Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00044028 | ||
Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | DIVÓRCIO LITIGIOSO SEPARAÇÃO DE FACTO | ||
Nº do Documento: | RP20100614318/09.7TBCHV.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/14/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA. | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | O prazo de um ano consecutivo de separação de facto que pode constituir fundamento para requerer o divórcio tem de estar totalmente decorrido à data em que foi instaurada a respectiva acção. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Apelação318/09.7TBCHV.P1 Apelante: B………………. Apelado: C…………….. (Tribunal Judicial de Chaves – 1.º Juízo) Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Sumário: O prazo de um ano consecutivo de separação de facto que pode constituir fundamento para requerer o divórcio, tem de estar totalmente decorrido, à data em que for instaurada a respectiva acção. I-RELATÓRIO B………… intentou acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, contra seu marido C…………., pedindo fosse decretado o divórcio entre ambos, com todas as legais consequências, devendo os seus efeitos reportar-se à data de 25 de Outubro de 2008, nos termos do art.º 1789.º n.º 2, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 61/2008. Para tanto alegou ser vítima de agressões físicas e verbais por parte do marido, que se agravaram a partir da Primavera de 2008. Esta situação culminou numa discussão ocorrida no dia 25 de Outubro de 2008, data em que o Réu ameaçou a Autora de morte, o que motivou que esta tivesse de fugir de casa, refugiando-se na casa de um irmão. Desde essa data, nunca mais Autora e Réu tiveram qualquer contacto um com o outro. Configura tais factos como motivo legal de divórcio nos termos do art.º 1781.º alíneas a) e d) do Código Civil. O Réu foi citado e não contestou. Foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou a acção improcedente pelo que não foi decretado o divórcio, absolvendo-se o Réu do pedido. Inconformada com tal decisão, vem a Autora interpor recurso no qual conclui: A sentença recorrida violou por erro de interpretação e não aplicação aos factos dados como provados, as normas constantes dos artigos 1781.º a) e 1782.º do Código Civil. Dando a este preceito o entendimento de que o fundamento de divórcio aí previsto se deve ter como verificado até ao momento da decisão. Devendo ser, consequentemente, decretado o divórcio. Não foram apresentadas contra – alegações. II-OS FACTOS Na 1.ª Instância foi dada como assente a seguintes factualidade: 1- Autora e réu contraíram casamento civil, no regime supletivo da comunhão de adquiridos, no dia 13 de Agosto de 1986. 2- Nas Instâncias Judiciais norte-americanas, no Estado Norte-Americano de Massachussetts, foi estabelecido um regime de regulação do poder paternal e de visitas do pai, ora réu, relativamente a uma filha menor do casal, juntamente com uma providência referente aos pais. 3- Desde o casamento, e tirando um período de cerca de dois anos, o casal tem vivido nos Estados Unidos da América. 4- Autora e Réu encontram-se separados de facto, não tendo mantido qualquer contacto um com o outro, desde o dia 25 de Outubro de 2008. 5- A Autora não pretende retomar ou reatar a vida em comum com o Réu. III-O DIREITO É pelas conclusões de recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto no art.º 690.º e 684.º do CPC, salvo questões de conhecimento oficioso que no caso presente não se verificam. Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas pela Apelante, a questão que se coloca neste recurso consiste em saber se, à data em que é proposta à acção de divórcio, já deve estar decorrido o período de um ano consecutivo de separação de facto, para que possa ser decretado o divórcio com o fundamento previsto no art.º 1781.º d) do Código Civil, ou se como pretende a Apelante, bastará que esse período de um ano tenha decorrido, à data da decisão. Estipula o art.º1781.º a)do Código Civil[1] que “é fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges a) a separação de facto por um ano consecutivo”. No caso sub judice, ficou provado que os cônjuges estão separados de facto, desde 25 de Outubro de 2008. Como a acção foi proposta em 17 de Outubro de 2009, o Tribunal considerou não provada a separação de facto por um ano consecutivo, por não ter decorrido o referido prazo de um ano, à data em que foi proposta a acção, embora, à data da decisão, esse prazo já tenha sido ultrapassado. Quid juris? Terá o Tribunal violado o disposto no art.º 1781.º a) do Código Civil, por erro de interpretação? O referido prazo de um ano deve já estar decorrido, à data em que for proposta a acção, ou poderá completar-se durante a pendência da acção? A separação de facto por um ano consecutivo faz nascer o direito ao divórcio, ou seja, é um elemento constitutivo do direito potestativo ao divórcio. Estamos, pois, perante um requisito de natureza substancial e não perante um prazo processual[2]. Por isso, o direito do cônjuge que acciona o outro para obter o divórcio com fundamento na separação de facto por um ano consecutivo[3], apenas surge com o decurso integral desse prazo. Enquanto esse prazo não tiver decorrido totalmente, o direito ao divórcio não nasce na esfera jurídica do cônjuge que se pretende divorciar com tal fundamento. Isto porque a lei considera que tem de haver um mínimo de tempo decorrido como demonstrativo da verificação da ruptura da vida em comum. Logo, se à data em que foi proposta a acção ainda não tinha decorrido esse período de tempo entendido como necessário para que a lei considere verificada a ruptura da vida em comum, é irrelevante que, entretanto, durante a pendência da acção, esse prazo se complete. Este entendimento de que se trata de um prazo de carácter substantivo pelo que tem de verificar-se à data do pedido, é pacífico na jurisprudência[4]. Também a doutrina se tem pronunciado no mesmo sentido. São muito esclarecedoras as palavras de José Alberto dos Reis[5] a este propósito: “aqui temos um caso nítido em que a lei substancial obsta a que o facto superveniente exerça influência sobre o julgamento a proferir. O art.º 1472.º[6] contém uma norma de natureza substancial; e tanto pela letra como pelo espírito da disposição, é óbvio que os requisitos requeridos pelo artigo hão-de verificar-se no momento em que se apresenta ao Tribunal o pedido de divórcio. Logo, se não existirem nesse momento, o juiz tem de indeferir o pedido, pouco importando que já existam à data da decisão.” Também neste sentido se pronunciaram Abel Pereira Delgado[7], Fernando Brandão Ferreira Pinto[8] e Miguel Teixeira de Sousa[9]. Na verdade, uma breve reflexão sobre a matéria logo mostra que a tese preconizada pela Apelante não é aceitável. Permitir que o prazo de um ano a que se refere o art.º 1781.ºa) do C.C. pudesse estar incompleto, no momento em que fosse instaurada a acção de divórcio, desvirtuaria completamente o sentido do preceito legal. Estaria aberta a possibilidade de qualquer dos cônjuges propor a acção de divórcio, com fundamento na separação de facto, no dia seguinte à ocorrência da separação, contando com a demora do processo, para perfazer o ano exigido na lei. Nem a letra nem o espírito da lei consentem tal interpretação. Improcedem as conclusões da Apelante. A sentença recorrida não merece censura. IV- DECISÃO Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida. Custas pela Apelante. Porto, 14 de Junho de 2010 Maria de Deus Simão da Cruz Silva D. Correia Maria Adelaide de Jesus Domingos Ana Paula Pereira de Amorim ________________ [1] Na versão introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, vigente a partir de 30 de Novembro de 2008, por ser a aplicável. [2] Neste sentido Acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2001 e de 25-05-2006, www.dgsi.pt. [3] Este prazo tem sido sucessivamente reduzido ao longo dos tempos, tendo passado de seis, para três anos sendo actualmente apenas de um ano. [4] Acórdãos do STJ de 12.07.77, BMJ, 269-156, de1.0379, BMJ, 285-324 e Acórdão do TRP de 11-10-79, BMJ, 291-538 [5] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p.91. [6] Hoje deve ler-se art.º1781.º. [7] “O divórcio”, 1980, p.69. [8] “ Causas de Divórcio, Doutrina Legislação, 1992,p. 123 [9] “ O Regime Jurídico do Divórcio, 1991, p.84. |