Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
671/15.3T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL DO TRABALHO
AÇÃO RELATIVA A DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO COLETIVO
Nº do Documento: RP20151028671/15.3T8AGD.P1
Data do Acordão: 10/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Proposta acção visando a declaração da ilicitude do despedimento promovido pelo Administrador da Insolvência, deve a mesma correr por apenso ao respectivo processo de insolvência atento o disposto no artigo 89º, nº2 do CIRE, sendo competente para o seu conhecimento o Tribunal do Comércio nos termos do artigo 128º, nº1, al. a) e nº3 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº62/2013 de 26.08.
II - Não é pelo facto do artigo 82º, nº2 do CIRE aludir expressamente a dívidas da massa insolvente, que se devem excluir do seu âmbito de aplicação as acções que, não tendo na sua base, imediata ou directamente, dívidas de natureza pecuniária, têm, contudo, a virtualidade de virem a afectar, por via reflexa, a massa insolvente.
III - Assim, o pedido de reintegração formulado pelo trabalhador em acção de impugnação do despedimento, está abrangido pelo disposto no artigo 89º, nº2 do CIRE.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º671/15.3T8AGD.P1

Relatora: M. Fernanda Soares – 1332
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B… instaurou, em 11.03.2015, na Comarca de Aveiro, Águeda – Instância Central – 2ª Secção do Trabalho – Juiz I, acção de impugnação de despedimento colectivo contra Massa Insolvente da C…, S.A., pedindo dever julgar-se ilícito o despedimento que vitimou o Autor e a consequente condenação da Ré A) A reintegrá-lo no seu posto de trabalho ou, opção a fazer até à data da sentença, uma indemnização substitutiva dessa reintegração; B) A pagar-lhe as retribuições que o Autor deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até à data do trânsito em julgado da sentença, ascendendo as já vencidas a € 2.445,00; C) A pagar-lhe a quantia de € 432,58, a título de férias não gozadas em 2014 e as quantias de € 2.037,50 e € 1.763,22, a título de pré-aviso em falta e formação profissional, respectivamente; D) A pagar-lhe a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; E) A pagar-lhe os juros devidos desde a citação e até integral pagamento.
O Autor alega ter sido admitido ao serviço da Ré em 15.07.1991 para exercer as funções de programador de fabrico, mediante remuneração, que ultimamente era no valor de € 815,00 mensais a que acrescida o subsídio de refeição no montante de € 6,17 por cada dia de trabalho efectivamente prestado. No dia 12.12.2012 cessou o contrato de trabalho por decisão do Administrador da Insolvência da C…, o que sucedeu igualmente com mais 17 colegas do Autor. Contudo não foi dado cumprimento ao disposto nos artigos 360º a 363º do CT/2009 sendo o despedimento ilícito.
A Ré veio contestar arguindo a incompetência do Tribunal do Trabalho para conhecer da presente acção, sendo competente o Tribunal do Comércio, nos termos do artigo 128º, nº1, al. a) e nº3 da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), na medida em que a sociedade C… foi declarada insolvente por sentença proferida em 30.09.2014, transitada em julgado, e devendo a presente acção correr por apenso ao processo de insolvência, atento o disposto no artigo 89º, nº2 do CIRE. Veio ainda arguir a inutilidade da lide citando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 08.05.2013. Pugna pela licitude do despedimento colectivo, alegando que os créditos reclamados pelo Autor são dívidas da insolvência e não dívidas da massa insolvente, pela inaplicabilidade do artigo 156º do CPT mas antes dos artigos 98º-C e seguintes do mesmo Código e pela inconstitucionalidade dos artigos 347º do CT e 51º do CIRE. Conclui pedindo a procedência da excepção de incompetência e da inutilidade da lide e a improcedência da acção.
Em 29.04.2015 o Mmº. Juiz a quo julgou o Tribunal do Trabalho absolutamente incompetente para conhecer da presente acção e absolveu da instância a Ré.
O Autor veio recorrer pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que julgue o Tribunal do Trabalho de Águeda da Comarca de Aveiro competente, concluindo do seguinte modo:
1. Na acção sob recurso pede-se, além do mais que: seja declarado ilícito o despedimento que vitimou o Autor e a condenação da Ré a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho com a antiguidade e categoria que lhe pertenciam ou, opção a fazer até à data da sentença, indemnização substitutiva dessa reintegração a calcular nos termos do artigo 366º do CT.
2. Ora, o artigo 89º do CIRE determina que correm por apenso ao processo de insolvência apenas as acções de dívida e já não as acções onde seja peticionada a reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho já que tal matéria é da competência exclusiva do Tribunal do Trabalho e não de qualquer outro Tribunal – artigo 126º da LOSJ.
3. Assim, ao decidir como decidiu, o Mmº. Juiz a quo fez uma errada aplicação do direito violando o disposto nos artigos 89º do CIRE e 126º da LOSJ.
A Ré veio arguir a inadmissibilidade do recurso e defender a sua improcedência, concluindo do seguinte modo:
1. No âmbito dos presentes autos a Ré apresentou a sua contestação, na qual invocou, além do mais, a excepção dilatória de incompetência do Tribunal em razão da matéria, por força da conjugação do disposto nos artigos 89º do CIRE e 126º, nº1, al. b) e 128º, nº1, al. a), ambos da LOSJ, em virtude dos quais se verifica uma extensão de competência dos Tribunais de Comércio, alterando a normal reserva de competência material dos Tribunais do Trabalho, para apreciação de créditos laborais emergentes da cessação de contrato de trabalho.
2. Mais invocou a Ré, no mesmo articulado, a inutilidade superveniente da lide.
3. O Autor foi notificado da contestação e não apresentou qualquer resposta às excepções invocadas pela Ré, sendo que nos termos do disposto no nº3 do artigo 60º do CPT a falta de resposta tem efeito cominatório, ou seja, consideram-se confessados os factos articulados no âmbito dessas mesmas excepções.
4. Está precludido o direito do Autor alegar, em sede de recurso, o que podia e devia ter alegado em sede própria, ou seja, no articulado resposta.
5. O presente recurso não é admissível porquanto os factos ou argumentos agora utilizados pelo Autor não foram carreados oportunamente e em sede própria para os autos, impossibilitando que o Tribunal a quo os pudesse atender na decisão a proferir.
6. A sociedade C… foi declarada insolvente por sentença proferida em 30.09.2014, transitada em julgado.
7. A cessação do contrato de trabalho do Autor ocorreu em data posterior à declaração de insolvência daquela sociedade insolvente.
8. O Autor apresentou no processo de insolvência a sua reclamação de créditos, que será objecto de análise pelo senhor administrador da Insolvência em sede própria.
9. Pois as questões nestes autos alegadas terão que ser dirimidas no âmbito do processo de insolvência.
10. A deliberação de encerramento e consequente liquidação do activo da sociedade C… torna absolutamente impossível qualquer pedido de reintegração.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação, citando o acórdão desta Secção Social de 03.02.2014 e o acórdão do STJ de 15.04.2015, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Nenhuma matéria importa aqui consignar para além da já referida anteriormente.
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III
Questão prévia – da admissibilidade do recurso.
A Ré veio dizer que o recurso não é admissível, apresentando os seguintes argumentos:
No âmbito dos presentes autos a Ré apresentou a sua contestação, na qual invocou, além do mais, a excepção dilatória de incompetência do Tribunal em razão da matéria, por força da conjugação do disposto nos artigos 89º do CIRE e 126º, nº1, al. b) e 128º, nº1, al. a), ambos da LOSJ, em virtude dos quais se verifica uma extensão de competência dos Tribunais de Comércio, alterando a normal reserva de competência material dos Tribunais do Trabalho, para apreciação de créditos laborais emergentes da cessação de contrato de trabalho. Mais invocou a Ré, no mesmo articulado, a inutilidade superveniente da lide. O Autor foi notificado da contestação e não apresentou qualquer resposta às excepções invocadas pela Ré, sendo que nos termos do disposto no nº3 do artigo 60º do CPT a falta de resposta tem efeito cominatório, ou seja, consideram-se confessados os factos articulados no âmbito dessas mesmas excepções.
Salvo o devido respeito, carece de total fundamento o referido pela Ré. Na verdade, a falta de resposta à contestação, quando nesta se arguiram excepções ou pedido reconvencional, não preclude o direito ao recurso, mas apenas tem como efeito cominatório considerar-se admitidos por acordo os factos que não foram impugnados – artigo 60º, nº4 do CPT e 574º do CPC.
Deste modo, improcede tal questão.
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IV
Objecto do recurso.
Da incompetência material do Tribunal do Trabalho para conhecer da presente acção.
Da decisão recorrida consta o seguinte: (…) “Analisados os autos, mormente da documentação junta, verifica-se que C…, S.A., foi declarada insolvente por sentença datada de 30.09.2014 nos autos de processo especial de insolvência que correm termos pela Secção do Comércio de Aveiro com o nº39714.9T8AVR (fls. 46 a 49). Por sua vez, a cessação do contrato de trabalho celebrado entre o Autor deu-se em 12.12.2014 (fls. 14), ou seja, em data posterior à declaração de insolvência”, para mais à frente se concluir que “face ao disposto no nº2 do artigo 89º do CIRE a presente acção teria de ter sido instaurada e correr por apenso ao processo de insolvência, termos em que não é o presente Tribunal competente em razão da matéria para a respectiva apreciação” (…)
O apelante discorda defendendo que o artigo 89º, nº2 do CIRE apenas se aplica às acções relativas às dívidas da massa e já não às acções em que está em causa uma prestação de facto, a reintegração do Autor no seu posto de trabalho, matéria que é da exclusiva competência do Tribuna do Trabalho.
Analisemos então.
A competência em razão da matéria, conforme ensina o Prof. Alberto dos Reis, determina-se pelo conteúdo da lide (Comentário ao CPC., volume I, pg.110).
E igual opinião tem o Professor Manuel de Andrade ao referir que “a competência do Tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão” – Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pg.91. E mais adiante refere ainda aquele ilustre Professor (…) “na definição desta competência a lei entende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objecto, encarado sob um ponto de vista qualificativo – o da natureza da relação substancial pleiteada” – obra citada, pg.94.
Posto isto, passemos ao caso dos autos.
O apelante não questiona o facto de na sentença recorrida se ter considerado que a cessação do contrato de trabalho ocorreu já após a declaração de insolvência da empregadora.
Ora, e em face do disposto no artigo 55º, nº1, al. b) do CIRE [«1.Além das demais tarefas que lhe são cometidas, cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir: b) Prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica»] podemos afirmar que a atribuição ao administrador da insolvência da faculdade de poder fazer cessar o contrato de trabalho – com fundamento na sua não indispensabilidade à manutenção da empresa em funcionamento – constitui uma das suas funções, precisamente a indicada na al. b) do nº1 do artigo 55º do CIRE, e, por isso, integra a situação prevista no artigo 51º, nº1, al. d) do CIRE [«São dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções»], ou, então, a situação prevista na al. c) do mesmo artigo [«São dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente»].
Neste sentido é o acórdão desta Relação, datado de 06.07.2010 em www.dgsi.pt
Tal conclusão remete-nos para o disposto no artigo 89º do CIRE, que sob a epígrafe “Acções relativas a dívidas da massa insolvente” dispõe o seguinte: “1.Durante os três meses seguintes à data da declaração de insolvência, não podem ser proposta execuções para pagamento de dívidas da massa insolvente. 2. As acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária”.
O apelante defende que o referido artigo – fundamento do despacho recorrido – não se aplica quando em causa está, igualmente, uma prestação de facto, a reintegração do trabalhador.
Sobre tal questão já o STJ se pronunciou no acórdão de 15.04.2015 – publicado em www.dgsi.pt – e que na parte que interessa passamos a citar: “Como flui do teor do relatório do presente acórdão, em consonância com o enunciado dos factos retidos pelo Tribunal recorrido, é pacífico que o invocado despedimento ocorreu já depois de proferida a sentença que declarou a «BB – …, S.A.» insolvente e que, por consequência, também o presente procedimento cautelar, visando a suspensão daquele despedimento, foi promovido em momento ulterior àquela declaração e ao seu trânsito. Daí que qualquer consequência emergente desse despedimento onere necessariamente, já não o insolvente, mas sim a massa insolvente, porquanto se tratou de acto praticado pelo administrador da insolvência, projectando-se já sobre a massa as suas consequências. Estamos, assim, em pleno âmbito de aplicação das conjugadas normas dos artigos 51.º e 55.º do CIRE, pelo que a acção (ou procedimento cautelar) que seja susceptível de onerar a massa insolvente deve correr por apenso ao respectivo processo, conforme imposto pelo artigo 89.º, n.º 2, do CIRE, sendo a competência para o seu conhecimento e tramitação, por necessário, cometida ao Tribunal do Comércio, ao abrigo do disposto no artigo 89.º, n.º 2, da LOFTJ. É incontroverso, como aduz a recorrente, que os citados preceitos se referem a dívidas da massa insolvente – …ao passo que por via do presente procedimento cautelar se visa a suspensão de um despedimento, com a consequente reintegração do trabalhador –, o que, na sua óptica, demanda que se conclua estarmos perante realidades distintas. Ou seja: um pedido de suspensão de um despedimento não assume natureza pecuniária ou de dívida susceptível de subsunção nos preceitos que imporiam a propositura dos respectivos processos por apenso ao processo de insolvência. Não é esse todavia o nosso entendimento. Na verdade – e embora concordemos que, na sua pureza, a suspensão de um despedimento, por via cautelar, é distinto de uma dívida da massa insolvente –, o certo é que as consequências, porventura advenientes daquela suspensão, projectar-se-iam fatalmente naquela massa insolvente, onerando-a e gerando correspectivas dívidas, quanto mais não fosse, as atinentes ao pagamento de retribuições. Destarte, não é propriamente por o preceito aludir a dívidas da massa insolvente que se devem excluir do seu âmbito de aplicação acções que, não tendo na sua base, imediata ou directamente, dívidas de natureza pecuniária, têm, contudo, a virtualidade de virem a afectar, por via reflexa, a massa insolvente, o que reclama a competência dos tribunais do comércio para o seu conhecimento” (…) [sublinhado da nossa autoria].
Sufragamos aqui, e com a devida vénia, tal entendimento. Com efeito, se o pedido de reintegração não tem cariz pecuniário certo é que o trabalhador no decurso da acção poderá fazer a opção por indemnização em vez da reintegração. E se tal lhe é permitido, então, o pedido inicial, de reintegração, acaba por se transformar em pedido pecuniário que necessariamente se via reflectir na massa insolvente.
Por isso, e com tais fundamentos, improcede o recurso.
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Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo do apelante.
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Porto, 28-10-2015
Fernanda Soares
Domingos José de Morais
Paula Leal de Carvalho