Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11103/20.5T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: NULIDADE
RECURSO
TEMAS DE PROVA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
Nº do Documento: RP2023041711103/20.5T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 630º/2 CPC não é admissível recurso do despacho que apreciou uma nulidade ao abrigo do art. 195º/1 CPC.
II - Do despacho que aprecie uma nulidade que contende com a aquisição processual de factos, não é admissível recurso imediato e em separado com fundamento no art. 644º/2 d) parte inicial do CPC.
III - A instrução tem por objeto os temas de prova enunciados e constando dos temas de prova apurar da responsabilidade do intermediário financeiro relativamente à movimentação de valores mobiliários, a informação a obter sobre tais títulos junto da CMVM integra-se, ainda, nos temas de prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Prova-Articulado-11103/20.5T8PRT-A.P1
*

SUMÁRIO[1] ( art. 663º/7 CPC ):
……………………………………
……………………………………
……………………………………
---

Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível )

I. Relatório
Nos presentes autos de processo declarativo que seguem a forma de processo comum, em que figuram como Autores AA, BB, CC e DD, todos id. nos autos e Réu Banco 1..., S.A, com sede indicada nos autos, encontrando-se o processo na fase de julgamento veio o réu interpor três recursos autónomos dos despachos proferidos em 13 de setembro de 2022 e 15 de setembro de 2022.
-
Em 13 de setembro de 2022 (ref. Citius 439835788) proferiu-se, entre outros, o despacho que se transcreve:
“Ref. 43032525:
Por entender pertinente para a boa decisão da causa, defere-se a pretensão deduzida.
D.N.”
-
Em 15 de setembro de 2022 (ref. Citius 440037616), em ata, proferiram-se, entre outros, os seguintes despachos:
“- Requerimento com a refª 37866789:
No requerimento em apreço, pede o Réu que nos termos do disposto nos artgs. 195º e 584º CPC se dê por não escrita a parte da resposta referente à matéria de impugnação (art. 40º a 188º) e desentranhados os 3 documentos juntos para prova dos factos ali alegados, com exceção dos artgs. 57º, 64º a 68º, 71º e 88º em que os Autores se pronunciam quanto aos documentos juntos com a contestação, alegando que a resposta deferida é inadmissível por versar sobre a matéria de impugnação.
Cumpre apreciar: a invocação na contestação de matéria de exceção por parte da Ré permite ou admite conforme despacho proferido a 08/01/2021 que a parte se pronuncie sobre a mesma.
Admite-se que tal resposta até possa encetar uma "contra-exceção" na resposta que os Réus apresentaram nos autos e que no seu articulado da resposta "alargaram" o âmbito da discussão fática que irá ser produzida.
Mas a verdade é que não vislumbramos que tal alargamento contenta com qualquer alteração do objeto do processo, mantendo-se este com a configuração que lhe foi dada na Petição Inicial, quanto à causa de pedir e pedido formulado, existindo assim qualquer violação do disposto do Princípio da Estabilidade da Instância (art. 260º CPC) que justifique o deferimento da pretensão deduzida.
Pelo exposto, indefere-se a requerida pretensão incluindo o desentranhamento dos documentos proferidos.
Custas a cargo da Ré com taxa de justiça que se fixa pelo mínimo.
-
[…]
Requerimento com a refª 43234976:
Tendo presente a posição manifestada pelo tribunal no despacho antecedente, já aliás em consonância com o deferimento da notificação que tinha sido ordenada à CMVM, não considera o tribunal que os factos alegados na resposta à contestação foram irregularmente careados para os presentes autos.
Por também entender que os mesmos podem sempre ser entendidos como resposta alargada à matéria de exceção que foi apresentada, não se vislumbra qualquer utilidade na possibilidade de exercício de contraditório ora peticionado pela Ré no referido requerimento.
Notifique.
-
[…]
Vem o Réu ao abrigo dos artg. 195º e 514º CPC, impugnar a produção de prova da testemunha EE, pelos motivos que já anteriormente tinha suscitado ao tribunal e que foram objeto de despacho também nos presentes autos.
Portanto, quanto à admissibilidade da inquirição de EE enquanto testemunha, pois desde ter sido nomeado perito no âmbito dos presentes autos, o tribunal já se pronunciou em anterior despacho sobre tal questão encontrando-se esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria.
Quanto à suposta nulidade, também não vislumbramos onde é que foi produzida a mesma se o tribunal já tinha admitido a prestação do depoimento de EE enquanto testemunha.
Pelo exposto, indefere-se a pretensão deduzida.
Notifique”.
-
Em 03 de outubro de 2022 o réu Banco 1..., S.A. veio interpor recurso (ref. Citius 33450553) do despacho proferido 13 de setembro de 2022, formulando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 13 de setembro de 2022, com referência citius 439835788, pelo qual o Tribunal a quo admitiu como meio de prova a notificação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários para que esta informe os autos sobre se o Banco 1... comunicou o resultado da oferta pública relativamente ao produto financeiro complexo EUR 5Y PORTEL, AIR FRANCE, ARCELOR, e, em caso negativo, se tem conhecimento de que a oferta pública foi convolada em oferta particular.
B. O presente recurso é admissível, por estar em causa um despacho passível de apelação autónoma, nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC, por se tratar de uma decisão sobre a admissibilidade de um meio de prova
C. No Despacho Decorrido o Tribunal a quo admitiu um meio de prova tendente à prova de factos que não integravam ainda o objeto do processo e cuja regularidade da alegação havia sido impugnada pelo Banco 1..., estando a arguição dessa nulidade pendente de decisão pelo Tribunal a quo quando foi proferido o Despacho Recorrido.
D. Foi só na audiência de julgamento de 15 de setembro de 2022 – após ter sido proferido o Despacho Recorrido – que o Tribunal a quo admitiu o articulado em que esses factos foram alegados e em que foi requerida a notificação da CMVM, cuja nulidade tinha sido arguida, em tempo, pelo Recorrente.
E. O meio de prova admitido pelo Tribunal a quo não se mostra apto a provar nenhum facto necessitado de prova que tivesse sido objeto de válida aquisição processual à data da sua prolação, nem suscetível de integrar nenhum dos temas de prova, que devesse ser objeto de instrução.
F. O Despacho Recorrido contende com o princípio da aquisição processual dos factos e viola o disposto nos artigos 5.º, n.º 5, 552.º, n.º 1, e 410.º do Código de Processo Civil.
G. O Despacho Recorrido admite a produção de um meio de prova sobre o qual não foi dada ao Recorrente a possibilidade de se pronunciar, e que versa sobre factos que também não foram submetidos ao contraditório, em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Termina por pedir que se julgue procedente o presente recurso, com a revogação do despacho recorrido.
-
Os Autores vieram responder ao recurso concluindo que o elemento de prova requerido (notificação da CMVM) enquadra-se na causa de pedir e pedido, nada havendo pois a censurar à decisão do Tribunal a quo, pedindo que se julgue improcedente o recurso interposto.
-
Em 03 de outubro de 2022 o réu Banco 1..., S.A veio interpor recurso (ref. Citius 33442784) do despacho proferido em 15 de setembro de 2022 formulando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto do Despacho Recorrido, através do qual o Tribunal a quo julgou improcedente a arguição da nulidade do depoimento da testemunha EE, formulada com base na natureza materialmente pericial (e não testemunhal) desse depoimento, que extravasou os limites da prova testemunhal.
B. Aquando da submissão da petição inicial, os Recorridos requereram a realização de uma perícia colegial (nomeando como perito o Prof. Doutor EE), tendo mais tarde desistido dessa perícia.
C. Sem prejuízo para essa desistência, os Recorridos indicaram o Prof. Doutor EE enquanto testemunha nos presentes autos, juntando um “estudo financeiro” por este preparado, que contém a resposta dada pelo Prof. Doutor EE aos quesitos periciais que integravam o objeto da perícia.
D. O Prof. Doutor EE depôs enquanto testemunha na sessão de audiência de julgamento do passado dia 15 de setembro de 2022.
E. A função caraterística da testemunha é narrar o facto e a função característica do perito é avaliar ou valorar o facto.
F. O Prof. Doutor EE não compareceu na audiência para
narrar factos, mas sim para valorá-los à luz dos seus conhecimentos técnicos, em violação da distinção que decorre dos artigos 516.º, n.º 1 e 388.º do Código de Processo Civil.
G. A evidenciar que o depoimento do Prof. Doutor EE correspondeu a um exercício de produção de prova pericial sob o chapéu de prova testemunhal está a confusão da própria “testemunha”, que por duas vezes se identificou como perito durante o seu depoimento (cfr. audiência de 15 de setembro de 2022, minutos 00:54:32 a 00:54:54 e 01:13:30 a 01:13:56 da gravação do depoimento do Prof. Doutor EE).
H. A natureza materialmente pericial do depoimento da “testemunha” é também demonstrada pelo facto de ter incidido sobre as exatas questões que haviam sido objeto da perícia, e tratar dos temas abordados no “estudo financeiro” preparado pela testemunha para efeitos da perícia (cfr. audiência de 15 de setembro de 2022, minutos 00:03:02 a 00:03:40 e 00:35:49 a 00:36:26 da gravação do depoimento do Prof. Doutor EE).
I. Compulsado o seu teor, constatou-se que o depoimento do Prof. Doutor EE foi essencialmente um exercício opinativo em que expôs a sua opinião sobre diversas questões relacionadas com o investimento em produtos financeiros semelhantes àqueles cujo investimento se discute nos autos assim como a forma como valora e qualifica os investimentos realizados nesse tipo de produtos por parte de investidores não qualificados – (cfr. audiência de 15
de setembro de 2022, minutos 00:03:52 a 00:08:03 e 00:16:46 a 00:16:58, 00:24:51 a 00:25:21, 00:29:39 a 00:29:52 e 00:31:33 a 00:31:54 da gravação do depoimento do Prof. Doutor EE).
J. A prova testemunhal e a prova pericial têm objetos e fins diferentes e bem demarcados, que não se confundem nem sobrepõem.
K. O depoimento do Prof. Doutor EE foi prestado em termos que ultrapassou o limite da prova testemunhal e introduziu no domínio da prova pericial, violando a distinção entre estes dois meios de produção de prova decorrente dos artigos 516.º, n.º 1 e 388.º do Código de Processo Civil, em termos aptos a “influir no exame ou na decisão da causa”, correspondendo a um ato processualmente nulo, nos termos e para os efeitos do artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
L. Materialmente, a consideração do depoimento do Prof. Doutor EE nos exatos termos em que foi prestado, corresponderá a aceitar a realização de uma perícia singular, por um perito indicado pelos Recorridos, sem observância dos formalismos prescritos na lei para esse meio de prova e sem que ao Banco 1... tenha sido dada a possibilidade de se pronunciar sobre essa possibilidade e sobre o perito indicado, nos termos do artigo 467.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
M. O Banco 1... arguiu a nulidade desse depoimento na sessão da audiência de julgamento de 15 de setembro de 2022, tendo esta sido indeferida pelo Tribunal a quo.
N. A nulidade do depoimento do Prof. Doutor EE resulta não da admissibilidade (adjetiva) do depoimento do depoimento do Prof. Doutor EE per se – decisão com a qual o Banco 1... se conformou – mas do teor daquele depoimento que, ainda que admissível em abstrato, em concreto veio a revelar-se violador das disposições que enformam a prestação de prova testemunhal.
O. Estando em causa uma decisão sobre a admissibilidade de um meio de prova – o testemunho do Prof. Doutor EE – que, ademais, contende com os princípios da igualdade das partes e do contraditório, estão reunidas as condições de que depende a recorribilidade de despachos que se pronunciem sobre nulidades invocadas no processo, a que alude o artigo 630.º,n.º 2 do Código de Processo Civil, o que torna o presente recurso admissível nos termos conjugados dos artigos 630.º, n.º 2, 644.º, n.º 2, alínea d) e 644.º, n.º 2, alínea h) do Código de Processo Civil.
P. Tendo o Tribunal a quo desconsiderado este ponto ao proferir o Despacho Recorrido, deve o presente recurso ser julgado procedente, o depoimento da “testemunha” ser considerado ato processualmente nulo e de nenhum efeito e, consequentemente, desconsiderado aquando da prolação de sentença nos presentes autos.
Termina por pedir que se julgue procedente o presente recurso, a revogação do despacho recorrido, substituindo-se o mesmo por um outro que declare nulo e de nenhum efeito o depoimento prestado pelo Prof. Doutor EE na audiência de julgamento de dia 15 de Setembro de 2022.
-
Os Autores vieram responder ao recurso formulando as seguintes conclusões:
O recurso interposto é infundado, sendo lícito e válido o depoimento da testemunha Dr. EE, na medida em que
(i) Incidiu sobre temas da prova;
(ii) E a sua razão de ciência resultou da leitura dos PFCs em discussão, o que, conjugado com os seus conhecimentos técnicos, permitiu prestar o depoimento que prestou, que será apreciado livremente pelo Tribunal tal como apreciará o que os técnicos do banco disserem sobre os PFCs em discussão.
Terminam por pedir que se julgue improcedente o recurso interposto pelo réu Banco 1....
-
Em 03 de outubro de 2022 o réu Banco 1..., S.A veio interpor recurso (ref. Citius 33442917) do despacho proferido em 15 de setembro de 2022 que apreciou o requerimento por si apresentado com a ref. Citius 37866789, formulando as seguintes conclusões:
A. No dia 13 de janeiro de 2021, e na sequência do convite que lhes foi dirigido para esse efeito pelo Tribunal a quo, os Recorrentes apresentaram a sua reposta às exceções por escrito nos autos.
B. Além de responderem à matéria de exceção os Recorrentes propuseram-se a “desfazer os [supostos] equívocos trazidos à contestação” (cf. artigo 97 da Resposta) naquele mesmo articulado, em que fizeram incluir uma (muito completa) resposta à matéria de impugnação alegada na contestação do Banco 1....
C. O articulado de resposta às exceções apresentado pelos Recorridos extravasa manifestamente o escopo do convite que lhe foi dirigido pelo Tribunal a quo, e os Recorridos dedicam cerca de 150 dos 190 artigos daquele articulado não à resposta às exceções, mas à resposta à matéria de impugnação.
D. A resposta dos Recorridos, na parte em que aborda a matéria de impugnação consubstancia materialmente uma réplica à contestação, em que os Recorridos alegam um acervo substancial de factos novos e requerem a produção de novos meios de prova para fazer a prova dos factos ali alegados.
E. Não tendo sido deduzido qualquer pedido reconvencional nem sendo a presente ação uma ação de simples apreciação negativa, não há qualquer fundamento legal para a resposta à matéria de impugnação vertida naquele articulado – ainda que se trate de uma impugnação motivada –, sendo a Resposta, nessa parte, um articulado processualmente inadmissível que consubstancia a prática de um ato nulo¸ nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, por ter o potencial de influir na decisão da causa.
F. O Banco 1... arguiu essa nulidade por requerimento apresentado no dia 23 de
janeiro de 2021.
G. Na audiência de julgamento que teve lugar no passado dia 15 de setembro de 2022, o Tribunal a quo conheceu da nulidade invocada pelo Banco 1... no dia 23 de janeiro de 2021 e – reconhecendo embora que no articulado em questão os Recorridos “alargaram’ o âmbito da discussão fática que irá ser produzida” –, admitiu a resposta às exceções dos Recorridos em toda a sua extensão (incluindo a resposta à matéria de impugnação).
H. A decisão do Tribunal a quo a este respeito tolera um ato que a lei não prevê e que não tem qualquer cabimento no quadro processual vigente, devendo por isso ser considerado nulo e de nenhum efeito, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1 do CPC.
I. A decisão do Tribunal a quo viola os princípios do contraditório e da igualdade das partes, previstos nos artigos 3.º, n.º 3, e 4.º do CPC, ao admitir a aquisição processual de factos e meios de prova que foram irregularmente carreados para os autos e em relação aos quais não foi dada ao Banco 1... a possibilidade de se pronunciar.
J. O Despacho Recorrido, pelo qual o Tribunal a quo que se pronunciou sobre a nulidade arguida pelo Banco 1... no requerimento com a ref.ª citius 37866789 e admitiu o articulado dos Recorridos, deve ser revogado e substituído por outro que dê por não escritos os artigos 40.º a 188.º da resposta às exceções apresentada pelos Recorridos (que versam sobre a matéria de impugnação) e ordene o desentranhamento dos três documentos juntos para prova dos factos ali alegados, com exceção dos artigos 57.º a 68.º, 71.º e 88.º (em que os Recorridos se pronunciaram quanto aos documentos juntos com a contestação).
K. Na Resposta os Recorridos indicam também que “[a] douta contestação apresentada obrigou a mais pesquisa e análise e, surpreendentemente, revelaram-se mais ilícitos.” (cf. parágrafo 77 da Resposta).
L. Os factos e os argumentos constantes dos artigos 78.º a 87.º da Resposta, em particular – em que são alegadas novo ilícitos cometidos pelo Banco 1... –, implicam uma ampliação da causa de pedir que resulta da petição inicial (claramente delimitada nos artigos 34.º e seguintes da petição inicial), que é processualmente inadmissível por não se subsumir ao disposto nos artigos 264.º, 265.º ou 584.º do CPC.
M. A alteração à causa de pedir fora das circunstâncias excecionais em que é admitida consubstancia uma nulidade processual, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, por se tratar de um ato não permitido, suscetível de influir na decisão da causa, que contende com o princípio da aquisição processual.
N. Ainda que se entenda que a pronúncia à matéria de impugnação constante da Resposta deve ser admitida – o que apenas por dever de patrocínio se equaciona –, deve o despacho proferido pelo Tribunal a quo ser revogado e substituído por outro que dê por não escritos os factos constantes dos artigos 78.º a 87.º da Resposta.
O. O despacho recorrido é passível de apelação autónoma e o presente recurso é admissível nos termos conjugados dos artigos 630.º, n.º 2 e 644.º, n.º 2, alínea d) do CPC, por versar sobre uma decisão que admite um articulado não previsto na lei (e respetivos meios de prova), e por se tratar da impugnação de uma decisão proferida a respeito de uma nulidade, que contende com o os princípios da igualdade das partes e do contraditório e da aquisição processual, estando reunidos os requisitos de que depende a recorribilidade (excecional) dessas decisões previstos no artigo 630.º, n.º 2.
Termina por pedir que se julgue procedente o presente recurso, com:
- (i) revogação do despacho proferido na audiência de julgamento do dia 15 de setembro de 2022, substituindo-se por outro que dê por não escrita a pronúncia quanto à matéria de impugnação constante dos artigos 40.º a 188.º da Resposta (com exceção dos artigos 57.º a 68.º, 71.º e 88.º daquele requerimento) e ordene o desentranhamento dos três documentos juntos para prova dos factos ali alegados; ou, caso assim não se entenda,
- (ii) a revogação do despacho proferido na audiência de julgamento do dia 15 de setembro de 2022 e a sua substituição por outro que dê por não escritos os artigos 80.º a 85.º da Resposta por configurarem uma inadmissível ampliação da causa de pedir.
-
Os Autores vieram responder ao recurso, reiterando os argumentos expostos no despacho recorrido e concluindo por pedir que se julgue improcedente o recurso.
-
Proferiu-se despacho que admitiu o recurso como recurso de apelação.
-
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação proferiu o Juiz Desembargador Relator despacho a convidar o apelante a pronunciar-se sobre a proposta de não admissão do recurso do despacho proferido em 15 de setembro de 2022 e que versou sobre a nulidade suscitada a respeito da inquirição da testemunha Professor Doutor EE.
-
A apelante veio pronunciar-se alegando para o efeito que o presente recurso vem interposto do despacho proferido na audiência de julgamento que teve lugar no dia 15 de setembro de 2022, pelo qual o Tribunal a quo julgou improcedente a arguição de uma nulidade relacionada com o depoimento prestado pelo Prof. Doutor EE formulada pelo Banco 1... nessa ocasião.
Mais alegou que as razões que motivaram a impugnação do depoimento do Prof. Doutor EE dizem respeito à admissibilidade daquele depoimento em concreto, cujo teor extravasou os limites da prova testemunhal, e não à admissibilidade da prestação do depoimento (em abstrato), decidida anteriormente no processo.
A impugnação do depoimento em questão, a ser acolhida, obstaria a que o referido depoimento fosse admitido e considerado pelo Tribunal a quo, pelo menos na sua totalidade, e materialmente importa a admissão de um meio de prova, enquadrando-se, assim, no âmbito das decisões contempladas pelo artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil.
Defende que numa perspetiva da interpretação finalística da norma, atendendo às razões que justificaram a consagração do excecional regime de recurso autónomo de decisões sobre a admissão ou rejeição de meios de prova se deve concluir também pela aplicabilidade desse regime ao caso em apreço, já que esse risco se verifica também em relação à decisão recorrida, em intensidade equivalente e nos mesmos termos de uma decisão de admissibilidade de um meio de prova stricto sensu.
Pelas especificidades do singular caso em apreço, a que também se aludiu no requerimento de interposição de recurso, e não sendo as razões que motivaram a impugnação do depoimento passíveis de antecipar e sindicar antes da sua efetiva prestação, o Recorrente ficaria assim privado de qualquer possibilidade de recorrer interlocutoriamente da decisão referente à admissibilidade daquele recurso, ao contrário do que foi o objetivo do legislador.
Considera, ainda, que mesmo que assim não fosse, o presente recurso sempre seria admissível ao abrigo do artigo 644.º, n.º 2, alínea h) do Código de Processo Civil, segundo o qual cabe recurso “[d]as decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”.
Está em causa uma decisão que contende com os princípios da igualdade das partes e do contraditório e que terá efeitos muito relevantes na esfera processual do Recorrente, cujo potencial impacto no resultado da ação facilmente se apreende, e cujo recurso, a final, não sortirá qualquer efeito e importará a inutilização de uma parte relevante do processado, incluindo a própria sentença.
Termina por pedir que se admita o recurso.
-
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
-
II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
a) Apelação do despacho proferido em 15 de setembro de 2022, sobre a nulidade suscitada a respeito do depoimento prestado pela testemunha Professor Doutor EE
- admissibilidade do recurso;
- saber se o depoimento prestado reveste a natureza de prova pericial e admitido, constitui uma nulidade processual.
b) Apelação do despacho proferido em 13 de setembro de 2022;
- saber se estão reunidos os pressupostos para admitir o meio de prova, face ao requerimento formulado pelos autores-apelados;
c) Apelação do despacho proferido em 15 de setembro de 2022, que apreciou o requerimento apresentado pela ré-apelante com a ref. Citius 37866789.
- admissibilidade do recurso;
- admissibilidade dos factos alegados na resposta;
- ampliação da causa de pedir.
-
2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os termos do relatório.
-
3. O direito

- RECURSO INTERPOSTO EM 03 DE OUTUBRO DE 2022 (ref. Citius 33442784) -
-
- Da admissibilidade do recurso interposto em 03 de outubro de 2022 ( ref. Citius 33442784) do despacho proferido em 15 de setembro de 2022, que apreciou a reclamação -

Para apreciar da admissibilidade do recurso cumpre ter presente as circunstâncias em que foi proferido o despacho de que se recorre.
Na sessão de julgamento do dia 15 de setembro de 2022 o réu Banco 1..., S.A. formulou o seguinte requerimento:
"Na sequência do depoimento da testemunha EE, vem o Banco Réu impugnar este depoimento nos termos e para os efeitos do art. 514º e 195º CPC conforme se reservou o direito de fazer no início do depoimento da testemunha, uma vez que compulsado o teor deste depoimento se constata que a testemunha não veio narrar factos mas antes valorá-los que, como se sabe, é o traço definidor da prova pericial, como a própria testemunha mais do que uma vez se confirmou, ao referir-se ao seu papel de perito e à sua opinião e ao seu ponto de vista.
A prestação do depoimento nestes termos, constitui um ato processualmente inadmissível que deverá ser considerado nulo e de nenhum efeito por poder influir no exame da causa."
Os Autores AA, BB, CC e DD vieram responder, nos seguintes termos:
"Sem prejuízo do depoimento ter versado sobre o objeto da ação em particular sobre aspetos de conteúdo contratual dos produtos financeiros complexos em discussão, que estavam escondidos do documento de informação fundamental ao investidor, sempre se dirá que o tribunal já tomou posição sobre esta questão, admitindo não só a junção aos autos do estudo elaborado pela testemunha como admitiu a sua presença como testemunha (despacho com a refª 435829225 de 29/04/2022).
O Réu não interpôs recurso da decisão que deferiu a prestação do depoimento da testemunha e a junção do estudo financeiro, pelo que tendo transitado em julgado não pode agora ser posto em crise."
Proferiu-se o seguinte despacho:
“Vem o Réu ao abrigo dos artg. 195º e 514º CPC, impugnar a produção de prova da testemunha EE, pelos motivos que já anteriormente tinha suscitado ao tribunal e que foram objeto de despacho também nos presentes autos.
Portanto, quanto à admissibilidade da inquirição de EE enquanto testemunha, pois desde ter sido nomeado perito no âmbito dos presentes autos, o tribunal já se pronunciou em anterior despacho sobre tal questão encontrando-se esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria.
Quanto à suposta nulidade, também não vislumbramos onde é que foi produzida a mesma se o tribunal já tinha admitido a prestação do depoimento de EE enquanto testemunha.
Pelo exposto, indefere-se a pretensão deduzida.
Notifique”.
Em 03 de outubro de 2022 o réu veio interpor recurso do despacho, alegando para o efeito que está em causa uma decisão sobre a admissibilidade de um meio de prova – o testemunho do Prof. Doutor EE – que, ademais, contende com os princípios da igualdade das partes e do contraditório e por isso, estão reunidas as condições de que depende a recorribilidade de despachos que se pronunciem sobre nulidades invocadas no processo, a que alude o artigo 630.º,n.º 2 do Código de Processo Civil, o que torna o presente recurso admissível nos termos conjugados dos artigos 630.º, n.º 2, 644.º, n.º 2, alínea d) e 644.º, n.º 2, alínea h) do Código de Processo Civil.
O recurso foi admitido como recurso de apelação, com subida imediata e em separado, com efeito meramente devolutivo.
A questão que se coloca prende-se com a admissibilidade do recurso.
Em matéria de recursos a lei prevê um conjunto de pressupostos processuais, que constituem as circunstâncias de cuja verificação depende a possibilidade do tribunal superior se debruçar sobre o concreto objeto do recurso.
A doutrina[2] tem enunciado como pressupostos processuais: a recorribilidade da decisão, a tempestividade e a legitimidade.
Como se prevê no art. 627º CPC as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso.
Contudo, decorre do art. 630º/2 CPC, que não é admissível recurso das decisões sobre as nulidades previstas no nº 1 do art. 195º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.
O despacho objeto de recurso versa sobre a reclamação apresentada pelo réu, na qual veio suscitar a nulidade com fundamento no facto de se permitir o depoimento de uma testemunha como perito.
O despacho não é recorrível, porque apreciou uma nulidade invocada ao abrigo do art. 195º/1 CPC.
Acresce que no requerimento em que foi suscitada a nulidade não se invocou a violação do princípio do contraditório, ou do princípio da igualdade. Apenas em sede de recurso suscita o apelante tal questão, para sustentar o recurso do despacho.
Mas mesmo que assim não se entenda, a decisão que versou sobre a reclamação da nulidade não se enquadra na previsão do art. 644º/2/d) e h) CPC.
O despacho de que se recorre, no segmento que apreciou a reclamação, não admite, nem rejeita qualquer meio de prova, pois apenas está em causa apreciar se foi cometida uma irregularidade processual, quando sob a veste de testemunha se admite o depoimento prestado com um âmbito que excede a natureza de prova testemunhal, por assumir as caraterísticas de prova pericial ( atendendo à versão apresentada pelo apelante).
A seu tempo o tribunal admitiu o depoimento como testemunha do Professor Doutor EE, decisão que não foi impugnada por qualquer das partes. Na sessão de julgamento assim foi inquirido, como testemunha.
Contrariamente ao defendido pelo apelante, a previsão da norma não engloba as decisões sobre a valoração do depoimento (testemunhal ou pericial), porque tal juízo apenas pode ser escrutinado em sede de fundamentação da decisão de facto e consequentemente com a impugnação da decisão de facto. Na previsão da norma apenas se enquadram as situações de admissão ou rejeição de um meio de prova, com tutela no princípio do contraditório.
A natureza da decisão não se enquadra na previsão de qualquer das alíneas do art. 644º/2, nem em particular na alínea residual do art. 644º/2 h) CPC.
O art. 644º/2/h) CPC prevê o recurso das decisões interlocutórias cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
Para preencher os requisitos da norma, tem-se entendido que a inutilidade há de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inutilização dos atos processuais para justificar a subida imediata do recurso.
O facto de a lei prever que a retenção tornaria absolutamente inútil o recurso reporta-se ao próprio resultado do recurso, o que não se confunde com a mera possibilidade de anulação ou de inutilização de um certo processado[3].
Atenta a natureza da decisão recorrida a retenção do recurso não tornaria a decisão inútil, porque a final se se vier a entender que assiste razão ao apelante, mas apenas pela via da impugnação da decisão de facto, a consequência lógica será retirar valor probatório ao depoimento, com possível influência na decisão de facto e em última análise, a anulação do processado.
O tribunal de recurso não está vinculado ao despacho de admissão do recurso proferido pelo tribunal de 1ª instância (art. 641º/5 CPC).
Não se verificando as circunstâncias indicadas pelo apelante para sustentar a subida imediata e em separado do recurso, por não se tratar de decisão suscetível de recurso não se admite o recurso interposto e dessa forma, não se aprecia o objeto do recurso.
-
- RECURSO INTERPOSTO EM 03 DE OUTUBRO DE 2022 ref. Citius 33450553)-
-
- Da admissão do meio de prova -
O recurso em causa vem interposto do despacho proferido em 13 de setembro de 2022 que deferiu uma diligência de prova requerida pelos Autores.
Com efeito, os Autores-apelados (ref. Citius 43032525) vieram solicitar junto do tribunal a obtenção de informações junto da CMVM, com os fundamentos que se passam a transcrever:
1. Na resposta às exceções (ref 37704991, de 13.01.2021 - alínea B) do complemento de prova) e no requerimento com a ref.40100813, de 11.10.2021, foi requerida a notificação da CMVM, para informar os autos se o Banco 1..., relativamente ao produto financeiro complexo EUR 5Y PORTEL, AIR FRANCE; ARCELOR, com o ISIN ...73, informou o resultado da oferta pública e, em caso negativo, se tem conhecimento - ou deveria ter - de que a oferta pública foi convolada em oferta particular.
2. Esta questão releva para avaliação do bom cumprimento do dever de informação pelo intermediário financeiro - simultaneamente a entidade responsável pela elaboração do clausulado do documento IFI e pela comercialização do PFC - ou seja, pelo Banco 1....
3. Estando o signatário a iniciar a preparação do julgamento apercebeu-se de que, até ao momento, não foi proferido despacho de admissão deste meio de prova.
4. O que se requer, atenta a relevância deste meio de prova, ordenando-se a notificação da CMVM para informar se foi informada, como a Lei determina, do resultado da oferta pública da comercialização do produto financeiro complexo EUR 5Y PORTEL, AIR FRANCE; ARCELOR, com o ISIN ...73.
5. Caso não tenha recebido o resultado da oferta pública de comercialização, se digne informar se a oferta pública foi convolada em oferta particular”.
Proferiu-se despacho que deferiu a diligência.
O apelante insurge-se contra o despacho que deferiu a diligência por entender que contende com o princípio da aquisição processual dos factos e viola o disposto no art. 5º/5, 552º/1 e 410º do CPC.
Considera, em síntese, que a diligência em causa visa a prova de factos cuja admissibilidade foi impugnada pela apelante e que não estão compreendidos nos temas de prova.
A questão que se coloca consiste em apreciar se deve ser admitido como meio de prova, a informação pretendida e solicitada junto da CMVM, face ao critério do art. 410º CPC, pois não se questiona nem a tempestividade do requerido, nem a legitimidade do juiz para proceder a tal diligência.
Nos termos do art. 410º CPC a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação os factos necessitados de prova.
No atual regime do processo civil, que resulta das alterações introduzidas pela Lei 41/2013 de 26 de Junho, elaborado o despacho saneador e prosseguindo a ação o juiz profere despacho no qual identifica o objeto do litígio e enuncia os temas de prova ( art. 596º/1 CPC ).
Como se observa na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII, a prolação do despacho ao abrigo do art. 596º/1 CPC, representa “um dos mais emblemáticos pilares da reforma”, na medida em que findo os articulados suprimiu-se o despacho que seleciona os factos provados e a provar e ainda, porque “na fase intermédia do processo do que se trata é de, primeiro, identificar o objeto do litígio e, segundo, de enunciar os temas de prova. Quanto ao objeto do litígio, a sua identificação corresponde a antecipar para aqui aquilo que, até agora, só surgia na sentença, sendo salutar e proveitoso, quer para as partes, quer para o juiz, esta sinalização depois de finda a etapa dos articulados”.
Defende-se, assim, que os temas de prova a enunciar, não constituem “uma quesitação atomística e sincopada de pontos de facto”, mas visam permitir que “a instrução dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa”.
Neste novo modelo, o objeto do processo consiste na enunciação dos pedidos deduzidos sobre os quais haja controvérsia[4]. Os temas de prova consistem na enunciação genérica, mas concretizada[5], das questões controvertidas tendo presente a causa de pedir e as exceções deduzidas, relegando-se para a fase de julgamento a prova dos factos alegados pelas partes ou que decorrem da instrução da causa, nos termos do art. 5º/1/2 CPC.
Como observa JOSÉ LEBRE DE FREITAS:”[o]s articulados continuam a realizar a sua função de meio de alegação dos factos da causa, essencial no que respeita aos factos principais e facultativo no que respeita aos factos instrumentais”[6].
A decisão de facto continua a incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, sejam eles factos essenciais alegados pelas partes em obediência ao princípio do dispositivo (art. 5º/1 CPC) ou factos instrumentais, complementares e notórios nas circunstâncias enunciadas no art. 5º/2 CPC.
Visa-se, assim, com esta alteração que em sede de julgamento, “o tribunal relat[e] tudo o que, quanto ao tema controvertido, haja sido provado, ainda sem qualquer preocupação quanto à distribuição do ónus da prova”[7].
Em sede de sentença deve o juiz pronunciar-se sobre os factos em apreciação, como decorre do art. 607º/3 CPC, conjugado com o art. 5º/2 CPC, ponderando o objecto do litígio e os temas de prova e nesse âmbito deve atender não só aos factos essenciais, mas ainda aos factos instrumentais e complementares.
No caso concreto dos autos resulta do despacho saneador que se fixou como objeto do litígio:
-objeto da ação consiste em apurar se, como pretendem os autores, é a ré, na qualidade de intermediária financeira, contratual e/ou extracontratualmente responsável pelo pagamento das quantia pedidas em consequência da violação dos deveres de competência, diligência, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, de informação e assistência (respeitante ás aplicações financeiras efetuadas pelos autores). Nessa sequência, constitui ainda objeto da ação apurar se tal direito alegado pelos autores se mostra prescrito pelo decurso do prazo previsto no art. 324 nº 2 do Código de Valores Imobiliários, questão que também contende com o fundo da causa”.
Determinaram-se como temas de prova:
a) perfil dos AA. enquanto investidores;
b) responsabilidade contratual da R. por violações contratuais ;
c) Vício da vontade dos AA. nas declarações emitidas;
d) dolo;
e) erro sobre o objeto do negocio;
f) culpa dos lesados?
g) dano;
Estando em causa na ação apreciar da responsabilidade do intermediário financeiro relacionada com o produto financeiro referenciado na alínea A) das conclusões de recurso e constituindo tema de prova, sob a alínea a) a responsabilidade contratual da ré por violações contratuais, a informação solicitada junto da CMVM justifica-se face aos concretos temas de prova, independentemente de se apurar quais os factos que serão apreciados para sustentar a responsabilidade da ré-apelante.
Considerando esta nova perspetiva em que assenta a atuação do julgador, que visa a ampla apreciação da matéria de facto controvertida e relevante para a apreciação do objeto do litigio, a informação que se venha a obter insere-se ainda, nos temas de prova sob as alíneas a) e b).
O despacho que define o objeto do litígio e enuncia os temas de prova não tem a força de caso julgado formal, pois constitui um projeto parcelar de julgamento, na medida em que pode ser alterado ou ampliado em fase de julgamento perante a apresentação de articulado superveniente, incidente de liquidação ou exceção probatória respeitante a documento nela apresentado[8].
Não se torna vinculativo no processo e a sua enunciação pode ser alterada pelo juiz do julgamento, nos termos do art. 607º/4 CPC e em sede de recurso pelo tribunal da Relação, ao abrigo do art. 662º/2 c) CPC, ou mesmo pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 682º/3 CPC, desde que o tema de prova não abarque os factos a ponderar.
O despacho não constitui caso julgado quanto à seleção dos factos porque não se procede a tal seleção, na medida em que o despacho não consigna os factos que se julgam assentes ou a provar, limitando-se a indicar os temas de prova, que mais não são do que as concretas questões controvertidas a apreciar no litígio.
Desta forma, a diligência solicitada e realizada – informação junto da CMVM - insere-se, ainda, nas diligências de instrução que têm por objeto os temas de prova e por isso não merece censura o despacho que deferiu a sua realização.
Por fim, sob a alínea G), refere o apelante que foi admitido um meio de prova, sem dar ao apelante a possibilidade de se pronunciar.
A violação do contraditório, por constituir uma irregularidade processual deve ser suscitada junto do tribunal que a praticou, pois o recurso apenas visa reapreciar decisões e não tomar posição sobre nulidades processuais. Sempre se dirá, porém, que quer o requerimento apresentado sob a ref. Citius 43032525, como o anterior, foram objeto de notificação entre mandatários, estando por isso, o apelante em condições de se pronunciar sobre o seu teor.
Pelo exposto, não merece censura o despacho e julgam-se improcedentes as conclusões de recurso.
-
-RECURSO INTERPOSTO EM 03 DE OUTUBRO DE 2022 (ref. Citius 33442917)-
-
- Admissibilidade do recurso -
No recurso interposto o apelante insurge-se contra o despacho proferido na sessão de julgamento do dia 15 de setembro de 2022, que apreciou o requerimento apresentados pelo réu-apelante com a ref. Citius 37866789.
Antes de entrar na apreciação do objeto do recurso, cumpre ter presente em que termos surge o alegado requerimento e ainda, o seu conteúdo.
Apresentada a petição pelos autores e citado o réu, seguiu-se a contestação, na qual o réu se defende por exceção e por impugnação.
Em 08 de janeiro de 2021 proferiu-se o seguinte despacho (ref. Citius):
Notifique os AA. para querendo, se pronunciarem sobre a matéria de exceção deduzida na contestação”.
Os Autores vieram apresentar articulado resposta, no qual se pronunciaram sobre as exceções expressamente indicadas na contestação, sobre os documentos juntos com a contestação e tomaram posição sobre os factos alegados pelo réu em sede de impugnação, por entenderem que ainda aí se continha defesa por exceção e se alegavam factos falsos.
Seguiu-se o requerimento apresentado pelo réu com a ref. Citius 37866789, com o teor que se transcreve (com exceção das notas de rodapé):
A. DA (IN)ADMISSIBILIDADE DA RESPOSTA À MATÉRIA DE IMPUGNAÇÃO
1. Os Autores apresentaram, no passado dia 13 de janeiro, a sua resposta às exceções, na sequência do convite que lhes foi dirigido pelo Tribunal.
2. Compulsado o teor daquela resposta constata-se que, além de responderem à matéria de exceção, os Autores aproveitam também para responder à matéria de impugnação.
3. Na verdade, a resposta às exceções ocupa apenas 39 dos quase 190 artigos, correspondentes a cerca de 20%, daquele articulado. Os restantes 150 artigos, os Autores dedicam-nos à resposta à matéria de impugnação, no que configura uma verdadeira réplica à contestação apresentada pelo Banco 1....
4. Sucede que, nos termos do disposto no artigo 584.º do Código de Processo Civil, a réplica é um articulado de natureza meramente eventual, cuja apresentação é limitada a dois casos especificamente previstos na lei (assegurar a defesa do autor perante um pedido reconvencional e, por outro lado, nas ações de simples apreciação negativa) fora dos quais ela é inadmissível.
5. A declarada indignação dos Autores parece, pois, tê-los feito esquecer as mais basilares regras do Processo Civil, que não prevê, atualmente, a possibilidade de resposta escrita à matéria de defesa por impugnação, havendo apenas, em regra, dois articulados na sua normal tramitação…
6. Para justificar a sua atuação, os Autores indicam que a resposta à impugnação deverá sempre ser admitida quando esteja em causa “documentação a impugnar, matéria de exceção encapotada, questões novas ou falsidades”2 alegação que, de resto, não cuidam de fundamentar ou consubstanciar, como se lhes imporia se fosse esse o caso.
7. Seja como for, não é preciso ir além dos primeiros artigos da resposta à matéria de impugnação para concluir que ela ultrapassa largamente as matérias ali identificadas.
8. Sem prejuízo da possibilidade de impugnação dos documentos juntos com a contestação, que sempre deve ser assegurada, não há qualquer matéria de exceção encapotada na contestação, nem foram suscitadas questões novas que pudessem justificar a resposta apresentada pelos Autores.
9. Contrariamente ao que os Autores parecem pretender não constitui defesa por exceção encapotada a apresentação pelo Banco 1... de uma versão diferenciada dos acontecimentos (com alegação de factos opostos aos invocados na petição inicial) nem a negação da dos factos constitutivos dos direitos dos Autores.
10. Quanto aos factos alegados pelo Banco 1... que obstem à procedência do pedido, a simples alegação de factos incompatíveis com aqueles que foram alegados pelo Autores mas que se movam dentro dos factos constitutivos do direito dos Autores – a assim designada defesa de impugnação motivada4, na qual se enquadram os factos alegados pelo Banco 1... na contestação – também não confere aos Autores qualquer direito de resposta.
11. O que os Autores se propõem a fazer é, recorrendo às suas próprias palavras, “desfazer os [supostos] equívocos trazidos à contestação”7, para o que vão muito além da resposta às alegadas “exceções encapotadas” e a eventuais factos novos.
12. Trata-se, na verdade, de uma (muito completa, aliás) defesa à contestação, em que os Autores aproveitam para “afinar” a alegação feita na petição inicial e apresentar alguns dos factos alegados na petição inicial a outra luz; trazer factos novos (mas não supervenientes) aos autos – assim como a respetiva prova –, e avançar novos fundamentos, como a contrariedade à ordem pública e o abuso de direito, cuja compatibilidade com o pedido deduzido é questionável, sustentados em factos que, apesar da tentativa dos Autores para os revestir de novidade, resultam dos documentos por eles juntos aos autos, e que, além de absolutamente infundamentados, não se referem sequer aos contratos que foram celebrados com o Banco 1... que estão em causa nos presentes autos.
13. A resposta dos Autores é, assim, inadmissível na parte que versa sobre a matéria de impugnação, que consubstancia a prática de um ato processual cuja prática é proibida pela lei e sancionada como nulidade processual, já que interfere com a tramitação do processo e pode influir no exame e decisão da causa.
14. Por essa razão, em observância do disposto nos artigos 195.º e 584.º do Código de Processo Civil, deve dar-se por não escrita a parte da resposta referente à matéria de impugnação (artigos 40 a 188) e desentranhados os três documentos juntos para prova dos factos ali alegados, com exceção dos artigos 57, 64 a 68, 71 e 88, em que os Autores se pronunciam quanto aos documentos juntos com a contestação.
15. Quanto à pronúncia aos documentos n.º 4, 7, 12 e 10 juntos com a contestação (tratados nos artigos 57, 65, 71 e 88 da resposta, respetivamente) regista-se que os Autores, contrariamente ao que sucede com os documentos n.º 6, 8 e 40 juntos com a contestação, não impugnam a exatidão da reprodução mecânica nem a autoria ou a genuinidade daqueles documentos – antes reconhecem a autoria da subscrição –, alegando apenas que não se recordam de o ter feito e/ou que não se revêm nas respostas assinaladas naqueles questionários, o que não afeta a força probatória das declarações contidas naquele documentos, já que a assinatura neles aposta, sem qualquer ressalva, traduz a sua concordância com a letra do documento, tendo por isso inquestionável força vinculante.
B. A IMPUGNAÇÃO DOS DOCUMENTOS JUNTOS COM A PETIÇÃO INICIAL
16. Além de impugnar alguns dos documentos juntos com a contestação, os Autores, de forma verdadeiramente surpreendente, impugnam também documentos que eles próprios juntaram aos autos com a petição inicial.
17. Confrontados com as desfavoráveis consequências probatórias das declarações constantes dos documentos n.º 1 a 1D por eles juntos aos autos com a petição inicial, que foram sinalizadas pelo Banco 1... na contestação, os Autores vêm, ao abrigo do regime previsto no artigo 446.º do Código de Processo Civil, e sem colocar em causa a genuinidade dos documentos, impugnar parcialmente a sua veracidade, numa tentativa de destruir a sua força probatória plena, com base na alegada falta de correspondência entre o que foi declarado naqueles documentos com a verdade histórica.
18. O regime de arguição da falsidade previsto no artigo 446.º do Código de Processo Civil destina-se, porém, à parte contra quem o documento é apresentado, e não ao seu apresentante, à semelhança do que sucede com o regime do artigo 444.º do mesmo diploma.
19. Ao apresentante do documento que pretenda arguir a falsidade parcial de um documento aplica-se o regime previsto no artigo 447.º do Código de Processo Civil (cuja epígrafe é precisamente “Arguição [da falsidade] pelo apresentante”) que faculta ao apresentante do documento a faculdade de, no ato de apresentação, arguir o vício do documento a fim de não ter que optar entre apresentar o documento, aceitando-o como totalmente eficaz, e não o fazer, renunciando a usá-lo na parte em que mantém eficácia.
20. No caso dos autos, os Autores apresentaram os documentos sem qualquer ressalva, aceitando-os como totalmente eficazes, e não tendo arguido a sua falsidade no ato de apresentação do documento (nem se tratando manifestamente de um caso de falsidade superveniente) não podem vir, agora, tentar “emendar a mão” e dar o dito por não dito em função da contestação apresentada.
21. Por outras palavras, os Autores carecem de interesse processual em suscitar um incidente de impugnação daqueles documentos, por ter ficado precludida a possibilidade de ilidirem a presunção do artigo 376.º do Código Civil, contrariando os efeitos probatórios daqueles documentos ou arguindo a sua falsidade, pelo que deverá dar-se por definitivamente assente a sua força probatória plena.
22. Assim, deverá ser negado seguimento ao incidente de falsidade, sem necessidade de produção de prova, por se tratar de um incidente que é manifestamente improcedente, em razão da evidente falta de verificação dos pressupostos de que dependeria a sua procedência.
23. À cautela, e para o caso de se entender que o incidente deve prosseguir, hipótese que apenas por dever de patrocínio se equaciona, o Banco 1... requer que nesse âmbito sejam ouvidas as seguintes testemunhas:
FF, com domicílio na Rua ..., ... Porto;
GG, com domicílio na Rua ..., ... ...; e
HH, com domicílio na Av. ..., ....
C. A RESPOSTA À IMPUGNAÇÃO PELO RÉU DOS FACTOS ALEGADOS NA P.I.
24. Por fim, numa última nota os Autores requerem ainda que os artigos 5.º, 8.º, 11.º, 14.º, 81.º, 113.º e 216.º da petição inicial, sejam dados por assentes, por confessados, na medida em que o Banco 1... se limitou a impugná-los por desconhecimento (artigos 187.º e 188.º da resposta).
25. Desde logo, não é verdade que os factos alegados nos artigos 14.º e 216.º da petição inicial tenham sido impugnados apenas por desconhecimento. Eles foram impugnados por falsidade, como resulta do artigo 389.º da contestação.
26. Por outro lado, os factos descritos nos artigos 5.º, 8.º, 11.º, 14.º (primeira parte) da petição inicial, referem-se às atividades profissionais exercidas pelos Autores e os factos constantes dos artigos 81.º e 113.º da petição inicial dizem respeito às circunstâncias em que foram subscritas as Notes e a estados eminentemente subjetivos dos Autores (e.g. a confiança que alegadamente depositaram nos gestores). Nenhum desses factos é um facto pessoal, que o Banco 1... devesse (e, quanto aos últimos, pudesse sequer) conhecer, nem um facto desfavorável, passível de confissão pelo Banco 1... e mais uma vez não assiste razão aos Autores, pelo que também este pedido deverá improceder”.
Apreciando o requerimento proferiu-se o despacho que se transcreve:
“- Requerimento com a refª 37866789:
No requerimento em apreço, pede o Réu que nos termos do disposto nos artgs. 195º e 584º CPC se dê por não escrita a parte da resposta referente à matéria de impugnação (art. 40º a 188º) e desentranhados os 3 documentos juntos para prova dos factos ali alegados, com exceção dos artgs. 57º, 64º a 68º, 71º e 88º em que os Autores se pronunciam quanto aos documentos juntos com a contestação, alegando que a resposta deferida é inadmissível por versar sobre a matéria de impugnação.
Cumpre apreciar: a invocação na contestação de matéria de exceção por parte da Ré permite ou admite conforme despacho proferido a 08/01/2021 que a parte se pronuncie sobre a mesma.
Admite-se que tal resposta até possa encetar uma "contra-exceção" na resposta que os Réus apresentaram nos autos e que no seu articulado da resposta "alargaram" o âmbito da discussão fática que irá ser produzida.
Mas a verdade é que não vislumbramos que tal alargamento contenta com qualquer alteração do objeto do processo, mantendo-se este com a configuração que lhe foi dada na Petição Inicial, quanto à causa de pedir e pedido formulado, existindo assim qualquer violação do disposto do Princípio da Estabilidade da Instância (art. 260º CPC) que justifique o deferimento da pretensão deduzida.
Pelo exposto, indefere-se a requerida pretensão incluindo o desentranhamento dos documentos proferidos.
Custas a cargo da Ré com taxa de justiça que se fixa pelo mínimo”.
Proferiu-se, ainda, no mesmo ato e data, outro despacho que apreciou o requerimento apresentado pelo réu com a ref. Citius 43234976, com o seguinte teor:
“[…]
Requerimento com a refª 43234976:
Tendo presente a posição manifestada pelo tribunal no despacho antecedente, já aliás em consonância com o deferimento da notificação que tinha sido ordenada à CMVM, não considera o tribunal que os factos alegados na resposta à contestação foram irregularmente careados para os presentes autos.
Por também entender que os mesmos podem sempre ser entendidos como resposta alargada à matéria de exceção que foi apresentada, não se vislumbra qualquer utilidade na possibilidade de exercício de contraditório ora peticionado pela Ré no referido requerimento.
Notifique”.
O apelante veio interpor recurso apenas do despacho que apreciou o requerimento com a ref. Citius 37866789, com fundamento no art. 630º/2 e 644º/2 alínea d), 1ª parte do CPC por versar sobre uma decisão que admite um articulado não previsto na lei (e respetivos meios de prova), e por se tratar da impugnação de uma decisão proferida a respeito de uma nulidade, que contende com os princípios da igualdade das partes e do contraditório e da aquisição processual, estando reunidos os requisitos de que depende a recorribilidade (excecional) dessas decisões previstos no art. 630º/2 CPC.
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas A) a J), insurge-se a apelante contra o despacho, por entender que o articulado apresentado pelos autores configura uma verdadeira réplica na medida em que os autores se pronunciam sobre a matéria da impugnação e apresentam prova sobre tais factos, quando não foi deduzida reconvenção, nem a ação reveste a natureza de ação de simples apreciação negativa.
Pede o apelante a revogação do despacho e a sua substituição por outro que dê por não escrita a pronúncia quanto à matéria da impugnação constante dos art. 40 a 188 da resposta (com exceção dos art. 57 a 68, 71 e 88 daquele requerimento e ordene o desentranhamento dos três documentos juntos para prova dos factos ali alegados.
Cumpre pois apreciar da admissibilidade do recurso, atento os fundamentos invocados pelo apelante.
Como se prevê no art. 627º CPC as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso.
Contudo, decorre do art. 630º/2 CPC, não é admissível recurso das decisões sobre as nulidades previstas no nº 1 do art. 195º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.
O despacho objeto de recurso versa sobre a reclamação apresentada pelo réu, na qual veio suscitar a nulidade do articulado resposta, porque os autores vieram pronunciar-se sobre a matéria da impugnação.
O despacho não é recorrível, porque apreciou uma nulidade invocada ao abrigo do art. 195º/1 CPC.
Acresce que no requerimento em que foi suscitada a nulidade não se invocou a violação do princípio do contraditório, ou do princípio da igualdade. Apenas em sede de recurso suscita o apelante tal questão, para sustentar o recurso do despacho.
Refira-se, ainda, que em requerimento próprio - ref. Citius 43234976 - o réu suscitou a violação do principio do contraditório e sobre tal requerimento recaiu outro despacho, proferido também em 15 de setembro de 2022, mas contra o qual o apelante não reagiu, o que impede, pelo trânsito em julgado, a apreciação de tal via de argumentação (art. 628º CPC).
Mas ainda que assim não se entenda, por se considerar que a decisão proferida contende com aquisição processual de factos, não se enquadraria o recurso na alínea d), primeira parte do art. 644º/2 CPC e por se tratar de um decisão interlocutória o recurso apenas poderia ser apreciado a final ( art. 644º/3/4 CPC).
Como se prevê no art. 644º/2 d), 1ª parte CPC cabe apelação das decisões preferidas em 1ª instância de admissão ou rejeição de algum articulado.
A decisão recorrida não admitiu nem rejeitou um articulado, nem tal pretensão foi formulada pelo apelante no requerimento que apresentou, nem agora no pedido formulado em recurso.
Constata-se pelo contrário que o articulado resposta foi apresentado na sequência do despacho proferido em 08 de janeiro de 2021, proferido pelo juiz no uso dos poderes de gestão processual (art. 6º CPC). Efetivamente, nesse despacho convidam-se os autores a pronunciarem-se sobre “a matéria da exceção deduzida na contestação”, sem especificar as exceções.
Com o articulado resposta os autores juntaram documentos, o que corresponde ao exercício de um poder-dever, como resulta do art. 423º CPC.
Considera-se, assim, que não é admissível recurso do despacho, com os fundamentos invocados sob as alíneas A) a J).
-
- Ampliação da causa de pedir -
Numa segunda ordem de argumentos e nas conclusões de recurso, sob as alíneas K) a N), considera o apelante que os factos constantes dos artigos 78.º a 87.º da resposta, em particular – em que são alegadas novo ilícitos cometidos pelo Banco 1... –, implicam uma ampliação da causa de pedir que resulta da petição inicial (claramente delimitada nos artigos 34.º e seguintes da petição inicial), que é processualmente inadmissível por não se subsumir ao disposto nos artigos 264.º, 265.º ou 584.º do CPC.
Mais refere que a alteração à causa de pedir fora das circunstâncias excecionais em que é admitida consubstancia uma nulidade processual, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, por se tratar de um ato não permitido, suscetível de influir na decisão da causa, que contende com o princípio da aquisição processual.
Termina por pedir a revogação do despacho e a sua substituição por outro que dê por não escritos os factos constantes dos artigos 78.º a 87.º da Resposta.
A questão da indevida ampliação da causa de pedir constitui uma nulidade processual que não foi suscitada pelo apelante no requerimento apresentado sob a ref. Citius 37866789. Constitui por isso uma questão nova.
O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[9]. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida.
O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[10]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência[11] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.
O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida.
Podemos concluir que os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 272º do CPC); e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada.
Verifica-se que os novos argumentos que o apelante vem introduzir nas conclusões do recurso não podem ser considerados, pois não foram oportunamente suscitados.
Conclui-se, assim, nos termos do art. 627º CPC que nenhuma relevância merece, nesta sede, os novos fundamentos de sustentação da sua defesa, pois os mesmos não foram considerados na decisão objeto de recurso e não são de conhecimento oficioso, sendo certo que ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo“ ficando por isso vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem“ está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objeto do recurso nesta parte.
Improcedem, assim, as conclusões de recurso sob os pontos K) a N).
-
Perante o exposto não se admitem os recursos interpostos dos despachos proferidos em 15 de setembro de 2022 e que versam sobre as nulidades processuais - depoimento da testemunha e eliminação de factos do articulado resposta - improcedendo, no mais, as apelações.
-
Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante.
-
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em não admitir os recursos (ref. Citius 33442784 e ref. Citius 33442917) interpostos dos despachos proferidos em 15 de setembro de 2022 que versam sobre a admissão do depoimento da testemunha Professor Doutor EE e sobre a eliminação dos factos no articulado resposta e não conhecer do respetivo objeto e ainda, julgar improcedentes, no mais, a apelação com ref. Citius 33442917 e com ref. Citius 33450553 e nessa conformidade, confirmar o despacho proferido em 13 de setembro de 2022, que admitiu a diligência de prova junto da CMVM.
-
Custas a cargo do apelante.
*

Porto, 17 de abril de 2023
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
____________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] ARMINDO RIBEIRO MENDES Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pag. 73
[3] Neste sentido, entre outros, podem consultar-se: Ac. STJ 21.05.1997, BMJ 467/536; Ac. STJ 14.03.1979, BMJ 285/242, Ac. Rel. Porto de 24.05.84, CJ III, 246; Ac. Rel. Coimbra de 04.12.1984, CJ V, 79.
[4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum-Á luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pag. 198; JOÃO CORREIA, PAULO PIMENTA, SÉRGIO CASTANHEIRA Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra, Almedina, 2013, pag. 81.
[5] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum-Á luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit. pag. 197, nota (49-A)
[6] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum-Á luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 197.
[7] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum-Á luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 197-198; JOÃO CORREIA, PAULO PIMENTA, SÉRGIO CASTANHEIRA Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 81-82.
[8] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum-Á luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 307-308.
[9] CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pag. 5.
[10] CASTRO MENDES, ob. cit., pag. 24-25 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil, vol V, pag. 382, 383.
[11] Cfr. os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 Ac. Rel. Porto 20.10.2005, Proc. 0534077 Ac. Rel. Lisboa de 14 de maio de 2009, Proc. 795/05.1TBALM.L1-6; Ac. STJ 15.09.2010, Proc. 322/05.4TAEVR.E1.S1( http://www.dgsi.pt )