Lda.”: a) o teor da certidão do registo comercial e relativa à mesma e constante de fls. 870 e 871; b) do seu CRC, de fls. 872 nada consta.
Factos Não Provados:
Não se provou:
- que a gerência da sociedade “R..., Lda.” estivesse, desde a data da sua constituição em 10.08.2012, entregue ao arguido AA, o qual enquanto sócio-gerente da referida sociedade, e na qualidade de seu legal representante, exercia de facto todas as funções de gestão e administração da sociedade arguida.
- que fosse o arguido AA que representava a sociedade arguida “R... Unipessoal Lda.” perante clientes e fornecedores e era o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respectiva contabilidade da sociedade e direcção dos trabalhadores bem como pela emissão das respectivas facturas.
- que o arguido AA tivesse tido intervenção no plano referido em 12);
- que tivesse sido o arguido AA a emitir ou mandar emitir as facturas referidas no item 14) dos factos dados como provados; - que o arguido AA tivesse agido ou actuado, conforme o referido no item 27) dos factos dados como provados e como legal representante da referida sociedade;
- quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação, contestações ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.”

E quanto à escolha e medida da pena, a sentença fundamentou da seguinte forma:

“1. Qualificados os factos, segue-se a determinação medida da pena: De acordo com o actual art. 103º, nº1 da Lei da Lei nº 15/2001, de 05/06 (RGIT), “Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais, susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. De acordo com o actual do art. 104.º, da Lei 15/2001, de 05/06, “os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de 1 a 5 anos para a pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas (…)”. E, de acordo com o art. 15º, da mesma Lei, “a cada dia de multa corresponde uma quantia entre € 1 e € 500, tratando-se de pessoas singulares, e entre € 5 e € 5.000, tratando-se de pessoas colectivas ou entidades equiparadas, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos.”
a) Cabe então referir que a determinação da medida da pena faz-se de acordo com os critérios do art. 71.º do Cód. Penal, considerando-se, sempre que possível, o prejuízo sofrido pela Fazenda Nacional (art. 13º do Dec.-Lei acima referido).
b) Ora, nos termos do no 1 do art. 71º do Cód. Penal “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e tendo em conta as exigências de prevenção”. A culpa e a prevenção são assim, os critérios gerais reguladores da medida da pena. A culpa entendida como um juízo de censura dirigido ao agente, em virtude de uma atitude desvaliosa manifestada no facto, constitui o limite máximo que a pena em caso algum poderá ultrapassar. O limite mínimo será fixado em função de considerações de prevenção geral positiva ou de integração, que se traduzem na necessidade de protecção dos bens jurídico-penais e de reafirmação das normas violadas. Por outro lado, devem ter-se aqui em conta considerações de prevenção especial e de socialização, que visam evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade. São estas considerações de prevenção especial de ressocialização que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
c) Cabe, pois, proceder à valoração dos concretos factores de medida da pena, tendo em conta os critérios da culpa e da prevenção acima referidos. Arguida BB Assim, deve ter-se em conta que a arguida BB agiu com dolo directo, e ao actuar da forma descrita nos factos dados como provados, conseguiu obter, da forma descrita nos factos dados como provados, e através das facturas emitidas pelas sociedades “M..., Lda.” e “R..., Lda.” e contabilizadas na sociedade arguida, e em sede de IRC, no ano de 2014, o montante de € 57.630,20 e no ano de 2015, o montante de € 43.838,09. no montante global de € 190.599,16 e beneficiou, em sede de IVA, que não entrgou, no período 2014/12T, o montante de € 20.639,87, no período 2015/06T, o montante de € 20.762,50, no período 2015/09T, o montante de € 19.496,00 e finalmente no período 2015/12T, o montante de € 28.232,50; sabendo que ao actuar da forma descrita, iria prejudicar o Estado Português em tais montantes, ao utilizar indevidamente na sua contabilidade as citadas facturas fictícias, emitidas pelas referidas sociedades, e auferiu indevidamente, à custa do Estado Português, da quantia no valor global de € 279.730,03. Por outro lado, a ilicitude da sua conduta é de intensidade muito elevada, tendo em atenção o desrespeito pelo prejuízo patrimonial que da sua conduta derivou para o Estado e o valor de que a mesma integrou no património da referida sociedade arguida, e da qual era gerente de facto e de direito. Acresce ainda que a arguida já sofreu uma condenação anterior pela prática de um crime idêntico, mas em pena de multa e encontra-se em cumprimento da pena de 7 anos de prisão, pela prática do crime de tráfico de produtos estupefacientes. A favor da arguida depõe o facto de, antes de estar em cumprimento de pena, estar a trabalhar. As exigências de prevenção geral revelam-se, assim, elevadas, atento o valor dos impostos em causa nos autos. Assim sendo, tudo ponderado e atentos os critérios dos arts. 70º, 71º e 79º, do Cód. Penal, bem como, a moldura abstracta referida no nº1 e 2 do art.104º, do R.G.I.T., entende-se condenar a arguida, BB pelo crime de fraude fiscal qualificada, numa pena de prisão de 2 anos de prisão.
Arguido CC
Assim, deve ter-se em conta que o arguido CC agiu com dolo directo, e ao actuar da forma descrita nos factos dados como provados, e ao emitir facturas falsas em nome da sociedade que se apurou e provou ser gerente de facto, a sociedade “M..., Lda.”, e ao entregar as mesmas á aqui arguida BB para que tais facturas fossem contabilizadas na contabilidade da sociedade de que a mesma era gerente, acabou por fazer com que aquela sociedade obtivesse, uma vantagem patrimonial, em deterimento e à custa do Estado Português. O arguido actuou como co-autor da referida arguida. Por outro lado, a ilicitude da sua conduta é de intensidade considerável, tendo em atenção o desrespeito pelo prejuízo patrimonial que da sua conduta derivou para o Estado.
Acresce ainda que o arguido não tem antecedentes criminais; sendo esta o único facto que milita em seu favor. As exigências de prevenção geral revelam-se, assim, medianas, atento o valor dos impostos em causa nos autos. Assim sendo, tudo ponderado e atentos os critérios dos arts. 70º, 71º e 79º, do Cód. Penal, bem como, a moldura abstracta referida no nº1 e 2 do art.104º, do R.G.I.T., entende-se condenar o arguido, CC pelo crime de fraude fiscal qualificada, numa pena de prisão de 1 ano e 6 meses de prisão.
Da Suspensão das Penas de Prisão aplicadas aos arguidos:
Estabelece o art. 14º do R.G.I.T., o seguinte, e sob a epígrafe “suspensão da execução da pena de prisão”: “1 - A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.” Não se pode olvidar nesta particular matéria o Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2012, de 24 de Outubro, o qual refere o seguinte: “No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.”
Ac. TRP de 5-03-2014: I. De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 8/2012, o tribunal não deve suspender a execução da pena de prisão determinada, pela qual tivesse optado inicialmente, quando a concreta situação económica do arguido não permite prognosticar que ele virá a satisfazer ao Estado a prestação tributária e legais acréscimos que, nos termos do art. 14.º n.º l, do RGIT, condiciona obrigatoriamente a suspensão da pena. II. Em tal hipótese, o tribunal deve voltar a ponderar a aplicação da pena principal de multa ou a aplicação de pena de substituição diversa da suspensão da execução da prisão, quando a pena concretamente determinada o permita.
Ac. TRL de 26-02-2014: I. No domínio dos crimes tributários, o período de suspensão da pena de prisão, tal como acontece no Código Penal, tem uma duração igual á da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão. II. O artigo 14.º, n.º 1, do RGIT deve ser interpretado conjugadamente com o artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal, do que resulta que nos crimes tributários, tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento como condição de suspensão da pena de prisão quando do juízo de prognose realizado resultar que existem condições para que essa obrigação possa ser cumprida. Ac. TRE de 18-06-2013: II. O art.14º, nº1 do RGIT ao impor a obrigatoriedade da suspensão da execução da pena de prisão ficar condicionada ao pagamento das importâncias nele referidas, independentemente da situação económica do condenado, não é inconstitucional por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da necessidade e proporcionalidade da pena.
Ac. TRP de 29-04-2015: I. Em obediência ao artº 14º1 RGIT não pode a pena de prisão em que o arguido foi condenado pela prática de crimes tributários ser suspensa sem que se estabeleça como condição dessa suspensão o pagamento das quantias de que se apropriou. II. Tal norma não viola os princípios constitucionais da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade, pois o juízo quanto á impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão, sempre pode haver melhor fortuna e a revogação da suspensão depende de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição. III. A doutrina do AFJ nº 8/2012 só é aplicável quando o crime tributário é punível com pena de prisão ou outra pena não privativa da liberdade. IV. Estando em causa o crime de fraude fiscal tributária punível apenas com pena de prisão não se coloca a possibilidade de opção entre pena de prisão suspensa na sua execução e pena de multa.
No que se refere aos arguidos, verifica-se que, apesar de a arguida se encontrar detida e em cumprimento de pena, a mesma poderá, ainda assim, liquidar a quantia em dívida; o mesmo se dizendo do arguido CC, o qual também se encontrará a trabalhar; ou seja, e por ora, entende-se que os mesmos, têm rendimentos, e, ainda que num período alargado, o tribunal entende, e relativamente a todos eles, fixar o dever de pagamento como condição de suspensão da pena de prisão, uma vez que se consegue efectuar, e reafirma-se e relativamente a cada um dos arguidos, um juízo de prognose de que todos eles conseguem reunir condições para que essa obrigação possa ser cumprida. Assim sendo e atento ainda o disposto nos arts. 50º, 51º e 52º do Cód. Penal e art. 14º do R.G.I.T., decide-se suspender as referidas penas de prisão aplicadas aos arguidos BB e CC, pelo período de 5 anos, na condição dos arguidos pagarem em tal período a quantia de € 279.730,03 correspondente à vantagem patrimonial pelos mesmos auferida, enquanto legais representantes das sociedades de que eram responsáveis legais, quer de facto, quer de direito. Ora, como aqui a responsabilidade pelo pagamento não é solidária, mas antes individual, determina-se que tal pagamento seja efectuado em partes iguais por cada um dos arguidos, ou seja, cada um fica responsável pelo pagamento de 1/2 da referida quantia, ou seja, cada um deles fica responsável pelo pagamento da quantia de € 139.965,01. Ora, no caso dos autos, e no que concerne à outra sociedade arguida “R..., Lda.” e face à matéria de facto dada como provada e não provada, não resultou provado quem, em concreto e de facto era o gerente da referida sociedade, ou seja, quem de facto actuou no nome, interesse e em representação da mesma, nos termos definidos nos arts. 6º e 7º do RGIT, e, como tal, não resultaram provados os elementos objectivos e subjectivos dos imputados ilícitos à referida sociedade. Nesse sentido Cfr. Ac. Do TRL de 11.12.2019, Proc. Nº 346/16.4T9SNT.L1-3, disponível em www.dgsi.pt.
Da perda da vantagem patrimonial:
O Ministério Público veio requerer a perda da vantagem patrimonial nos termos do artigo 111º, nºs 2, 3 e 4 do Código Penal, no valor de € 190.559,16, quantia que era devida à Administração Tributária e de que esta ficou desapossada pelo crime cometido pelos arguidos de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelos arts. 6º, nº1, 103º, nº 1 al. a) e 104º, nº1 e nº 2, al. a), do R.G.I.T., aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06; Dispõe o artigo 110º, do Código Penal, sob a epígrafe “Perda de Produtos e Vantagens” na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 30/2017, de 30.05 que: “1 - São declarados perdidos a favor do Estado: a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. 2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem. 3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado. 4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A. 5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz. 6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.” Por sua vez, o art. 111º do Código Penal, sob a epígrafe “Instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiro”, o seguinte: 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os instrumentos, produtos ou vantagens não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada. 2 - Ainda que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a terceiro, é decretada a perda quando:
a) O seu titular tiver concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiver retirado benefícios; b) Os instrumentos, produtos ou vantagens forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo ou devendo conhecer o adquirente a sua proveniência; ou c) Os instrumentos, produtos ou vantagens, ou o valor a estes correspondente, tiverem, por qualquer título, sido transferidos para o terceiro para evitar a perda decretada nos termos dos artigos 109.º e 110.º, sendo ou devendo tal finalidade ser por ele conhecida. 3 - Se os produtos ou vantagens referidos no número anterior não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A. 4 - Se os instrumentos, produtos ou vantagens consistirem em inscrições, representações ou registos lavrados em papel, noutro suporte ou meio de expressão audiovisual, pertencentes a terceiro de boa-fé, não tem lugar a perda, procedendo-se à restituição depois de apagadas as inscrições, representações ou registos que integrarem o facto ilícito típico. Não sendo isso possível, o tribunal ordena a destruição, havendo lugar à indemnização nos termos da lei civil. Ora, como é sabido a perda de vantagens é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção. Como bem ensina Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 315, em anotação ao art. 111º, não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende uma condenação. Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes, “mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objecto” (Figueiredo Dias, 1993: 638, e apontando também nesse sentido, Maia Gonçalves, 2007: 436, anotação 3ª, ao artigo 111º, considerando que o preceito tem em vista “mais uma perigosidade em abstracto” e visa a “prevenção da criminalidade em geral”, Leal Henriques e Simas Santos, 2002: 1162 e 1164, e Sá Pereira e Alexandre Lafayette, 2007: 299, anotação 6ª ao artigo 111º. Revendo posição anterior em que se entendia não ser de condenar neste pedido, dada a existência de jurisprudência mais recente, quer do Venerando Tribunal da Relação do Porto, quer do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, em sentido oposto ao que entretanto de decidia, entende-se, e como se disse e revendo posição anterior, e sufragando o os entendimentos agora plasmados em diversos Acórdãos dos Tribunais Superiores, e de que disso são exemplo: - O Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães datado de 14.01.2019, cuja Relatora é a Exma. Sra. Juíza Desembargadora, Dra. Isabel Cerqueira, como seguinte sumário. “I) O Mº Pº, no interesse da comunidade e por direito próprio, pode sempre peticionar a perda de vantagens do crime fiscal, mesmo que a Autoridade Tributária não pretenda que seja deduzido pedido cível. II) - E até independentemente da existência de pedido de indemnização civil ou de a Autoridade Tributária ter usado de outros meios para cobrança do imposto em dívida (e apesar de eventual falta de utilidade prática), quer porque o Estado só pode executar uma vez a mesma quantia, quer porque a perda de vantagens do crime prevista na alínea b) do n.º 2 do art.º 110º do CP é determinada por outros fins para além da indemnização do Estado, fins de prevenção da criminalidade ligada "à velha ideia de que o crime não compensa".
III) - O pedido de indemnização civil ou outras formas de cobrança do imposto em dívida não são suficientes para assegurar as razões subjacentes à perda de vantagens do crime, nomeadamente, por a responsabilidade tributária obedecer ao previsto na Lei Geral Tributária, com prazos e princípios próprios, tais como, prazos de caducidade curtos, e mera responsabilidade subsidiária de outros sujeitos para além do sujeito passivo.” - O Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto datado de 24.10.2018, cujo Relator é o Exmo. Sr. Juiz Desembargador, Dr. José Piedade, como seguinte sumário. “A existência de uma execução fiscal no domínio da responsabilidade tributária subjacente à prática de um crime de abuso de confiança fiscal não constitui impedimento à declaração de perda de vantagem patrimonial, no âmbito penal.” - O Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto datado de 12.09.2018, cuja Relatora é a Exma. Sra. Juíza Desembargadora, Dra. Maria Dolores da Silva e Sousa, como seguinte sumário. “Deve ser declarado perdido a favor do Estado ao abrigo do artº 111º 2 CP o valor da vantagem patrimonial obtido pelo arguido com a prática do crime de abuso de confiança fiscal (artº 105º RGIT) mesmo não tendo o Mº Pº deduzido pedido civil a pedido da Autoridade Tributária.” Pelo exposto, e como se referiu e revendo posição anterior, decide-se e ao abrigo do disposto no artigo 111º, n.º 2, 3 e 4 do Código Penal, e a título de perda de vantagem patrimonial, condenar ainda os arguidos BB e CC a pagar Estado Português referida quantia peticionada pelo Ministério Público, em representação do Estado Português e a título de perda de vantagem patrimonial.
V) DECISÃO:” (relevos nossos)
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Cumpre apreciar:
Sobre a alegada omissão de fundamentação quanto à ponderação do juízo concreto de prognose, geradora da invocada nulidade da sentença cfr.art.379º, nº1, al. c), do C.P.P., a apreciação exigida no Ac.do STJ de fixação de jurisprudência nº8/2012 situa-se num plano diferente, dado que, o que aí se sustenta, é que se o juízo de prognose for negativo quanto às possibilidades do arguido pagar a totalidade da quantia em dívida no período da suspensão, então o Tribunal deverá optar por uma pena diversa da suspensão da pena; ou seja esse aresto faz integrar nos critérios previstos nos arts.40º nº1 e 70º do CP, o aludido juízo de prognose sobre as possibilidades económicas de pagamento.
Mas essa alegada omissão soçobra manifestamente, dado que o Tribunal “A Quo” seguiu a posição do douto acórdão Ac. TRP de 29-04-2015, quando este sustentou que “A doutrina do AFJ nº 8/2012 só é aplicável quando o crime tributário é punível com pena de prisão ou outra pena não privativa da liberdade. Estando em causa o crime de fraude fiscal tributária punível apenas com pena de prisão não se coloca a possibilidade de opção entre pena de prisão suspensa na sua execução e pena de multa.”. Ora entendendo-se que ao caso não se aplicava o referido AFJ, o Tribunal “A Quo” havendo suspendido a execução da pena de prisão cominada, não deixou de fundamentar o juízo de prognose positiva para o pagamento integral da quantia devida ao fisco com os acréscimos legais, sustentando nos seguintes termos “o mesmo se dizendo do arguido CC, o qual também se encontrará a trabalhar; ou seja, e por ora, entende-se que os mesmos, têm rendimentos, e, ainda que num período alargado, o tribunal entende, e relativamente a todos eles, fixar o dever de pagamento como condição de suspensão da pena de prisão, uma vez que se consegue efectuar, e reafirma-se e relativamente a cada um dos arguidos, um juízo de prognose de que todos eles conseguem reunir condições para que essa obrigação possa ser cumprida. Assim sendo e atento ainda o disposto nos arts. 50º, 51º e 52º do Cód. Penal e art. 14º do R.G.I.T., decide-se suspender as referidas penas de prisão aplicadas aos arguidos BB e CC, pelo período de 5 anos, na condição dos arguidos pagarem em tal período a quantia de € 279.730,03 correspondente à vantagem patrimonial pelos mesmos auferida, enquanto legais representantes das sociedades de que eram responsáveis legais”.
Portanto, independentemente do acerto deste juízo de prognose ele foi fundamentado não ocorrendo a invocada omissão, improcedendo nesta parte as conclusões do recurso.
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Quanto ao aspeto central reportado à pretendida ponderação sobre a prognose favorável ao pagamento integral do montante apropriado pelo arguido no decurso da suspensão, feita aliás pelo Tribunal “A Quo”, sempre defendemos que o disposto no art.14º nº1 do RGIT se encontra sujeito ao nº2 do art.51 do CP, ou seja, optando o Tribunal pela suspensão da pena, haverá, subsequentemente, de aferir o nº2 do art.51º, aplicando o critério de razoabilidade à definição do montante a cominar ao arguido, inexistindo qualquer obrigação oficiosa de manter na íntegra a quantia devida ao fisco ou à segurança social.
Muito embora, o recorrente citando o AFJ do STJ nº8/2012, sustente a necessidade de formulação de um juízo de prognose no âmbito da pena suspensa que foi decretada (e cujo acerto não impugna), recorda-se que a ponderação exigida no Ac.do STJ de fixação de jurisprudência nº8/2012 situa-se num plano diferente, dado que, o que aí se sustenta, é que o juízo de prognose se deve formular a montante, no momento da escolha da pena, e se esse juízo for negativo quanto às possibilidades do arguido pagar a totalidade da quantia em dívida no período da suspensão, então o Tribunal deverá optar por uma pena diversa da suspensão da pena; ou seja, esse aresto faz integrar nos critérios previstos nos arts.40º nº1 e 70º do CP, o aludido juízo de prognose sobre as possibilidades económicas de pagamento, o que a nosso ver, traduz um raciocínio jurídico de penologia que faz depender a escolha da pena das possibilidades económicas do arguido, o que, além de estar à revelia dos critérios previstos nos arts.40º nº1 e 70º do Cód.Penal estes apenas adstritos às exigências de prevenção (conforme foi bem salientado pelos votos vencidos dos Srs Conselheiros Joaquim Braz e Santos Cabral), pretendente, ao mesmo tempo, perseguir a ideia, a todo custo, de que, o pagamento na integral da dívida do fisco pertence à fenomenologia da pena, o que, por si só, briga com o acerto de vários princípios do direito penal, como adiante veremos, dado que, logo à partida, se está a impor uma condição de cumprimento impossível para o arguido (caso seja essa a condição económica apurada), o que colide com a lógica suspensão, com perda completa da racionalidade desta pena, descredibilizando a eficácia do sistema penal.
Depois, e mesmo antes da publicação deste acórdão de uniformização, como é natural, outros houve em sentido similar quanto a um dos pontos centrais, como foi o caso do AC.STJ, de 18/10/2006 que afastando a desconformidade à constituição, defendia que “A exigência de pagamento da prestação tributária como condição de suspensão da execução da pena, à margem da condição económica do responsável tributário, e do princípio da razoabilidade, previsto para a suspensão nos termos do artigo 51º nº2 do CP, nada tem de desmedida, justificando-se pela necessidade da eficácia do sistema penal tributário e o tratamento diferenciado pelo interesse preponderantemente público a acautelar.”. Porém, se quisermos ser coerentes com este entendimento e aceitar esta não aplicação dos princípios do direito penal no regime previsto no art.14º do RGIT, e consequentemente defender que, a condição de pagamento é aplicada à margem da concreta situação económica e sem olhar ao princípio da razoabilidade, então também teríamos de conviver com o regime do nº2 alínea c) do art.14, onde a falta de pagamento da quantia imporia a revogação da suspensão, também sem que se atendesse ao princípio da razoabilidade? O alinhamento de todas estas interpretações, choca. Pois, parece não se poder admitir a não ponderação da situação económica concreta, quer no nº1, quer no nº2, em caso de incumprimento. Este entendimento fere, entre outros, o princípio da culpa.
No entanto, mesmo na ótica desse AFJ do STJ e do seu cumprimento, tem sido entendido, como foi supra referido que “A doutrina do AFJ nº 8/2012 só é aplicável quando o crime tributário é punível com pena de prisão ou outra pena não privativa da liberdade. Estando em causa o crime de fraude fiscal tributária punível apenas com pena de prisão não se coloca a possibilidade de opção entre pena de prisão suspensa na sua execução e pena de multa.”, e portanto, vários são os acórdãos que, no caso em que se mostra afastada a aplicação do referido AFJ, e tal como sustenta o Digno Procurador Geral Adjunto, o “juízo de prognose relativo à capacidade económica do arguido de cumprir o pagamento da quantia em dívida, pelo prazo de 5 anos, não tinha que ser feito, porque decorria do disposto no artigo 14.º n.º1 do RGIT, que tal condição, caso se optasse pela suspensão da execução da pena, era obrigatória, não havendo alternativa na moldura abstrata da pena a penas não detentivas da liberdade.”
No entanto, a nossa ótica sobre esta questão é completamente distinta, conforme foi defendido no Ac.RelP de 9/10/2019 (publicado no site do ITIJ), por nós relatado, onde se sustentou que “O certo é que a aplicação do disposto no nº1 do art.14º nº1do RJIT não implica necessariamente derrogar o nº2 do art.51º do CP. Apenas constitui uma especialidade ao regime facultativo previsto no nº1 do art.51º do CP o qual dispõe facultativamente que “A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres..”, diversamente do regime obrigatório que resulta do ar.14º nº1 do RGIT o qual impõe sempre o condicionamento ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais do montante dos benefícios indevidamente obtidos.
Portanto, se a suspensão da pena no crime tributário haverá de ser sempre condicionada ao pagamento da prestação tributária de que o arguido se apropriou, a fixação do montante concreto não poderá deixar de ficar sujeito ao regime previsto no art.51º nº2 do CP, o qual enforma o princípio geral da humanidade das penas, determinando que o regime de suspensão não seja condicionado por medidas irrealizáveis, sob pena dos fins da suspensão serem negados nos seus próprios termos.
Que juízo de prognose favorável se pode fundar num regime que, à partida e no fim, se afigura irrealizável (cfr.art.50º nºs1 e 2 do CP)? O Direito Penal porque dirigido ao homem e à sociedade reclama lógica, compreensibilidade e coerência nos seus próprios termos, em particular em matéria tão sensível como o território das penas e da sua execução.
Existe jurisprudência que, apesar do acórdão de fixação de jurisprudência, tem entendido que a condição imposta pelo art.14º nº1 do RGIT deve ser fixada no regime de suspensão pelo montante integral em dívida, dado que este integra o âmbito da pena, e que depois, a exequibilidade e exigibilidade do mesmo é matéria que adiante será revista. Porém, salvo o devido respeito, por imposição do nº3 do art.51º do CP a alterabilidade dos deveres dependem sempre de ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o Tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento. E se a situação de incapacidade é a mesma inicialmente (aquando da prolação da decisão) e por certo, posteriormente, que sentido fará diferir para mais tarde esse juízo de impossibilidade de pagamento, até porque a lei não o permite.”.
A esta argumentação acrescentamos agora que a expressão legal que consta do nº1 do art.14º do RGIT referente à suspensão da pena, reza que: “é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos…” (relevo nosso), e é nesta redação que a citada corrente jurisprudencial vê a sujeição da suspensão ao pagamento completo da dívida ao fisco ou à segurança social, sem ponderação da situação económica concreta, procurando substanciar a argumentação com a integração na pena do pagamento completo da quantia em dívida, contudo, essa expressão legal pouco difere da expressão que consta do art.51º nº1 alínea a) onde o juiz “pode” condicionar a suspensão da pena ao dever do arguido pagar, no todo ou em parte a indemnização devida ao lesado, ou seja no regime da suspensão em geral, a indemnização devida aí prevista pode ser no todo. No entanto, em ambos os casos (do art.51º nº1 alínea a) do CP; ou do art.14º nº1 do RGIT), como já defendemos, prevalece a ponderação prevista no nº2 do art.51º do Cód. Penal, apenas com a especialidade de que a sujeição ao pagamento nos termos do art.51 nº1 do CP é ponderável pelo juiz, e por isso facultativa; enquanto no art.14 do RGIT a suspensão da pena torna obrigatória a sujeição ao pagamento da dívida (daí o advérbio “sempre”), cujo montante a fixar estará, contudo, sujeito à ponderação do nº2 do art.51º do CP. E as razões que determinam a prevalência da ponderação do nº2 do art.51º do CP aos termos da suspensão do art.14º nº1 do RGIT são aquelas que se sublinham no citado acórdão RelP de 9/10/2019, ou seja, devem cumprir princípio geral da humanidade das penas, determinando que o regime de suspensão não seja condicionado por medidas irrealizáveis, sob pena dos fins da suspensão serem negados nos seus próprios termos, dado que a condição imposta, à partida (e no fim) não poderá ser cumprida, por ser impossível (ditado por um juízo de prognose).
E não é pela circunstância do Tribunal Constitucional haver considerado constitucional a interpretação daquela corrente jurisprudencial atinente ao art.14º, que a torna mais válida; é que a interpretação aqui defendida, também ela, por certeza, será constitucional, e com muito mais folga no respeito devido aos princípios constitucionais relativamente àquela tese, pois não traz consigo o evidente atrito aos princípios penais-constitucionais. Aliás a interpretação válida é a que resulta da teleologia da norma integrada no sistema jurídico penal, e sobretudo será a que não fixa na suspensão da pena condições irrealizáveis, fora da razoabilidade que o direito penal sempre supõe e impõe.
Portanto, assentando na aplicação do nº2 do art.51º do CP aos presentes autos, e tendo em conta que o arguido recorrente sustenta nas conclusões do recurso que no “caso sub júdice e com o devido respeito não foram convenientemente fundamentadas e valoradas pelo Tribunal a quo as circunstâncias que determinaram a razoabilidade do arguido poder cumprir com a pena concretamente aplicada no que diz respeito à obrigação de proceder ao pagamento ao estado da quantia em dívida de € 139.965,01 à Administração fiscal, acrescida dos respetivos juros de mora, no prazo de um cinco anos enquanto condição de suspensão da pena de prisão por igual período” e não estando em causa a escolha da medida da pena (até pelas razões logo avançadas pelo Tribunal “A Quo” [e sufragadas pelo MP], respeitantes à circunstância do AFJ de 8/2012 não ser aplicável in casu), mas tão só a definição do perfil da suspensão decretada, ponderando então a aplicação do nº2 do art.51º do CP, e consequentemente, aferindo o cotejo dos factos provados sobre a condição económica do arguido com as razões apontadas pelo Tribunal “A Quo”, verifica-se que estas não se podem manter, dado que, não se apura um quadro fáctico que admita a possibilidade razoável ou a prognose favorável do arguido poder efetivar um pagamento do valor € 139.965,01 nos próximos 5 anos, devendo por isso, ser alterado, o perfil da suspensão decretada.
Deste modo, ponderando as condições pessoais do arguido recorrente, embora apresente um quadro económico limitado (no ponto 30 b) dos factos provados consta “pelos rendimentos parcamente apurados “da consulta da base de dados da Segurança Social, e constante de fls. 883 e 884, resulta como última remuneração, o valor de € 150,00, e relativa ao mês de Dezembro de 2020”), não poderá deixar de se lhe exigir o esforço de pagamento parcial, que sem embargo de ser razoável, há-de sempre significar um sacrifício, onde a exigibilidade ao arguido poderá impor cenários financeiros de concessão de crédito para o efeito. Assim, o montante a sujeitar não pode ser superior a 7.000€, nestes termos devendo ser alterado o regime de suspensão da execução da pena concretamente cominada ao arguido recorrente.

DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a nulidade invocada; assim como julgar o recurso penal parcialmente provido quanto à medida da pena e assim alterar o dispositivo da sentença nos seguintes termos quanto ao arguido recorrente:
- condenar o arguido CC, como co-autor material, e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelos arts. 6º, nº1, 103º, nº 1 al. a) e 104º, nº1 e nº 2, al. a), do R.G.I.T., aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06, na pena de pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, a qual se decide suspender, nos termos do art. 14º do R.G.I.T, pelo período de 5 anos, na condição do arguido pagar em tal período a quantia de 7.000€ (sete mil euros) à Administração fiscal (Estado Português).
Mais julgam manter a sentença quanto ao restante objeto.

Notifique.

Sumário:
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Porto, 9 de Novembro de 2022.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
Pedro Afonso Lucas