Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2850/15.4T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
TACÓGRAFO
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE
Nº do Documento: RP201604072850/15.4T8AVR.P1
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º238, FLS.228-234)
Área Temática: .
Sumário: A responsabilidade pela contraordenação muito grave, prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos arts. 15° n.º 7, al. a), e als. i) e iii) do Regulamento CEE n.º 3821, do Conselho, de 20/12/1985, na redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03/2006, 14º n.ºs 1 e 4, al. a) e 25º n.º 1, al. b) da Lei n.º 27/2010, de 30/08 [não apresentação, pelo motorista, das folhas do registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pelo agente encarregado da fiscalização] impende, nos termos do nº 1 do art. 13º da Lei 27/2010, de 30.08, sobre o empregador, a menos que este faça a prova da exclusão da sua responsabilidade nos termos previstos no nº 2 desse art. 13º.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 2850/15.4T8AVR.P1 Recurso Social
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 881)
Adjunto: Des. Rui Penha

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Não se conformando com a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), proferida aos 16.07.2015, que a condenou no pagamento da coima de €2.754,00 pela prática, a título negligente e como reincidente, de uma contraordenação muito grave, prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos arts. 15° n.º 7, al. a), e als. i) e iii) do Regulamento CEE n.º 3821, do Conselho, de 20/12/1985, na redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03/2006, 14º n.ºs 1 e 4, al. a) e 25º n.º 1, al. b) da Lei n.º 27/2010, de 30/08 e 561º n.ºs 1 e 2 do Cód. do Trabalho, veio a arguida B…, Ldª impugnar judicialmente a referida decisão.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a mencionada impugnação improcedente, mantendo integralmente a decisão impugnada.

A arguida, inconformada veio recorrer da mencionada decisão, tendo formulado, a final da sua motivação, as seguintes conclusões:

1 – A recorrente não põe em causa – nunca pôs, aliás – a ocorrência da contra-ordenação.
2 – Mas sim a aplicação e imputação da contra-ordenação à arguida.
3. – Porquanto, e conforme testemunho prestado em sede de audiência, pelo próprio motorista à data dos fatos, terá que ser dado como provado que a arguida fornece todo o tipo de formação aos seus motoristas.
4 – Detendo e disponibilizando todas as condições aos mesmos.
5 – Pelo próprio trabalhador, C…, foi confirmado toda a formação ministrada pela empresa, bem como todas as condições disponibilizadas.
6 – Foi ainda confirmado pelo mesmo que detém formação adequada e actual no âmbito de manuseamento de tacógrafos.
7 – Que a arguida planifica a sua jornada diária de trabalho.
8 – Procedendo inclusive à sua fiscalização no que se reporta à entrega dos tacógrafos, em conformidade legal.
9 – Tendo sido salientado que detém consciência do respectivo erro, o qual afirmou ser do próprio, derivado de esquecimento.
10 – Do exposto, resulta claro que a contra-ordenação foi claramente praticada pelo motorista e não pela arguida.
11 – Constatando-se que deveria ser aplicada a norma do n.º 3 do artigo 13.º, da Lei 27/2010, de 30 de Agosto.
12 – O Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do conselho, de 20 de Dezembro de 1985, reporta-se à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários.
13 – O n.º7 do artigo 15.º do referido diploma legal originário, estatuía que “O Condutor deve estar em condições de apresentar, a qualquer pedido dos agentes encarregados do controlo, as folhas de registo da semana em curso e, em todo o caso, a folha do ultimo dia da semana procedente, no decurso do qual conduziu.”
14 – Com a redacção dada pelo Regulamento CE n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e Conselho, o n.º 3 do artigo 15.º passou a tipificar que os condutores devem certificar-se da concordância entre a marcação horária na folha e a hora legal do país onde o veículo foi matriculado, preocupar-se em accionar os dispositivos de comutação que permitem distinguir os grupos de tempo a registar, designadamente o tempo de condução.
15 – Ora, estipula o n.º 1 do artigo 25.º, da Lei 27/2010, de 30 de Agosto, que “Constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente da fiscalização…cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efetuadas, que o condutor esteja obrigado a apresentar.”
16 – O n.º 1 do artigo 13.º, da Lei 27/2010, de 30 de Agosto, tipifica que “a empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.”
17 – Estatuindo o n.º 2 que “a responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 562/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março.”
18 – Para o que estipula o n.º 3, do mesmo diploma legal, que “o condutor è responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior…”
19 – Atendendo que o próprio motorista afirmou que a prática da contra-ordenação foi erro seu.
20 – Motivado por esquecimento próprio.
21 – Foi provado que a arguida fornece e disponibiliza toda a formação aos seus motoristas.
22 – Logo, não poderá existir responsabilidade da arguida apenas pelo simples facto de ser entidade patronal.
23 – Pois, a apresentação de documento que é propriedade e está na posse do condutor nada tem haver com a organização do trabalho.
24 – Aliás, a organização de trabalho releva para efeitos de cumprimento de tempo de trabalho e de condução.
25 – E não para a exibição de documentos que possam comprovar tal organização.
26 – Pelo que, a fundamentação da decisão, atenta a matéria de facto apreciada, e dada como provada, é insuficiente e contraditória.
27 – Verificando-se apenas a imputação da responsabilidade da infracção em apreço assente numa mera presunção de que a entidade patronal não adotou as devidas medidas para o efeito.
28 – Do exposto, resulta provado que o motorista foi o único responsável pela prática da contra-ordenação.
29 – E a arguida em nada contribuiu, ou beneficiou, com a contra-ordenação.
30 – Como também não teve algum proveito económico.
31 – De salientar que conforme foi considerado provado no ponto 6 da douta sentença, a “arguida facultou ao seu trabalhador C… uma acção de formação, versando, designadamente, sobre tacógrafos, formação ministrada por uma empresa externa e levada a cabo em Junho de 2014, cerca de 3 ou 4 meses depois do trabalhador ter sido admitido ao seu serviço.”
32 – O que demonstra que, precisamente no período temporal em que ocorreu a contra-ordenação, o motorista tinha recebido formação na área dos tacógrafos.
33 – E o mesmo foi transmitido pelo próprio motorista.
34 – E dado como provado na douta sentença.
35 – A formação ministrada pela arguida demonstra claramente a preocupação em apoiar os seus motoristas e criar as condições necessárias e essenciais para o exercício da actividade.
36 – O que por sua vez deveria ser considerado suficiente, para efeitos da exclusão de responsabilidade, os procedimentos instituídos e praticados pela arguida.
37 – Pois, caso contrário, a prova para exclusão de responsabilidade será impossível.
38 – Não obstante, pesar de preenchido objectivamente o tipo legal de contra-ordenação imputada á arguida.
39 – Também encontra-se devidamente preenchida e dada como provada a exclusão de tal responsabilidade.
40 – Uma vez que ficou provado o facto do arguido não ter sido responsável pelo cometimento da contra-ordenação.
41 – Designadamente que ministrou a formação do motorista em apreço.
42 – Organiza o trabalho do mesmo, bem como todos os seus motoristas.
43 – E fiscaliza o cumprimento de todas as imposições legais.
44 – Deverá ainda ser considerado o facto de a arguida ter remetido, em fase administrativa do processo, os discos de tacógrafos dos dias 5, 6, 7, 9, 11, 12, 13, 17, 19, 24, 25, 26 e 30 de Junho de 2014.
45 – Dos mesmos não foi detetada qualquer regularidade pela arguente.
46 – Sendo que, o que efectivamente está aqui em causa é um esquecimento do motorista na apresentação de determinados discos de tacógrafos.
47 – E sendo a arguida bastante penalizada com o referido facto.
48 – Por fim, enaltecer que, conforme também foi confirmado pelo Sr. Guarda autuante, apenas encontravam-se em falta 12 discos de tacógrafos aquando da intercepção.
49 – E não os 28 discos, conforme tipo legal de contra-ordenação.
50 – Logo, deveria o mesmo ter sido considerado para efeitos de possível admoestação.
O Ministério Publico contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, parecer sobre o qual a Recorrente, notificada, não se pronunciou.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença proferida na 1ª instância:
“Consideram-se provados os seguintes factos:
1. No dia 2 de Julho de 2014, pelas 12h20m, na Rua …, em …, a arguida mantinha ao seu serviço, sob suas ordens, direcção e no exercício das suas funções, o condutor C…, portador da licença de condução n.º AV-…….., conduzindo o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ..-..-XZ.
2. No ato de fiscalização o referido condutor não apresentou todas as folhas de registo utilizadas no tacógrafo nos 28 dias anteriores à data da fiscalização, não tendo concretamente apresentado as referentes aos dias 5, 6, 7, 9, 11, 12, 13, 17, 19, 24, 25, 26 e 30 de Junho de 2014.
3. No acto de fiscalização, o condutor também não apresentou a declaração prevista no anexo da Decisão 2009/959/CE.
4. Nos dias 5, 6, 7, 9, 11, 12, 13, 17, 19, 24, 25, 26 e 30 de Junho de 2014, o dito condutor prestou trabalho para a arguida, tendo conduzido a viatura pesada de mercadorias com a matrícula ..-..-XZ, equipada com aparelho de tacógrafo.
5. A arguida foi condenada em 15/11/2012 em coima no valor de € 2.146,00, pela prática, em 11/03/2011, de contra-ordenação punida pelo art. 19º n.º 1, al. c) da Lei n.º 27/2010, de 30/08.
6. A arguida facultou ao seu trabalhador C… uma acção de formação, versando, designadamente, sobre tacógrafos, formação essa ministrada por uma empresa externa e levada a cabo em Junho ou Julho de 2014, cerca de 3 ou 4 meses depois do trabalhador ter sido admitido ao seu serviço.
7. A arguida remeteu ao processo, através de carta com registo de 11 de Fevereiro de 2015, cópia dos discos de tacógrafo utilizados pelo condutor C…, nos dias 5, 6, 7, 9, 11, 12, 13, 17, 19, 24, 25, 26 e 30 de Junho de 2014.
8. A arguida remeteu também ao processo, através de carta com registo de 11 de Fevereiro de 2015, cópia de 2 folhas de um “Manual do Formando – Motoristas de Pesados de Mercadorias” e um documento intitulado “Resumo dos pictogramas básicos”.
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Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente:
- Que na fase administrativa do processo de contra-ordenação, foram ouvidas duas testemunhas, e não apenas uma.
- Que a arguida prestou ao trabalhador C… qualquer outra formação, para além da referida no n.º 6 dos factos provados.
- Que a arguida organiza, planifica e fiscaliza a actividade dos seus motoristas, nomeadamente de C…”.
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III. Do Direito

1. Considerando as conclusões da motivação do recurso, as questões suscitadadas pela Recorrente são as seguintes:
- Se a contra-ordenação em causa deveria ter sido imputada ao motorista nos termos do nº 3 do art. 13º da Lei 27/2010, de 30.08;
- Se deveria ter sido aplicada a sanção da admoestação.

2. Da 1ª questão

Não pondo a Recorrente em causa que haja sido praticada a contraordenação em causa, entende todavia, pelas razões que invoca, que a mesma deve ser imputada ao motorista nos termos do nº 3 do art. 13º da Lei 27/2010, de 30.08.

2.1. Dispõe o art. 15º, nº 7, al. a), pontos i) e iii), do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, na redacção dada pelo art. 26º do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006 que o condutor “deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo” as folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores (a partir de 01.01.2008, sendo que, até esta data, os registos reportavam-se às utilizadas na semana em curso e nos 15 dias anteriores).
Por sua vez, determina o art. 25º da Lei 27/2010, de 30.08, que:
“1- Constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:
a) (...);
b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e empressão efectaudos, que o condutor esteja obrigado a apresentar;
c) (...)”.
Dispõe ainda o art. 13º da citada Lei 27/2010, que:
“1 - A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.
2 - A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
3 - O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22º.
4 – (…)”

2.2. No caso e desde logo, decorre das conclusões 3 a 9, 19, 20, 42, 43 e 46 do recurso que a Recorrente assenta parte da fundamentação que aduz em matéria de facto diferente da que foi dada como provada, parecendo até que pretende a sua impugnação, para tanto fazendo alusão ao depoimento prestado pelo motorista.
Acontece que a Relação, em matéria contraordenação, apenas conhece de direito e não já de matéria de facto tal como resulta do art. 51º, nº 1, da Lei 107/2009, de 14.09.
Assim, são inócuas e improcedentes as considerações que a mesma tece no sentido de que deveria ter sido dada como provada a factualidade a que alude no recurso, designadamente nas conclusões acima mencionadas, bem como a demais argumentação assente em tal factualidade.

2.3. Mais alega a arguida que: fornece e disponibiliza toda a formação aos seus motoristas, como decorre do nº 6 dos factos provados, não podendo ser responsabilizada pelo simples facto de ser entidade empregadora; a apresentação de documento que esteja na posse do condutor nada tem a ver com a organização do trabalho, sendo a fundamentação da decisão, atenta a matéria de facto provada, insuficiente e contraditória; a imputação assenta numa mera presunção de que a empregadora não adotou as devidas medidas para o efeito; remeteu ao processo os discos tacógrafos que se encontravam em falta.
Perante a factualidade dada como provada e atento o disposto no art. 13º, nº 1, da Lei 27/2010, de 30.08, mostra-se correta a sentença recorrida, sendo certo que não decorre da factualidade provada haver a arguida feito prova de que a responsabilidade pela prática da contraordenação em causa deva ser imputada ao motorista. Da factualidade provada não decorre que a arguida haja organizado o trabalho de modo a que o condutor pudesse ter cumprido a obrigação violada, assim como não resulta qualquer outra (eventual) causa de que decorresse que o motorista seria o único responsável, conforme de seguida melhor se dirá.

2.3.1. Desde logo, importa dizer que a questão da imputação das infrações praticadas pelo motorista ao serviço da entidade empregadora e que, no passado, se poderia discutir, encontra-se, atualmente e pelo menos desde a publicação da Lei 27/2010, ultrapassada.
Com efeito, o art. 13º, nº 1, da citada Lei 27/2010, já acima referido, veio dispor que “1. A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor”, sem prejuízo da possibilidade da exclusão dessa responsabilidade no caso do nº2 desse preceito, de harmonia com o qual “2. A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, (…), e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006 (…)”, caso este em que essa responsabilidade é do trabalhador, como se diz no seu nº 3, nos termos do qual “3. O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22º.”.
Este preceito veio dar execução ao disposto nos arts. 10º, nº 3, e 19º, nº 1, do Reg. (CE) 561/2006, dele resultando a imputação da contraordenação ao empregador, salvo se este fizer a prova prevista no nº 2 do mesmo.
Quanto à questão da compatibilização desses nºs 1 e 2 do art. 13º, da Lei 27/2010 [na medida em que consagrariam uma presunção de culpa] com o princípio da inocência e com a conceção subjetivista do direito contraordenacional [assente na culpa e que excluiriam a existência da responsabilidade objetiva e da presunção de culpa] foi ela já apreciada pelo Tribunal Constitucional no seu do Acórdão nº 45/2014, publicado no DR, II Série, de 11.02.2014, no qual se decidiu no sentido da constitucionalidade de tais normas, nele se tendo referido, para além do mais, o seguinte:
“ (…) Neste preceito consagra-se uma presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento à entidade patronal dos condutores de transporte rodoviário. Entende-se que, se um condutor não observar algum dos deveres estabelecidos na presente lei, sendo essa inobservância tipificada como contra-ordenação, há uma presunção que a respectiva infracção se deve à circunstância da entidade patronal não ter adoptado as medidas necessárias que impedissem a ocorrência do evento contra-ordenacional. O estabelecimento dessa presunção dispensa a alegação e prova dos factos materiais donde se pudesse extrair a responsabilidade do empregador pelos actos do condutor que é seu trabalhador, mas não deixa de permitir que aquele possa demonstrar que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço pudesse ter cumprido a norma que inobservou, excluindo assim a sua responsabilidade. Ora, conforme já tem referido este Tribunal, no âmbito das contra-ordenações, a imputação de um facto a um agente tem por referente legal e dogmático um conceito extensivo de autoria de matriz causal, conceito este segundo o qual é considerado autor de uma contra-ordenação todo o agente que tiver contribuído causal ou cocausalmente para a realização do tipo, ou seja, que haja dado origem a uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua acção ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma (…). O relevo da opção legal por um conceito extensivo de autor no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional, por oposição ao conceito restritivo de autoria que vigora, em regra, no domínio do direito penal, é especialmente perceptível nas hipóteses em que, como na presente situação, os factos cometidos envolvem a estrutura orgânica e funcional de uma empresa (…). Impendendo sobre a entidade patronal, o dever legal de garantir o cumprimento das regras respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização dos tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, ela é contra-ordenacionalmente responsabilizável, nos termos previstos no diploma em análise, não apenas nas hipóteses em que, por acção sua, tiver originado directamente o resultado antijurídico, mas ainda no contexto de uma contribuição omissiva, causal ou cocausalmente promotora do resultado típico presumida, quando a infracção é cometida pelo condutor que se encontra ao seu serviço. Competindo-lhe enquanto entidade patronal organizar o transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço cumpra as normas que regulamentam essa actividade, designadamente as regras laborais, não se revela arbitrária, nem injustificada a presunção de que a inobservância dessas regras por parte do condutor tem a sua causa na deficiente organização daquela actividade, estando nós perante o funcionamento de uma mera presunção relativa a factos. Se uma construção deste tipo pode ser problemática no domínio do direito penal, já em sede de direito de mera ordenação social em que apenas está em jogo a aplicação de coimas, não suscita qualquer reserva, tanto mais que, neste caso, se permite que a entidade patronal afaste a sua responsabilidade contra-ordenacional, demonstrando que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o condutor pudesse ter cumprido a norma que inobservou, ilidindo assim aquela presunção (…)”.
E conclui-se em tal acórdão que a solução contida no nº1 e no nº2 do artigo 13º da Lei nº27/2010 não é “violadora do princípio penal da culpa, nem de qualquer outro parâmetro constitucional”.
Sufragando-se tal juízo e sua fundamentação, de resto já adotado também por esta Relação no seu Acórdão de 03.011.2014, proferido no Processo 861/12.0TTMAI.P1[1], afastada fica a argumentação aduzida pela arguida em sentido contrário.
Com efeito, no caso em apreço e atenta a matéria de facto provada, a arguida não fez prova de que haja organizado o trabalho de modo a que o motorista pudesse ter cumprido o disposto no capítulo II do Regulamento (CE) nº561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, concretamente, no que ao caso respeita, o disposto nas normas infringidas relativas ao controle da utilização dos registos (arts. 15º, nº 7, al. a), pontos i) e iii) do Regulamento CEE nº 3821, do Conselho, de 20.12.2015, com a redação introduzida pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15.3.2006 e 25º nº 1 al. b) da Lei 27/2010).
Diga-se, ao contrário do que alega a Recorrente, que a organização do trabalho a que se reporta o nº 2 do art. 13º da Lei 27/2010 não tem a ver apenas com o cumprimento dos tempos de condução e repouso, mas também com o controlo dos mesmos, nomeadamente com a obrigação de apresentação das folhas de registo quando solicitadas pela autoridade competente, constituindo este um dos aspetos dessa organização e impendendo, como se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional acima transcrito, sobre a entidade patronal, o dever legal de garantir o cumprimento das regras respeitantes (….) e ao controlo da utilização dos tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário”. Aliás, no nº 3 do art. 13º da Lei 27/2010, em que se preveem as situações em que o condutor é o responsável pela infração, não se incluem imediata ou automaticamente as situações relativas ao controle da utilização dos registos ao contrário do que sucede com a previsão da responsabilidade dos motoristas pela infração ao disposto no art. 22º. Se tivesse sido intenção do legislador subtrair a responsabilidade da entidade empregadora pela contraordenação prevista no art. 25º desse diploma certamente que o teria dito. E não o disse.
De todo o modo, da factualidade provada não decorrem factos que permitam excluir a responsabilidade da Recorrente a que se reporta o citado art. 13º, nº 1, e imputá-la ao seu motorista. E essa exclusão não resulta, ao contrário do que alega a arguida, do que consta do nº 6 dos factos provados [6. A arguida facultou ao seu trabalhador C… uma acção de formação, versando, designadamente, sobre tacógrafos, formação essa ministrada por uma empresa externa e levada a cabo em Junho ou Julho de 2014, cerca de 3 ou 4 meses depois do trabalhador ter sido admitido ao seu serviço.]. Com efeito, deste ponto apenas resulta que foi fornecida formação ao motorista versando, designadamente, sobre tacógrafos, mas nada mais do que isso, mormente qual concretamente o conteúdo dessa formação e se respeita à matéria em causa nos autos.
Concorda-se, pois, com a sentença recorrida em que, para além do mais, refere que “[…], face à factualidade apurada, não pode ter-se como verificada no caso em apreço, em que não se provaram factos passíveis de afastar a ilicitude ou existência de culpa da arguida na verificação da infracção, designadamente que a arguida proporcionou ao condutor em causa formação nessa específica matéria (mas apenas, mais genericamente, que lhe facultou uma acção de formação, versando, designadamente, sobre tacógrafos, ministrada por uma empresa externa, em Junho ou Julho de 2014), ou que procedeu à organização, planificação e fiscalização do trabalho, de modo a assegurar-se que ele transportava consigo as folhas de registo relativas aos 28 dias anteriores.
Pelo que é de concluir pela responsabilização da arguida pela infracção, nos termos do disposto no art. 13º da Lei n.º 27/2010, de 30/08, ainda que materialmente praticada por condutor ao seu serviço.”.
Assim, face ao que se disse e atenta a matéria de facto provada, não se descortina também, ao contrário do que sustenta a Recorrente, qualquer insuficiência ou contradição na fundamentação da decisão recorrida. Dela decorre os factos considerados provados, os quais se subsumem na contraordenação imputada e sendo, perante tal factualidade e o disposto no art. 13º, nº 1, da Lei 27/2010, por ela responsável a arguida pois que, da factualidade provada, não decorrem factos que permitam, nos termos do nº 2 dessa disposição, imputá-la ao motorista.
Por fim, cumpre dizer que é irrelevante que a arguida tenha remetido ao processo os registos tacógrafos em falta aquando da fiscalização policial a que se reporta o nº 2 dos factos provados.
É que o que a norma infringida [art. 15º, nº 7, al. a), pontos i) e iii) do Regulamento (CEE) n.º 3821, na redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006,] prevê e o que o art. 25º da Lei 23/2010 tipifica como contraordenação é a não apresentação dos registos em causa aos agentes encarregados da fiscalização aquando da fiscalização e não já a sua não apresentação no decurso do processo contraordenacional. Aliás, a própria Recorrente não põe em causa a ocorrência da contraordenação como resulta da conclusão 1ª do recurso.
Deste modo, improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso.

3. Da 2ª questão

Tem esta questão por objeto saber, como defende a arguida, se lhe deveria ter sido aplicada a sanção da admoestação.
Tal pretensão é manifestamente improcedente, já que a impossibilidade de aplicação da admoestação decorre expressamente do disposto no art. 48º da Lei 107/2009, de 14.12, o qual dispõe que “Excepcionalmente, se a infracção consistir em contra-ordeanção classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode o juiz proferir uma admoestação.”. Decorre pois do citado preceito que um dos requisitos de verificação necessária à aplicação da admoestação é que a infração consubstancie contraordenação legalmente classificada como leve. Ora, no caso, a contraordenação em causa é legalmente qualificada como sendo muito grave, pelo que, manifestamente, improcede a pretensão da Recorrente.
E, assim sendo e sem necessidade de mais considerações, improcedem nesta parte as conclusões do recurso.
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IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça.

Porto, 07.04.2016
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Maria José Costa Pinto
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[1] Relatado pela ora relatora e inédito, ao que se supõe.