Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2154/07.6TBPVZ.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO
DELIMITAÇÃO INCORRECTA
IMPUGNAÇÃO EM SEDE ADMINISTRATIVA
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RP202205192154/07.6TBPVZ.P2
Data do Acordão: 05/19/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo o Estado delimitado o domínio público hídrico, excluindo os imóveis em questão desse domínio, resta aos particulares, se houver discordância sobre a propriedade, discuti-la e procurar prová-la.
II - Se delimitação foi efetuada de modo incorreto, teria que ser questionada em sede administrativa.
III - Beneficiando os reconvintes da presunção do direito de a presunção de propriedade advinda do registo predial de imóveis, compete aos reconvindos afastar essa presunção (artigo 344.º, n.º 1, do C. C.).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º 2154/07.6TBPVZ.P2

Sumário.
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1). Relatório.
AA e BB, identificados nos autos, propuseram contra
CC e mulher DD e contra M... Lda., identificada nos autos,
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo que:
a) se declarado que pertence à comunidade das populações da freguesia ... as praias a que se referem as descrições prediais n.ºs ... a ..., desde as piscinas ... até às proximidades da ..., naquela freguesia;
b). sejam declarados nulos os atos e negócios, designadamente os referidos neste articulado, que tiveram por objeto as referidas praias e sejam nulos os respetivos registos na Conservatória do Registo Predial, mandando-se cancelar, nomeadamente os mencionados na alínea anterior;
c). sejam os Réus condenados a restituir os terrenos dessas praias àquelas comunidades, abstendo-se de ofender ou por qualquer modo perturbar o seu direito.
O sustento, em termos resumidos, para tal pretensão, radica na alegação de que tais terrenos estão no uso da comunidade e sempre foi considerado pelas mesmas como um bem comum, nomeadamente para a apanha de sargaço.
A delimitação do domínio público hídrico que se efetivou, não significa que os terrenos são pertença dos Réus, para os quais não têm título para sustentar os registos de aquisição a seu favor.
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Citados, os Réus contestaram, negando a pretensão e, em sede de reconvenção, formulam os pedidos de condenação dos Autores/reconvindos em:
A).
Reconhecerem que o Réu CC é dono e possuidor dos prédios:
Prédio rústico, constituído por terreno inculto ou de areia, com a área de 40.000 m2, situado no ..., da cidade (outrora vila) da Póvoa de Varzim, a confrontar do nascente com a estrada municipal, do norte com herdeiros de EE, do poente com a linha das marés vivas e do sul com o Estádio ..., inscrito na matriz sob o art. ... e descrito na C. R. P. sob o n.º ...;
Prédio rústico, constituído por terreno inculto ou de areia, com a área de 8.400 m2, sito no lugar..., da freguesia ..., Póvoa de Varzim, a confrontar do nascente com caminho público, do norte com a carreira de tiro e caminho público, do poente e sul com terreno do Ministério da Marinha, inscrito na matriz sob o art. ... e descrito na C. R. P. sob o n.º ...;
Prédio rústico, constituído por terreno inculto ou de areia, com a área de 9.700 m2, no lugar do Quião, da freguesia ..., Póvoa de Varzim, a confrontar do nascente com FF e com GG e outros, do norte com a linha das marés vivas e do sul com o ..., inscrito na matriz sob o art. ... e descrito na C. R. P. sob o n.º ...;
Prédio rústico, constituído por terreno inculto ou de areia, com a área de 21.600 m2, no Lugar ..., da freguesia ..., Póvoa de Varzim, a confrontar do nascente com HH e com herdeiros de II e outros, do norte com o regato ..., do poente com a linha das marés vivas e do sul com o regato do ..., inscrito na matriz sob o art. ... e descrito na C. R. P. sob o n.º ...»;
B).
Reconhecerem que a Ré «M...…»é dona e possuidora de:
Prédio rústico, formado pelo ..., com a área de 14.000 m2, sito no Lugar ..., da freguesia ..., Póvoa de Varzim, a confrontar do nascente com estrada municipal, do norte com o posto ..., do poente com a praia e do sul com JJ, inscrito na matriz sob o art. ... e descrito na C. R. P. sob o n.º ...;
Prédio rústico, formado por terreno inculto ou de areal, de 18.000 m2, situado no Lugar ..., da freguesia ..., Póvoa de Varzim, a confrontar do norte com herdeiros de KK e de LL, do poente com a linha das marés vivas e do sul com herdeiros de EE, inscrito na matriz sob o art. ... e descrito na C. R. P. sob o n.º ...;
Prédio rústico, formado por um terreno inculto ou de areia, com a área de 13.000 m2, no lugar de ..., da freguesia ..., Póvoa de Varzim, a confrontar do nascente com estrada municipal, com MM, com NN e com OO e outros, do norte com o regato ou esteiro, do poente com a linha das marés vivas e do sul com o posto ..., inscrito na matriz sob o art. ... e descrito na C. R. P. sob o n.º ...;
C.
Os Autores/reconvindos sejam condenados a não perturbarem os direitos de propriedade e de posse dos Réus sobre os seus identificados prédios.
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A Ré DD contestou alegando a sua ilegitimidade.
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Por despacho proferido a fls. 440 verso e 441 (III volume), foi determinada a apensação aos presentes autos (então tramitada sob o n.º 1576/93) da ação n.º 1656/94 (à qual corresponde, atualmente, o n.º 2154/07.6TBPVZ-D) e da ação n.º 111/96 (à qual corresponde, atualmente, o n.º 2154/07.6TBPVZ-G).
Nesta última ação n.º 2154/07.6TBPVZ-G, foram Autores AA e BB (os mesmos da presente ação) e Réu o Estado Português, onde foi decidido «julgar procedente a presente ação, intentada por AA e BB contra o Estado Português e, consequentemente, condena-se o Réu no reconhecimento de que às populações da freguesia ... pertencem, em propriedade comum, as praias de ..., desde as piscinas ... até junto da ..., a que se referem as descrições prediais n.ºs ... a ... e a abster-se de praticar atos que ofendam os direitos dessas populações» (fls. 138-143 do processo n.º 2154/07.6TBPVZ-G).
A sentença transitou em julgado.
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Por decisão proferida a fls. 9 verso a 11, do apenso ao qual corresponde atualmente, o n.º 2154/07.6TBPVZ-I, foi julgada habilitada, como cessionário o município da Póvoa de Varzim, em parcial substituição do Réu CC.
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Foi proferido despacho saneador (fls. 1126 a 1155, VI volume), com absolvição da instância da Ré DD, elaborando-se especificação e questionário.
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Por decisão proferida a fls. 1283-1285 (volume VII), foram indeferidos incidentes de intervenção principal espontânea deduzidos por PP e QQ e Assembleia de Compartes do Baldio das Praias de ....
Tendo sido interposto recurso, o Tribunal da Relação do Porto admitiu a intervenção principal espontânea, do lado ativo, de PP e QQ, mantendo a decisão de indeferimento do incidente de intervenção principal espontânea deduzido pela Assembleia de Compartes do Baldio das Praias de .... (fls. 2379-2397, XII volume).
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Na sequência do falecimento do Réu CC, foram habilitados na sua posição processual RR, SS, TT UU, VV, WW, XX, YY (apenso a que atualmente corresponde o n.º 2154/07.6TBPVZ-C).
Na sequência do falecimento da Interveniente Principal QQ, foram habilitados na sua posição processual ZZ, AAA e BBB (decisão proferida no apenso n.º 2154/07.6TBPVZ-J).
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Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença onde se decidiu:
«Julgar improcedente a ação e absolver os Réus dos pedidos formulados na petição inicial;
Condenar PP; ZZ, AAA e BBB (que foram habilitados na posição processual da falecida Interveniente Principal QQ); e a Comunidade dos Compartes do Baldio das Praias de ... a reconhecerem RR, SS, TT UU, VV, WW, XX, YY (que foram habilitados na posição processual do falecido Réu CC), como proprietários dos imóveis inscritos na Conservatória do Registo Predial da Póvoa do Varzim sob os n.ºs ... – com ressalva para uma parcela de terreno com a área de 12.427 m2, comprada pelo Município da Póvoa de Varzim e destinada a domínio público de circulação municipal –, ..., ... e ... e a não perturbarem os direitos de propriedade dos ora identificados Réus/Reconvintes sobre tais imóveis;
Condenar PP; ZZ, AAA e BBB (que foram habilitados na posição processual da falecida Interveniente Principal QQ); e a Comunidade dos Compartes do Baldio das Praias de ... a reconhecerem o Município da Póvoa de Varzim como proprietário de uma parcela de terreno, com a área de 12.427 m2, comprada pelo Município da Póvoa de Varzim e destinada a domínio público de circulação municipal, que faz parte do imóvel inscrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa do Varzim sob o n.º ..., e a não perturbarem o direito de propriedade do Município da Póvoa de Varzim sobre tal imóvel;
Condenar PP; ZZ, AAA e BBB (que foram habilitados na posição processual da falecida Interveniente Principal QQ); e a Comunidade dos Compartes do Baldio das Praias de ... a reconhecerem M... Lda. como proprietária dos imóveis inscritos na Conservatória do Registo Predial da Póvoa do Varzim sob os n.ºs ..., ... e ... e a não perturbarem os direitos de propriedade da M... Lda. sobre tais imóveis;
Julgar parcialmente improcedente a reconvenção deduzida no processo inicialmente tramitado com o n.º 1656/94 – atualmente tramitado com o n.º 2154/07.6TBPVZ-D – e absolver a freguesia ... do pedido de reconhecimento da M... Lda. Como proprietária da parcela de terreno identificada no art. 43.º dessa contestação; do pedido de reconhecimento de que a posse detida pela freguesia ... sobre a parcela de terreno identificada no art. 43.º dessa contestação é abusiva e ilegítima e resulta de usurpação, por meios violentos, da posse que o anterior proprietário, CCC, tinha sobre a mesma parcela de terreno; do pedido de restituição à M... Lda. da parcela de terreno identificada no art. 43.º dessa contestação; e do pedido de não perturbação do direito de propriedade da M... Lda. sobre a parcela de terreno identificada no art. 43.º dessa contestação;
Condenar a freguesia ... a reconhecer M... Lda. como proprietária dos imóveis inscritos na Conservatória do Registo Predial da Póvoa do Varzim sob os n.ºs 00.../.....; 00.../09...; 00.../09...; 00.../0....; 00.../0....; 00.../09...; 00.../09...; 00.../09...; 00.../09...; 00.../09...; 00.../09...; 00.../09...; 00.../09...; 00.../09...; 00.../09...; 00.../09...; 00.../09...; 00.../09...; 00.../09... e 00.../09...; e a não perturbar tal direito de propriedade.».
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Inconformado, recorrem os Autores, formulando as seguintes conclusões:
«1ª - Em matéria de produção da prova, o poder do Juiz exerce-se tanto oficiosamente como a requerimento das partes.
Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.” (artigo 411º do CPC)
2ª – O artigo 512º do CPC de 1961, prevê o prazo para alteração do rol de testemunhas e requerimento de outras provas. Trata-se do rol da prova.
O prazo do citado artigo não prejudica a junção de documentos em poder da parte contrária ou de terceiro, até ao encerramento da discussão da causa. (artigo 523º n. º2 do CPC de 1961, aplicável a estes autos).
3ª - São nulos os indeferimentos, fundamentados no artigo 411º o CPC, dos requerimentos dos AA, pedindo a notificação dos RR e de terceiros, como Autoridade Tributária, para a obtenção de documentos em poder destes; ou da tomada de declarações da parte contrária, sobre a matéria da sua alegada posse.
4ª – Tendo o auto de inspeção judicial sido notificado às partes depois da conclusão desta, o prazo de reclamação da omissão de formalidade legal é o geral.
5ª – A omissão, no auto de inspeção judicial, dos factos observados pelo tribunal, é suscetível de prejudicar e prejudicou a decisão da causa. E, por isso, fundamento de nulidade.
6ª – O despacho que suspende a instância, por óbito da interveniente comparte, com a cominação da sua extinção, se não for requerida habilitação dos respetivos herdeiros, que a podiam contestar, é nulo com fundamento na prática de acto indevido, suscetível de prejudicar a decisão da causa. (artigo 195º n.º1 do CPC).
7ª – Constitui uso anormal do processo, de que o Juiz deve conhecer (artigo 612º do CPC), a interposição de acção, pela Junta de Freguesia ..., contra incertos, reivindicando as mesmas praias reivindicadas pelos compartes do baldio, em que estes, AA do processo principal, não foram chamados a contradizer – proporcionando aos RR na acção principal, deduzir nova reconvenção, com novos factos integrantes da causa de pedir, omissos nas reconvenções, nestes autos principais.
8ª – O não conhecimento do uso anormal do processo, nos termos do artigo 612º do CPC, constitui nulidade, por omissão de acto devido, suscetível de prejudicar a decisão da causa (artigo 195º n.º 1 do CPC).
9ª - Não é fundamento suficiente dum juízo de parcialidade de testemunhas e da desvalorização dos seus depoimentos, a sua pertença à mesma comunidade da parte que as arrola;
10ª – Objecto da acção é a praia, como a lei a define: o areal, invadido pelas marés e a margem, em toda a sua extensão, à data da sua abusiva ocupação, espoletada pelos RR CC, com a escritura da partilha adicional, desde as antigas piscinas ... até á ..., como definido em I, destas alegações.
11ª – Dado como provado o corpus da posse constituído pela utilização, pelas populações, das praias reivindicadas, aí secando sargaços e arrumando os seus barcos e alfaias dos trabalhos do mar, em barracos que aí construíam para a recolha do sargaço, bem como o empilhavam depois de secos, há contradição com estas respostas, dar-se como não provado que a utilização da praia é praticada em comum (pela população – quesito 18), para os provados fins, de forma contínua e à vista de toda a gente.
12ª – Não tendo sido provado que tais factos aconteceram por tolerância dos reconvintes CC e antecessores, e condenado o Estado Português a reconhecer o direito comunitário da população, a posse desta deve considerar-se pacífica.
13ª – Quanto ao animus na posse comunitária da praia, “na apanha do sargaço” (sic) que a sentença recorrida diz inexplicado com pormenor pelas testemunhas) esta confunde os objectos de duas distintas posses:
a)-a posse comunitária da praia, na seca do sargaço (objeto da acção), e b)- o sargaço, que cada comparte apanha e faz seu, para seu consumo ou para vendê-lo (respostas positivas aos quesitos 18 a 22)
14ª – O animus da posse presume-se em quem tenha o respetivo corpus, como é jurisprudência pacífica.
15ª – Os documentos citados em 14.1.3.1 dão conta de que a actividade sargaceira continua ativa na praia de ..., ainda que fortemente prejudicada pelo esgotamento da praia reivindicada. Os RR confirmam-no, na resposta às fotografias de sargaceiros, na apanha do sargaço (a fls 3934) admitindo que podiam ter sido tiradas há 15 dias. E recentes publicações, com citação em 14.1.3.1, falando da concorrida e ruidosa feira do sargaço, em ..., justificando a construção do posto ..., nos anos 40, do qual a M... agora se apoderou.
16ª – Os sargaceiros apanham o sargaço e secam-no, em qualquer ponto da praia, onde o mar o lance a terra.
Ao tempo dos forais, ... era um lugar da vila da Póvoa de Varzim – como se mostra no diploma legal da reforma administrativa do século XIX, documento autêntico, citado no final de 14.1.3.1.
17ª – Há nulidade na resposta ao formulado quesito 16, desviando-se substancialmente do alegado pelas partes, por excesso e omissão de pronúncia (artigo 615º l, nº 1 d) do CPC). Se se mantiver essa formulação do quesito 16, deve ser dado como não provado.
18ª – Constitui nulidade a omissão do conhecimento de documentos autênticos, no julgamento da acção e das reconvenções (artigo 615º n.º 1 b) do CPC).
19ª – Impõem respostas positivas aos quesitos 1, 10, 17 a 25 (e 25-A) os certificados forais (fls 4363 e sgs e 4517 a sgs) e a certificada fotografia aérea de 1965, (fls 4305 F a 4305 H verso), confirmando as respostas das testemunhas dos AA, que a sentença recorrida classifica de afirmativas, prontas e conclusivas.
20ª – As descrições prediais certificadas, das parcelas em causa como terrenos de areia, impõem respostas positivas aos quesitos 1, 10 e 14.
21º - Os quesitos 1,4 e 5 foram confessados nos artigos 70º e 71º da contestação.
22ª – Quanto aos quesitos 31 a 35 - entre as centenas de documentos juntos pelos RR CC para a respetiva prova, não há nenhum alusivo à alegada posse destes RR
23ª – Uma vez que o loteamento, com alvará de 1988 não está incluído na causa de pedir da reconvenção os RR CC nestes autos, no julgamento desta, o tribunal não pode conhecer desse facto. (artigo 5º n.º 1 do CPC).
O mesmo acontece com a inscrição no registo predial, das aquisições, pelos RR, das descrições ... a ....
24ª – Improvado que as parcelas reivindicadas provenham de alegada partilha de heranças de antepassados do reconvinte, apresentado na Conservatória, como título de aquisição, inscrita no registo predial, tal registo é nulo, por falsidade do título que o fundamenta. (artigo 16º a) do CRP)
25ª – É ónus dos RR reconvintes, reivindicantes de parcelas da praia, a demonstração de que cumpriram o condicionalismo legal, previsto no artigo 15º n.º 1 da lei 54/2005.
26ª - O mesmo ónus, previsto no Decreto-Lei 458/71, que já estava em vigor, tinha o reconvinte, CC, quanto aos títulos que apresentou na Comissão, legitimando-o como requerente da demarcação do DPM, entre eles os que fundamentaram as descrições ... a ..., de terrenos de areia da mesma praia, das quais o reconvinte declarou desanexadas as demarcadas descrições ... a ....
27ª - O princípio da estabilização da base dominial, de que fala o Acórdão do TC nº 326/2015, no processo n.º 718/14, atrás citado, reclama que tenha de considerar-se caduca a demarcação do DPM, relativamente a parcelas da praia, requerida pelo reconvinte, CC, meio século passado, sem o cumprimento desse ónus.
E 9ª – Há nulidade na formulação do quesito 16, desviando-se substancialmente do alegado pelas partes.
Nulas as vendas que o reconvinte tenha feito, de parcelas declaradas desanexadas de quaisquer dessas descrições, falsamente tidas como privadas, sendo de bens fora do comércio jurídico. (artigo 202º do CC).
E, assim, nulos os registos prediais dessas vendas, por falsidade do título que os fundamenta.
28ª – Admitido que seja o articulado superveniente, ocorre nulidade, por não conhecimento de matéria de facto. Por outro lado,
29ª – Na comarca, a julgada improcedência da acção envolveu a do articulado superveniente.
30ª – Suprida a nulidade, pelo Tribunal da Relação, cabe no âmbito de apelação o julgamento do mérito desse articulado, vista a respetiva prova, constituída por documentos autênticos (a folhas 4305-D a 4305-J verso; 4363 a 4370 verso; e a folhas 4517 a 4518 verso).
31ª – Provado, apenas, que os RR reconvintes utilizaram os prédios que reivindicam, desde a década de 1970, também não se cumpre o artigo 15º n.º 2 da citada lei 54/2005 – devendo as reconvenções improceder.
32ª – Provada a matéria de facto que fundamenta a acção, deve esta proceder.
33ª – É inconstitucional o artigo 411º do CPC, por ofensa dos artigos 13º e 20º nºs 1 e 4, da CRP, violando o direito a um processo equitativo, quando interpretado no sentido de a notificação para junção de documentos em poder da parte contrária ou de terceiros, é poder oficioso que o Juiz só exerce se e quando entender e não a requerimento das partes.
34ª – É inconstitucional, por ofensa dos artigos 13º e 20º nº 4 da CRP, violando os princípios da igualdade e do direito a um processo equitativo, o artigo 396º do Código Civil, quando interpretado no sentido permitir que seja considerado parcial o depoimento duma testemunha, por pertencer à comunidade da parte que a indica, ou por ser familiar desta ou do seu mandatário.
Requerimento
Admitido que seja o articulado superveniente, REQUER que sejam os RR notificados para dizerem, querendo, o que têm a acrescentar ao seu requerimento de 24/05/21, Refª 38970611 a fls 4564.
DEVE julgar-se procedentes as arguições de nulidades, deferindo-as. E conceder-se provimento à apelação, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se os RR e a habilitada Câmara Municipal ..., nos pedidos da acção – o pedido inicial com objecto definido em I das alegações, e o pedido do articulado superveniente – e absolvendo-se os AA dos pedidos das reconvenções.».
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Os Réus reconvintes contra-alegaram pugnando pela manutenção do decidido.
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A questão a decidir é aferir da prova da propriedade dos terrenos objeto da ação e reconvenção, tendo em atenção a manutenção ou alteração da factualidade provada e eventual afastamento da presunção de propriedade a favor dos Réus/reconvintes advinda do registo em sede de registo predial.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Foram julgados provados os seguintes factos:
«1) No dia 8 de outubro de 1423, D. João I, Rei de Portugal, fez doação da Vila de Barcelos e do seu termo, ao Condestável D. Nuno Álvares Pereira, por documento registado a fls. 76 do Livro n.º um da Chancelaria de D. João I, incorporado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo – documento de fls. 170, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea A da especificação).
2) O Condestável D. Nuno Álvares Pereira doou depois, no dia 1 de novembro de 1439, a sua filha Beatriz, fundadora da Casa de Bragança, os Paços de Barcelos e seus termos – cfr. documento de fls. 169, cujo teor se dá aqui por reproduzido (alínea B da especificação).
3) Por escritura de 15 de maio de 1895, o Doutor DDD declarou comprar a EEE e mulher um terreno de areal, à beira mar, que se estende desde o Lugar ...”, até ao rio de ..., freguesia ..., todo ele descrito na Conservatória do Registo Predial, então sediada em Vila do Conde, sob os n.ºs ..., Livro B nono, de fls. 115 a 117 (V) e os quais foram inscritos a seu favor na referida Conservatória, no dia 1 de junho de 1895, pela inscrição n.º ... (documento de fls. 11 a 16 e fls. 298 que se dá aqui por integralmente reproduzido) (alínea C da especificação).
4) Por sua vez, aquele EEE, por escritura de 30 de março de 1885, declarara comprar os mesmos terrenos a FFF (documento de fls. 17 a 24 que se dá aqui por integralmente reproduzido) (alínea D da especificação).
5) Este FFF tinha solicitado à Casa de Bragança o “emprazamento dos maninhos da mesma Sereníssima Casa, no préstimo de ..., os terrenos de areia que não estivessem aforados ou emprazados em que se pudesse semear pinheiros”, sendo-lhe concedido esse aforamento, por escritura de 2 de março de 1868 sem prejuízo de direitos de terceiros, com as “medições e confrontações declaradas pelos louvados na dita vedoria são do teor seguinte: - Nos limites da vila da Póvoa de Varzim e sitio chamado da ..., um terreno de areal, que principiando a medição junto à parede de propriedade de GGG por maninho, desde o rego ou ... e alto ..., aonde está um agoeiro, tem de sul e norte, pelo nascente, à face da parede da sobredita propriedade duzentos setenta e dois metros virando a nascente tem pelo sul à face da dita parede trinta e cinco metros, continuando para norte à face das propriedades de HHH (já sitas na freguesia ...) e ainda de outros e atravessando o caminho das ... que vai para o mar, e seguindo à face da parede de III de ... e outros, atravessando o rego de águas da ... que vai da propriedade de JJJ até intestar na propriedade de KKK em e pelo mesmo nascente seiscentos e setenta metros; e virando a poente tem pelo norte, confrontando com casas e eirado de NN, de ..., Lugar ... (na freguesia ...) até onde faz outra chave, tem setenta metros e nesta chave tem pelo nascente confrontando com a sobredita casa até intestar no eirado de LLL, tem quarenta metros; e tornando a virar ao poente tem pelo norte a confrontar com o mesmo eirado setenta metros e dai virando para norte tem pelo nascente confrontando com o mesmo eirado e outros, cento e dois metros; virando em chave ao nascente tem pelo Sul vinte e seis metros, tornando a virar a norte tem pelo nascente a confrontar com terra de MMM, duzentos e oitenta metros; e dai vira ao nascente, e tem pelo Sul confrontando com a mesma terra cinquenta e cinco metros e tornando a virar ao Norte tem pelo nascente a confrontar com o caminho e com o eirado de NNN e de OOO, até intestar no rio ... trezentos metros e pelo Norte tem de largo de nascente a poente a confrontar com o rio ..., em parte e em parte com areal baldio até chegar à praia onde chegam as marés vivas, duzentos e sessenta metros. Pelo poente tem de comprido de norte a sul à face da praia mar mil e quinhentos e cinquenta metros. E pelo sul tem de largo e poete a nascente, à face do rego do ... e ... passando junto de uma pedra nativa que tem quatro canheiros abertos a pico, confrontando sempre com areal, cem metros. Nesta medição atravessam vários caminhos de carro, tanto para a Póvoa como caminhos para a praia que todos ficam compreendidos na medição, mas livre para o trânsito público. Toda esta medição compreende duzentos e sessenta e nove mil metros quadrados.
- Na freguesia ..., lugar ... ou ... um terreno de areal que medido pelo sul de poente a nascente a confrontar com tomadia medida nesta ocasião a PPP, o ... tem de largo setenta e sete metros e pelo nascente de sul a norte confrontando com o caminho que vem do moinho do padre QQQ, aliás, RRR, tem vinte e dois metros, virando em chave para o poente tem pelo norte a confrontar com casa e eirado de SSS o enjeitado e outros, outros vinte e dois metros, virando ao norte tem pelo nascente confrontando com o mesmo eirado e caminho do sobredito moinho novecentos e nove metros e virando em chave ao poente em pelo norte a confrontar com terra de MMM - ... (aforado pela Câmara) trinta e três metros e tornando a virar ao norte, tem pelo nascente a confrontar com a dita terra cinquenta metros. - E pelo norte tem de largo de nascente a poente confrontando com outra terra do sobredito conselheiro outros cinquenta e cinco metros. E tem de comprido o pelo poente de norte a sul até onde principiou a medição confrontando com areal medido ao mesmo FFF cento e sessenta e cinco metros. Toda esta medição compreende dez mil oitocentos e noventa metros quadrados.
- Na mesma freguesia ..., lugar ..., no sítio da ..., um terreno de areal que medido pelo sul de poente a nascente, confrontando com terra de MMM tem cinquenta e três metros e sessenta decímetros; e pelo nascente tem de largo confrontando com terreno de areal medido ao RRR trinta e três metros; pelo norte tem de comprido confrontando com o eirado de NNN, o barqueiro, outros cinquenta e três metros e sessenta decímetros; e pelo poente tem de largo outros trinta e três metros, partindo com areal medido ao mesmo FFF; compreende mil setecentos e sessenta e oito metros quadrados;
- Na mesma freguesia ..., sítio do …, lugar..., um terreno de areal que principiando a medição pelo sul, ao poente, do caminho que vai de ... para a ..., tem de nascente a poente à face do rego ou regato de ... até onde estão os primeiros penedos ao norte do dito regato, setenta e sete metros. Pelo poente tem de comprido de sul a norte à face da praia mar onde chegam as marés vivas até chegar a um penedo quase redondo, cento e dez metros. Pelo norte tem de largo de poente a nascente a confrontar com terreno de areal de que se aproveitam os sargaceiros até chegar ao caminho de ... sessenta e seis metros. E pelo nascente tem de comprido, confrontando o dito caminho e por ele em meio com prédio de TTT - o ..., onde este tem um moinho de cento e vinte e cinco metros. Compreende este terreno oito mil e quatrocentos metros quadrados;
- Na mesma freguesia ..., lugar ..., ao norte do ... um terreno de areal, que medido elo sul, confrontando com o dito rego tem de poente a nascente quarenta e quatro metros, Tem de comprido pelo nascente, de sul a norte, a confrontar com o caminho que vai de ... para a ..., e com outro caminho que vem do cabo do carreiro até entestar no rego das águas que vem do ... de UUU, quatrocentos e quarenta metros. E pelo poente, e outro comprimento em face da praia mar onde chegam as marés vivas, tem outros quatrocentos e quarenta metros, acabando no norte em ponta aguda. Compreende nove mil seiscentos e oitenta metros quadrados;
- Na dita freguesia ... e lugar ... ao norte do rego de água que vem do ... de UUU, um terreno de areal, que medido pelo sul, de poente a nascente, tem vinte e sete metros. E pelo nascente tem de comprido, confrontando com o caminho que vem da ... para ... até entestar cinco metros ao norte do Agueiro do Regato das ..., duzentos e setenta metros. E pelo norte tem de largo a confrontar com o dito Regato das ... a entestar no mais alto penedo do cabo do carreiro, cento e trinta e dois metros. E pelo poente tem de comprido à face da praia do mar onde chegam as marés vivas, duzentos e setenta metros. Compreende vinte e um mil e seiscentos metros quadrados;” (documento de fls. 25 a 34 que se dá aqui por integralmente reproduzido). (alínea E da especificação).
6) No primeiro quartel do século XX foi construída a estrada municipal marginal, que parte da Póvoa de Varzim e segue para ..., até aos “confins” desta freguesia (alínea F da especificação).
7) sob o n.º ... do Livro de descrições e averbamentos da Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, encontra-se descrito um prédio rústico constituído por terreno inculto ou de areia, com a área de 40.200 m2, sito no Lugar ... ou da ... e que confronta do Nascente com a estrada municipal, do Norte com herdeiros de EE, do Poente com a linha das marés vivas e do Sul com o Estádio ..., que foi desanexado da descrição n.º ..., a fls. 145 (V), B4, encontra-se inscrito a favor de CC, por adjudicação em partilha de KK e LL (alínea G da especificação).
8) Por escritura de compra e divisão celebrada em 17-05-1922, no cartório de VVV, sito na Praça ..., Póvoa de Varzim, DDD e mulher LL declararam serem possuidores por título legítimo de um prédio que consiste num terreno de areias, alodial, sito no Lugar ... da freguesia ... e que confronta de Norte com caminho público, do Sul com regato da ..., do Poente com estrada e do Nascente com herdeiros de WWW, XXX, YYY, ZZZ e outros e o qual prédio abrange também a porção de areal ao poente da estrada referida e que é a que vai da ... a ..., e que confronta do Norte com eles outorgantes, do Nascente com aquela estrada desde a ... na extensão de cinquenta metros a contar da última parte do muro da falada ponte para o Norte, do Poente com o mar e do Sul com a vala da ... e que faz parte da descrição predial número ... do Livro B 4 (cópia) da conservatória da comarca da Póvoa de Varzim.
Mais declararam vender a AAAA e mulher BBBB e EE e mulher CCCC os quais declararam aceitar a referida venda em comum e em partes iguais o referido prédio. Estes segundo e terceiro outorgantes, na referida escritura, decidiram dividir o prédio da seguinte forma: a porção do prédio que fica a Nascente da estrada é repartida em quatro sortes (...) a porção do prédio a poente da estrada ficam a pertencer aos terceiros outorgantes (documento de fls. 203 e ss. o qual se dá aqui por reproduzido) (alínea H da especificação).
9) Em 04-04-1925, perante o notário DDDD com cartório na Póvoa de Varzim, foi outorgada escritura pública de partilha amigável entre LL, KK e mulher EEEE, FFFF, os quais disseram que em 20-09-1924, faleceu DDD, sem testamento, casado com a primeira outorgante e tendo como únicos herdeiros o segundo e terceiro outorgantes, seus filhos KK e FFFF. Mais declararam, entre outros, os seguintes bens:
Número vinte e nove - Terrenos incultos ou de areia a principiar no Lugar ... até às ... ou ..., nos limites das freguesias de ... e ..., desta comarca, confrontando de Norte com herdeiros de GGGG, do Sul com HHHH e IIII, do Nascente com este IIII, no valor de dois mil escudos.
Número trinta - Terrenos incultos ou de areia, também no limite das mesmas freguesias ... e ..., principiando no alto de ..., a confrontar do Sul com JJJJ, do Nascente com EE e outros, do Norte com o Regato e do Poente com a estrada, no valor de dois mil escudos.
Estes dois prédios compreendem parte das descrições número … e ..., descrições números …. e … do Livro B quarto (cópia) da mesma conservatória – documento de fls. 42 a 50, inclusive, que se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais (alínea I da especificação).
10) Por escritura outorgada no Cartório de KKKK, da Póvoa de Varzim, em 05-02-1936, LLLL e mulher MMMM declararam que são senhores e legítimos possuidores do prédio que é constituído por terreno de areia, com a área de 31 m2, que vem a ser uma sexta parte da cortinha das casas, alodial, que forma há muitos anos um prédio completamente distinto, sito no Lugar ..., da dita freguesia ..., a confrontar do Norte por onde mede trinta e dois m, com NNNN, do Sul, por onde mede 26 m, com caminho do quartel, do Nascente por onde mede 27 m com a estrada e do Poente, por onde mede 40 m, com os herdeiros do Doutor DDD e que faz parte da descrição predial n.º ... do Livro B quarto da Conservatória, mais declararam vender a OOOO o referido prédio (documento de fls. 219 e ss. que se dá aqui por integralmente reproduzido) (alínea J da especificação).
11) Por escritura pública outorgada na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim em 02-12-1941, KK e mulher EEEE e FFFF, declararam que possuem por título legítimo um terreno de areia, alodial, com área de 400 m2, sito no Lugar ... e freguesia ..., a confrontar do Norte com por onde mede quarenta metros, com outro prédio dos outorgantes, do Sul por onde tem igual medição com PPPP, do Nascente por onde tem dez metros com a estrada municipal e do Poente, por onde tem a medição de dez metros com o areal, fazendo parte da descrição ... a ..., no Livro B quarto da Conservatória, mais declararam vender a QQQQ que declarou comprar o referido terreno (documento de fls. 211 e ss. que se dá aqui por integralmente reproduzido) (alínea L da especificação).
12) Por escritura de habilitação 15-06-1960 celebrada na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim foi habilitada como única e universal herdeira de FFFF a sua mãe LL (documento de fls. 201 que aqui se dá por integralmente reproduzido) (alínea M da especificação).
13) Por escritura pública outorgada na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim em 30-12-1960, QQQQ declarou vender a RRRR casado com SSSS que declarou comprar uma morada de casas térreas no Lugar ... e freguesia ..., a confrontar do Norte com TTTT, do Sul com UUUU, do Nascente com estrada municipal e do Poente com o areal, prédio que faz parte das descrições n.ºs ... a ..., no livro B quarto da Conservatória do Registo Predial (documento de fls. 216 e ss. que se dá aqui por integralmente reproduzido) (alínea N da especificação).
14) Por sentença do Julgado da Póvoa de Varzim de 10 de dezembro de 1866 foi julgada procedente a ação justificativa intentada pela Administração Geral da Sereníssima Casa Estado de Bragança contra a Câmara Municipal ..., por não ter sido a prova contraditada, tendo sido peticionado a justificação de que a Sereníssima Casa e Estado de Bragança é senhora e possuidora dos terrenos que existam divisados e demarcados nas freguesias de ..., CC e ... e que a demarcação destes terrenos consiste na divisão com marcos com o escudo das armas ... na frente que é distintivo bem saliente do domínio e posse da Sereníssima Casa de Bragança – documento de fls. 76 a 108, inclusive, o qual se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais (alínea O da especificação).
15) CC, em 07-10-1980, solicitou à Marinha - Comissão do Domínio Público Marítimo a delimitação com o domínio público marítimo de sete prédios rústicos sitos no Concelho ..., entre esta cidade e a povoação de ... que correu termos com o n.º de processo 3671/81, tendo-se concluído em parecer, entre outras, as seguintes conclusões: O requerente tem legitimidade para requerer a delimitação com o domínio público marítimo dos terrenos constantes das descrições prediais n.ºs ... a ... da Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim e produziu prova suficiente de que estes terrenos estão na posse privada desde data anterior a 31 de dezembro de 1964. O auto de delimitação foi publicado no DR, III Série, de 13-01-1984 – documento de fls. 51 a 63 e documento de fls. 109 a 116, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais (alínea P da especificação).
16) Por escritura pública de partilha outorgada no dia 11-06-1970 na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, Primeiro Cartório, VVVV e mulher WWWW, como primeiros outorgantes, e CC e mulher DD, segundos outorgantes, XXXX, como terceiro outorgante e na qualidade de procurador de YYYY e marido ZZZZ, EEEE, como quarta outorgante, declararam que no dia 25-01-1947 faleceu KK, o qual não deixou testamento e sucederam-lhe como herdeiros legítimos, os filhos VVVV, CC, YYYY e AAAAA, este último falecido, sem deixar testamento e sem descendentes. Mais declararam que no inventário obrigatório que correu termos por morte de KK não foi, por lapso, incluída metade indivisa dos prédios dos prédios que se vão descrever adiante sob os números um a sete, metade essa que era própria do inventariado. Mais declararam que no dia 13-09-1962 faleceu LL e que como herdeiros legítimos sucederam-lhe VVVV, CC e YYYY e que na partilha por óbito da mencionada LL não foi por lapso incluída a restante metade indivisa dos prédios que se vão descrever adiante sob os números um a sete:
Número um - Terreno inculto ou de areia (...) prédio que faz parte da descrição número três mil cento e vinte e dois, no Livro B quarto, cópia, da Conservatória do Registo Predial deste Concelho (...).
Número dois - ... (...) prédio que faz parte da descrição número três mil cento e vinte e dois, no Livro B quarto, cópia, da citada Conservatória (...).
Número três - Terreno inculto ou de areia (...), prédio que faz parte da descrição número três mil cento e vinte e dois (…).
Número quatro - Terreno inculto ou de areia (...) prédio que constitui a parte restante da descrição número três mil cento e vinte e dois (...).
Número cinco - Terreno inculto ou de areia (...) descrito na Conservatória sob o número três mil cento e vinte e cinco (...).
Número seis - Terreno inculto ou de areia (...) prédio descrito na citada conservatória sob o número três mil cento e vinte e seis (...).
Número sete - Terreno inculto ou de areia (...) prédio descrito na citada Conservatória sob o número três mil cento e vinte e sete (...).
Tais prédios ficam adjudicados ao interessado (outorgante) CC (...). – documento de fls. 64 a 75, inclusive, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea Q da especificação).
17) O foro a que se faz referência no item E foi posteriormente remido - certidões de fls. 287 a 299 cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais - e após a remissão do mesmo os sucessivos proprietários das descrições ... a ..., fizeram vendas de diversas parcelas de terreno que foram desanexadas daquelas mesmas descrições (alínea R da especificação).
18) Do prédio n.º ..., em agosto de 1971, desanexaram-se os prédios n.ºs ..., ..., ... e ...; do prédio n.º ..., em agosto de 1971, foi desanexado o prédio n.º ...; do prédio n.º ..., em agosto de 1971, foi desanexado o prédio n.º ...; e do prédio n.º ..., em agosto de 1971, foi desanexado o prédio n.º ... – documentos de fls. 289, 293, 294 e 295, cujo teor se dá aqui por reproduzido (alínea S da especificação).
19) Por escritura de 13 de maio de 1981, outorgada na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, CC vendeu a CCC as parcelas de terreno descritas na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob os n.ºs ..., ... e ... – documento de fls. 309 a 312, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea T da especificação).
20) Por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 25-01-1988, na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, CCC e mulher BBBBB, como primeiros outorgantes declararam que vendem à sociedade representada pelos segundos outorgantes M..., Limitada, e pelo preço de quarenta mil contos, os seguintes prédios:
Um: prédio rústico constituído por areal, no Lugar ... (...) descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número ..., no Livro B quarenta e quatro (...);
Dois: prédio rústico constituído por um terreno inculto ou de areia (...) descrito na indicada Conservatória sob o número ... do Livro B quarenta e quatro (...);
Três: prédio rústico constituído por terreno inculto ou de areia (...) descrito naquela Conservatória sob o número ... (...); os prédios estão registados a favor dos vendedores pela inscrição número vinte e nove mil trezentos e seis no Livro G - trinta e nove (alínea U da especificação).
21) Os prédios identificados no item anterior (U) foram inscritos a favor da Ré M... Lda., através da inscrição n.º ..., do Livro ..., fls. 41, na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim (alínea V da especificação).
22) A Capitania do Porto da Póvoa de Varzim, não autoriza os banheiros a colocar quaisquer barracas nos terrenos em causa nos presentes autos, sem o prévio consentimento dos co- Réus CC e M... (alínea X da especificação).
23) Nos anos de 1956 e 1957, a Repartição de Finanças da Póvoa de Varzim, procedeu à reorganização das matrizes prediais rústicas na área do Concelho ..., e os louvados encarregados da referida tarefa identificaram e inscreveram na matriz predial rústica das freguesia ... e ..., os prédios a que correspondem os arts. ... (...) e arts. ... (...) e, como pertencentes aos herdeiros do Dr. CCCCC e KK (alínea Z da especificação).
24) Em 1984, a Assembleia de freguesia ..., na sua reunião de 26-10, convocada para se pronunciar sobre um projecto de licenciamento apresentado por CC para urbanização dos prédios descritos sob os n.ºs ... a ..., votou a favor da urbanização (alínea AA da especificação).
25) Pelo alvará de licenciamento de loteamento urbano n.º .../88, emitido pela Câmara Municipal ..., no dia 02-11-1988, foi autorizada a constituição de 20 lotes nos terrenos sitos no Lugar ..., ... e ..., descritos na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob os n.ºs ..., ... e ..., e inscritos na matriz rústica sob os arts. ..., ... e ... da freguesia ..., tendo o mesmo sido publicado no Diário da República, III Série, de 06-01-1989 (alínea BB da especificação).
26) Em consequência deste alvará a Ré/Reconvinte M..., por escritura de 17-06-1988, outorgada no Notário ... da Póvoa de Varzim, cedeu ao Município da Póvoa de Varzim 25.995 metros quadrados do terreno para arruamentos, passeios e estacionamento e registou em seu nome os vinte lotes de terreno como prédios urbanos os quais são parte e foram desanexados dos prédios inscritos na matriz rústica da freguesia ... sob os arts. ..., ... e ..., e foram desanexados do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º ..../....., inscrito a favor de M... pela inscrição G-l, o qual compreende e corresponde ao conjunto dos prédios que foram descritos na mesma Conservatória sob os n.ºs ..., ... e ... – documento de fls. 159 a 202, inclusive, dos autos n.º 1656/94, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais (alínea CC da especificação).
27) Por escritura de permuta outorgada no dia 06-03-1989, na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, a Ré/reconvinte M... cedeu ao Estado Português o lote n.º 18 com a área de 258 m2, sito no Lugar ... ou ..., da freguesia ..., tendo recebido em troca o prédio denominado Posto Fiscal de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º ... – documento de fls. 204 e ss. dos autos n.º 1656/94, o qual se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais (alínea DD da especificação).
28) Sob o n.º ... do Livro ... da Conservatória do Registo Predial ... de Varzim, encontra-se descrito um prédio rústico sito no Lugar ..., freguesia ..., constituído por terreno inculto ou de areia, com a área de 8.400 m2, que confronta de nascente com caminho público, do norte com carreira de tiro e caminho, do poente e sul com terreno do Ministério da Marinha, que foi desanexado da descrição n.º ...; tal imóvel está, também, atualmente descrito na Conservatória do Registo Civil da Póvoa de Varzim sob o n.º ..../.....; e encontra-se inscrito a favor de CC, por adjudicação em partilha de KK e LL.
29) Sob o n.º ... do Livro ... da Conservatória do Registo Predial ... de Varzim, encontra-se descrito um prédio rústico sito no Lugar ..., freguesia ..., constituído por terreno inculto ou de areia, com a área de 9.700 m2, que confronta de nascente com FF e GG e outros, do norte com rego de água do ..., do poente com a linha das marés vivas e do sul com ..., que foi desanexado da descrição n.º ...; tal imóvel está, também, atualmente descrito na Conservatória do Registo Civil da Póvoa de Varzim sob o n.º ...../20...; e encontra-se inscrito a favor de CC, por adjudicação em partilha de KK e LL.
30) Sob o n.º ... do Livro ... da Conservatória do Registo Predial ... de Varzim, encontra-se descrito um prédio rústico sito no Lugar ..., freguesia ..., constituído por terreno inculto ou de areia, com a área de 21.600 m2, e que confronta de nascente com HH e com herdeiros de II e outros, do norte com regato dos ..., do poente com a linha das marés vivas e do sul com rego do ..., que foi desanexado da descrição n.º ...; tal imóvel está, também, atualmente descrito na Conservatória do Registo Civil da Póvoa de Varzim sob o n.º ...../20...; e encontra-se inscrito a favor de CC, por adjudicação em partilha de KK e LL.
31) Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 25-09-1996, o Município da Póvoa de Varzim adquiriu a CC uma parcela de terreno situada no Lugar ... na Póvoa de Varzim, com a área de 12.427 m2, a confrontar do norte com herdeiros de EE, do sul com ..., de nascente com estrada municipal e do poente com a parte restante do prédio, desanexada do imóvel inscrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa do Varzim sob o n.º ..., e destinada a domínio público de circulação municipal.
32) Em 02-05-2001, no processo n.º 111/96 (ao qual corresponde, atualmente, o n.º 2154/07.6TBPVZ-G), foi proferida sentença, já transitada em julgado, pela qual foi decidido «julgar procedente a presente acção, intentada por AA e BB contra o Estado Português e, consequentemente, condena-se o Réu no reconhecimento de que às populações da freguesia ... pertencem, em propriedade comum, as praias de ..., desde as piscinas ... até junto da ..., a que se referem as descrições prediais n.ºs ... a ... e a abster-se de praticar actos que ofendam os direitos dessas populações».
33) Em 15-12-2003, foi proferida sentença, já transitada em julgado, homologando a desistência do pedido formulado pela Freguesia ... no processo n.º ... (atualmente tramitado sob o n.º 2154/07.6TBPVZ-D).
34) A nascente da estrada municipal referida no item F da matéria de facto assente foram construídas casas junto à estrada (quesito 2.º).
35) Em alguns pontos a poente da estrada municipal referida no item F da matéria de facto assente foram construídas casas (quesito 3.º).
36) Parte dos terrenos constantes das descrições prediais n.ºs ... a ... são constituídos por areia (quesito 14.º).
37) As descrições prediais ..., antes da construção da estrada municipal, faceavam a praia a poente prolongavam-se para poente do local onde foi construída a estrada municipal (quesito 16.º).
38) Algumas das praias a que se refere o auto de delimitação - item P da matéria de facto assente - foram utilizadas pelas populações da beira- mar da freguesia ... aí secando sargaços, plantas e animais marinhos, para fertilização das suas terras (quesito 18.º);...
39) Ou para os venderem a terceiros auferindo o produto dessas vendas (quesito 19.º);...
40) …E aí arrumando os seus barcos e alfaias dos trabalhos do mar (quesito 20.º);...
41) …Em barracos que aí construíam para a sua recolha (quesito 21.º);...
42) …Bem como empilhavam aqueles produtos depois de secos (quesito 22.º);...
43) Os prédios referidos nas escrituras citadas nos itens H e J da matéria de facto assente estão situados entre a estrada municipal e o mar (quesito 29.º).
44) EE e mulher CCCC, que constam como compradores na escritura citada no item H da matéria de facto assente, são aí identificados como sendo «moradores no logar de ..., da freguesia ...» (quesito 30.º).
45) OOOO, que consta como comprador na escritura citada no item J da matéria de facto assente, é aí identificado como tendo residência na freguesia ... (quesito 30.º).
46) Após a delimitação com o domínio público os co-Réus CC e M..., anualmente, na época balnear - Junho, Julho, Agosto e Setembro - cedem a diversos banheiros a exploração de sectores determinados dos areais existentes nos prédios descritos sob os n.ºs ... a ... e provêm das descrições n.ºs ... a ... para a instalação de barracas da praia e sanitários (quesito 31.º).
47) Cada sector é explorado por um banheiro e em cada um deles são instaladas dezenas de barracas de praia (quesito 32.º).
48) Além disso, os mesmos Réus cedem a diferentes interessados pequenas áreas de terreno para a instalação provisória de barracas particulares de praia e barracas para vendas de gelados e bebidas (quesito 33.º).
49) Pela ocupação dos sectores das áreas de terreno mencionadas nos itens anteriores, os respectivos utentes pagam aos ditos co-Réus uma prestação em dinheiro (quesito 34.º).
50) Anualmente, e em diversas épocas do ano, diferentes companhias de circo instalam-se por curtos períodos de tempo (entre três e oito dias) nos terrenos de areal referidos e compreendidos entre a estrada municipal e o mar, mas só com o expresso consentimento dos co-Réus CC e M... (quesito 35.º).
51) O co-Réu CC procedeu à demolição de uns quartos de banho que, na década de 1980, a Câmara Municipal havia construído no lugar do ..., próximo das piscinas ... e no terreno de areia a poente da referida estrada ... - ..., e que faz parte do artigo matricial ..., da mesma freguesia ... (quesito 36.º).
52) Nas décadas de 1960 e 1970, o Eng. DDDDD realizou exploração de areias na ..., utilizando máquinas e veículos que, saindo da estrada municipal, entravam no terreno a que corresponde a descrição n.º ... (quesitos 37.º e 38.º).
53) O co-Réu CC proibiu aquele Eng. DDDDD de passar no terreno onde estava a extrair areias e, para impedir a repetição de tais atos, colocou, à entrada do terreno, junto à mesma estrada municipal, dois pilares de betão ligados por cadeado metálico (quesito 39.º).
54) No final da década de 1970, EEEEE construiu e manteve no terreno de areal correspondente à descrição n.º ... um barraco de madeira para venda de bebidas e petiscos (quesito 40.º).
55) Parte das C... existentes a norte das piscinas ... até ao rio ..., em ..., e de ambos os lados da estrada municipal, foram implantadas em terrenos que foram destacados da descrição n.º ... da Conservatória do Registo Predial ... (quesito 43.º).
56) Os RR/Reconvintes CC e M..., desde a década de 1970, sempre utilizaram os prédios descritos sob os n.ºs ... a ... nos termos supra referidos em 46) a 53) (quesito 47.º);…
57) …“Alienando-os” parcial ou totalmente, “onerosa ou gratuitamente” (quesito 48.º);…
58) …Bem como transformando-os em “prédios urbanos” (quesito 49.º);…
59) …Praticando todos estes atos até hoje de forma “contínua” e “ininterrupta” (quesito 51.º);...
60) …Com o conhecimento de todas as pessoas da freguesia da situação dos terrenos e das freguesias vizinhas (quesito 52.º);...
61) …Com o ânimo de estarem a exercer um “direito próprio” (quesito 53.º);...
62) …Na convicção de não lesarem direito de outrem (quesito 54.º);...
63) …E sendo reconhecidos “como donos” dos mesmos prédios por todas as pessoas e entidades públicas e particulares (quesito 55.º).
64) O prédio anteriormente descrito sob o n.º ... e inscrito na matriz rústica n.º ... encontra-se junto ao rio ... e junto à estrada municipal e parte desse prédio apresentava uma quota inferior e um desnível de um a dois metros em relação à estrada municipal (quesito 58.º).
65) A parte desnivelada do prédio anteriormente descrito sob o n.º ... e inscrito na matriz rústica n.º ... foi entulhada e foi regularizado o leito do rio, tendo a zona entulhada ficado ao nível da estrada municipal (quesitos 60.º, 61.º e 63.º).
66) O citado rio ... é uma corrente de água não navegável e nem flutuável (quesito 69.º).».
E resultaram não provados:
«67) A estrada municipal referida no item F da matéria de facto assente foi construída sobre o areal das praias de ..., dividindo essas praias ao meio, no sentido Norte - Sul (quesito 1.º).
68) Sem prejuízo para o supra referido em 34), com a construção dessa mesma estrada ficaram “desafectados” da praia os areais a Nascente da mesma, os quais foram sendo ocupados por particulares os quais construíram casas junto da estrada (quesito 2.º).
69) A construção da referida estrada assentou numa “caixa de entulho” para que desse consistência ao piso - de forma a que não se enterrasse na areia solta da praia - o que fez subir o nível da estrada (quesito 4.º).
70) Tal alteamento era superior a um ou dois metros (quesito 5.º).
71) Tal desnível foi desaparecendo por causa do “entulhamento” que era feito para assentamento das construções marginais à estrada (quesito 6.º).
72) Do lado da praia, entretanto, as areias que eram arrastadas pela força das águas iam formando uma rampa na praia até ao nível desses obstáculos fazendo subir as cotas de nível e disfarçando aquele alteamento (quesito 7.º).
73) Antes da construção da estrada municipal, o mar espraiava-se para nascente do lugar onde a mesma se encontra na época das marés equinociais, em condições médias de agitação do mar (quesito 8.º).
74) Todavia o alteamento das cotas de nível referidos supra provocaram um recuo da linha do alcance do espraiamento das águas das marés (quesito 9.º).
75) Os terrenos a que se referem as descrições ... a ..., depois da construção da estrada municipal, ficavam para nascente dessa mesma estrada municipal (quesito 10.º).
76) As praias a poente da estrada municipal não eram aptas à plantação de pinheiros mesmo na baixa-mar (quesito 11.º).
77) A delimitação referida no item P da matéria de facto assente foi realizada sem averiguação no local dos pontos do real alcance das marés vivas equinociais (quesito 12.º).
78) Os marcos colocados aquando dessa delimitação foram colocados tão próximo da linha de água que nas primeiras marés altas foram levados pelo mar (quesito 13.º).
79) Sem prejuízo para o supra referido em 36), os terrenos constantes das descrições prediais n.ºs ... a ... são constituídos por areia e por isso têm a “natureza” de praia (quesito 14.º);...
80) …E são leito do mar situando-se aquém da linha de espraiamento das águas nas marés vivas dos equinócios (quesito 15.º).
81) Na escritura referida no item I da matéria de facto assente (1925), no que concerne à verba trinta, era à estrada municipal que se fazia referência como confrontação pelo poente (quesito 17.º).
82) As populações da beira-mar da freguesia ... e os intervenientes PP e QQ praticaram os atos referidos em 38) a 42) em comum repartindo entre eles áreas, as quais eram “mutuamente” respeitadas, para a secagem de sargaços e de outros produtos que colhem do mar (quesitos 23.º e 25.º-A).
83) Tais praias ou terrenos foram “sempre” consideradas pelas populações da beira-mar da freguesia ... e pelos intervenientes PP e QQ “bem comum” das populações ribeirinhas da freguesia (matéria quesitos 24.º e 25.º-A);...
84) …Assim se procedendo “desde tempos imemoriais” e muito antes de 1864 de forma “contínua”, à vista de toda a gente, sem que alguém se opusesse e “convictos” de “exercerem” um “direito que a todos em comum pertence” e de não lesarem direitos de outrem (quesitos 25.º e 25.º-A).
85) A utilização pelas pessoas mais humildes dos prédios descritos sob os n.ºs ... a ..., nas épocas próprias para a secagem do sargaço, era e é tolerada, por mero favor, pelos RR/Reconvintes CC e M... (quesito 50.º).
86) O termo da Vila de Barcelos incluía, em 1423, entre os terrenos das freguesias que atualmente compreendem os concelhos ... e de Vila do Conde, os terrenos a que atualmente correspondem as descrições ... a ... da Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim (quesito 26.º).
87) Tais descrições compreendem atualmente parte dos prédios que foram aforados pela escritura de 02-03-1868 referida no item E da matéria de facto assente (quesito 27.º).
88) Nas terras referidas na sentença de justificação referida no item O da matéria de facto assente estavam incluídos os terrenos a que hoje correspondem as descrições ... a ... (quesito 28.º).
89) Sem prejuízo para o referido em 44) e 45), os compradores que constam das escrituras citadas nos itens H e J da matéria de facto assente residiam na freguesia ... (quesito 30.º).
90) Sem prejuízo para o referido em 54), no fim da década de 1970, o co-Réu CC, “gratuitamente e por mero favor”, consentiu que, EEEEE construísse e mantivesse no terreno de areal correspondente à descrição n.º ... um barraco de madeira para venda de bebidas e petiscos (quesito 40.º).
91) Os louvados referidos no item Z da matéria de facto assente procederam a tal tarefa de identificação através de informações obtidas junto das pessoas residentes no local, e sem intervenção do Réu CC e/ou de quaisquer interessados nas heranças dos Dr. CCCCC e de KK (quesito 41.º).
92) A estrada que liga a Póvoa de Varzim a ... foi construída sobre os areais que faziam parte dos prédios descritos na Conservatória de Vila do Conde sob os n.ºs ... a ... (quesito 42.º).
93) No final da década de 1970, os melhores e maiores apartamentos da Póvoa de Varzim, com frente para o mar, vendiam-se a preços inferiores a 1.500.000$00 (quesito 44.º).
94) E nos anos 60 e na primeira metade da década de 70 do século XX ninguém procurava terrenos em ..., para construir, com excepção dos habitantes da localidade (quesito 45.º).
95) Os marcos com o escudo das armas da Real Casa de Bragança referidos nos itens E e O da matéria de facto assente foram desaparecendo dos locais onde estavam implantados, como consequência natural da sub-divisão e transformação dos prédios, operadas ao longo de mais de um século (quesito 46.º).
96) O campo de jogos construído pela Junta de Freguesia ... constitui uma parcela de terreno que fazia parte da descrição n.º ... (quesito 56.º).
97) O qual, em virtude da anexação e desanexação referida no item CC da matéria de facto assente, compreende atualmente a parte sobrante do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º ..../..... (quesito 57.º).
98) O prédio descrito sob o n.º ... e inscrito na matriz rústica n.º ... era regularmente alagado pelas águas do rio ... que, no local, subiam e desciam por influência das marés e, portanto, insuscetível de utilização (quesito 59.º).
99) O anterior proprietário CCC, nos anos de 1981 a 1983, numa ação conjunta com o proprietário do terreno situado a Norte e do terreno fronteiro situado do outro lado do rio, ocupou com obras de aterro e drenagem das respetivas águas pluviais, a parte do prédio descrito sob o n.º ..., compreendido entre o Café ..., a Estrada Municipal ... e o rio ..., que tem uma área de 5000 m2 (quesito 60.º);...
100) …E procedeu também à regularização do leito do rio, nesse local, fazendo-o coincidir com o seu leito natural (quesito 61.º).
101) Para o efeito a Ré/Reconvinte M... e os referidos proprietários depositaram nesses terrenos vários camiões e tratores de terra e entulho (quesito 62.º).
102) E colocaram deste modo, ao nível da Estrada Municipal ... a parte do prédio descrito sob o n.º ..., compreendido entre o Café ..., a Estrada Municipal ... e o rio ..., com uma área de 5000 m2 (quesito 63.º).
103) Além do mais, o anterior proprietário CCC e o proprietário do terreno situado a Norte e do terreno fronteiro situado do outro lado do rio fizeram a drenagem das águas pluviais daqueles terrenos, neles instalando um coletor de esgotos de cimento com o diâmetro interno de 80 cms e numa extensão de 170 m (quesito 64.º);...
104) …E construíram cinco caixas de receção e derivação de águas pluviais em toda a extensão do colector (quesito 65.º).
105) Quando essas obras ficaram concluídas várias pessoas da freguesia ... começaram a realizar desafios de futebol e outros jogos na área de aterro situada imediatamente a Norte do Café ... na parte do terreno que à data estava inscrito a favor de CCC - descrição ... (quesito 66.º).
106) Entretanto, formou-se a Associação Desportiva, Cultural e Recreativa .... e, só depois das obras referidas nos artigos anteriores, é que a Junta de Freguesia ... construiu o campo de jogos referido no quesito 56.º da base instrutória (quesito 67.º);…
107) …Regularizando o pavimento respetivo e colocando balizas próprias para a prática do futebol (quesito 68.º).
108) O citado Rio ... é uma corrente de água sem qualquer caudal na época de estio (quesito 69.º).
109) As obras referidas nos quesitos 60.º a 65.º da base instrutória foram levadas a cabo a expensas das pessoas aí referidas nomeadamente de CCC (quesito 70.º);…
110) …À luz do dia e à vista de toda a gente (quesito 71.º);...
111) …Com ânimo de estar a exercer um “direito próprio” e convicto de não lesar direitos de outrem (quesito 72.º);...
112) …Com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia da situação do terreno (quesito 73.º);...
113) …E sem oposição de ninguém (quesito 74.º).
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2.2). Da apreciação dos recursos.
A). Da inadmissibilidade de recursos.
Uma vez que se perspetiva que, atento o volume de requerimentos e questões regularmente suscitadas nos autos ao longo destes quase trinta anos de pendência dos autos, se perspetiva, com elevado grau de segurança, que qualquer decisão singular que seja proferida potencialmente irá provocar um pedido de prolação de Acórdão, as questões relativas à admissão de recursos serão decididas de modo colegial (neste sentido, Ac. do S. T. J. de 09/12/2021, processo n.º 2743/17.0T8GMR-D.G1.S1, www.dgsi.pt).
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A1). Recursos incidentes sobre «inúmeros requerimentos de notificações dos R e da cessionária Câmara Municipal e da A. T. para junção de documentos, ou informações em seu poder e tomada de declarações de parte.» - nosso sublinhado.
O recorrente menciona doutamente que foram proferidos despachos a indeferir meios de prova. Na nossa opinião, porventura incorreta na perspetiva do mesmo recorrente, pensamos que recurso visa que se conclua que o indeferimento desses meios de prova foi ilegal por estarem preenchidos os pressupostos, mormente sendo nulos.
São os seguintes os despachos em causa:
a). despacho de 15/06/2018 (indeferiu tomada de declarações de parte), notificado na mesma data (sessão de audiência de julgamento);
b). despacho de 21/05/2019 (indeferimento de junção de relação de bens), notificado em 22/05/2019);
c). despacho de 09/09/2019 (indeferimento de notificação de Autoridade Tributária para junção de certidão de relação de bens), notificado em 13/09/2019; após requerimento de nulidade do despacho em 19/09/2019, a mesma foi indeferida em 09/10/2019, notificado esse despacho no mesmo dia (ata de sessão de julgamento);
d). despacho de 09/10/2019 (indeferiu notificação de Réus e Câmara Municipal para juntarem documentos), notificado na mesma data (ata de sessão de julgamento);
e). despacho de 27/01/2020 (pedido a cabeça-de-casal para indicar alguns bens de herança, notificação de Réus e Autoridade Tributária), notificado no mesmo dia (ata de sessão de julgamento); o recorrente arguiu nulidades, indeferidas por despacho de 22/06/2021 (onde se indeferiu pedido de utilidade para os autos de informações pedidas à Autoridade Tributária e que esta indeferiu), notificado na mesma data;
despacho de 02/05/2018 – referindo-se no recurso que o despacho admitiu a junção de fotografias, não se deteta discordância pelo que se entende que não há oposição a este despacho;
f). despacho de 27/01/2020 (indeferimento de notificação de Réus e Autoridade tributária), notificado no mesmo dia (ata de sessão de julgamento).
São estes os despachos de que, se bem entendemos, o recorrente discorda e recorre.
Todos eles são de rejeitar por serem extemporâneos, atentas as datas em que foram proferidos e notificados e data de interposição de recurso (03/11/2021) seja pelo disposto nos artigos 644.º, n.º 2, d), 638.º, n.º 1, 2.ª parte- rejeição de meios de prova -, seja pelo disposto no artigo 638.º, n.º 1, 1.ª parte (recurso de decisão que indefere nulidade, ambos do C. P. C./novo, ex vi artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26/06).
Pelo exposto, rejeitam-se os apontados recursos, nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, b) e 655.º, do C. P. C..
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A2). Nulidade de auto de inspeção.
O recorrente, em 30/01/2021, veio arguir a nulidade do auto de inspeção por não constarem do mesmo os factos observados pelo julgador.
No mesmo despacho de 22/06/2021 acima referido, foi indeferida a arguição de nulidade da inspeção judicial, notificado na mesma data.
Aí se referiu: «indefere-se a arguida nulidade relativa ao auto de inspeção, por ser extemporânea tal arguição (art. 199.º, n.º 1, primeira parte, do Código de Processo Civil), porquanto a I. Mandatária da Assembleia da Comunidade de Compartes do Baldio das Praias de ... esteve presente na diligência ocorrida no dia 19-01-2021 e não arguiu qualquer nulidade antes de terminar a diligência. Sublinhe-se que nessa diligência o juiz foi a todos os sítios que os I. Mandatários, incluindo a I. Mandatária da Assembleia da Comunidade de Compartes do Baldio das Praias de ..., indicaram; e que ficou claro, por um lado, que do auto apenas iriam ficar a constar as fotografias que foram tiradas pelo juiz da causa e que, por outro lado, a inspeção judicial terminou nesse dia 19-01-2021, pois, terminada a inspeção judicial, por acordo com todos os I. Mandatários, incluindo a I. Mandatária da Assembleia da Comunidade de Compartes do Baldio das Praias de ..., foi proferido despacho designando data para a continuação da audiência, a fim de serem proferidas alegações.».
Na nossa opinião, não foi elaborado auto de inspeção; na ata da sessão de julgamento do dia 19/01/2021 não consta qualquer auto de inspeção, havendo apenas a referência a que, aberta a audiência o tribunal deslocou-se ao local, realizando-se inspeção ao local, tendo o juiz determinado que fosse efetuado registo fotográfico de parte do local em discussão neste processo, ficando tais fotografias a constar dos autos.
Não consta da ata o mencionado auto de inspeção nem que este se reconduzisse a uma junção de fotografias. O que consta é que iriam ser juntas ao processo fotografias tiradas nessa inspeção mas não se menciona que o auto se limitasse a essas fotografias (fazendo com que a possibilidade de se juntarem fotografias prevista no artigo 493.º, do C. P. C. se transmutasse no próprio auto algo que, além de não ser o que resulta que legalmente deve ser efetuado, no caso não foi o que se determinou).
Assim, no momento em que se realiza a diligência tem de se realizar o mencionado auto onde o juiz declara o que viu/percecionou; pode eventualmente ser elaborado posteriormente, tendo, nesse caso, de o auto de ser notificado às partes para eventualmente arguírem alguma questão).
Ora, não tendo sido elaborado o auto e não constando da ata qualquer referência à justificação da sua não realização, tinha o recorrente/Autor de alegar nessa mesma sessão/diligência a respetiva nulidade secundária, conforme artigos 195.º, n.º 1 e 199.º, do C. P. C. (Lebre de Freitas, Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição, I, página 390). Nessa mesma sessão, face ao que consta da ata, a mandatária da recorrente apercebeu-se (ou tinha de se aperceber) que sem motivo não se elaborava o dito auto e por isso tinha de arguir a dita nulidade.
Não o fez, alegando a nulidade em 30/01/2021, pressupondo que foi notificado de um auto de inspeção que, como mencionamos, não existe, pelo que efetivamente foi extemporânea a arguição, estando assim correta a decisão do tribunal ao indeferir a alegação.
Pelo exposto, improcede esta parte do recurso, confirmando-se a decisão.
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Se eventualmente se constatar, ao analisar a matéria de facto, que a falta do auto acarreta alguma consequência na decisão a tomar por este coletivo, então aferir-se-á da solução a encontrar.
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A3). Despacho de 03/10/2018 (suspendeu instância por óbito de interveniente QQ).
Foi arguida a nulidade do despacho que foi indeferida por despacho de 15/11/2018, notificado em 26/11/2018.
Vejamos.
O recurso do despacho que suspendia a instância tinha de ser interposto em 15 dias – artigo 644.º, n.º 2, c), do C. P. C. o que não sucedeu.
Indeferida a arguida nulidade, não sendo o recurso sobre tal decisão uma apelação autónoma, teria que ser questionada essa decisão com o recurso a interpor da decisão proferida no competente apenso que julgava procedente a habilitação por morte da pessoa em questão – artigo 644.º, nºs. 1 e 3, do C. P. C., o que não sucedeu pois não foi interposto recurso dessa decisão. Assim, é igualmente extemporâneo este recurso – artigo 638.º, n.º 1, 1.ª parte, do C. P. C., ex vi artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26/06 -.
Pelo exposto, rejeita-se o apontado recurso, nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, b) e 655.º, do C. P. C..
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B). Da alteração da matéria de facto.
B1). Factos provados 24 a 27 e uso anormal de processo.
O recorrente pretende que se alterem as alíneas AA, BB, CC e DD dos factos (anterior especificação) alegando que ocorreu uso anormal do processo no que respeita ao n.º 1656/94 em que foi Autora a Freguesia ....
Refere que a Autora desistiu do pedido, subsistindo as reconvenções, mencionando-se factos reportados a loteamento requerido por CC, inscrição em registo predial de aquisições de parcelas de praia pelos Réus CC e M..., factos que ficaram inseridos nas ditas alíneas como assentes.
Os factos em questão – nºs. 24 a 27 – reproduzem o que está vertido em documentos pelo que não é a circunstância de terem sido admitidos por acordo por falta de contestação que poderia fazer alterar a sua redação ou considera-los não provados mas antes não encontrarem correspondência com o que consta nos documentos.
O facto 24 (AA) reporta-se ao documento 17 junto com a ação interposta pela freguesia, conforme consta no artigo 36.º, da contestação «M... …», o 25 (BB) tem por base o documento n.º 18 ali junto e os 26 e 27 os referidos nos próprios factos.
Lendo o teor dos documentos, não se deteta qualquer discrepância entre o que se exarou nos pontos 24 a 27 e o que consta dos documentos.
Assim, não vemos motivo para alterar a redação destes factos; acresce que não há qualquer uso anormal de processo ao alegarem-se factos num processo que vem a ser apenso e depois estes são considerados provados, mesmo que por eventual falta de contestação. As regras de apensação e condensação podem conduzir a que os factos alegados num processo possam ser considerados provados.
Outra situação é detetar-se algum tipo de abuso de direito ao interpor-se uma ação por modo a que se obtenha a prova de factos por uma atuação concertada do Réu, algo que a existir será apreciada em sede de fundamentação de direito.
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B2). Facto 37.
As descrições prediais ..., antes da construção da estrada municipal, faceavam a praia a poente prolongavam-se para poente do local onde foi construída a estrada municipal.
O recorrente menciona que o tribunal trocou um ponto cardeal, reportando-se a que as descrições prediais em causa, antes da construção da estrada, prolongavam-se para nascente do local onde foi construída a mesma estrada; o tribunal dá como provado que esses terrenos confrontavam a poente com a praia e se prolongavam para poente do local onde está a estrada.
À primeira vista, afigura-se-nos que algo poderá não estar correto pois se um terreno confronta a poente com uma praia, não vemos como se pode prolongar mais para poente.
Depois, é preciso atentar, como se alegou na reclamação à matéria de facto assente em 06/10/2005, fls. 1172, que as partes estão de acordo que a estrada municipal em questão foi construída sobre a praia – o artigo 73.º da contestação - fls. 160 verso -, é expresso nesse sentido.
E o que foi alegado pelos Autores foi que a praia se prolongava para nascente do local onde foi construída a estrada (artigo 43.º, da petição inicial, fls. 4).
Portanto, o que está no facto 37 não reproduz o que foi alegado, visando-se apurar que a praia, antes da construção da estrada (que ocorreu construída sobre a mesma praia) passava para nascente do local onde surgiu a estrada e não que os terrenos daquelas descrições prediais passavam para nascente.
Esta é uma questão que efetivamente não está bem retratada no facto que deve então manter a parte de que As descrições prediais ..., antes da construção da estrada municipal, faceavam a praia a poente.
A parte restante não se esgota num lapso ao escrever-se o quesito nem em colocar poente onde estava nascente. O que está em causa é apurar se a praia se prolongava para nascente do local onde a estrada foi construída; ora sobre esta matéria o tribunal foi claro ao referir que o seu entendimento não era esse, contradizendo o depoimento escrito de FFFFF por este partir do pressuposto de que a praia se prolongava para nascente o que não foi demonstrado (motivação a este facto).
A comprovar esse entendimento do tribunal, temos a não prova de que a construção da estrada tenha feito desafetar areais a nascente – facto não provado 68 – (2.º facto não provado -).
Assim, o que neste momento mencionamos é que a primeira parte do facto 37 se mantém como referimos, a segunda parte (que inclui um lapso, não no ponto cardeal mas em considerar que eram os terceiros, que se prolongavam para nascente quando o que se alegou era se a praia se prolongava para nascente), só se no decurso do recurso surgir alguma alegação que demonstre que havia esse prolongamento da praia para nascente é que será acrescentada essa matéria. Na verdade, neste momento do recurso, não se alega qualquer outra situação, para além da troca de um ponto cardeal, que possa fazer concluir se ocorria ou não esse prolongamento.
Caso não haja mais qualquer alegação que nos faça concluir nalgum sentido, o facto 37 manter-se-á unicamente com a primeira parte, eliminando-se a segunda parte.
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Facto provado 18.
Neste ponto o tribunal menciona que do prédio descrito sob o n.º 3 122, se realizaram desanexações que dão origem a outras descrições, tudo conforme documentos para o de se remete (anterior alínea S), da especificação).
O recorrente pretende que onde se escreveu «desanexaram-se» se escreva «foram declarados desanexados» pois a primeira já seria uma expressão que dava como provado que tinha havido uma desanexação.
Não tem razão pois o que se constata dos documentos foi o registo de uma desanexação e não a declaração de uma mesma desanexação. Para efeitos de registo, ocorreu a desanexação; se a mesma é real ou se os bens em causa (originais e/ou desanexados) correspondem às pretensões das partes, tal é outra questão que extravasa o que se deu como assente e resulta comprovado pelos registos em causa.
Improcede assim esta argumentação.
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Facto 16.
O recorrente não suscita qualquer reparo à descrição deste facto, e bem, pois «apenas» reproduz o teor de um documento – partilha adicional de 11/06/1970 (alínea Q, da especificação -).
O que menciona é que face à prova que se exarou no facto 56 – os Réus reconvintes CC e «M... …» desde a década de 1970 que sempre usaram os prédios descritos sob os nºs. ... a ..., retira crédito ao que foi declarado naquela partilha (a partilha incidia sobre bens que já deviam ter sido partilhados antes e que só por lapso o não tinham sido) e, por isso, o registo é nulo por ser falsa a escritura.
Mas esta afirmação não é base para impugnação de facto mas sim para análise jurídica o que, se disso for caso, se fará.
Nada a referir quanto a este ponto.
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No ponto 11.1, sob a epígrafe «outros documentos», o recorrente expende douta análise de documentos do século XVIII, XVI, XX, que não teriam sido analisados e que, por isso, fundamentou a resposta negativa aos factos 23 a 25-A.
Se se constar que há uma correta impugnação destes factos não provados, tal matéria será analisada.
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Pedido de alteração de matéria de facto.
Desde já se regista e ficamos cientes que o recorrente declarou que «porque em matéria de facto, o recurso não se fundamenta no teor dos depoimentos das testemunhas dos AA – corretamente retratados na fundamentação das respostasmas somente num juízo de parcialidade» (sic).
Daí que a apreciação da impugnação em causa terá por base tal premissa.
O recorrente alega que é inconstitucional o artigo 396.º, do C. C. quando interpretado no sentido de permitir que seja considerado parcial o depoimento de testemunha por pertencer à comunidade da parte que a indica, ou por ser familiar desta ou do seu mandatário.
O citado artigo 396.º estatui que «A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.». Temos assim que o depoimento de testemunhas está sujeito à livre apreciação do julgador, que o valorará tendo em conta todos os factos que abonam ou, pelo contrário, abalam a sua credibilidade, quer por afetarem a razão de ciência invocada pela testemunha, quer por diminuírem a fé que ela possa merecer, sempre em confronto com outras provas que possam existir.
Se o tribunal concluir que o depoimento de uma testemunha é parcial por estar demasiado relacionada, familiarmente ou por outro motivo, com a contenda, cumpre declará-lo e fundamentar o motivo por que não atribui crédito ao depoimento.
Com base nessa fundamentação se aquilatará da justeza desse juízo que, se for correto, em nada belisca o direito de acesso à justiça ou de igualdade pois aquela pressupõe uma decisão justa e esta que todas as situações que são iguais sejam tratadas de forma igual o que, numa situação em que há testemunhas parciais, faz com que não possa ser justa a decisão que se sustenta em tal tipo de depoimento, nem este pode ser valorado de igual modo a um depoimento isento.
Se for incorreto, o que sucede é que o tribunal errou no julgamento, o que dá origem a uma eventual possibilidade de correção em sede de recurso.
Não se efetuou uma interpretação errada daqueles princípios constitucionais de igualdade e acesso à justiça, mas antes ocorreria uma errada aplicação casuística da interpretação que se faz dos artigos 13.º e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (C. R. P.) no sentido de, sem se privilegiar qualquer pessoa, se alcançar uma decisão justa e equitativa, e se tinha tomado como base uma premissa errada: a apontada parcialidade.
Assim, não vemos que exista a alegada inconstitucionalidade.
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Anulação das alíneas AA, BB, CC e DD.
Já nos reportamos a esta questão.
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Não provados os quesitos 31 a 35.
Estão em causa os factos provados nºs. 46 a 50 que têm a seguinte redação:
46) Após a delimitação com o domínio público os co-Réus CC e M..., anualmente, na época balnear - junho, julho, agosto e setembro - cedem a diversos banheiros a exploração de setores determinados dos areais existentes nos prédios descritos sob os n.ºs ... a ... e provêm das descrições n.ºs ... a ... para a instalação de barracas da praia e sanitários.
47) Cada setor é explorado por um banheiro e em cada um deles são instaladas dezenas de barracas de praia.
48) Além disso, os mesmos Réus cedem a diferentes interessados pequenas áreas de terreno para a instalação provisória de barracas particulares de praia e barracas para vendas de gelados e bebidas.
49) Pela ocupação dos setores das áreas de terreno mencionadas nos itens anteriores, os respetivos utentes pagam aos ditos co-Réus uma prestação em dinheiro.
50) Anualmente, e em diversas épocas do ano, diferentes companhias de circo instalam-se por curtos períodos de tempo (entre três e oito dias) nos terrenos de areal referidos e compreendidos entre a estrada municipal e o mar, mas só com o expresso consentimento dos co-Réus CC e M....
O recorrente alega que estes factos foram dados como provados tendo por base os requerimentos com as referências 23303194 a 23303448 e depoimentos de testemunhas indicadas na sentença, o que é correto; e depois menciona que tais documentos desmentes estes factos quanto ao reconvinte CC, o que se vê no requerimento dos Autores com referência 3808463.
Pensamos que, no fundo, o recorrente entende que não está junto aos autos qualquer requerimento dirigido à capitania para se poderem exercer atividades na praia por parte desses Réus/reconvintes.
Os requerimentos com as referências 23303194 a 23303448 (referência do próprio requerimento apresentado, sem indicação de data de entrada, que é 01/08/2016) reportam-se à permissão do uso de terrenos com praia, sempre emitidos pela Ré «M... …», sendo igualmente correto que não está junto qualquer documento relativo ao Réu CC.
Sucede que estes factos não são dados como provados unicamente com base em documentos mas também em depoimentos de testemunhas que o tribunal referiu que foram unânimes no sentido dado como provado. Como referimos, o recorrente não questiona o que as testemunhas disseram, questionando apenas o ter-se entendido que houve parcialidade de algumas, matéria que nestes factos em causa não é sequer invocada (alega-se que o depoimento da testemunha FFFFF foi prestado em 2007 e que estão desmentidos, mas não percebemos nem sequer o que se quer concluir, nem se menciona qualquer falha na ponderação das testemunhas pelo tribunal (note-se que já está provado que a capitania não autorizava os banheiros a colocar barracas nos terenos sem autorização também dos co-Réus CC ( facto 21).
Também no facto 20 se mencionam os terrenos adquiridos por «M... …» onde se incluem os nºs. ...,..., ......
Quanto à redação dos factos, se está em causa a soma de posses anteriores, não nos cabe alterar a mesma mas antes aferir, se tal for necessário, se há factos que permitam concluir por essa posse sucessiva como menciona o recorrente, aferição a efetuar na apreciação de direito.
Daí que não há motivo para alterar a resposta a estes factos, sustentados em prova testemunhal, pelo que improcede esta argumentação.
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Facto 51 (quesito 36.º).
O recorrente apenas alega que não encontra a fundamentação a este ponto; porém, a mesma encontra-se a seguir à fundamentação aos factos 46 a 50, começando por «a matéria verbalizada no quesito 36 foi considerada provada atendendo aos depoimentos …», pelo que nada mais temos a referir.
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Factos 56 a 63 (quesitos 47 49 e 51 a 55).
Os factos têm a seguinte redação:
56). Os RR/Reconvintes CC e M..., desde a década de 1970, sempre utilizaram os prédios descritos sob os n.ºs ... a ... nos termos supra referidos em 46) a 53) (quesito 47);
57) …“Alienando-os” parcial ou totalmente, “onerosa ou gratuitamente” (quesito 48);
58) …Bem como transformando-os em “prédios urbanos” (quesito 49);
59) …Praticando todos estes atos até hoje de forma “contínua” e “ininterrupta” (quesito 51);
60) …Com o conhecimento de todas as pessoas da freguesia da situação dos terrenos e das freguesias vizinhas (quesito 52);
61) …Com o ânimo de estarem a exercer um “direito próprio” (quesito 53);
62) …Na convicção de não lesarem direito de outrem (quesito 54);
63) …E sendo reconhecidos “como donos” dos mesmos prédios por todas as pessoas e entidades públicas e particulares (quesito 55).
O recorrente alega que:
. a fundamentação é nenhuma – não é correto, os factos estão fundamentados com base nos mesmos meios de prova reportados aos factos 46 a 54;
. alegação de utilização de uma coisa é um facto abstrato que não permite o contraditório. Pensamos que o recorrente pretenderá alegar que, não encerrando os factos uma realidade concreta, por ser demasiado vaga, não permite o exercício adequado do direito do contraditório por não se saber o que se há-de contradizer.
No caso, não sucede tal questão pois os factos estão concretizados atenta a remissão constante no facto 56.
. a referência à posse de carteirista nada relava para os autos em que alguém, devidamente titulado, transfere a propriedade de um bem, sujeito a controlo público de legitimidade;
. no mais, o recorrente repete o que já mencionou quanto aos anteriores factos, nada havendo assim a apreciar que não o tenha sido.
Improcede esta argumentação.
*
Factos provados:
38) Algumas das praias a que se refere o auto de delimitação - item P da matéria de facto assente - foram utilizadas pelas populações da beira- mar da freguesia ... aí secando sargaços, plantas e animais marinhos, para fertilização das suas terras (quesito 18);
39) Ou para os venderem a terceiros auferindo o produto dessas vendas (quesito 19);
40) …E aí arrumando os seus barcos e alfaias dos trabalhos do mar quesito 20);
41) …Em barracos que aí construíam para a sua recolha (quesito 21);
42) …Bem como empilhavam aqueles produtos depois de secos (quesito 22);
Facto não provado:
82): As populações da beira-mar da freguesia ... e os intervenientes PP e QQ praticaram os atos referidos em 38) a 42) em comum repartindo entre eles áreas, as quais eram “mutuamente” respeitadas, para a secagem de sargaços e de outros produtos que colhem do mar (quesitos 23 e 25-A).
83) Tais praias ou terrenos foram “sempre” consideradas pelas populações da beira-mar da freguesia ... e pelos intervenientes PP e QQ “bem comum” das populações ribeirinhas da freguesia (quesitos 24 e 25-A);...
84) …Assim se procedendo “desde tempos imemoriais” e muito antes de 1864 de forma “contínua”, à vista de toda a gente, sem que alguém se opusesse e “convictos” de “exercerem” um “direito que a todos em comum pertence” e de não lesarem direitos de outrem (quesitos 25 e 25-A).
O recorrente pretende que:
. os quesitos 18 a 25-A devem ter resposta de provados; esses factos, sob os nºs. 18 a 22 foram praticamente na íntegra dados como provados, com a exceção de uma referência a que parte das praias (e não todas) que são mencionadas no auto de delimitação referido em 15) eram utilizadas pela população.
Pensamos que o recorrente pretende que se dê como provado que todos os terrenos que se incluíram no pedido de delimitação de margem acima mencionado em 15) eram usados pela população e com o animus de propriedade sobre os mesmos terrenos.
Com o devido respeito, pensamos que, não estando em causa uma análise dos meios de prova de que dispunham os compartes mas antes dos que foram usados, podemos referir que:
. esteve bem o tribunal recorrido ao entender que a apanhada de sargaço não confere animus de proprietário, mas apenas vontade de fazer seu o referido elemento natural. Não há qualquer documento, recente ou antigo, de onde resulte que era conferida à população o direito ao uso do terreno enquanto tal, mas somente o uso do terreno para apanha daquelas algas.
Os forais que o recorrente menciona (ou outras ligações) nunca referem que a população era dona dos terrenos mas antes que os usavam para aquela atividade.
. a questão da nulidade da inspeção judicial já foi analisada;
. o animus retira-se da força dos factos que moldam o corpus sendo que, se estes tiverem a força suficiente para tal, podem levar a presumir aquela intenção sendo que, em caso de dúvida, se presume que o tem aquele que exerce o poder de facto – artigo 1252.º, n.º 2, do C. C. -.
No caso, pode entender-se que a população tinha animus sobre a propriedade das algas, mas não sobre o terreno onde as mesmas eram apanhadas pois nada permite concluir que o exercício dessa apanha correspondia a um ato material sobre a praia, mas unicamente sobre aquele material. O querer retirar dessa apanha o uso da praia como bem comum para nós não tem sustento na prova nem o recorrente a indica, unicamente a analisa de modo diverso que não obtém a nossa concordância.
Improcede assim esta argumentação.
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Facto 81: Na escritura referida no item I da matéria de facto assente (1925), no que concerne à verba trinta, era à estrada municipal que se fazia referência como confrontação pelo poente (quesito 17).
O tribunal entendeu que a menção a estrada a confrontar a poente na escritura de partilha de 04/04/1925, quanto à verba trinta, era a estrada marginal que se vem falando nos autos, com deliberação camarária de construção em 04/02/1901.
Em primeiro lugar, o tipo de prova que está em causa nos autos é aquela que tem lugar reservado como local próprio a primeira instância. É este tribunal que, com os documentos na mão, com a testemunha (eventual técnico ou pessoa que possa ter conhecimento das construções ruas, estradas e caminhos que foram sucedendo), pode cotejar tais documentos com a sabedoria das testemunhas. E depois, analisando esse tipo de prova, pode visionar o local e aferir se aquela estrada cuja construção se ordenou no início do século XX corresponde à que se menciona na verba 30 daquela escritura de partilha.
Ultrapassado o julgamento em primeira instância, essa confrontação direta já não existe e então:
. ou se consegue ultrapassar uma eventual dificuldade de apreciação de prova operada pela primeira instância e altera-se o julgamento da matéria de facto – os documentos apontam em sentido diverso, os depoimentos das testemunhas ou não refletem a resposta e/ou apontam em sentido diferente -;
. ou não se consegue e aqui:
. o facto mantém-se por haver ou não prova;
. determina-se que se realizem novas diligências de prova por ainda ser possível obter um resultado diferente.
Isto serve para referir que, lendo os documentos alegados pelo recorrente (deliberação de 04/02/1901, referência citius 26159160 – referente a construção de variante da estrada do litoral onde, para evitar muita movimentação de areia e por a praia ser usada para apanha de marisco para adubo de terra e cultura, se muda o traçado entre o perfil 22 e 38), as fotos juntas no requerimento citius de 26159126, de onde se vê a ocupação da praia por construções a poente da rua do norte), não conseguimos com certeza nem concluir que naquela verba 30 da partilha de 1925 a estrada a poente é esta marginal ou uma outra que pudesse existir antes ou depois.
É certo que é um terreno de areal pelo que a poente terá o mar e assim uma estrada que aí se situe a poente poderá ser marginal; mas, não vemos que se possa ter a certeza que essa estrada aí referida seja a estrada mandada construir em 1901 nem que se possa vir a concluir, atento o que consta dos autos (sendo inócuo o que ocorre em 1965 ou nos dias de hoje atenta o decurso do tempo desde a ordem de construção), que o seja.
Daí que se mantém a redação deste facto 81.
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Facto não provado 67): A estrada municipal referida no item F da matéria de facto assente foi construída sobre o areal das praias de ..., dividindo essas praias ao meio, no sentido Norte - Sul (quesito 1).
O recorrente alega:
. o tribunal juntou a fundamentação de vários factos impossibilitando a qual deles se refere na fundamentação. Não é correto, sendo clara e elucidativa a fundamentação, percebendo-se claramente o que levou o tribunal a dar como não provado o facto.
. o facto foi confessado na contestação.
Como acima referimos, «é preciso atentar, como se alegou na reclamação à matéria de facto assente em 06/10/2005, fls. 1172, que as partes estão de acordo que a estrada municipal em questão foi construída sobre a praia – o artigo 73.º da contestação - fls. 160 verso -, é expresso nesse sentido».
Assim, está assente que a estrada municipal foi construída em cima da praia, obviamente no sentido norte-sul (ou o inverso, atenta a posição do observador); o que não se confessa é que tenha dividido a praia a meio.
Sobre o local exato da divisão e em que medida cortou a praia, não há prova nos autos, sendo que o corte a meio é uma alegação claramente conclusiva que nunca poderia ser dada como provada.
Deste modo, acrescenta-se aos factos provados o n.º 37.1) com o seguinte teor:
A estrada municipal referida no item F da matéria de facto assente foi construída sobre o areal das praias de ..., no sentido norte-sul.
Elimina-se a parte restante (cortando a meio a praia), eliminando-se assim o facto não provado 67.
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Facto não provado 69: A construção da referida estrada assentou numa “caixa de entulho” para que desse consistência ao piso - de forma a que não se enterrasse na areia solta da praia - o que fez subir o nível da estrada (quesito 4).
O tribunal referiu que não havia elementos que demonstrassem o alteamento da estrada, sendo que a única objeção do recorrente é que o facto foi confessado no artigo 71.º, da contestação; porém, não o foi. A factualidade foi alegada no artigo 10.º, da petição inicial e foi impugnado no artigo 76.º por desconhecimento.
Nada mais sendo alegado quanto à alteração deste facto, mantém-se o mesmo, improcedendo a argumentação.
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Facto não provado 70): Tal alteamento era superior a um ou dois metros (quesito 5).
Também o recorrente alega que o facto (alegado no artigo 11.º, da petição inicial) foi confessado no artigo 72.º da contestação mas não o foi; antes foi impugnado por desconhecimento no artigo 76.º, da contestação.
Nada mais sendo referido, improcede esta argumentação.
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Facto não provado 75): Os terrenos a que se referem as descrições ... a ..., depois da construção da estrada municipal, ficavam para nascente dessa mesma estrada municipal (quesito 10).
Não havendo prova por onde os terrenos foram cortados, não é possível concluir que os terrenos ficaram a nascente da estrada municipal em questão pelo que, nada mais sendo referido pelo recorrente, improcede esta argumentação.
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Facto não provado 79: Sem prejuízo para o supra referido em 36), os terrenos constantes das descrições prediais n.ºs ... a ... são constituídos por areia e por isso têm a “natureza” de praia (quesito 14).
Com o devido respeito, não é alegada qualquer matéria que possa fazer concluir que o tribunal recorrido errou no julgamento deste facto. O tribunal entendeu que o depoimento de FFFFF não era suficiente tendo sido visto pelo mesmo tribunal que os terrenos não eram só praia.
O ser chamado ou não a tribunal para esclarecer o que afirmou é algo que extravasa a presente apreciação sendo que não se alega qualquer situação que nos possa fazer concluir que deveria ocorrer essa precisão do depoimento.
Nem sequer se alega algum motivo para não se ter desvalorizado a prova dos Autores pelo que, em rigor, não se alega qualquer concreta objeção que possa ser analisada por este tribunal de recurso.
Por isso, improcede esta argumentação.
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Facto 37): As descrições prediais ..., antes da construção da estrada municipal, faceavam a praia a poente prolongavam-se para poente do local onde foi construída a estrada municipal (quesito 16.º).
supra nos pronunciamos sobre este facto.
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C). Do direito.
Está em causa no recurso a apreciação do pedido e reconvenção formulados nos presentes autos 2154/07.6TBOVZ (o recorrente não é parte no apenso D).
Na petição inicial dos autos que se iniciaram em 19/10/1993, o que é pedido tem por base o disposto na Lei n.º 68/93, de 04/09, ou seja, a denominada Lei dos Baldios em que, com base no citado artigo 4.º se pedia a nulidade do alegado ato de apossamento do baldio e a respetiva restituição da posse do baldio, no todo ou em parte, a favor da respetiva comunidade ou da entidade que legitimamente o explore.
O pedido na presente ação consiste em que se declarasse que os terrenos (praias) a que se referiam as descrições prediais nºs. ... a ... pertenciam à comunidade da Freguesia ..., sendo nulos atos que incidiam sobre tais terrenos, tendo estes de ser restituídos pelos Réus que os ocupam.
Tais pedidos foram julgados improcedentes.
Por seu turno, os Réus CC e «M... …», contestando o pedido, formulam pedido reconvencional onde peticionam que se declare que:
. o primeiro é dono dos terrenos descritos na C. R. P. sob os nºs. ..., ..., ...;
. a segunda é dona dos terrenos descritos na C. R. P. sob os nºs. ....
Os pedidos reconvencionais foram julgados procedentes, sendo que em relação ao pedido de CC, em relação ao terreno descrito na C. R. P. sob o n.º ... excetuou-se uma parte com 12 427 m2 em que, assim, a propriedade não foi declarada a favor do reconvinte (rectius, ora herdeiros).
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O recorrente apresenta como primeiro argumento para a alteração da decisão na ação e reconvenção o já mencionado uso anormal de processo por os Réus terem alegado factos noutro processo, que corre por apenso, podendo deduzir novas reconvenções.
Já mencionamos que não detetamos esse indevido uso do processo sendo que, como igualmente referimos, o recorrente não é parte nesse outro processo pelo que, só se ocorrer alguma contradição de factos e consequentes decisões, por força do recurso que ora interpõe, é que se poderá retirar alguma consequência ao nível do decidido no mesmo apenso D.
O segundo argumento é que os registos de propriedade a favor dos Réus/reconvintes netses presentes autos são nulos por terem sido lavrados com base em títulos falsos (artigo 16.º, do C. R. P.).
O alegado título falso é a partilha adicional de 11/06/1970 referida no facto provado 16.
A alegada falsidade consubstanciar-se-ia na circunstância de o tribunal ter dado como provado que os Réus/reconvintes nestes autos sempre utilizaram os prédios descritos sob os nºs. ... a ... desde a década de 1970.
Da conjugação dos factos provados 16 e 18, depreende-se que naquela escritura adicional de partilhas são adjudicados a CC diversos terrenos dos quais são desanexados outros que dão origem aos prédios descritos sob os nºs. ... a ....
Ora, para nós, não se encontra provada a falsidade daquela escritura de partilha pois não está demonstrado nem que não houve partilha nem que os bens que a compuseram não existiam ou não eram os que se partilharam nem sequer que os bens não pertenciam ao de cuius; ou seja, não se prova um vício extrínseco ao próprio registo que faz com que este tenha de ser considerado inválido.
O dar-se como provado que na década de 1970 os reconvintes utilizaram os prédios em causa não significa que registo assente num título da partilha falso; apenas significa que o tribunal entendeu que, face à documentação que existia nos autos e prova testemunhal produzida, que nessa década houve a prática de atos materiais sobre os imóveis em causa. Por existir nos autos prova que nessa década houve a prática de atos e não antes, o tribunal concluiu que houve então utilização efetiva dos prédios. Mas não se prova que antes não os usaram, por si ou através de terceiros, ou que os imóveis que usavam não eram os que estão descritos.
No máximo, desconhece-se se usaram ou antes de 1970, mas da não prova não se retira que a partilha é falsa.
Assim, não damos procedência a este argumento.
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Em seguida o recorrente expende doutas considerações sobre a natureza do ato de delimitação do domínio público hídrico, mas que não brigam com o que se procura decidir na ação em que, com base ou em atos de posse (Autor) ou em registos de propriedade (e alegação do que sustenta os mesmos) se pretende a declaração de propriedade privada de imóveis.
Ou seja, as partes estão de acordo que os imóveis não pertencem àquele domínio público hídrico e esse acordo é igualmente sustentado no auto de delimitação. Na verdade, tendo o Estado delimitado o domínio público excluindo os imóveis em questão desse domínio, resta aos particulares, se houver discordância sobre a propriedade, discuti-la e procurar prová-la.
Se não houvesse aquela delimitação, atenta a posição dos imóveis (pelo menos em parte constituindo praias), a prova da propriedade privada poderia ser fortemente abalada pois, situando-se nas margens do mar, teriam os reivindicantes que provar que o imóvel era objeto de propriedade particular ou comum antes de 31/12/1864 (artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 468/71, de 05/11, em vigor à data da propositura da ação).
Mas estando em causa unicamente uma relação privada, em que não se discute que os imóveis são bens particulares e existindo a delimitação do domínio público marítimo que exclui os imóveis desse domínio, está-se no âmbito de uma ação que corre nos tribunais comuns em que se averigua a quem pertencem bens particulares, sem interferência naquele domínio público, como aceite pelo Estado e sem necessidade daquela prova mais exigente por já estar definido aquele domínio.
Daí que, nesta ação, o Estado nem tinha de intervir pois não estão em causa terrenos que se situam no mencionado domínio público marítimo, restando aos tribunais comuns a apreciação sobre a quem pertence o título e/ou a posse privada.
Se delimitação foi efetuada de modo incorreto, teria que ser questionada em sede administrativa e não nos presentes autos por estar em causa um ato administrativo (artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 468/71, de 05/11 e, atualmente, artigo 2.º, n.º 1, 10.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 353/2007, de 26/10).
Avançando, pensamos que o recorrente menciona que poderá estar caducada uma ação a interpor ao abrigo do então artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 468/71, ou seja, ação a pedir que se reconheça a propriedade privada sobre uma margem pública; mas, independentemente de analisar se havia (ou há) um prazo para se intentar este tipo de ação, o que nos importa é que não tinham os reconvintes (nem os reconvindos e recorrente) de contabilizar prazo nos termos daquele artigo 8.º porque o Estado já reconhecia a propriedade privada dos terrenos e assim os particulares não estavam a ser lesados por uma declaração de domínio público. Tal ação teria de ser interposta se, havendo delimitação desse domínio Estado concluísse que a margem era do domínio público hídrico e o particular se sentia lesado por entender que o terreno lhe pertence.
Se não há essa lesão, compete aos particulares, nos termos de direito civil, esgrimirem argumentos para demonstrarem quem é o dono.
Daí que não se tem de aferir se havia um prazo para se intentar a ação contra o Estado, abrigo do citado Decreto-Lei ou dos diplomas posteriores (Lei 54/205, de 15/11 e Lei 34/2014, de 19/06) já que não é esse tipo de ação que está em causa nos autos nem esta depende daqueloutra ação.
E daí que, também por isso, se nos afigura que não existe caso julgado entre a presente ação e o decidido no anterior processo n.º 111/96 (atual 2154/07.6TBPVZ-G) em que foi Autor AA e BB e Réu o Estado Português, tendo este, por falta de contestação, sido condenado a reconhecer que à população de ... pertence, em propriedade comum, as praias a que se referem as descrições prediais nºs. ... a ....
Não só as partes são diferentes (parte passiva), o que desde logo, no caso, inviabilizava a existência de caso julgado pois as partes são física e juridicamente diversas como o que ali se discutiu nem sequer é prejudicial ao que se analisa na presente ação.
Decidindo-se naquela ação que os terrenos pertencem à referida população, a presente ação continua a poder ser decidida sem qualquer necessidade de análise do que ali se decidiu, já que o pressuposto da presente ação e reconvenção assenta no domínio particular dos terrenos, sendo irrelevante que ali se decida que os terrenos não pertencem ao Estado.
Não só o Estado, como dissemos, já o tinha assumido, como na presente ação continua a inexistir qualquer decisão sobre se os terrenos pertencem aos Autores/reconvindos ou Réus/reconvintes, ou seja, estes últimos são terceiros em relação ao ali decidido pelo que não pode ser-lhes oposto o alegado caso julgado por falta de preenchimento da tríplice identidade que os artigos 580.º e 581.º, do C. P. C. determinam.
Inexiste assim caso julgado.
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Não é suscitada qualquer outra questão no recurso pelo que, além de não vislumbrarmos matéria oficiosa a apreciar, o que se tem é que os Réus/reconvintes, na medida do que foi decidido, tendo a seu favor o registo de propriedade de imóveis, lograram manter intacta a presunção do direito de propriedade de que daí resulta (artigo 7.º, do C. R. P.) conforme mencionado na sentença recorrida.
Ou, de outra perspetiva, os Autores/reconvindos não lograram afastar essa presunção (artigo 344.º, n.º 1, do C. C.), demonstrando que, ao invés de os terrenos terem sido adquiridos pelos Réus/reconvintes, tinham antes sido entregues à população, acabando por serem baldios, como defenderam ao longo do processo.
Daí que a ação e reconvenção, na nossa visão, se encontram corretamente decididas, pelo que se conclui pela improcedência do recurso.
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3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Sem custas do recurso por os recorrentes estarem isentos.

Registe e notifique.

Porto, 2022/05/19.
João Venade.
Paulo Duarte Teixeira.
Deolinda Varão