Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3596/09.8TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
INDEMNIZAÇÃO
RAN
CONSTRUÇÕES
Nº do Documento: RP201507083596/09.8TBVNG.P1
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A justa indemnização por expropriação não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
II - A admissão de construções nos termos restritos do artigo 9.º do Decreto-lei n.º 196/89, de 14 de junho, não consubstancia propriamente a atribuição de aptidão construtiva às parcelas de terreno, mas antes a admissão, a título excecional de construções, sujeitas a condicionalismos legalmente previstos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3596/09.8TBVNG.P1
5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I- A justa indemnização por expropriação não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
II- A admissão de construções nos termos restritos do artigo 9.º do Decreto-lei n.º 196/89, de 14 de junho, não consubstancia propriamente a atribuição de aptidão construtiva às parcelas de terreno, mas antes a admissão, a título excecional de construções, sujeitas a condicionalismos legalmente previstos.


Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
No âmbito dos presentes autos de expropriação litigiosa, é expropriante EP – Estradas de Portugal, S.A., e são expropriados B…, C…, D… e E…, todos melhor identificados nos autos.
1.1 Está na origem do processo a expropriação de uma parcela de terreno, identificada pelo n.º …, pertencente aos expropriados, com a área de 290m2, situada no …, freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, correspondente a parte de um prédio, inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia sob os artigos 1065 a 1068, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o número 01954/040703, o qual foi objecto de declaração de utilidade pública de expropriação, com carácter de urgência.
Realizou-se vistoria ad perpetuam rei memoriam, nos termos documentados a fls. 32 e a entidade expropriante tomou posse administrativa da parcela, conforme teor do documento de fls. 25 e 26.
A decisão arbitral fixou, por unanimidade, a indemnização a arbitrar aos expropriados em € 11.190,20 – correspondendo € 10.550,20 ao valor do terreno a expropriar e € 640,00 a indemnização compensatória por benfeitoria (cfr. teor de fls. 6 a 10).
Os expropriados vieram recorrer do acórdão arbitral proferido nos autos, considerando que a indemnização arbitrada é completamente insuficiente e injusta; defenderam que o valor da parcela expropriada, dado tratar-se de solo apto para construção, não podia ser inferior ao montante de € 46.980,00 e que deveriam ser fixadas indemnizações suplementares em valor global não inferior a € 353.200,00 – sendo € 350.000,00 relativos à depreciação das partes sobrantes e € 3.200,00 pela destruição das vedações.
A expropriante, em resposta, pronunciou-se pela improcedência do recurso, concluindo que devia manter-se a decisão arbitral.
Realizou-se a avaliação da parcela, nos termos do laudo de fls. 130 a 142, onde os peritos nomeados pelo Tribunal e o perito indicado pela expropriante acordaram em atribuir à parcela o valor de indemnização de € 11.425,10 e o perito indicado pelos expropriados lhe atribuiu o valor de € 18.636,50; os peritos responderam ainda aos quesitos formulados pelos expropriados.
1.2 Os expropriados e a expropriante apresentaram alegações, em conformidade com o disposto no artigo 64.º do Código das Expropriações, nos termos documentados a fls. 157 e a fls. 185, respetivamente.
Entretanto, perante decisão deste Tribunal da Relação que revogou a sentença proferida em processo de expropriação do mesmo juízo, relativamente a parcela situada nas proximidades daquela que está em causa nos presentes autos, o tribunal considerou conveniente solicitar aos peritos esclarecimentos adicionais, conforme despacho de fls. 188. Prestadas informações pela Câmara Municipal …, os peritos deram os esclarecimentos pretendidos, tudo conforme teor de fls. 189 a 202.
Prestaram ainda esclarecimento complementar, nos termos de fls. 263.
Os expropriados apresentaram alegações complementares, conforme teor de fls. 265 e seguintes.
Proferida sentença (fls. 277 a 292), aí se decidiu nos seguintes termos:
«Face ao exposto, julgo o recurso interposto pelos Expropriados parcialmente procedente por provado e, em consequência, fixo o valor da indemnização a pagar pela entidade Expropriante aos Expropriado à data da publicação da DUP – 07/05/2004 – em €11425,10.
A esse montante acresce o valor correspondente à atualização dessa quantia por aplicação do índice de preços no consumidor, com exclusão de habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens, que incide sobre a quantia de €11425,10 desde 07/05/2004 até 20/11/2009 e sobre a quantia de €1234,90 desde essa data, até à decisão final a proferir nestes autos.
Custas (…)».
2.1 Os expropriados, não se conformando com a sentença proferida, vieram interpor recurso, concluindo a motivação nos seguintes termos:
«A – DO PRINCÍPIO DA JUSTA INDEMNIZAÇÃO
1ª. A CRP apenas permite a expropriação mediante o pagamento de justa indemnização, que deve ser fixada com base no valor real e corrente dos bens expropriados (v. art. 62.º da CRP; cfr. art. 23.º do CE 99) e abranger todos os “prejuízos patrimoniais necessariamente decorrentes do ato expropriativo que especialmente incidem sobre o expropriado” (v. Ac. TC n.º 231/2008, www.tribunalconstitucional.pt) – cfr. texto n.º s 1 e 2;
2ª. O cálculo da indemnização devida in casu deve realizar-se de acordo com as disposições legais constantes do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro (CE 99), em vigor à data da prolação e publicação da respetiva declaração de utilidade pública (v. art. 12.º do C. Civil) – cfr. Texto n.º s 2 e 3;
B – DO VALOR DA JUSTA INDEMNIZAÇÃO
3ª. Conforme foi decidido na sentença recorrida, no Acórdão Arbitral e reconhecido unanimemente pelos Sr. Peritos, a parcela expropriada, atendendo à zona onde o prédio de que foi destacada se insere e às infraestruturas de que dispõe, tem que ser classificada como solo apto para a construção – cfr. texto n.º s 4 a 7;
4ª. Num aproveitamento económico normal, o valor da parcela expropriada sub judice, atendendo às suas características, local onde se situa e infraestruturas que a servem (v. n.º s 4, 6, 7 e 14 dos FP), à sua reconhecida adequação a fins habitacionais e excelente localização (v. n.º s 10, 11, 12 e 15 dos FP), nunca poderia ser inferior a 19,5% do valor das construções que nela seria possível erigir (cfr. art. 26.º do CE 99) – cfr. texto n.º s 4 a 7;
5ª. O valor unitário por metro quadrado da construção na zona nunca é inferior a €1000, conforme consta do n.º 16 do FP, bem como da resposta unânime dos Srs. Peritos ao quesito 15.º dos expropriados, a fls. 138 dos autos, não sendo atendível in casu o critério redutor e arbitrário do custo da construção (v. arts. 13.º e 62.º da CRP; cfr. Acs. TC n.º 381/2012, de 2012.07.12, n.º 11/2012, de 2012.01.12, e n.º 677/2006, de 2006.12.12, in www.tribunalconstitucional.pt) – cfr. texto n.º s 8 e 9;
6ª. Para terrenos situados na zona da parcela expropriada e em condições semelhantes (v. n.º s 6, 10, 11, 12 e 15 dos FP), o índice de construção praticado é, pelo menos, 0,75 (v. art. 10.º/3 do PDM de Vila Nova de Gaia, ratificado pela RCM n.º 28/96, de 6 de Maio), não tendo qualquer justificação o índice de apenas 0.45 (2 x 225m2/1000m2), que foi considerado na douta sentença recorrida – cfr. texto n.º s 10 e 11;
7ª. Na fixação do valor da parcela expropriada deverá ainda ser tida em conta a mais-valia que resulta para o prédio expropriado da sua específica localização, melhoramentos, infraestruturas e equipamentos existentes na zona (v. n.º s 4, 6, 7, 10, 12, 14 e 15 dos FP), que deverá ser fixada, pelo menos, em 10% – cfr. Texto n.º s 12 e 13;
8ª. A aplicação in casu do pretenso fator corretivo de 10%, ao abrigo do art. 26.º/10 do CE 99, também não tem qualquer justificação, tanto mais que não se verificam, nem foram especificadas, quaisquer concretas razões de facto que permitissem a sua aplicação, que se realizou in casu de forma “abstrata e cega” (v. Ac. RL de 2008.06.03, Proc. 32194), e, além disso, a referida norma é inconstitucional, por violação dos arts. 2.º, 9.º, 13.º, 18.º e 62.º da CRP – cfr. texto n.º s 14 e 15;
C – DA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA PELA DEPRECIAÇÃO DAS PARTES SOBRANTES
9ª. A justa indemnização devida pela expropriação sub judice deverá ainda ressarcir os ora recorrentes pela totalidade da desvalorização das parcelas sobrantes, pois, além dos montantes indemnizatórios fixados na douta sentença recorrida, verifica-se que o prédio-mãe, de onde foi destacada a parcela expropriada, sofreu depreciações e ficou sujeito a diversas restrições ao seu aproveitamento urbanístico e mesmo agrícola (v. art. 29.º do CE 99) – cfr. texto n.º s 16 e 17;
10ª. A indemnização suplementar devida aos expropriados nunca seria prejudicada pela eventual integração de parte daquelas áreas sobrantes em RAN, por força de normas do PDM de Vila Nova de Gaia, pois a aquisição do prédio em causa pelos expropriados ocorreu, em 1988.12.26 e em 1989.03.13 (v. arts. 2031.º e 2050.º do C. Civil; cfr. Doc. 1, adiante junto), sendo anterior à ratificação, publicação e entrada em vigor daquele instrumento de gestão territorial (v. RCM n.º 23/94, de 6 de Maio; cfr. Ac. Trib. Rel. do Porto de 2012.12.19, Proc. 9635/06, www.dgsi.pt) – cfr. texto n.º s 16 a 18;
D – DA ACTUALIZAÇÃO DA JUSTA INDEMNIZAÇÃO
11ª. Como decidiu, e bem, na douta sentença recorrida, o montante indemnizatório que vier a ser fixado deverá ser atualizado desde a data da declaração de utilidade pública – 2004.03.29 – até à decisão final do presente processo, de acordo com os índices de preços no consumidor do INE, acrescendo, a partir daí, os respetivos juros moratórios (v. arts. 13.º, 62.º e 204.º da CRP; cfr. art. 24.º do CE 99) – cfr. texto n.º s 19 e 20;
12ª. A douta sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos arts. 13.º, 62.º e 204.º da CRP e nos arts. 23.º, 25.º, 26.º e 29.º do CE99.»
Terminam defendendo que deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e fixando-se a indemnização devida aos ora recorrentes, nos termos expostos e com as legais consequências.
2.2 A expropriante veio responder à motivação do recurso interposto pelos expropriados, concluindo nos seguintes termos:
«1. Face à localização da parcela em sede de PDM, em Zona de Salvaguarda RAN/REN, os expropriados vieram a alcançar por via da expropriação, uma indemnização inclusivamente superior ao valor real e corrente do bem expropriado porquanto a decisão judicial considerou que o solo teria a classificação de solo apto para construção, quando, face à recente jurisprudência sobre a classificação de solos em RAN e REN não restam dúvidas que tais solos devem ser classificados como solos aptos para outros fins.
2. Pretendem os expropriados ver alterado o rol das infraestruturas que servem o prédio, mas dos autos não resultam quaisquer elementos que contrariem os definidos no auto de vistoria.
3. Pretendem ainda fixar a percentagem de 19,5% nos termos dos n.ºs 6 e 7 do art, 26.º do CE, mas sem justificar como alcançam a mesma. Sete Peritos fixam aquela percentagem em 14,5%, um Perito em 17,5% (o dos expropriados) e pretendem os expropriados, inexplicavelmente, fixar a mesma em 19,5%.
4. Quanto ao custo de construção, e face à resposta fornecida em sede de esclarecimentos pelos Srs. Peritos, a mesma em nada releva, porquanto os mesmos limitaram-se a responder ao que foi solicitado, e até se aceita.
5. Só que, para a avaliação da parcela, o custo de construção considerado por unanimidade dos Peritos foi de 600€/m2, o qual reflete o custo pretendido para determinação do valor unitário do solo, e não aquele que foi respondido em sede de esclarecimentos, o qual era específico e sujeito à contabilização de outros custos, mas que, face às condições e circunstâncias da parcela à data da DUP não é aplicável.
6. Quanto ao índice de construção, apenas se dirá que o PDM é omisso sobre esta matéria, ao contrário do que pretendem fazer crer os expropriados.
7. Bem como, face à inserção da parcela em RAN/REN, onde a única potencialidade construtiva seria o de uma moradia unifamiliar, tal qual o fizeram os Peritos maioritários, afigurando-se a opção mais correta e a que traduz o real valor e justo da parcela à data da DUP.
8. São de considerar os equipamentos incluídos na percentagem de localização e qualidade ambiental (n.º 6 do art. 26.º do CE), por traduzirem e distinguirem diferenças entre solos em diferentes zonas do país.
9. Quanto aos alegados melhoramentos, os mesmos a existirem, são imputáveis à expropriante, que veio a melhorar as acessibilidades locais e nacionais na zona, apenas contribuindo os expropriados com o terreno, que foi expropriado e indemnizado, ou seja, em nada contribuíram.
10. Quanto à percentagem prevista nos termos do n.º 10 do art. 26.º do CE, contrariamente ao que pretendem os expropriados, a mesma tem aplicação, e até o deveria ser na percentagem máxima, quer pela inexistência de qualquer licença de construção em vigor à data da DUP, quer da própria localização da parcela à data da DUP em RAN/REN, tornando-se assim evidente a existência de esforço inerente à construção.
11. Importa ainda advertir que, apesar da exaustiva vontade dos expropriados em convencer que a parte sobrante sai desvalorizada com a presente expropriação, efetivamente a mesma (desvalorização) é inexistente. Quer porque proporcionalmente a parte sobrante mantém os mesmos cómodos, capacidades, rendimentos e demais características que detinha a totalidade do prédio à data da DUP, quer porque pela sua localização – em RAN/REN -- a classificação do solo é de aptidão para outros fins e portanto, para este tipo de solos inexistem quaisquer limitações por diminuição de área, tal qual sucedeu na presente expropriação.
12. A obra que motivou a expropriação até veio beneficiar a parte sobrante, pois melhorou significativamente os acessos à mesma, logo estar falar de desvalorização é algo totalmente inaceitável e que não pode ser atendido.
13. Por último, e quanto ao cálculo da atualização da indemnização apenas se referirá que o mesmo terá de ser elaborado em conformidade com jurisprudência já existente sobre esta matéria, nomeadamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 7/2001.»
Termina afirmando que deverá ser confirmada a decisão proferida pelo tribunal recorrido.
3. Colhidos os vistos e na ausência de razões que obstem ao conhecimento dos recursos, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pelos recorrentes definem a matéria que é objeto de recurso e que cabe aqui precisar, traduzindo-se na seguinte questão:
● O adequado valor da indemnização – com a apreciação das diferentes questões que a este propósito foram suscitadas pelos expropriados (o princípio da justa indemnização, o valor da parcela expropriada, a indemnização pela depreciação das partes sobrantes e a atualização da justa indemnização), pretendendo haver violação dos artigos 23.º, 24.º, 25.º, 26.º e 29.º do Código das Expropriações e 2.º, 9.º, 13.º, 20.º, 22.º, 62.º e 204.º da Constituição.
II)
Fundamentação
1. Matéria de facto.
1.1 Importa considerar os factos que foram julgados provados na sentença que é objecto de recurso e que integralmente se transcrevem.
«A) Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
1 – Por despacho n.º 9222-D/2004 (2.ª série), publicado no D.R. II Série de 07/05/2004, foi declarada a utilidade pública e urgente das expropriações das parcelas de terreno necessárias à execução da obra da concessão Costa da Prata – IC 1 – Miramar/Madalena – Sublanço EN … – ER 1.18 – aditamento 1.
2 – Entre as parcelas que são abrangidas por esse despacho inclui-se a parcela n.º … assinalada na planta cadastral anexa ao referido despacho que tem a área de 290m2 e é constituída por uma faixa de terreno sensivelmente triangular, contígua à anterior expropriação, a destacar de um prédio de maiores dimensões, sito no …, da freguesia …, concelho de V. N. de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 01954/040703 e inscrito na matriz predial rústica sob os arts. 1065.º, 1066.º, 1067.º e 1068.º, confrontando o prédio a norte com a Rua … e a Sul, Nascente e Poente com caminho público e que à data da DUP tinha cerca de 2.000m2, após anteriores expropriações.
3 – A parcela confronta de Norte com a Rua …; de poente com o próprio e de Sul e Nascente com caminho público.
4 – À data da DUP a Rua … possuía as seguintes infraestruturas: acesso rodoviário com pavimentação em cubos; rede de abastecimento domiciliário de água; rede de distribuição de energia elétrica com serviço junto da parcela e rede telefónica.
5 – Segundo o PDM de Vila Nova de Gaia a parcela está localizada em área de salvaguarda – Reserva Agrícola Nacional.
6 – A zona onde o prédio se insere é de moradias isoladas e rés-do-chão ou rés-do-chão e andar.
7 – O solo da parcela apresentava-se relativamente plano e oferecia boas qualidades para a exploração agrícola em geral.
8 – Existia na parcela um muro de vedação com cerca de 16 m de comprimento, 0,40 m de espessura e 2 m de altura média incluindo fundações, em pedra solta, mal conservado.
9 – A parcela beneficia de ótima exposição solar e nas proximidades à data da DUP existia a autoestrada edificada e a anterior EN… provocadoras de alguma poluição sonora e ambiental.
10 – A parcela situa-se nos limites da freguesia urbana de …, assentando o povoamento nas vias rodoviárias existentes, existindo vasta área florestal e agrícola.
11 – A parcela situa-se a cerca de: 1 km de …; 500 m de …; 2 km da …; 2 km de … e 10 km do ….
12 – A parcela expropriada situa-se a menos de 1 km do F…; de armazéns, várias construções habitacionais, como empreendimentos multifamiliares, moradias unifamiliares e diversas urbanizações, designadamente as do …, da … e do ….
14 – A parcela situa-se numa zona servida por grandes eixos rodoviários nacionais A1 – autoestrada do Norte; IC1/EN ….
15 – E com forte procura de terrenos para habitação, comércio, indústria, bem como para a construção de grandes armazéns, nas zonas destinadas à construção de tais edifícios.
16 – O valor de mercado da construção na zona para moradias à data da DUP era de ordem dos € 1.000,00/m2.
17 – A parte sobrante tem forma trapezoidal e tem a área aproximada de 1.700/m2, mantendo-se as suas características após a DUP.
18 – O acesso principal ao prédio dos Expropriados, por caminho que ligava à casa dos Expropriados ocorreu na primeira Expropriação.
19 – O acesso à parte sobrante do prédio é realizado através do novo restabelecimento da Rua …, o qual tem características municipais, permitindo o seu atravessamento e circulação sem qualquer restrição.
20 – Para aprovação do sublanço o mesmo ficou sujeito a medidas minimizadoras de impacto ambiental e a proximidade desta via veio trazer uma facilidade de escoamento de tráfego, que antes não sucedia, pois a alternativa mais rápida existente à data da DUP era apenas a EN ….
21 – A construção das urbanizações do …, da … e do … é anterior à delimitação da Reserva Agrícola Nacional que consta da planta de condicionantes do PDM de Vila Nova de Gaia e o F… não está implantado em terreno da Reserva Agrícola Nacional.
1.2 Justifica-se nos seguintes termos a fixação da matéria de facto:
«B) A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação conjugada de todos os meios de prova produzidos, de modo crítico e de acordo com as regras da experiência comum.
Teve-se sobretudo em conta o teor da vistoria ad perpetuam rei memoriam, as certidões e o teor dos relatórios periciais, respostas aos quesitos, esclarecimentos prestados, informação prestada pela Câmara Municipal e fotografias juntas aos autos, sendo que quando os relatórios periciais divergiram quanto aos factos, e os mesmos não resultam provados de documentos juntos aos autos, se levou em consideração a posição dos peritos maioritários».
2. Breve enquadramento legal.
2.1 Começando por efetuar um breve enquadramento legal, salienta-se que o instituto da expropriação por utilidade pública constitui uma importante manifestação da sujeição dos titulares de direitos reais ao interesse coletivo e é hoje regulado pelo Código das Expropriações aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, com as alterações subsequentes.
O regime da expropriação por utilidade pública constitucionalmente consagrado traduz uma das garantias do reconhecimento da propriedade privada. O artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “direito de propriedade privada” e no capítulo dedicado aos direitos e deveres económicos, estabelece que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, só podendo efetuar-se a expropriação com base na lei e mediante o pagamento da justa indemnização. Esta norma é continuada, no Código Civil, pelos artigos 1308.º e 1310.º, assegurando o primeiro que ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei e o segundo que, havendo expropriação por utilidade pública, é sempre devida a indemnização adequada não só ao proprietário, mas também aos titulares de outros direitos reais afetados pela expropriação, que incidam sobre a coisa expropriada.
Segundo a lição de referência do Prof. Marcello Caetano, ainda atual, a expropriação é «a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjetivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória» – Marcello Caetano, «Manual de Direito Administrativo», volume II, Almedina, Coimbra, 1991, página 1020.
A indemnização configura um pressuposto de legitimidade do exercício do poder de expropriação, conforme se declara no Acórdão do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República de 9 de Março de 1992.
A Constituição não define o conceito de justa indemnização. Este «não passa de uma expressão particular do princípio geral, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, de indemnização pelos atos lesivos de direitos e pelos danos causados a outrem. (...) os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem expropriado» – Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 2.ª edição, 1.º volume, página 337.
Ainda nas palavras de Marcello Caetano, «a indemnização deve corresponder à reposição no património do expropriado do valor dos bens de que foi privado, por meio de pagamento do seu justo valor em dinheiro.
Por isso se diz que a expropriação vem a resolver-se numa conversão de valores patrimoniais: no património onde estavam os imóveis, a entidade expropriante põe o seu valor em dinheiro» – obra citada, página 1036.
Outros autores, procurando concretizar o valor patrimonial a atender, afirmam que «o dano material suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado ou, por outras palavras, ao respetivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda» – Fernando Alves Correia, «As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública», Coimbra, 1982, página 129.
O conceito de «justa indemnização» ou de «indemnização adequada», como dispõe o artigo 1310.º do Código Civil, configura-se como conceito indeterminado, com os respetivos critérios definidores previstos em legislação específica – no caso, o Código das Expropriações.
O critério fundamental para alcançar a indemnização justa é o valor real do bem, maxime o valor que seria alcançado se o bem, porventura, fosse posto no mercado, na certeza de que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, não podendo haver preterição do princípio da igualdade, enunciado no artigo 13.º da Constituição.
O facto constitutivo da relação jurídica de expropriação é a declaração de utilidade pública. O regime legal do ato de expropriação por utilidade pública é o vigente na data da sua prática, o que nos conduz aos artigos 23.º a 32.º do Código das Expropriações aprovado pelo diploma antes indicado (Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro).
Nos termos do artigo 23.º, a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data. Ainda nos termos desta norma, na determinação do valor dos bens expropriados não pode tomar-se em consideração a mais-valia que resultar, nomeadamente, da própria declaração de utilidade pública da expropriação, na certeza de que o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação – artigo 24.º do mesmo diploma legal.
Para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em “solo apto para a construção” e “solo para outros fins”, segundo as classificações enunciadas no artigo 25.º do Código das Expropriações, com os critérios de cálculo do valor enunciados, respetivamente, nos artigos 26.º e 27.º do mesmo diploma, enunciando o artigo 29.º regras quanto ao cálculo do valor nas expropriações parciais.
2.2 Com relevância importa também considerar as regras enunciadas no Decreto-lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, quanto ao regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, de onde resulta que os planos municipais de ordenamento do território estabelecem o regime de uso do solo, definindo modelos de evolução previsível da ocupação humana e da organização de redes e sistemas urbanos e, na escala adequada, parâmetros de aproveitamento do solo e de garantia da qualidade ambiental, procedendo-se para o efeito à classificação e qualificação do solo, cabendo a definição do modelo de organização municipal do território ao plano diretor municipal (PDM), na certeza de que os planos municipais de ordenamento do território e os planos especiais de ordenamento do território vinculam as entidades públicas e ainda direta e imediatamente os particulares – cf. artigos 3.º, n.º 2, 69.º, 71.º e 85.º do citado diploma.
No caso específico de Vila Nova de Gaia, releva o Plano Diretor Municipal e respetivo regulamento, publicado no Diário da República, Série I/B, n.º 105, de 6 de Maio de 1994 (Resolução 28/94).
Em princípio, a aptidão dos solos expropriados à data da declaração de expropriação não pode deixar de estar condicionada pelo que se encontrar determinado no respetivo PDM.
3. O adequado valor da indemnização.
Perante o enquadramento legal que se deixou sumariamente enunciado, é pacífico que se conclui que a expropriação pressupõe o pagamento de uma justa indemnização, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data, realizando-se o cálculo de acordo com as disposições legais constantes do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, em vigor à data da prolação e publicação da respetiva declaração de utilidade pública.
Importa então ver se deve qualificar-se como adequada a indemnização fixada em primeira instância ou se, como pretendem os recorrentes, deve ser atribuído um valor superior.
3.1 Conforme resulta da matéria de facto que se deixou enunciada, a parcela expropriada, segundo o PDM de Vila Nova de Gaia, está localizada em área de salvaguarda – Reserva Agrícola Nacional.
Na data da declaração de utilidade pública o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN) era estabelecido no Decreto-lei n.º 196/89, de 14 de junho, visando este diploma defender e proteger as áreas de maior aptidão agrícola e garantir a sua afetação à agricultura, de forma a contribuir para o pleno desenvolvimento da agricultura portuguesa e para o correto ordenamento do território.
Com relevância, o artigo 3.º deste diploma definia a Reserva Agrícola Nacional como o conjunto das áreas que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, maiores potencialidades apresentam para a produção de bens agrícolas. Sem prejuízo das determinações especiais previstas na própria lei, os solos da RAN devem ser exclusivamente afetos à agricultura, sendo proibidas todas as ações que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas (artigo 8.º, n.º 1).
A avaliação da aptidão edificativa dos solos tem sido objeto de análise e discussão, nomeadamente em sede de jurisprudência.
Culminando esta discussão, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão proferido em 7 de Abril de 2011 (publicado na 1.ª série do Diário da República n.º 95, de 17 de Maio de 2011), fixou jurisprudência nos seguintes termos:
«Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para construção», nos termos do artigo 25.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo artigo 1.º da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele n.º 2».
Importa no entanto considerar que, sem prejuízo deste princípio geral, a própria lei estabelece algumas reservas.
É assim que, ainda que carecendo de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola – sendo esta exigência comum a todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN – são admissíveis construções que se reportem a habitações para fixação em regime de residência habitual dos agricultores em explorações agrícolas viáveis, desde que não existam alternativas válidas de localização em solos não incluídos na RAN ou habitações para utilização própria e exclusiva dos seus proprietários e respetivos agregados familiares, quando se encontrem em situação de extrema necessidade sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna e daí não resultem inconvenientes para os interesses tutelados pelo presente diploma – artigo 9.º, alíneas b) e c), do Decreto-lei n.º 196/89, de 14 de junho. Valem também as condicionantes previstas no artigo 40.º do regulamento do Plano Diretor Municipal, antes mencionado, publicado no Diário da República, Série I/B, n.º 105, de 6 de Maio de 1994 (Resolução 28/94).
Ainda que estejamos perante construções, é certo que não há propriamente a atribuição de aptidão construtiva às parcelas de terreno, mas antes a admissão, a título excecional de construções, sujeitas a condicionalismos legalmente previstos.
Estes condicionalismos não se alteram nem são prejudicados pelo facto de, à data da declaração de utilidade pública, a Rua … possuir infraestruturas de acesso rodoviário com pavimentação em cubos, de rede de abastecimento domiciliário de água, de rede de distribuição de energia elétrica com serviço junto da parcela e de rede telefónica, tal como não se alteram nem são prejudicados pelo facto da zona onde o prédio se insere ser de moradias isoladas e rés-do-chão ou rés-do-chão e andar, pela sua proximidade a centros urbanos, numa zona servida por grandes eixos rodoviários nacionais e com forte procura de terrenos para habitação, comércio, indústria, bem como para a construção de grandes armazéns, nas zonas destinadas à construção de tais edifícios.
Por outro lado, a expropriação não teve em vista a construção de edificações urbanas, mas antes a construção de via de comunicação rodoviária.
Perante o que se deixa enunciado, logo avulta que não têm razão os recorrentes quando pretendem que a parcela de terreno, qualificável como solo apto para construção, como tal deve ser considerada, sem qualquer condicionante, nomeadamente no que concerne à determinação da indemnização devida.
Os peritos ressalvam de forma unânime as zonas urbanas existentes nas proximidades, conforme resulta do teor dos esclarecimentos complementares de fls. 200, salientando que se verifica em relação a uma parte que todos os alvarás de loteamento são anteriores à delimitação da Reserva Agrícola Nacional, sendo a parte restante prédios que não estão implantados em terrenos da aludida reserva, pelo que em relação aos mesmos não se suscitam as condicionantes próprias da Reserva Agrícola Nacional, sem que possa falar-se de situações de igualdade e de violação deste princípio.
Assim, os peritos consideraram que, “face à exceção prevista quer no PDM quer na RAN, vai ser considerada a possibilidade construtiva da parcela, através da edificação de uma moradia unifamiliar de 2 pisos, mais anexos, através de destaque de uma parcela com 1.000m2 (lote padrão), classificando-se, assim, o solo da parcela como solo apto para construção, já que esta se localizava na zona onde preferencialmente seria edificada a construção”.
Neste enquadramento, incluindo as condicionantes mencionadas, se apreciará a pretensão dos recorrentes.
Estes questionam a decisão recorrida na parte em que acolhe, como critério de determinação do valor do solo, o custo da construção, pretendendo que deve prevalecer, em detrimento do mesmo, o valor unitário da construção em índice nunca inferior a € 1.000,00; por outro lado, quanto ao valor do solo, justifica-se o índice de 15% e, perante os restantes elementos a considerar, um índice global nunca inferior a 19,5%, a que acresce a consideração de um índice de construção de 0,75.
Nos termos do artigo 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações, o valor do solo apto para construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efetuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º.
Nos termos do n.º 6 da aludida norma, num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte, onde se estabelece (n.º 7) que a percentagem fixada nos termos do número anterior poderá ser acrescida até ao limite de cada uma das percentagens seguintes, e com a variação que se mostrar justificada, aí se incluindo, nomeadamente, a existência de acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela, rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela, rede de saneamento, rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão com serviço junto da parcela e rede telefónica junto da parcela.
Na decisão recorrida acolheram-se os valores resultantes do laudo dos peritos maioritários, nos seguintes termos:
De acordo com o artigo 26, n.º 6, do Código das Expropriações, a maioria os peritos – os três peritos nomeados pelo tribunal e o perito indicado pela expropriante – subscrevem o fator de 10,0%, em relação à localização, qualidade ambiental e equipamentos existentes na zona.
A este valor fazem acrescer as infraestruturas existentes, com referência ao artigo 26.º, n.º 7, do Código das Expropriações (acesso rodoviário, rede de distribuição de água, rede de eletricidade e rede telefónica), atribuindo as correspondentes percentagens (1,5%; 1,0%; 1,0%; 1,0%), de tudo resultando 14,5% como fator para determinação do valor do solo.
Relativamente às concretas possibilidades construtivas da parcela, “face ao disposto pelo PDM e disposições legais em vigor”, consideraram a implantação de uma moradia unifamiliar de 2 pisos, com as dimensões de 15m × 15m, representando uma área de construção global de 450m2, com custos de construção de € 600,00/m2, mais anexos com a área de 50m2 e custo de construção de € 300,00/m2.
O perito indicado pelos expropriados divergiu quanto ao índice de construção, considerando 0,6m2/m2, acolhendo no entanto os custos de construção de € 600,00/m2; divergiu ainda ao atribuir o fator de 13,0%, em relação à localização, qualidade ambiental e equipamentos existentes na zona, de onde resulta 17,5% como fator para determinação do valor do solo.
Ponderadas as concretas condicionantes que incidem sobre a parcela expropriada, não há razão válida para alterar a exigência que remete para o custo de construção como fator de determinação do valor indemnizatório. E se é certo que a mesma se situa nas proximidades de várias construções habitacionais, como empreendimentos multifamiliares, moradias unifamiliares e diversas urbanizações, em zona servida por grandes eixos rodoviários nacionais e com forte procura de terrenos para habitação, comércio, indústria, bem como para a construção de grandes armazéns, nas zonas destinadas à construção de tais edifícios, com valor de mercado de construção na zona para moradias que à data da DUP era de ordem dos € 1.000,00/m2, importa igualmente considerar que a concreta parcela em discussão nos autos e o prédio onde se integrava estavam então condicionados pelo facto de integrarem, segundo o PDM de Vila Nova de Gaia, área de salvaguarda, especificamente, Reserva Agrícola Nacional.
Quanto à percentagem relativa à localização, qualidade ambiental e equipamentos (artigo 26.º, n.º 6.º, do Código das Expropriações), importa afirmar que há elementos que obstam incondicionalmente a que se acolha o valor máximo, como pretendem os recorrentes; a tal obsta, sem prejuízo dos elementos positivos enunciados em relação à parcela de terreno – relativamente plano e oferecendo boas qualidades para a exploração agrícola em geral, beneficiando de ótima exposição solar –, a existência de fatores determinantes de alguma poluição sonora e ambiental, materializados em vias de circulação rodoviária.
Os elementos que antes se deixaram enunciados, incluindo as condicionantes que afetam a parcela a expropriar, quanto às concretas edificações admitidas, também não permitem que se rejeite a leitura feita pela maioria dos peritos e acolhida pelo tribunal recorrido. Não há, por isso, razão válida para deixar de considerar a correção dos valores acolhidos quanto ao custo de construção, com um índice global de 14,5% e um índice global de construção de 0,50 (0,45 + 0,05).
Os recorrentes pretendem ainda que se deve considerar, na fixação do valor da parcela expropriada, uma mais-valia de 10%, pelo menos, afirmando que a mesma resulta para o prédio expropriado da sua específica localização, melhoramentos, infraestruturas e equipamentos existentes na zona.
Para o efeito, reportam-se a parte da matéria de facto, especificamente: a parcela confronta de Norte com a Rua …; de poente com o próprio e de Sul e Nascente com caminho público; à data da DUP a Rua … possuía as necessárias infraestruturas urbanísticas, incluindo acesso rodoviário com pavimentação em cubos; rede de abastecimento domiciliário de água; rede de distribuição de energia elétrica com serviço junto da parcela e rede telefónica; a parcela situa-se numa zona servida por grandes eixos rodoviários nacionais, nos limites da freguesia urbana de …, assentando o povoamento nas vias rodoviárias existentes, existindo naquela zona forte procura de terrenos para habitação, comércio, indústria, bem como para a construção de grandes armazéns.
Os elementos mencionados foram considerados na determinação dos valores assentes nos critérios que assentam no disposto no artigo 26.º, n.ºs 6 e 7, do Código das Expropriações, sem que se veja a existência de elementos relevantes e aí não considerados.
Finalmente, os recorrentes pretendem que não existe justificação para o pretenso fator corretivo de 10%, dado que não se verificam, nem foram especificadas, quaisquer concretas razões de facto que permitissem a sua aplicação, sendo inconstitucional a norma em que assenta (artigo 26.º, n.º 10, do Código das Expropriações), por violação dos artigos 2.º, 9.º, 13.º, 18.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa.
Nos termos do artigo 26.º, n.º 10, do Código das Expropriações, o valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.ºs 4 a 9 será objeto da aplicação de um fator corretivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à atividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação.
Afigura-se ser entendimento pacífico que o funcionamento do fator corretivo pela inexistência de risco e esforço na atividade construtiva não é de funcionamento automático, pronunciando-se neste sentido, nomeadamente, os acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto, de 16 de janeiro de 2006, proferido no processo n.º 0626406, de 7 de abril de 2011, proferido no processo 1089/08.0TBLSD.P1, e de 19 de janeiro de 2015, proferido no processo 1150/12.6TBMTS.P1, todos acessíveis nas bases de dados jurídicos do IGFEJ (www.dgsi.pt).
De qualquer modo, pretendem os recorrentes que o artigo 26., n.º 10, do Código das Expropriações só permite a aplicação de um fator corretivo pela inexistência do risco e esforço inerente à atividade construtiva, beneficiando o valor da indemnização numa percentagem que poderá ascender a 15%, sendo claramente inconstitucional quando interpretado no sentido de que a inexistência do risco e esforço inerente à atividade construtiva na parcela expropriada determina uma dedução ao valor da indemnização, resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.ºs 4 a 9 do artigo 26.º do Código das Expropriações (v. artigos 13.º e 62.º da Constituição).
A aplicação da norma do artigo 26.º, n.º 10, com o sentido e dimensão normativa constante da sentença recorrida, ofende claramente o princípio da justa indemnização e da igualdade (v. artigo 62.º, n.º 2, da Constituição), pois equivaleria a introduzir, sob a capa de “corretivo”, um fator totalmente arbitrário de redução da justa indemnização, do valor real e corrente de mercado, que tem de resultar da aplicação dos critérios fixados nos n.º s 4 a 9 do artigo 26.º do Código das Expropriações 99, maxime integrando-se a parcela expropriada numa zona em que existe “forte procura de terrenos para habitação, comércio e indústria”.
O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que a norma do n.º 10 do artigo 26.º do Código das Expropriações, que prevê a aplicação de um fator corretivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à atividade construtiva, não é inconstitucional por violação dos princípios enunciados nos artigos 13.º e 62.º da Constituição, já que visa garantir a paridade entre o expropriado e o não expropriado. Com efeito, em consequência do processo de expropriação, o expropriado não terá que suportar despesas com licenças de construção, impostos inerentes à atividade, encargos financeiros, riscos de demora no retorno do investimento, eventual insucesso da operação, etc., ao contrário de outro proprietário não expropriado que, se optar pela construção, fica sujeito a todos esses riscos e encargos. O referido Tribunal, especificamente no acórdão n.º 499/05, de 4 de Outubro de 2005, disponível na respetiva base de dados de jurisprudência (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), diz:
«Entende o Tribunal que a norma não enferma de inconstitucionalidade.
Qualificado o solo expropriado como apto para a construção e exigindo a lei (artigo 23º n.º 5 do CE) que o resultado da avaliação corresponda ao valor real e corrente, numa situação normal de mercado, daquele bem, os critérios impostos para tal avaliação – que, tem como referencial, o custo de construção possível – assentam necessariamente em fatores concretos que permitam alcançar tal resultado, ou seja, nem uma subavaliação, nem uma sobreavaliação do bem expropriado.
E é por isso que ao lado de fatores que determinam aumentos à percentagem máxima do custo de construção, outros há que vão implicar uma redução do montante indemnizatório.
Nestes últimos se incluem, nomeadamente, o reforço das infraestruturas necessário para o aproveitamento urbanístico que serviu de base ao cálculo do valor do solo (n.º 8 do artigo 26º do CE) e o risco e esforço inerente à atividade construtiva, encargos que o expropriado, em ambos os casos, não teve que suportar, mas que suportaria se não fosse expropriado e pretendesse o mesmo aproveitamento.
Quer um, quer outro dos fatores significam a concretização da pretensão de igualar a situação de expropriados e não expropriados, de modo a evitar um benefício ilegítimo dos primeiros.
Ora, tal como Alves Correia (estudo citado, pág. 143) se refere ao primeiro fator ("A consideração das despesas necessárias ao reforço das infraestruturas existentes, nas situações referidas nesta norma, no cálculo do montante da indemnização é perfeitamente compreensível, pois sem o seu custeamento pelo expropriado não seria possível a realização do aproveitamento urbanístico que serviu de base à determinação do montante da indemnização"), também se poderá dizer, no caso, que, para obter no mercado normal, o preço equivalente ao valor por que bem idêntico é avaliado para efeitos de expropriação (de acordo com a sua aptidão edificativa e tendo como referencial o custo de construção) um não expropriado teria que suportar o risco e o esforço inerente à atividade construtiva.
É evidente que nos situamos, como não podia deixar de ser, num campo de prognose; mas trata-se de um juízo plausível e sem arbítrio de que não decorre um tratamento discriminatório entre expropriados e não expropriados.
Por outro lado, importa, ainda ter em conta que a correção a efetuar ao valor da avaliação, nos termos da norma em causa, se dimensiona em termos flexíveis (até 15%), o que sempre permitirá a ponderação de circunstâncias particulares do caso, de modo a, tanto quanto possível, ajustar a previsão dos referidos custos ou encargos à realidade hipotética.
Em suma, pois, a norma do artigo 26.º n.º 10 do CE não viola o princípio da igualdade e, nesta medida, o princípio da justa indemnização, consagrados nos artigos 13.º e 62.º n.º 2 da CRP.
(…) Por outro lado, não se vislumbram razões para afirmar que, por se traduzir em abater uma parcela ao montante que foi encontrado por aplicação dos critérios resultantes dos n.ºs 5 a 9 do mesmo artigo 26.º, a aplicação da norma conduz sistematicamente a uma indemnização abaixo do valor real e corrente dos bens num aproveitamento económico normal. A norma em causa prevê fatores que, de modo geral, são influentes na determinação do valor de transação dos terrenos aptos para construção em condições normais de mercado, e em relação aos quais não há evidência de que se trate de elementos já anteriormente considerados na determinação da base sobre que a dedução nela estabelecida vai operar, designadamente que a sua ponderação já esteja incorporada nos n.ºs 5 e 6 do artigo 26.º.»
Neste aresto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma do n.º 10 do artigo 26.º do Código das Expropriações, não havendo razão válida para contrariar tal entendimento.
Esta disposição é exigida pelo princípio da igualdade, na sua vertente externa. Ao avaliar-se um solo pela construção que nele seria possível efetuar, não se pode ignorar que o expropriado não suportou um risco e uma série de despesas (custos de marketing, organização, impostos, etc.), que se iriam traduzir num encargo a pesar sobre a habitação construída.
No caso dos autos, importa considerar a matéria factual que se deixou enunciada em sede própria, ressaltando que, apesar das infraestruturas existentes na via que confronta com a parcela expropriada, esta está condicionada pela localização em área de salvaguarda – Reserva Agrícola Nacional.
A maioria dos peritos, no respetivo laudo e com referência ao n.º 10 do artigo 26.º, considerou uma percentagem de 10%, “face ao risco que poderá existir face à localização da parcela no PDM, em Zona de Salvaguarda – RAN, que poderá limitar, ou impedir, qualquer construção neste tipo de solos”.
Este item é considerado pelo perito dos expropriados e pelo acórdão arbitral, justificando no entanto uma proporção inferior. É assim que o perito salienta que, “dentro de um universo máximo de 15% entende como razoável a percentagem de 5%, nesta matéria específica percentagem idêntica à constante no Acórdão de Arbitragem, dado que o aproveitamento construtivo considerado – moradia unifamiliar – não envolver especiais riscos, tendo até em atenção a localização do prédio”.
A ponderação das razões enunciadas, evidenciando não se ultrapassarem os riscos mínimos e genéricos, justifica que não se ultrapasse esta percentagem – de 5% – considerada pelo perito minoritário e pelos árbitros, no respetivo laudo.
Com a consideração dos elementos enunciados e em relação ao valor da parcela expropriada, obtém-se o valor unitário de 39,26€/m2 que se traduz no montante global de € 11.385,04 – o qual resulta dos seguintes valores parcelares:
[(0,225 × 2 × 600) + (0,05 × 300)] x 0,145 × 0,95 = 39,26€/m2.
290m2 × 39,26€/m2 = 11.385,04€.
A este valor acresce o montante de 640,00€, referente a benfeitoria consubstanciada no muro de vedação em pedra solta, referenciada na matéria de facto – o que traduz o valor total de 12.025,04€.
3.2 A indemnização devida por alegada depreciação das partes sobrantes.
A este propósito, os recorrentes defendem que a indemnização deve incluir o ressarcimento pela totalidade da desvalorização das parcelas sobrantes, dado que se verifica que o prédio-mãe, de onde foi destacada a parcela expropriada, sofreu depreciações e ficou sujeito a diversas restrições ao seu aproveitamento urbanístico e mesmo agrícola
Pretendem ainda que a indemnização suplementar devida nunca seria prejudicada pela eventual integração de parte daquelas áreas sobrantes em RAN, por força de normas do PDM de Vila Nova de Gaia, pois a aquisição do prédio em causa pelos expropriados ocorreu, em 26 de dezembro de 1988 e em 13 de março de 1989, sendo anterior à ratificação, publicação e entrada em vigor daquele instrumento de gestão territorial; remetem para documento de habilitação de herdeiros que acompanha a motivação do recurso e que aí qualificam como “Doc. 1”.
A expropriante refuta a existência de qualquer desvalorização da parte sobrante, quer porque, proporcionalmente, mantém os mesmos cómodos, capacidades, rendimentos e demais características que detinha a totalidade do prédio à data da declaração de utilidade pública, quer porque, pela sua localização – em RAN/REN – a classificação do solo é de aptidão para outros fins e portanto, para este tipo de solos inexistem quaisquer limitações por diminuição de área, tal qual sucedeu na presente expropriação; a obra que motivou a expropriação até veio beneficiar a parte sobrante, melhorando significativamente os acessos à mesma, prante o que é inaceitável falar de desvalorização.
Com relevância nesta questão, o artigo 29.º do Código das Expropriações estabelece que, nas expropriações parciais, os árbitros ou os peritos calculam sempre, separadamente, o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública (n.º 1); quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada (n.º 2); no entanto, não haverá lugar à avaliação da parte não expropriada, nos termos do n.º 1, quando os árbitros ou os peritos, justificadamente, concluírem que, nesta, pela sua extensão, não ocorrem as circunstâncias a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 2 e o n.º 3 do artigo 3.º (n.º 3).
Com relevância, consta no elenco dos factos provados que a parte sobrante tem forma trapezoidal e a área aproximada de 1.700m2, mantendo-se as suas características após a DUP; o acesso principal ao prédio dos expropriados, por caminho que ligava à casa dos expropriados ocorreu na primeira expropriação; o acesso à parte sobrante do prédio é realizado através do novo restabelecimento da Rua …, o qual tem características municipais, permitindo o seu atravessamento e circulação sem qualquer restrição.
No acórdão de arbitragem, os árbitros expressam o entendimento de que “não haverá desvalorização da parte sobrante, dado que a mesma mantém as potencialidades de raiz que oferecia o prédio em conjunto”.
No laudo de peritagem, os peritos expressam o entendimento de que “a parte sobrante, mantém proporcionalmente as mesmas características que detinha antes da expropriação, mantendo a sua classificação e localização em sede de PDM, bem como seu valor unitário, não sofrendo qualquer depreciação”.
Respondendo aos quesitos formulados pelos expropriados, os peritos deram resposta negativa a diferentes perguntas com relevo na questão que se aprecia, nomeadamente, saber se o imóvel dos expropriados ficou totalmente devassado pela utilização da via construída na parcela expropriada ou se as partes sobrantes do prédio dos expropriados ficaram separadas entre si, em virtude da expropriação aqui em causa e isoladas por perderem o seu principal acesso.
Questionado se a parte sobrante ficou desvalorizada por ter ficado “encravada” entre as vias circundantes e a uma cota inferior à única via que lhe pode dar acesso, os peritos responderam negativamente; o perito indicado pelos expropriados expressou o entendimento de que “ocorreu desvalorização pelos motivos referidos nas respostas aos quesitos n.ºs 20 e 24. De qualquer modo e como já anteriormente referiu (nas respostas aos aludidos quesitos), entende que tal questão, salvo entendimento diferente do Tribunal, resultará da primeira expropriação”.
Questionado se é necessário proceder à construção de um acesso às partes sobrantes que, dado o desnível reduzirá muito a sua área útil, os peritos respondem negativamente, porque tal acesso já existe. Também aqui o perito indicado pelos expropriados expressou o entendimento de que “foi executado um acesso para a parte sobrante, mas que este, de modo algum, é compatível com o que o prédio dispunha antes da expropriação da parcela n.º 26. O prédio antes dessa expropriação possuía uma frente de 130 metros para a Rua da Portela e mesmo considerando apenas a parte sobrante essa confrontação era de cerca de 80 metros. De qualquer modo e como já anteriormente referiu entende que tal questão, salvo entendimento diferente do Tribunal, resultará da primeira expropriação”.
Salienta-se a este propósito que a expropriação a que se reportam os presentes autos, desencadeada pelo despacho n.º 9222-D/2004 (2.ª série), publicado no D.R. II Série de 07/05/2004, configura um aditamento a uma anterior expropriação reportada ao mesmo prédio e à mesma da obra da concessão Costa da Prata – IC 1 – Miramar/Madalena – Sublanço EN … – ER 1.18, estando em causa na anterior expropriação a parcela 26 e, na atual, a parcela …. Importa no entanto salientar que a presente expropriação não está condicionada à discussão das anteriores expropriações.
Perante os elementos em presença, o tribunal não vê que haja qualquer fundamento para contrariar o entendimento dos peritos e afirmar em termos factuais a existência de uma depreciação da parte sobrante em consequência da presente expropriação e, por essa via, atribuir valor indemnizatório.
Por isso, improcede nesta parte o recurso, não havendo razão válida para afirmar a depreciação das partes sobrantes em resultado da presente expropriação e, por essa via, fixar valor de indemnização.
3.3 A atualização da indemnização.
A este propósito, afirma-se na decisão recorrida:
«(…) Atendendo a que o montante da indemnização foi calculado com referência à data da declaração de utilidade pública com carácter de urgência, publicada no D.R. II Série, de 07/05/2004, o mesmo terá que ser atualizado de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão de habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens, desde essa data até à decisão final do processo, conforme dispõe o art. 24.º do C. das Expropriações.
Esta solução visa compensar os Expropriados do dano decorrente da depreciação do valor da indemnização, decorrente da inflação.
Assim, ao valor arbitrado a título de indemnização deverá acrescer a quantia correspondente a esta atualização, calculada de acordo com o critério fixado pelo Acórdão do STJ, para fixação de jurisprudência, n.º 07/2001, de 25/10, que decidiu que: “em processo de expropriação por utilidade pública, havendo recurso da arbitragem e não tendo esta procedido à atualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é atualizado até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito. Daí em diante a atualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado.
Tendo havido atualização na arbitragem, só há lugar à atualização, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à decisão final, sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado.”
No caso em apreço foi deferido em 25/06/2009 o levantamento pelos Expropriados da quantia de €11 190,20, retendo-se a quantia provável das custas e no dia 20/11/2009 os Expropriados receberam a quantia de €10 190,20, resultado da dedução do valor das custas prováveis.
Assim a atualização deverá incidir sobre a quantia de €11 425,10., desde a data da DUP até 20/11/2009 e a partir daí sobre a diferença do valor da indemnização a haver – e o montante então recebido, que se computa em €1 234,90. (…)».
Os recorrentes alegam a este propósito que, “como decidiu, e bem, na douta sentença recorrida, o montante indemnizatório que vier a ser fixado deverá ser atualizado desde a data da declaração de utilidade pública – 2004.03.29 – até à decisão final do presente processo, de acordo com os índices de preços no consumidor do INE, acrescendo, a partir daí, os respetivos juros moratórios (v. arts. 13.º, 62.º e 204.º da CRP; cfr. art. 24.º do CE 99)”.
No confronto da fundamentação da sentença recorrida e das razões enunciadas pelos recorrentes, se bem se interpretam as mesmas, não está em causa propriamente a atualização da indemnização, mas apenas a data relevante quanto à declaração de utilidade pública e a consideração de juros de mora.
Quanto à atualização propriamente dita e tendo em conta o artigo 24.º do Código das Expropriações, na parte que aqui interessa, é pacífico que o valor da indemnização devida terá que ser atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, sendo esse índice o publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens, com referência à data da declaração de utilidade pública – que na sentença recorrida se situou em 7 de Maio de 2004 (que corresponde à data em que foi publicado, em Diário da República, o despacho n.º 9222-D/2004 que declarou a utilidade pública) e que os recorrentes pretendem situar em 29 de Março de 2004 (que consta no aludido despacho, como data de prolação do mesmo).
A norma em causa deve ser interpretada no âmbito do título onde se insere, relativo ao conteúdo da indemnização, em conjugação, nomeadamente, com o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do mesmo diploma legal, anteriormente mencionado e nos termos do qual a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
A conjugação destas normas evidencia – ao que se afigura, de modo incontroverso – que a data relevante é a da publicação da declaração de utilidade pública. Por isso, não há censura a fazer à decisão recorrida, quanto a este ponto.
Os recorrentes pretendem também a consideração de juros de mora, a partir da decisão final do presente processo. Repetem aqui o que já reclamavam no âmbito do recurso interposto da decisão arbitral.
«A atualização da indemnização não se confunde com os juros de mora. A atualização está relacionada com as flutuações do valor da moeda e visa proteger o expropriado contra o fenómeno da desvalorização; os juros de mora, tal como o nome indica, resultam do atraso no cumprimento da prestação» – Pedro Cansado Paes, Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa, “Código das Expropriações”, Almedina, página 133, em anotação ao artigo 24.º.
Importa considerar que, nos termos enunciados na sentença recorrida, «no caso em apreço foi deferido em 25/06/2009 o levantamento pelos Expropriados da quantia de €11.190,20, retendo-se a quantia provável das custas e no dia 20/11/2009 os Expropriados receberam a quantia de €10.190,20, resultado da dedução do valor das custas prováveis».
Assim, reiterando o que se afirma na sentença, mas tendo presente o valor de indemnização antes afirmado, a atualização deverá incidir sobre a quantia de €12.025,04, desde a data da DUP até 20 de novembro de 2009 e a partir daí sobre a diferença do valor da indemnização a haver e o montante então recebido (€10.190,20), diferença que se computa em €1.834,84.
Os juros são contados desde a data do trânsito em julgado da decisão final e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, revogando-se a mesma na parte em que fixa a indemnização pela expropriação.
Em sua substituição, decide-se fixar a indemnização pela expropriação do prédio a que se reportam os autos na quantia global de € 12.025,04 (doze mil e vinte e cinco euros e quatro cêntimos).
A esse montante acresce o valor correspondente à atualização dessa quantia nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do Código das Expropriações, por aplicação do índice de preços no consumidor, com exclusão de habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens, que incide sobre a quantia de € 12.025,04 desde 7 de maio de 2004 até 20 de novembro de 2009 e sobre a quantia de € 1.834,84 (mil oitocentos e trinta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos), desde essa data, até à de prolação de decisão final nestes autos, a que acrescem ainda juros à taxa legal contados sobre este montante (€ 1.834,84) desde a data do trânsito em julgado da decisão final e até efetivo e integral pagamento.
Custas a cargo dos recorrentes/expropriados e da recorrida/expropriante, na proporção de 95% para os primeiros e de 5% para a segunda.
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Porto, 8 de junho de 2015.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Rita Romeira