Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FÁTIMA ANDRADE | ||
Descritores: | INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO SUJEITO PASSIVO IDENTIFICAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20220523717/21.6T8STS-D.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/23/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. II - A não identificação da parte passiva, após convite para o efeito, determina o indeferimento da petição. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº.717/21.6T8STS-D.P1 3ª Secção Cível Relatora – Juíza Desembargador M. Fátima Andrade Adjunta – Juíza Desembargadora Eugénia Cunha Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. de Comércio de Santo Tirso Apelante/AA Apelados/Massa Insolvente de BB e outros Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC): ……………………………… ……………………………… ……………………………… Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto I- Relatório i- Foi como apenso de “Restituição e Separação de Bens” que ao processo de insolvência de BB foram estes autos autuados, na sequência de requerimento apresentado por AA, que se identificou como “ex-esposa do Insolvente BB”. ii- No requerimento inicial, a requerente identificou-se nos termos mencionados em i e nessa qualidade declarou “vem requerer A restituição e separação de bens neste processo de Insolvência” Para tanto e em suma alegando: - ser “comproprietária do imóvel sito na Rua ..., ..., ... ..., sendo este imóvel bem comum do casal e a partilha do Divórcio já homologado nunca tendo sido efetuada.” - ter direito “de separação da sua meação nos bens comuns do casal na Insolvência do ex-marido (Artº. 141º. do C.I.R.E.).” - “O imóvel em apreço é Casa de Morada de Família da aqui Requerente e das filhas menores da Requerente e do Insolvente, tendo-lhe sido atribuída na Sentença do Divórcio (Doc. 1)”, sendo a sua única e exclusiva morada; - “não existe comunicabilidade de todas as dívidas existentes nesta Insolvência, sendo fundamento para a Requerente beneficiar da sua meação no imóvel em apreço.” (nos termos que alegou). Termos em que concluiu requerendo lhe seja concedida “a restituição e separação de bens referente ao imóvel em questão do qual é comproprietária, pelos fundamentos e factos alegados.” iii- A requerente foi inicialmente notificada para vir conferir valor à demanda. Posteriormente, já atribuído valor à demanda, apreciando a tempestividade do requerimento apresentado foi decidido (em 04/01/2022) “In casu”, a autora foi citada (e foi-o corretamente conforme o tribunal já teve oportunidade de clarificar) para vir aos autos, no prazo assinalado na mencionada citação, para querendo vir requerer a separação da meação nos bens comuns apreendidos nos autos, e veio a fazê-lo, mas já depois de ter decorrido aquele prazo de 20 dias assinalado na citação. Tendo-o feito no 3.º dia útil, foi a autora notificada para proceder ao pagamento da multa estipulada para tal tipo de atraso, não o tendo feito. A questão reside, agora, em perceber se esta conduta processual inerte faz com que a autora veja precludido o seu direito de requerer a separação peticionada. A este respeito, mais recentemente, vem a doutrina e jurisprudência mais avalizada a responder negativamente, sufragando-se entendimento no sentido de perspetivar aquela falta de tempestividade como algo a que não se faz corresponder “prazo exclusivo e de caducidade”, e como tal, não conduzindo o seu desrespeito à ablação do direito de requerer a separação de bens comuns de acordo com o formalismo próprio da norma elencada no art.º 146.º do CIRE, a todo o tempo (v. n.º 2 desse art.º 146.º) – cfr., neste sentido, Ac. do STJ de 22.06.2021, processo n.º 6886/17.2T8VNG-E.P1-A.S1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Ricardo Costa, in www.dgsi.pt/jstj. Em face do exposto, decide-se: . não indeferir liminarmente a presente petição por extemporânea, determinando, por ora, o seu prosseguimento (…); (…) . determinar a notificação da autora para, em dez dias, regularizar a presente instância, identificando concretamente os réus contra os quais deduz a sua pretensão (inexiste lado passivo da instância, não podendo a demanda prosseguir nestes termos).” iv- Não tendo a requerente observado o determinado e mencionado em iii no prazo geral de 10 dias, foi em 01/02/2022 proferida a seguinte decisão recorrida: “Nos termos do art.º 552., n.º 1, alínea a), do CPC, na petição deve o autor designar o Tribunal e respetivo juízo em que a ação é proposta e identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes (…). Por outro lado, prescreve o art.º 558.º do mesmo diploma que a secretaria deve recusar a petição quando não omita a identificação das partes (cfr. alínea b) de tal normativo). No caso dos autos, a secretaria viu-se impedida de assim atuar, tanto mais que o presente apenso, erroneamente, foi inicialmente remetido para os autos principais. Tendo sido ordenada a sua autuação por apenso, conforme é de lei, o Tribunal solicitou que a autora viesse, em dez dias, regularizar a instância, identificando os réus contra quem pretende intentar a presente demanda, sob a advertência de que a ação não poderia prosseguir sem que estivesse assegurado o lado passivo da instância. Decorrido o prazo legal, a autora nada disse, alegou, identificou ou justificou. Em face do exposto, e por absoluta impossibilidade legal de prosseguimento da lide, indefere-se liminarmente a presente pretensão. (…)” *** Notificada a requerente do assim decidido, interpôs recurso de apelação, oferecendo alegações e formulando as seguintes* “Conclusões ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Não se mostram apresentadas contra-alegações.*** O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.* * Foram colhidos os vistos legais.*** II- Âmbito do recurso.Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC [Código de Processo Civil] – resulta das formuladas pela apelante ser questão a apreciar se a decisão recorrida padece de erro na aplicação do direito. *** III- FundamentaçãoAs vicissitudes processuais a considerar para a apreciação das questões acima identificadas são as já constantes do relatório supra. *** Conhecendo. Cumpre apreciar do invocado erro de direito. A recorrente insurge-se contra o decidido indeferimento liminar. Indeferimento liminar fundado na não identificação da parte passiva, não obstante o convite endereçado à requerente para regularizar a instância “identificando concretamente os réus contra os quais deduz a sua pretensão”. Alega a recorrente que a decisão é confusa e que as exigências do tribunal a quo não tinham enquadramento legal. Sem razão assim o alega. É bem claro o fundamento pelo qual o tribunal a quo decidiu o indeferimento liminar – falta de identificação no requerimento inicial da parte passiva. Igualmente claro foi o convite formulado à requerente para suprir a omissão de identificação da parte passiva – ou seja das partes contra quem deduz a sua pretensão. Convite que esta ignorou. “A pretensão é um dos requisitos essenciais da ação e é aquele que se apresenta como o primeiro ato de que o titular do direito de ação tem de praticar perante o Juiz para desencadear a atividade jurisdicional. É com a pretensão que o autor vai exigir, na expressão de Carnelutti, a subordinação ao seu interesse do interesse da outra parte (…) A Petição é um ato constitutivo do processo e da relação jurídica processual.”[1]. O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição – vide artigo 3º nº 1 do CPC [salvaguardados os casos excecionais previstos na lei – vide nº 2 deste mesmo artigo, que de qualquer modo sempre impõem a identificação da pessoa contra quem se pretenda obter determinada providência]. Em consonância com o assim previsto, determina o artigo 558º a imediata recusa da petição inicial pela secretaria quando da mesma não conste a exigida identificação das partes [vide artigos 558º al. b) e 552º al. a) do CPC]. E não tendo ocorrido tal recusa pela secretaria, como é o caso, presente ao juiz a petição inicial e verificada a impossibilidade de prossecução da lide nos termos assinalados, cumpre ao juiz indeferir a petição atento o disposto no artigo 590º nº 1 do CPC. Como já mencionado, não tendo a requerente identificado a contraparte no requerimento em que deduz a sua pretensão, o tribunal a quo observando o dever de gestão processual consagrado no artigo 6º do CPC endereçou previamente à requerente o convite ao aperfeiçoamento do seu requerimento mediante a identificação da(s) contraparte(s). Convite que a requerente ignorou. Perante tal omissão outro caminho não restava ao tribunal a quo que o do indeferimento liminar do requerimento apresentado – liminar por verificada a impossibilidade de dar prossecução à lide. A tal não obstando os prévios atos processuais elencados no relatório. A não identificação da parte passiva, após convite para o efeito, determina o indeferimento da petição. O assim exposto evidencia a falta de razão da recorrente. Sem prejuízo do assim afirmado e perante o demais argumentado pela recorrente e que se infere das conclusões entende-se oportuno tecer os seguintes considerandos. Apreendidos bens para a massa insolvente sobre os quais terceiro entenda ser titular de um direito que impeça aquela e pretendendo contra a mesma reagir, foram colocados ao dispor deste três mecanismos com a finalidade de obter a restituição e separação de bens: “a) até ao termo do prazo para a reclamação de créditos, por reclamação, endereçada ao administrador da insolvência e para o domicílio profissional deste, por uma das vias previstas no n.º 2 do art.º 128º, em requerimento acompanhado de todos os documentos de que o reclamante disponha, em que devem ser invocados os factos necessários à demonstração do seu direito à separação - art.º 141º, n.º 1; b) no caso de bens apreendidos para a massa depois do termo do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência para a reclamação de créditos, mediante requerimento a correr por apenso ao processo de insolvência, a ser apresentado no tribunal da insolvência, no prazo de cinco dias posteriores à apreensão desse bem cuja separação e restituição peticiona - art.º 144º, n.º 1; e c) por ação declarativa com processo comum para o exercício do direito à separação ou à restituição de bens, instaurada pelo terceiro lesado, que assume a posição de autor, contra a massa insolvente, os credores do devedor/insolvente e o próprio devedor/insolvente, os quais assumem a posição de réus, ação essa que pode ser instaurada a todo o tempo - n.º 2 do art.º 146º -, enquanto o direito à separação ou à restituição de bens possa ser atendido no processo de insolvência - n.º 1 do art.º 146º -, isto é, enquanto os bens objeto dessa separação ou restituição não forem liquidados no processo de insolvência.”[2] Tal como decorre da decisão proferida em 04/01/2022 e que não se mostra alvo de censura pelo que transitou, o tribunal a quo julgou a tempestividade da pretensão formulada pela requerente ao abrigo do previsto no artigo 146º do CIRE e de acordo com o formalismo próprio em tal norma regulada. Estando em causa ação declarativa com processo comum, resultam destituídas de qualquer fundamento os considerandos tecidos pela requerente a propósito do formalismo processual – vide conclusões 2 e 3. Reiterando-se que a requerente não identificou no seu requerimento inicial/petição a contraparte que in casu têm de ser os identificados no nº 1 do artigo 146º do CIRE. Nesta medida nenhuma censura merece o decidido. *** IV. Decisão.Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida. Custas pela recorrente (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido). Notifique. Porto, 2022-05-23. Fátima Andrade Eugénia Cunha Fernanda Almeida _____________ [1] Cfr. Wladimir Brito in Teoria Geral do Processo, edição Almedina 2020, p. 180. [2] Cfr. Ac. TRC de 23/11/2021, nº de processo 1376/13.5TBACB-D.C1 e abordando a mesma temática Ac. TRC de 14/07/2020, nº de processo 6886/17.2T8VNG-E.P1 em que foi Relatora a aqui 1ª adjunta, ambos in www.dgsi.pt |