Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1145/08.4PBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: PROVA
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Nº do Documento: RP201601201145/08.4PBMTS.P1
Data do Acordão: 01/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 665, FLS.265-271)
Área Temática: .
Sumário: Se o arguido enviou ao ofendido mensagem por sms o seu destinatário pode fazer da missiva o uso que entender, nomeadamente apresentá-la às autoridades judiciárias para poder servir como prova de um crime de que é vitima.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 1145/08.4PBMTS.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 20 de janeiro de 2016, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal singular) n.º 1145/08.4PBMTS, da Secção Criminal (J1) – Instância Local de Matosinhos, Comarca do Porto, em que é assistente B… e é arguido e demandado civil C…, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos [fls. 315]:
«(…) Absolver o arguido C… da prática de um crime de ameaça, p.p. pelo art. 153.º, n.º 1, do Código Penal.
Condenar o arguido C… pela prática de um crime de ameaça, p.p. pelo art. 153.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa.
Condenar o arguido C… pela prática de um crime de violação de domicílio, p. e p. no art. 190.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa.
Condenar o arguido C… pela prática de um crime de violação de domicílio, p. e p. no art. 190.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa.
Condenar o arguido C… pela prática dos três crimes em concurso na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no montante global de € 720,00 (setecentos e vinte euros).
(…)
II.
Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante e, em consequência, condenar o demandado no pagamento àquela da quantia de € 400,00 (quatrocentos euros), absolvendo-o do demais peticionado.
(…)»
2. Antes, o arguido apresentou um pedido de justificação da falta de comparência à 1ª sessão da audiência, sobre o qual recaiu o seguinte despacho [fls. 298]:
«(…) Os documentos apresentados pelo arguido a fls. 292 não comprovam qualquer situação de efetivo impedimento de comparência a tribunal. Com efeito, neles consta que o arguido compareceu no hospital, tendo sido atendido em episódio de urgência. Contudo, nenhum documento médico foi junto que que informasse que a comparência no hospital naquele dia e momento se mostrou medicamente necessária.
Assim, porque o documento junto não comprova impedimento de saúde para comparência a julgamento, julga-se injustificada a falta do arguido à audiência de julgamento no passado dia 13.04.2015 – cfr. Art. 116.º e 117.º do CPP.
Notifique”
(…)»
3. Inconformado, o arguido recorre deste despacho e bem assim da sentença, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:

- Recurso do despacho interlocutório [fls. 326 vº e 327]
«1- Dissente o recorrente da decisão que, julgando injustificada a sua falta à 1a sessão de audiência de julgamento o condenou em multa processual de duas unidades de conta, dado que fez juntar aos autos, nessa mesma data, a declaração de presença no Hospital de …, acompanhado respectivo exame médico - electrocardiograma.
2- Na verdade, o Tribunal não tinha qualquer motivo para desconfiar do alegado pelo arguido, atendendo a que este efectivamente se deslocou ao Centro Hospitalar em questão e submeteu-se a exames médicos.
3- O mesmo padecia de um "possível atraso na condução ventricular direita", factor de onde poderia emergir o seu mal-estar-físico.
4- Mas se dúvidas subsistissem, ficaram absolutamente dissipadas com a sua presença nas três diligências seguintes: mais duas sessões de audiência de julgamento e leitura de sentença.
5- Pelo que, a sua postura processual é reveladora da interiorização do dever que sobre ele impendia de comparecer em julgamento, conforme foi convocado, nenhuma dúvida subsistindo sobre a justificação da sua falta naquele dia.
6- Perante o juízo que formulou, traduzido na insuficiência da prova, para o efeito, apresentada, o Tribunal podia e devia ter diligenciado, por si ou através de convite dirigido ao requerente, no sentido de completar/instruir com os elementos tidos por pertinentes o requerimento de justificação da falta, o que, não tendo sucedido, deverá conduzir a que se considere justificada a falta.
Por tudo o exposto, violou-se, assim, o disposto nos arts. 116º e 117º do CPP.
- Pelo que o Douto Acórdão deve ser alterado, nos termos sobreditos, julgando-se justificada a falta do arguido, ora recorrente, dando-se sem efeito a correspondente condenação sofrida, assim se revogando o despacho recorrido.
Dessa forma, V.a Ex.as farão a costumada JUSTIÇA (…)»
- Recurso da sentença [fls. 352 vº e 353 vº]:
«(…) 1- Foi formulado pedido de indemnização civil pelo demandante B….
2. Acontece, porém, que o mesmo apenas deduziu tal pedido pelos danos causados pela prática do crime de injúria e não pela prática de qualquer outro crime ["9º 0 Assistente ficou deveras incomodado pelas injúrias proferidas pelo arguido”].
3- Os outros factos, subsumidos aos outros crimes, não foram relevantes para que o demandante formulasse pedido de indemnização quanto a eles.
4- Assim, o Tribunal a quo, talvez por lapso, não verificou, para este efeito, que foi declarada a prescrição do crime de injúrias, nem que, para além destes factos integradores deste crime, nada mais foi peticionado, pelo que os restantes não poderiam nunca ser indemnizáveis, simplesmente porque não foram peticionados.
5- Pelo que se verifica o vício constante do art. 410º n.º 2 c) do Código de Processo Penal,
6- Só podem valer como prova em julgamento as comunicações (no caso, uma sms) que o Ministério Público mandar transcrever (ao órgão de polícia criminal que tiver efetuado a interceção e gravação) e indicar como meio de prova na acusação.
7- O art 190º do CPP, trata de forma não diferenciada a inobservância de requisitos e condições de admissibilidade e o mero incumprimento de certas formalidades de procedimento da interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas.
8- A inobservância das regras do art. 188º do CPP, constitui nulidade que impede toda e qualquer utilização do material probatório assim obtido.
9- Trata-se, portanto, não de uma nulidade da sentença, mas de uma invalidade que atinge apenas essas concretas conversações ou comunicações telefónicas, impedindo a sua utilização em juízo como meio que contribua para a formação da convicção dos juízes do julgamento.
10- Por outro lado, o Tribunal a quo, apesar do confronto de declarações prestadas em inquérito e em audiência de discussão e julgamento, não se pronunciou sobre a natureza, o regime e a validade destas mensagens e telefonema, o que constitui uma nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º c) do CPP.
11. O facto dado como provado, relativamente ao crime de ameaça, não pode ser subsumido à previsão legal de um crime de ameaça, não estando preenchidos os respectivos requisitos.
12- Este crime visa proteger o bem jurídico da liberdade de decisão e de acção e comporta três características: um mal, futuro e a dependência da ocorrência desse mal futuro da vontade do agente.
13- O conceito de mal futuro, significa apenas que o mal objecto da ameaça não pode ser iminente, pois neste caso estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo mal
14- Desta forma e com base em toda a prova produzida, a actuação do recorrente também não preencheria os pressupostos legais para se subsumir no crime de ameaça de um mal futuro mas, antes, num anúncio de mal iminente que nunca foi levado a cabo, pois que o recorrido nunca se aproximou de nenhum dos ofendidos.
15- Pelo que ao ter sido condenado pela prática de um crime de ameaça, violou-se o disposto no art. 153º do Código Penal.
- Por tudo o exposto, violou-se, assim, o disposto nos art.s 187º a 189º do Código de Processo Penal, originando a nulidade do art. 190º do mesmo diploma, o 153º do Código Penal, bem como se verifica o vício do art. 410º n.º 2 c) e a nulidade art. 379º n.º 1 c) do Código de Processo Penal.
-Nestes termos, em face do supra exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso e em consequência, absolver o arguido com base nos fundamentos invocados
- Pelo que a douta sentença deve ser alterada, nos termos sobreditos,
Dessa forma, Vossas Excelências farão a costumada JUSTIÇA
(…)»
Na resposta, o Ministério Público refuta os argumentos de ambas as motivações de recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 357-364 e 365-373].
5. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto acompanha a resposta, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. 387].
6. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
7. A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação [fls. 310-312]:
«(…) Factos provados.
O arguido trabalhou para a D…, Ldª, com sede na Avenida…, concelho de Matosinhos, gerida por B… e por E…, em regime de prestação de serviços, tendo aquela prescindido dos seus serviços, em data indeterminada no verão de 2008.
Após terem sido prescindidos os serviços do arguido, este, através do telefone n.º………, sua propriedade, decidiu começar telefonar e a enviar mensagens para o B… e para o E…, a fim de os incomodar, perturbar, assustar, amedrontar, intimidar e prejudicar no seu sossego e nas suas vidas privadas.
Assim, o arguido efectuou e enviou os seguintes telefonemas e mensagens:
- no dia 11 de Julho de 2008, pelas 11 horas, o arguido telefonou para o telefone n .º ………, utilizado B… dizendo-lhe, no intuito de o assustar, amedrontar e intimidar: «eu parto-te todo»;
- no dia 11 de Julho de 2008, pelas 19 horas e 48 minutos, o arguido remeteu a seguinte mensagem escrita para o telefone n.º ………, utilizado pelo B…: «ouve lá chavalo pensas que estás a falar para a puta da tua mãe»;
- no dia 22 de Julho de 2008, pelas 5 horas e 08 minutos, o arguido remeteu a seguinte mensagem escrita para o telefone n.º ………, utilizado pelo B…: «acorda sostro»; e
- no dia 15 de Julho de 2008, pelas 20 horas e 20 minutos, o arguido remeteu a seguinte mensagem escrita para o telefone n.º ………, utilizado pelo E…: «isso já era de prever. O Sr. não passa de um vigarista sempre a jogar com as situações»;
- no dia 15 de Julho de 2008, pelas 20 horas e 41 minutos, o arguido remeteu a seguinte mensagem escrita para o telefone n.º ………, utilizado pelo E…, no intuito de o assustar, amedrontar e intimidar: «não se esqueça de que está a tratar com uma pessoa da …. E na … quem é roubado nunca esquece isso»;
- no dia 15 de Julho de 2008, pelas 20 horas e 48 minutos, o arguido remeteu a seguinte mensagem escrita para o telefone n.º ………, utilizado pelo E…: «Agora pensa seu velho porco»
Acreditando na veracidade daquelas afirmações e conhecendo as razões da conduta do arguido, o B… ficou desassossegado e assustado, pensando que o arguido o ia agredir.
B… ficaram impedidos de descansar e perturbados.
O arguido agiu de forma livre e conscientemente e querendo e conseguindo assustar, amedrontar e atemorizar B…, fazendo-o acreditar que o ia agredir.
Enviou todas as referidas mensagens e efectuou aqueles telefonemas, para o B… e para o E…, querendo e conseguindo ainda perturbar a sossego, a paz e a vida privada daqueles, telefonando-lhes ou enviando-lhes mensagens fora da hora normal de trabalho e durante a noite, quando sabia que aqueles já não estavam a trabalhar e impedindo-os assim de descansar e de usufruírem da sua vida privada.
O arguido conhecia a proibição e a punição das suas condutas.
O assistente sentiu-se enxovalhado em consequência das expressões que lhe foram dirigidas.
Factos não provados:
As mensagens para E… foram enviadas em 15 de Junho de 2009.
E… pensou que o arguido o ia agredir.
Motivação.
A decisão sobre a matéria de facto resultou da prova produzida em audiência de julgamento, analisada de forma conjugada e crítica à luz das regras da experiência.
Assim, consideraram-se as declarações do assistente que confirmou espontaneamente os telefonemas que foram feitos e as mensagens que lhe foram enviadas, esclarecendo o contexto em que tal aconteceu e confirmando que se tratava do número do arguido que tinha identificado no seu telefone. É certo que, lidas as declarações pelo mesmo prestadas em sede de inquérito, resulta delas contradição quanto à autoria das transcrição das mensagens constantes de fls. 28. Todavia, há que ter em consideração que a tomada de declarações ocorreu já em Setembro de 2008, sendo plausível que a memória sobre tal facto, que não se mostra relevante na essencialidade do cometimento do facto, esteja algo afastada, compreendendo-se que a memória do que sucedeu não corresponda ao que sucedeu (sem que seja colocada em causa a credibilidade das declarações). Mais se considerou o depoimento de E…, pai do assistente, que igualmente confirmou as mensagens que lhe foram enviadas e a proveniência das mesmas. Esta prova não foi contrariada por qualquer outra, pelo que, mostrando-se a mesma credível e coerente, a mesma mostrou-se suficiente para a resposta positiva aos factos provados.
As consequências da conduta do arguido quanto a B… resultaram da mencionada prova, analisada à luz das regras da experiência comum. Quanto a E…, tendo em consideração as expressões proferidas, delas não resulta qualquer ameaça com a prática de ofensas ou contra qualquer outro bem jurídico que justifique a criação de receio para o mesmo. (…)»
II – FUNDAMENTAÇÃO
- Recurso da decisão interlocutória
8. Diz o recorrente que a “declaração de presença no Hospital de … acompanhada do respetivo exame médico – eletrocardiograma” é suficiente para justificar a falta à audiência de julgamento [conclusões 1 a 3]; e que, de todo o modo, sempre “o Tribunal podia e devia ter diligenciado, por si ou através de convite dirigido ao requerente, no sentido de completar/instruir com os elementos tidos por pertinentes o requerimento de justificação da falta, o que, não tendo sucedido, deverá conduzir a que se considere justificada a falta” [conclusão 6].
9. Não tem razão. O n.º 4 do artigo 117.º do Cód. Proc. Penal determina: “4 – Se for alegada doença, o faltoso apresenta atestado médico especificando a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento. A autoridade judiciária pode ordenar o comparecimento do médico que subscreveu o atestado e fazer verificar por outro médico a veracidade da alegação da doença.”
10. Ora, a “declaração” apresentada pelo recorrente, emitida por um funcionário administrativo do Centro Hospitalar de …, EPE, não cumpre estes requisitos: não é (nem tem um valor aproximado a) um atestado médico, não especifica a gravidade da ocorrência capaz de impossibilitar a comparência em tribunal e não precisa a duração do impedimento.
11. De forma unânime, a jurisprudência tem entendido que a declaração dos serviços administrativos de uma unidade de cuidados médicos segundo a qual certa pessoa recorreu aos serviços de urgência da entidade declarante não basta para certificar doença que permita justificar a falta de comparecimento a ato processual para que foi convocada ou notificada [v.g., Ac. RP de 04.05.2011 (Ricardo Costa e Silva) e Ac. RP de 20.06.1996 (Dias Cabral); ver tb. a resposta ao recurso]. Por razões que facilmente se compreendem: a mera “entrada” no serviço de urgência e a realização de um exame não comprovam a existência de doença que impeça o visado de comparecer a tribunal. Como salienta o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de abril de 1991: “O atestado médico, para justificar a falta de comparecimento perante os serviços de justiça de pessoa regularmente convocada ou notificada, referido no artigo 117º, nº 3, do Código de Processo Penal, não tem que indicar o motivo concreto que impossibilita essa comparência ou a torna gravemente inconveniente, mas apenas atestar que o faltoso se encontra doente e impossibilitado ou em situação de grave inconveniência, por doença, de comparecer” [DR I-A de 25.05.1991].
12. Acresce que não é o Tribunal que tem de coligir provas da doença do faltoso: é o faltoso que tem de demonstrar, pelos meios definidos na Lei, que se encontrou numa situação que o impossibilitou de comparecer a tribunal, ou seja, numa situação capaz fundamentar a declaração de justificação da falta – na medida em que revele e comprove uma qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Improcede o recurso.
- Recurso principal
13. De acordo com as conclusões apresentadas, que delimitam o objeto do recurso, o recorrente (i) argui a nulidade por inobservância do disposto no artigo 188.º, do Cód. Proc. Penal (que impede toda e qualquer utilização do material probatório obtido) e por omissão de pronúncia [conclusões 8 e 10]; (ii) questiona o enquadramento jurídico dos factos dados como provados [conclusões 11 a 15]; e (iii) lembra que o demandante civil apenas deduziu pedido de indemnização pelos danos causados pela prática do crime de injúria, entretanto declarado prescrito, pelo que os restantes factos (danos) dados como provados não poderiam ser, como foram, objeto de indemnização [conclusões 1 a 4].
14. (i) Diz o recorrente que, nos termos do disposto nos artigos 188.º e 190.º, do Cód. Proc. Penal, só podem valer como prova em julgamento os sms que o Ministério Público mandar transcrever e indicar como meio de prova na acusação [conclusão 6]. Não é verdade. Terá passado despercebido ao recorrente que as normas legais que cita estão diretamente relacionadas com “escutas telefónicas” [Capítulo IV em que se inserem]. Ora, no caso dos autos não se procedeu a qualquer espécie de interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas. O que se passou foi que o recorrente enviou aos ofendidos os sms descritos e estes apresentaram-nos às autoridades judiciárias como prova dos crimes pelos quais vem condenado. Trata-se, portanto, de uma declaração em tudo idêntica às proferidas em folhas de papel ou por e-mail. Sendo certo e seguro que o destinatário da missiva pode fazer dela o uso que quiser.
15. Na verdade, o que a Lei ampara é a intromissão na correspondência, na vida privada, no domicílio ou nas telecomunicações feitas sem o consentimento do respetivo titular [artigos 174.º, 176.º, 177.º e 187.º, do Cód. Proc. Penal]. Não assim no caso dos autos em que é o próprio titular da mensagem que a apresenta às autoridades para poder servir como prova de um crime de que é vítima.
16. Nesse sentido, veja-se o Ac. RP de 27.01.2010 [Artur Vargues]: “I - A leitura feita pela PJ de mensagem registada no cartão SIM de um telemóvel que já entrou na esfera de domínio do destinatário, não se configura como interceção de conversação ou comunicação telefónica para efeitos da aplicação dos artigos 187º e 188º, nem lhe é aplicável a extensão enunciada no artigo 189º nº1, todos do CPP. II - A mensagem via telemóvel já recebida deverá ter o mesmo tratamento da correspondência escrita, que circula através do tradicional sistema postal: recebida mas ainda não aberta pelo destinatário, aplicar-se-á, à respetiva apreensão, o estabelecido no artigo 179º do CPP; recebida, aberta e guardada pelo destinatário, já não beneficiará do regime de proteção da reserva da correspondência e das comunicações, podendo ser apreendida para valer como mero documento escrito”. E o Ac. RG de 12.10.2009 [Tomé Branco]: “I. A mensagem mantida em suporte digital, depois de recebida e lida, tem a mesma proteção da carta em papel que, tendo sido recebida pelo correio e aberta, foi guardada em arquivo pessoal; II. Sendo um mero documento escrito, aquela mensagem não goza da aplicação do regime de proteção específico da reserva da correspondência e das comunicações previsto no art. 189º do CPP. III. A junção aos autos de transcrição de mensagem escrita guardada em telemóvel não tem de ser autorizada pelo juiz [ver tb, entre muitos, Ac. RC de 29-03-2006 e Ac. RL de 20.03.2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt].
Com o que improcede este primeiro fundamento do recurso.
17. (ii) Em segundo lugar, o recorrente defende que os factos dados como provados não revelam o anúncio “de um mal futuro mas, antes, [n]um anúncio de mal iminente que nunca foi levado a cabo, pois o recorrido nunca se aproximou de nenhum dos ofendidos” [conclusão 14].
18. Volta a não ter razão. Como bem refere, no crime de Ameaça [artigo 153.º, do Cód. Penal] o mal ameaçado tem de ser futuro. Porém, a avaliação da situação deve levar em consideração o contexto em que as expressões foram proferidas e se foram ou não seguidas de atos que integrem a sua preparação ou execução imediata. Se o mal objeto da ameaça é iminente, então estar-se-á perante uma tentativa de execução do respetivo mal, caso em que não se preenchem os pressupostos objetivos do referido crime [v.g., Ac. RP de 25.11.12015 (Des. Élia São Pedro)].
19. Ora, no caso presente, deu-se como provado que no dia 11 de Julho de 2008, pelas 11 horas, o arguido telefonou ao B… e, com o intuito de o assustar, amedrontar e intimidar, disse: «eu parto-te todo» [ver supra].
20. Estamos perante o anúncio de um mal a ocorrer no futuro, não de um mal iminente. A motivação subjacente e sobretudo a circunstância do recorrente ter proferido a expressão pelo telefone, à distância [do grego tele (longe) + phoné (voz)], desacompanhada de qualquer realização imediata e de outras afirmações que permitissem criar a ideia de que pretendia executar de imediato a agressão contrariam, abertamente, a argumentação desenvolvida pelo recorrente.
Com o que improcede mais este fundamento.
21. (iii) Por último, a questão relacionada com o pedido de indemnização civil. Como se sabe, o n.º 2 do artigo 400.º do Cód. Proc. Penal dispõe: “(...) o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”. E de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 31.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto [a que corresponde, agora, o artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ)], em matéria cível, a alçada dos tribunais de 1ª instância é de 5 000 €.
22. Ora, o pedido civil formulado pelo demandante é de € 500 [fls. 147-148]; e a condenação estabelecida pela sentença é de € 400. Resulta, assim, evidente que, nesta parte, a decisão é irrecorrível. A admissão do recurso pelo tribunal de 1ª instância não vincula o tribunal superior [artigo 414.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal].
A responsabilidade pela taxa de justiça.
Uma vez que o arguido decaiu em ambos os recursos que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça [artigo 513.º, do Cód. Proc. Penal], cujo valor é fixado entre 3 e 6 UC [artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais]. Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UC.
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
• Negar provimento aos dois recursos interpostos pelo arguido C…, mantendo o despacho e a sentença recorridos.
Taxa de justiça: 4 [quatro] UC, a cargo do recorrente.

Porto, 20 de janeiro de 2016
Artur Oliveira
José Piedade