Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
462/16.4IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL
CRIME DE RESULTADO CORTADO
RESPONSABILIDADE CRIMINAL
PESSOA COLECTIVA
Nº do Documento: RP20190320462/16.4IDPRT.P1
Data do Acordão: 03/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º793, FLS.343-349)
Área Temática: .
Sumário: I - O crime de fraude fiscal configura um crime de resultado cortado, crime, estruturalmente, de tentativa, em que o resultado (como dano real) não é exigível.
II - É praticado no interesse da pessoa coletiva (e é, por isso, suscetível de originar responsabilidade criminal dessa pessoa coletiva) um ato efetuado pelo seu representante, ainda que do mesmo não resulte qualquer proveito para a representada, ou até resulte um dano, e desde que tal ato não seja ligado à vida privada desse representante e/ou à vida intra-societária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº462/16.4IDPRT.P1

Acórdão deliberado em conferência na 2ºsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto
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I. O MºPº interpôs recurso da sentença proferida no processo comum singular nº462/16.4IDPRT do juízo local criminal de Matosinhos – Juiz 1, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que absolveu B…, Ldª, da prática do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo disposto pelos artigos 11.º do Código Penal e artigos 7.º, n.º 1, 103.º, nº 1 e 104.º, n.ºs 1 al. a) e 2 do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001 de 05 de Junho, que lhe tinha sido imputado;
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I.1. Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes).
II. Fundamentação de facto
a) Factos Provados
1. A sociedade “C…, Lda.” era uma sociedade por quotas, com sede na Avenida …, n.º …, Matosinhos, que tinha por objecto arquitetura, engenharia e técnicas afins, design de interiores, representações, comércio, instalação e assistência de equipamentos técnicos, mobiliário e outros artigos para decoração de farmácias e clínicas médicas.
2. A aludida sociedade foi constituída no dia 09-12-2004 e dissolvida e encerrada a sua liquidação na data de 17.11.2015.
3. Para efeitos de tributação fiscal, encontrava-se colectada para o exercício de atividade de “atividades de arquitectura” – CAE ….., área do Serviço de Finanças de …, enquadrada em IVA no regime normal de periodicidade mensal e, em sede de IRC, no regime geral de tributação.
4. A gerência da referida sociedade esteve desde a data da sua constituição até 25.11.2013 entregue ao arguido D…, o qual enquanto sócio-gerente da referida sociedade, e na qualidade de seu representante legal, exercia de facto todas as funções de gestão e administração da sociedade.
5. Com efeito, era o arguido D… que dava as ordens, decidia o giro económico e de afetação das receitas às despesas, assinava cheques, tomava as decisões, vinculava a empresa, assinava contratos, contratava pessoal e procedia ao pagamento dos salários, faturava os serviços prestados, liquidava nas faturas que emitiam o IVA incidente sobre essas operações e cobravam-no aos seus clientes, procediam ao apuramento contabilístico do imposto exigível, declaravam-no aquando da remessa à Administração Tributária das respectivas declarações periódicas do IVA, à elaboração e apresentação das declarações anuais de IRC e procediam ao pagamento de impostos.
6. A sociedade “B…, Lda.” tem por objecto social a prestação de serviços de construção, instalação, reparação, manutenção de redes de dados, redes de telecomunicações e sistemas de segurança, aluguer de viaturas, máquinas e equipamentos diversos, prestação de serviços de montagem, instalação, reparação e manutenção de máquinas e equipamentos diversos.
7. Em data não concretamente apurada do ano de 2012, o arguido D… por si e em representação da sociedade “C…”, usou todos os recursos financeiros da sociedade para pagar os direitos dos trabalhadores decorrentes de um despedimento coletivo, pretendendo também transacionar a sua quota social para investidores angolanos.
8. No entanto, tal gerou um défice de tesouraria, tornando os recursos insuficientes para o pagamento de impostos.
9. Como queria poder transacionar as quotas sociais sem estas dívidas, então, a conselho de terceiros, o arguido D… delineou um plano para si e para a aludida sociedade que geria com vista à exclusão do pagamento de impostos devidos e, assim, obtenção de benefícios económicos ilegítimos à custa do património público da administração fiscal.
10. Tal plano passava pelo esquema de, em conjugação de esforços com representantes da sociedade “B…”, a C… incluir na sua contabilidade, como se de verdadeiros custos se tratassem, faturas emitidas pela B… referentes a supostas prestações de serviços à atividade desenvolvida que não correspondiam a verdadeiras transações comerciais, bem como declarar ao Estado despesas que não correspondiam a verdadeiros custos, tudo com vista a diminuir o IRC a liquidar.
11. Como contrapartida da emissão de tais faturas, o arguido D… entregou ao terceiro que o aconselhou (e que entrou em contacto com os representantes da B… uma quantia correspondente a 3% dos benefícios, sendo que esse terceiro e os representantes da B… o partilharam de forma não concretamente apurada.
12. Na execução do referido plano, conhecido e aceite pelo arguido e pelos representantes da B…, no ano de 2012, o arguido D…, por si e em representação da sociedade “C…”, contabilizou indevidamente as seguintes facturas com o descritivo “comissões de angariação/vendas de clientes”:
- ……., datada de 03-09-2012, no valor de €.26.654,10;
- ……., datada de 12-09-2012, no valor de €.21.953,04;
- ……., datada de 18-09-2012, no valor de €.28.812,75;
- ……., datada de 27-09-2012, no valor de €.16.488,15;
- ……., datada de 17-10-2012, no valor de €.21.217,50;
- ……., datada de 13-11-2012, no valor de €.22.293,75;
- ……., datada de 03-12-2012, no valor de €.19.716,90,
emitidas pelos representantes da sociedade arguida “B…” e em nome desta, no valor global de €157.136,19, que corresponde ao valor de €127.871,00 sem IVA.
13. Tais faturas, no entanto, não titulavam quaisquer operações comerciais reais, uma vez que o arguido D… e a sociedade “C…”, não usufruiu dos serviços que a mencionada sociedade B… declarou ter prestado.
14. Com efeito, a sociedade arguida “B…” não dispunha de recursos humanos para o desenvolvimento dos serviços facturados.
15. Sendo que os serviços titulados pelas mencionadas facturas, não foram prestadas à sociedade “C…”, pela “B…” uma vez que os serviços prestados, pela sua especificidade, necessitariam de muita mão de obra para a sua execução, sendo certo que, no período em que laborou, esta última sociedade não tinha funcionários com conhecimentos técnicos de telecomunicações para o efeito.
16. Da mesma forma que não existem quais quer documentos, registos ou planos dos serviços desempenhados pela “B…” à “C…”.
17. Parte do aludido plano urdido pelo arguido D… e pelo terceiro que o aconselhou com vista a diminuir o IRC a liquidar passava ainda pela declaração como custos de valores alegadamente pagos à sociedade “E…” que não correspondiam a verdadeiras despesas, no valor de €273.516,00.
18. Assim determinado, o arguido D…, sempre em representação da “C…”, por si ou por alguém a seu mando, fez constar da declaração de IRC modelo 22 custos no montante de €273.516,00 que bem sabia não estarem documentadas em qualquer suporte e que correspondiam a serviços que não foram prestados.
19. No dia 30 de Maio de 2013, o arguido D…, agindo em representação e no interesse da “C…”, por si ou por alguém a seu mando, entregou, via internet, em nome da “C…”, a declaração de IRC de modelo 22 referente ao exercício de 2012 onde fez constar como custos da sociedade que geria os valores das faturas identificadas no número 13. dos factos provados e os custos no montante referidos no número 19. dos factos provados.
20. Em virtude de ter declarado como custos o valor líquido das facturas alegadamente emitidas pela B…, aumentando assim esses custos e reduzindo o lucro tributável, o arguido D…, logrou obter para a C… um benefício patrimonial no valor de €31.967,75 (25% de taxa de IRC de €127.871,00).
21. Por via da declaração que o arguido fez indevidamente constar da declaração de IRC nos termos descritos no número 19. dos factos provados, aumentando os custos da sociedade que representava e reduzindo o lucro tributável, o arguido D…, logrou obter para a C… um beneficio patrimonial ilegítimo no valor de €68.379,00 (25% de taxa de IRC de €273.516,00).
22. No global, o arguido D… logrou assim obter para a sociedade que representava uma vantagem patrimonial ilegítima no valor de €100.346,80 (€31.967,75 + €68.379,00).
23. Ao atuar da forma acima descrita, agiu o arguido D… em representação e no interesse da sociedade “C…”, bem sabendo que as referidas faturas não correspondiam a negócios comerciais efetivos uma vez que os serviços delas constantes não foram prestados pela B…, antes tendo sido forjadas em conjugação de intentos e esforços com os representantes legais da B….
24. Mais sabia que ao incluir na declaração o valor de €273.516,00 estava a declarar em sede de IRC custos que não foram efetivamente suportados pela “C…”.
25. Ao proceder do modo descrito, o arguido D… agiu com a intenção de obter para si e para a mencionada sociedade arguida, benefícios patrimoniais da administração fiscal, montantes esses a que bem sabia não ter direito, mas dos quais, mesmo assim, se pretendeu apropriar indevidamente, desse modo enriquecendo o seu património e o património social de tal empresa, à custa da Fazenda Nacional.
26. Os representantes da B… agiram, em comunhão de esforços, com o propósito conseguido de fazer constar das facturas mencionadas supra, prestações de serviços inexistentes, bem como entregar essas facturas ao arguido D…, com o intuito de obterem para aquele a vantagem patrimonial ilegítima, através da diminuição das receitas tributárias do Estado, recebendo eles, total ou parcialmente, o valor de 3% do benefício concedido, indicado no número 12. dos factos provados.
27. O arguido D…, o terceiro que o aconselhou e os representantes da B… agiram sempre livre, consciente e voluntariamente, em comunhão de esforços e na execução do plano que previamente traçaram, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
28. O arguido D… e a arguida B… não têm antecedentes criminais.
29. A B…, atualmente, não tem qualquer atividade.(…)
b) Factos Não Provados
1. Como contrapartida da emissão de tais faturas, o arguido D… entregou diretamente aos representantes da B… dinheiro, que estes usaram para benefício pessoal.(…)
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III. Enquadramento Jurídico-Penal
Os arguidos foram acusados, ambos, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo disposto pelos artigos 103.º, nº 1 e 104.º, n.º 1 e 2 do RGIT, sendo a sociedade arguida por força do artº 7º do RGIT.
Estipula o artº 103º, nº 1 do RGIT que:
1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária”.
Por sua vez, decorre do artº 104.º, n.º 1 e 2 do RGIT que:
“ 1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias: (...)
2 - A mesma pena é aplicável quando:
a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de faturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou
b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50 000”.
Provou-se, neste caso, que:
- o arguido e representantes legais da B… arquitetaram um plano que visava diminuir os custos da C… com vista à exclusão do pagamento de impostos devidos e, assim, obtenção de benefícios económicos ilegítimos à custa do património público da administração fiscal.
- tal plano passava pelo esquema de, em conjugação de esforços com representantes da sociedade “B…”, a C… incluir na sua contabilidade, como se de verdadeiros custos se tratassem, faturas emitidas pela B… referentes a supostas prestações de serviços à atividade desenvolvida que não correspondiam a verdadeiras transações comerciais, bem como declarar ao Estado despesas que não correspondiam a verdadeiros custos, tudo com vista a diminuir o IRC a liquidar.
- na execução desse plano, conhecido e aceite pelo arguido e pelos representantes da B…, no ano de 2012, o arguido D…, por si e em representação da sociedade “C…”, contabilizou indevidamente um conjunto de faturas, que permitiram à C… um beneficio patrimonial no valor de €31.967,75;
- igualmente D… fez ainda contabilizar custos de valores alegadamente pagos à sociedade “E…” que não correspondiam a verdadeiras despesas, e que permitiram à C… obter mais um benefício de €68.379,00;
- obteve, assim, um benefício total de €100.346,80 para a sociedade C…;
- sucede que estes custos faturados não tinham correspondência com a realidade, pois não correspondiam a verdadeiros custos suportados pela C…;
Está assim preenchido o elemento objetivo do tipo imputado, no que respeita ao arguido D….
Mais se provou que:
- Ao atuar da forma acima descrita, agiu o arguido D… em representação e no interesse da sociedade “C…”, bem sabendo que as referidas faturas não correspondiam a negócios comerciais efetivos uma vez que os serviços delas constantes não foram prestados pela B…, antes tendo sido forjadas em conjugação de intentos e esforços com os representantes legais da B….
- Mais sabia que ao incluir na declaração o valor de €273.516,00 estava a declarar em sede de IRC custos que não foram efetivamente suportados pela “C…”;
- Ao proceder do modo descrito, o arguido D… agiu com a intenção de obter para si e para a mencionada sociedade arguida, benefícios patrimoniais da administração fiscal, montantes esses a que bem sabia não ter direito, mas dos quais, mesmo assim, se pretendeu apropriar indevidamente, desse modo enriquecendo o seu património e o património social de tal empresa, à custa da Fazenda Nacional;
- Os representantes da B… agiram, em comunhão de esforços, com o propósito conseguido de fazer constar das facturas mencionadas supra, prestações de serviços inexistentes, bem como entregar essas facturas ao arguido D…, com o intuito de obterem para aquele a vantagem patrimonial ilegítima, através da diminuição das receitas tributárias do Estado, recebendo eles, total ou parcialmente, o valor de 3% do benefício concedido;
- O arguido D…, o terceiro que o aconselhou e os representantes da B… agiram sempre livre, consciente e voluntariamente, em comunhão de esforços e na execução do plano que previamente traçaram, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Está assim preenchido o elemento subjetivo do tipo imputado, no que respeita ao arguido D…, tendo este agido com dolo direto.
Inexistem causas de exclusão da ilicitude culpa e punibilidade.
O arguido D… praticou, assim, um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo disposto pelos artigos 103.º, nº 1 e 104.º, n.º 1 e 2 do RGIT.
Mas não já assim no que respeita à sociedade B….
Decorre do artº 7º, nº 1, do RGIT que “As pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo”.
Ora, não se consegue vislumbrar em que medida a sociedade B… beneficiou da prática destes factos e em que medida é que os seus representantes agiram no seu interesse coletivo.
A emissão de faturas gerou-lhe responsabilidades perante as finanças, com o aumento dos impostos a pagar.
O interesse da sociedade relaciona-se com o prosseguimento do seu fim social e não com a emissão de faturas falsas.
Nem sequer está provado que tenha obtido proveitos com a atuação dos seus representantes. A própria acusação do Ministério Público já referia que os seus representantes teriam usado o dinheiro para fins pessoais, o que apesar de tudo também não se provou.
Por conseguinte, é a sociedade B… absolvida da prática do crime que lhe tinha sido imputado.
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I.2. Recurso do MºPº (conclusões que se transcrevem em parte).
2 – a sentença em crise enuncia erro notório de julgamento ao aferir o comportamento da sociedade arguida, e de seu legal representante, em razão de uma alegada ausência de prova “que esta tenha obtido proveitos com a actuação dos seus representantes”.
3 – ignora a sentença em crise a natureza do crime imputado, comummente aceite e definido pela jurisprudência e doutrina como crime de aptidão, de resultado cortado, e de perigo comum, porquanto a obtenção de vantagem patrimonial não é um elemento do tipo, bastando apenas que as condutas do agente sejam preordenadas à obtenção de tal vantagem.
4 – não obstante, tal proveito, para além de ostensivo, e dado como provado, radica na obtenção de uma quantia e que, ainda que de “lucro” ilícito se trate, não o deixa de ser, e só o sendo possível, por força da sua existência e possibilidade de facturação, ainda que de “mau uso se trate”.
5 – a emissão de facturas, comprovadamente falsas, e caso se não entendesse serem integradoras do crime de fraude fiscal qualificada, sempre seriam puníveis nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 256.º, n.º 1 e 11.º, n.º 2, do Código Penal, ainda e também quanto à sociedade arguida.
6 – a sentença em recurso reduz à inocuidade o artigo 7.º, do rgit (a par do disposto no artigo 11.º, do Código Penal), porquanto, e salvo se o interesse for a prática de delitos, e tal for/estiver consagrado no respectivo objecto social registado, - o propalado fim social -, é que condutas que visem tal interesse é que poderão conformar as condutas dos seus representantes.
7 – a sociedade, seu representante e terceiro, lograram auferir proveitos de 3% sobre a facturação falsa emitida, o que só foi possível, pela organização societária e objecto social da sociedade arguida B…, l.da.
8 – tal resulta, de modo inequívoco, dos factos dados como provados, resultando, além do mais que:
“11. como contrapartida da emissão de tais faturas, o arguido D… entregou ao terceiro que o aconselhou (e que entrou em contacto com os representantes da B…) uma quantia correspondente a 3% dos benefícios, sendo que esse terceiro e os representantes da B… o partilharam de forma não concretamente apurada. (…)
23. ao atuar da forma acima descrita, agiu o arguido D… em representação e no interesse da sociedade “C…”, bem sabendo que as referidas faturas não correspondiam a negócios comerciais efetivos uma vez que os serviços delas constantes não foram prestados pela B…, antes tendo sido forjadas em conjugação de intentos e esforços com os representantes legais da B….”
9 - o tribunal a quo violou, assim, por erro de interpretação e aplicação da lei aos factos, o preceituado nos artigos nos artigos 11.º, do Código Penal, artigos 7.º, n.º 1 e 104.º, n.ºs 1 e 2 do rgit, aprovado pela Lei nº 15/2001 de 05 de junho e artigos 127.º, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea c), e 410.º, n.º 2, estes do Código de Processo Penal.
10 - a sociedade arguida B…, Ldª,« provocou, com a sua conduta, um prejuízo computado no benefício patrimonial auferido pela sociedade C…, no valor de 31.967,75 euros, praticando o crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo disposto pelos artigos 11.º do Código Penal e artigos 7.º, n.º 1 e 104.º, n.ºs 1 al. a) e 2 do rgit, aprovado pela Lei nº 15/2001 de 05
de junho.
11 - sopesadas todas as circunstâncias afigura-se adequada a aplicação à arguida de uma pena de trezentos e quarenta dias de multa, à taxa diária de dez euros.
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I.3. Resposta da arguida (conclusões que se reproduzem parcialmente).
B - Resulta, dos artigos 7.º, n.º 1 do R.G.I.T. e 11.º, n.s 1 e 2 do C.P. que a responsabilidade criminal das pessoas colectivas se verifica com o preenchimento dos seguintes pressupostos cumulativos:
- casos especialmente previstos na lei (circunstâncias excepcionais);
- cometida pelos seus órgãos ou representantes;
- em seu nome;
- no interesse colectivo.
C - Pretendeu o legislador distinguir as situações em que o representante actua com o intuito de realizar os objectivos sociais da pessoal colectiva, ou seja, em benefício da pessoa colectiva, das demais situações, mormente em que o representante, instrumentalizando para o efeito a pessoa colectiva, age com o fito no seu próprio (ou de outros) locupletamento.
D - E foi precisamente esta destrinça que o tribunal a quo fez, ao referir que o interesse da sociedade não se coaduna com a emissão de facturas falsas, porquanto das mesmas apenas advêm um acréscimo de impostos para a sociedade.
E - A prova produzida permitiu concluir que um “terceiro” recebeu uma comissão mas certo é que não se vislumbrou o destino (se outro teve), total ou parcial, da mesma.
F - E o apuramento de tal destino teria sido determinante para perceber se, efectivamente, a emissão das facturas teria sido realizada no interesse colectivo da sociedade ou não.
G - No que concerne à alegada invocação da falta de proveito da sociedade arguida, não é referida, em nenhuma parte da sentença, que o proveito ou a obtenção de vantagem patrimonial sejam elemento do tipo, nem, efectivamente, o são, na senda, aliás, do Acórdão
da Relação de Lisboa, de 08-03-2017, citado pelo Exmo. Sr. Magistrado do Ministério Público.
H - O que diz o tribunal a quo é que não se provou que a sociedade “B….” tivesse beneficiado da prática dos factos nem que os representantes agiram no interesse colectivo, mais acrescentando que nem sequer “está provado que tenha obtido proveitos com
a actuação dos seus representantes”.
I - E esta afirmação, ao invés da interpretação sufragada pelo Ministério Público, visava concluir que, embora a obtenção de proveito não constitua elemento do tipo, se tivesse sido provada, pela mesma se poderia ter concluído pelo crime perpetrado pelo representante no interesse colectivo da empresa .
J – O que não sucedeu.
K - No caso sub judice, não se provou que houvesse condutas tendentes à obtenção de vantagem para a empresa.
L - O que se depreendeu das condutas dos agentes apontou no sentido do benefício próprio e nunca no interesse da sociedade.
M - Em suma, conforme resulta de sentença, não foi dado como provado que os representantes da B… (que, diga-se de passagem, nem sequer foram identificados), tenham agido no interesse colectivo, pelo que não poderá ser estabelecido o imprescindível juízo de imputação do crime cometido pelo “representante” à ora exponente.
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I.4. Parecer do Ministério Público na Relação (que se reproduz, em parte)
O MºPº, apesar de invocar o artigo 412 do CPP, que permite o chamado julgamento amplo pela Relação, acaba por não indicar os pontos incorrectamente julgados nem as provas que imporiam decisão diversa. Assim, a apreciação do recurso limitar-se-á necessariamente, em revista alargada, à existência ou não dos vícios referidos no artigo 410, nº 2, que são de conhecimento oficioso. E à invocada nulidade da sentença (invocados arts 347, nº 2, e 379, nº 1, al. c), do CPP)
Em causa estão (…) três actuações conjugadas, em prévio acordo e com finalidade de propósito, a de D…, a da B… e a dos representantes desta, em co-autoria.
(…) a sentença recorrida ao lado do arguido D…, e dos arguidos gerentes da B…, por si próprios, coloca também a B…, representada pelos seus gerentes. Assacando-lhe responsabilidade penal. Porque nunca afirma que os gerentes tenham praticado o acto por si e sem representarem quem quer que seja.
(…) o crime de fraude fiscal em causa foi praticado em co-autoria por D… e, para o aqui pertinente, pela B…. Sim, pela B… porque os seus representantes agiram em seu nome, em sua representação, por ela, para o bem e para o mal.
No caso, para excluir da prática de crime a B… teria, pois, de se dar como provado que os seus representantes actuaram exclusivamente no seu interesse. E tal não foi dado como provado. Antes se dá como provado uma actuação em nome e no interesse da B…, porque fala-se sempre em representantes da B…. E, efectivamente, a acção consubstanciadora do ilícito só foi possível, como bem refere o MºPº na 1ª instância, pela organização societária e objecto social da arguida B…, o que, aliás, é reconhecido na sentença quer em sede de factualidade dada como provada quer no campo da motivação de facto.
Pelo que, considerando que a sentença dá como provada a actuação daqueles em representação da B… e tendo em conta que o ilícito se consuma aquando da emissão dolosa das facturas, independentemente da vantagem patrimonial, a final tem a B… de ser condenada como co-autora da prática do crime de fraude fiscal. Não o tendo sido estamos perante uma contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova. A primeira quando, apesar da apesar de dar como provada a participação no ilícito, em co-autoria, da B…, acaba a absolvê-la. A reversão da dita contradição e do erro notório acabará por levar à procedência do recurso.
Já não cremos que se configure a invocada nulidade da sentença. Não houve omissão de pronúncia. A sentença pronunciou-se sobre todas as questões pertinentes, nomeadamente sobre a responsabilidade da B… que caba por excluir.
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II. Objecto do recurso.
O objecto do recurso está limitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt: “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”, sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336).
O recorrente não questiona a decisão sobre a matéria de facto. Nas suas conclusões invoca o erro de interpretação e aplicação da lei aos factos e violação, por tal meio, dos artigos 7º, nº1 e 104º, nºs 1 e 2 do RGIT (regime jurídico da responsabilidade penal da pessoa colectiva pela prática do crime de fraude fiscal), os artigos 127º (princípio da livre apreciação da prova), 374º, nº2 e 379º, nº1, alínea c), (regime da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia) e 410º, nº2, todos eles do Código de Processo Penal (regime dos vícios que resultam do texto da decisão recorrida com fundamento na insuficiência para a decisão de mérito da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, e no erro notório na apreciação da prova). Em sede de parecer (acto processual insusceptível de ampliar ou comprimir o objecto do recurso), o recorrente entendeu que não existia qualquer nulidade da sentença e reiterou a localização da questão recursiva na contradição insanável da fundamentação e erro notório da apreciação da prova.
A questão recursiva é resumível a uma única discordância (posto que se não impugna a decisão sobre a matéria de facto), que não reside em qualquer vício patente no texto da decisão ou, sequer, em qualquer omissão de pronúncia: a sociedade comercial arguida não beneficiou da prática dos factos e não se encontra estabelecido o nexo de actuação dos seus representantes com o interesse colectivo perseguido societariamente. Não beliscando a decisão sobre a matéria de facto, esta questão versa o enquadramento jurídico penal dos factos, representa a impugnação da decisão sobre a matéria de direito, sem contornos processuais (de natureza adjectiva).
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II.1.Da responsabilidade criminal da arguida pessoa colectiva.
Constitui fraude fiscal a declaração apresentada ou prestada a fim de que a administração fiscal especificamente avalie e controle a matéria colectável que vise obtenção indevida de benefícios fiscais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias (artigo 103º, nº1, alínea a), do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05 de Junho).
Qualifica tal fraude a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes (artigo 104º, nº2, alínea a), do RGIT).
Por fim, no que à contextualização da questão recursiva diz respeito quanto à lei positivada, as pessoas colectivas são responsáveis pela infracções tributárias quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo (artigo 7º, nº1, do RGIT). Por constituir regime especial, não serão chamadas ou conhecidas as normas constantes do regime geral da responsabilidade criminal constantes do Código Penal (cfr. artigo 11º, nº1, do Código Penal).
A emissão de facturas relativas a operações comerciais inexistentes foi efectuada pela sociedade comercial arguida, por vontade e desígnio dos seus representantes, em nome daquela e mediante acordo celebrado com o arguido, pessoa singular, D…, representante da sociedade comercial benificiária (factos provados submetidos aos números 10, 11, 12 e 13).
O pressuposto formal de imputação formal do crime à pessoa colectiva em causa encontra-se, assim, preenchido: ter o facto sido cometido pelos seus representantes.
Relativamente aos pressupostos materiais de imputação exige-se que o comportamento (de representação orgânica, já que uma pessoa colectiva é destituída de qualquer manifestação biopsicológica) dos representantes seja efectuado em nome da pessoa colectiva (o que na sentença se não questiona) e que seja praticado no interesse colectivo.
Neste segmento, entendeu o julgador que não existiu para a sociedade arguida algum benefício da prática dos actos pelos seus representantes uma vez que a emissão de facturas “falsas” lhe gerou responsabilidades tributárias (com o aumento do valor dos impostos a pagar, presume-se do IRC) e não se provou que tenha obtido proveitos com a referida actuação dos seus representantes.
Esta conclusão reside na incompreensão da natureza jurídica do bem atingido pela conduta em causa, tributo da introdução do novo direito penal tributário no ordenamento português operado desde 1990, bem jurídico colectivo de matriz essencialmente social e particularmente dirigido para o património do Estado na sua componente tributária. Com efeito, de forma pacificamente aceite (jurisprudencial e doutrinalmente), o crime em questão, pelo menos sob o ponto de vista dogmático, integra a classificação de um crime de resultado cortado ou de tendência interna transcendente, crime, estruturalmente, de tentativa, em que o resultado (entenda-se como dano real) não é exigível (numa explicação irreproduzível, pela competência e clareza dos seus autores, Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, O crime de fraude fiscal no novo direito penal tributário português RPCC, ano 6, fasc.1º).
Mas no caso concreto nem sequer se coloca o problema da existência, nas relações fiscais entre a sociedade arguida e o Estado-Administração Fiscal, de algum benefício fiscal susceptível de causar diminuição das receitas tributárias através da sua conduta. A questão, naturalmente abordada numa perspectiva de co-autoria, releva no que concerne à relação fiscal entre a sociedade C… e a Administração Fiscal.
Neste sentido teremos que abordar o último pressuposto material de imputação do crime, ter o mesmo sido praticado no interesse da pessoa colectiva.
É praticado no interesse da pessoa colectiva qualquer acto efectuado pelo seu legítimo representante (mesmo que do mesmo não resulte qualquer proveito para a representada ou, até, resulte um dano). Esta noção, estruturalista, de funcionalidade (de vinculação da sociedade aos actos do seu representante) só afasta a responsabilidade da sociedade quando o representante cometer actos ligados à sua vida privada e/ou intra-societária, ainda que utilizando meios pertencentes à sociedade – cfr. Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, UCE, 2018, pág.106).
Assiste, assim, razão absoluta à incompreensão do recorrente em primeira instância no que concerne à absolvição em causa, que será retrovertida.
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II.2. Da medida da pena.
Nos termos do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº4/2016 (DR -36 SÉRIE I de 2016-02-22) se a relação concluir, em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1ª instância, pela condenação do arguido deve proceder à determinação da medida da pena.
A moldura abstracta da pena de multa é de 240 a 1200 dias (artigo 104º, nº1, do RGIT).
Tendo em consideração o montante da vantagem patrimonial obtida pela sociedade C… através do comportamento da arguida (€100.346,80), a ausência de antecedentes criminais da arguida e de qualquer actividade actual (únicas variáveis constantes da sentença recorrida e que entendemos como processualmente adquiríveis e exigíveis,) no balanço das exigências de prevenção geral (fortíssima, pela natureza do bem jurídico protegido, umbilicalmente ligado à nossa existência enquanto comunidade) e especial (insignificante, pela inactividade), entendemos aplicar a pena de 340 (trezentos e quarenta) dias de multa, à quantia mínima (por força da reconhecida inactividade) de €5,00 (cinco euros) - artigo 15º, nº1, do RGIT.
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III. Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se parcialmente a sentença recorrida e, em consequência, condena-se a sociedade comercial B…, Ldª, na pena de trezentos e quarenta (340) dias de multa, à quantia diária de cinco euros (€5,00), pela prática de um crime
previsto nos artigos 103º, nº1, alínea a), e 104º, nº2, alínea a) do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05 de Junho).
Sem custas.
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Porto, 20 de Março de 2019
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro