Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10977/10.2TBVNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
NULIDADE
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO
PROIBIÇÃO DA INDEFESA
Nº do Documento: RP2016051610977/10.2TBVNG-B.P1
Data do Acordão: 05/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 625, FLS.18-26)
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não se basta com a existência de uma fundamentação abreviada ou que seja incompleta ou deficiente ou que, por qualquer modo, não seja convincente; nestes casos, poderá questionar-se o mérito da própria decisão e a procedência dos seus argumentos, mas não afirmar a sua nulidade.
II - A reconvenção não é admissível em processo executivo, na medida em que, caracterizando-se por conter um pedido autónomo dirigido contra o autor/exequente, a sua admissibilidade não é compatível com a função da oposição à execução, extravasando a mesma.
III - Para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente; na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa.
IV - O princípio enunciado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição não afasta as normas processuais e não impõe que a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos se exerça numa mesma ação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 10977/10.2TBVNG-B.P1
5.ª Secção (3.ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I - A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não se basta com a existência de uma fundamentação abreviada ou que seja incompleta ou deficiente ou que, por qualquer modo, não seja convincente; nestes casos, poderá questionar-se o mérito da própria decisão e a procedência dos seus argumentos, mas não afirmar a sua nulidade.
II - A reconvenção não é admissível em processo executivo, na medida em que, caracterizando-se por conter um pedido autónomo dirigido contra o autor/exequente, a sua admissibilidade não é compatível com a função da oposição à execução, extravasando a mesma.
III - Para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente; na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa.
IV - O princípio enunciado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição não afasta as normas processuais e não impõe que a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos se exerça numa mesma ação.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
Banco B…, S.A., instaurou ação executiva comum, para pagamento de quantia certa, contra C…, S.A., D…, E…, F… e G…, todos melhor identificados nos autos.
1.1 Na ação executiva, o exequente reclama dos executados o pagamento de um crédito, sustentado em livranças que diz subscritas pela sociedade C…, S.A. e avalizadas pelos restantes executados, a que se reportam os documentos juntos aos autos de execução (cópias a fls. 14 a 43 do presente apenso).
1.2 Os executados deduziram oposição à execução, nos termos documentados a fls. 44 e seguintes dos presentes autos, sendo que, no articulado que deu início aos embargos, a executada/embargante C…, S.A., deduziu ainda reconvenção.
Os executados/embargantes concluem o articulado inicial nos seguintes termos:
«Deve a presente oposição à execução ser recebida, julgada provada e procedente e, em consequência, superiormente declarada e decidida, nomeadamente:
A) A alegada nulidade do requerimento executivo e da citação realizada; sem prescindir,
B) A inexistência da dívida pretensamente titulada e a inexigibilidade do título, por falta de protesto, de apresentação a pagamento aos oponentes ou, quando assim se não entenda, por liberação do mesmo; sempre sem prescindir e em relação de subsidiariedade,
C) A incompetência territorial e impossibilidade de cumulação nos termos expendidos no presente articulado;
D) A inexigibilidade dos títulos dados à execução face à mora do credor invocada e à impossibilidade de resolução e ou rescisão da contratação subjacente aos títulos, nos termos supra alegados;
E) A nulidade do aval pretensamente prestado pelos garantes oponentes, quer por vício formal, quer por vício de vontade; ainda sem prescindir,
F) Sempre e de qualquer forma a nulidade, invalidade e ou ineficácia, quer do titulo de crédito dado à execução, quer dos avales ali prestados, com a decorrente e absoluta procedência da presente oposição, com a absolvição dos oponentes do pedido executivo. Sem prescindir e subsidiariamente
G) Sempre e de qualquer forma, considerar absolutamente procedente e provada a presente oposição à execução, com todas as consequências da lei.
Por fim e ainda sem prescindir e subsidiariamente,
H) Sempre e de qualquer forma, considerar parcialmente procedente e provada a presente oposição à execução, com a consequente redução do valor da mesma nos termos expostos, com todas as consequências da lei.
Por outro lado,
I) Deve ainda julgar-se totalmente procedente por provado o pedido reconvencional formulado pela executada “C…, S.A.”, com todas as consequências legais, designadamente a condenação do exequente B…:
1. A pagar à C… a quantia líquida, na parte já determinada, de 34.529.988,77 euros (trinta e quatro milhões, quinhentos e vinte e nove mil, novecentos e noventa e oito euros e setenta e sete cêntimos), e bem assim os juros vincendos, a contar da notificação realizada à exequente do presente articulado, à taxa supletiva legal para as obrigações comerciais, até integral e efetivo pagamento;
2. A pagar à C… uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, de valor não inferior a 1.000.000,00 de euros (um milhão de euros), relativa aos prejuízos no momento indetermináveis (designadamente no que se refere aos juros indeterminados, afetação de imagem e eventual perda de alvará...);
J)
Tudo com as legais consequências, designadamente a nível de custas e procuradoria.»
1.3 O exequente contestou.
Refuta a generalidade dos fundamentos enunciados pelos embargantes e a procedência do pedido deduzido em reconvenção, começando por questionar a sua admissibilidade.
1.4 No prosseguimento da ação foi proferido despacho, onde se apreciou a admissibilidade da reconvenção, nos seguintes termos:
«Pedido reconvencional deduzido pela executada/opoente C…, S.A.:
A oposição à execução é dependência do processo executivo e visa apenas a extinção da execução, no todo ou em parte, pelo que, como resulta claro do disposto no artigo 817.º do Cód. Proc. Civil (na redação anterior à atualmente vigente, que é a aplicável neste apenso declarativo – artigo 6.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), não é legalmente admissível em sede de oposição à execução a dedução de pedido reconvencional.
Pejo exposto, não admito o pedido reconvencional deduzido, prosseguindo os autos apenas para apreciação dos fundamentos da oposição à execução deduzida.
Custas do indeferimento do pedido reconvencional – considerando o valor atribuído ao pedido reconvencional de € 35.529.998,77 – a cargo da opoente/executada C…, S.A..
Notifique.»
2.1 A sociedade executada e embargante, C…, S.A., inconformada com a decisão proferida, veio interpor o recurso que aqui se aprecia, concluindo nos seguintes termos:
«1.º O recurso aqui em análise, tem por objeto a douta decisão de não admissibilidade da reconvenção em sede de oposição à execução, decisão essa proferida em 18.06.2015, com a qual a Recorrente não se pode conformar.
Isto porque,
2.º Quer a Constituição da República (no seu artigo 205.º, n.º 1), quer a lei processual civil (artigo 158.º do anterior Código e 154.º do NCPC) impõem a fundamentação das decisões judiciais, considerando-se nula a decisão judicial quando esta não especifique os fundamentos de facto e de direito que a justifique (artigo 668.º, n.º 1, al b/ do anterior Código e 615.º do NCPC).
3.º Tal nulidade tem que ser arguida no recurso (artigo 668.º, n.º 1, al b/ e 670.º, n.º 1 do anterior Código e 615.º e 617.º do NCPC).
4.º Ora, analisada a decisão recorrida cumpre concluir que a mesma não se encontra fundamentada, limitando-se a mesma a concluir que em função do exarado em determinado preceito legal (artigo 817.º do CPC), não é legalmente admissível, em sede de oposição à execução, a dedução de um pedido reconvencional.
5.º Sendo absolutamente omissa quanto às razões porque assim conclui.
6.º Tal omissão ainda se poderia aceitar se no referido preceito legal estivesse exarado
(expressamente) que em sede de oposição à execução não era admissível a dedução de um pedido reconvencional.
7.º Tal não acontece.
8.º Ou seja, a decisão recorrida é omissa relativamente à fundamentação para não admitir o pedido reconvencional formulado pela aqui Recorrente.
9.º Termos em que,
A douta sentença recorrida padece e incorre numa manifesta falta de motivação, incorrendo na nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1 aI. b) do CPC (artigo 615.º do NCPC), que aqui se deixa invocada para todos os efeitos legais.
Sem prescindir e subsidiariamente,
10.º Mas ainda que se entendesse que a falta de fundamentação constante da douta decisão recorrida não é absoluta e por isso não levaria à nulidade (no que não se concede e só se admite por mero dever de ofício), sempre e de qualquer forma se teria de entender que tal facto poderia levar à impugnação da sentença recorrida.
11.º Na verdade, a fundamentação insuficiente ou deficiente embora não constitua causa de nulidade da decisão, justifica a sua impugnação mediante recurso (por todos, Teixeira de Sousa, Estudos, pg. 222).
12.º Impugnação que aqui se deixa exarada para todos os efeitos legais.
Sempre e ainda sem prescindir,
13.º Como claramente decorre do douto despacho recorrido, o Tribunal concluiu que, do disposto no artigo 817.º do CPC aplicável, não é admissível, em sede de oposição à execução, a dedução de pedido reconvencional.
14.º Sucede que o aludido preceito legal não exara tal impossibilidade e, antes pelo contrário, estabelece que se for recebida a oposição, seguirá a mesma os termos do processo sumário de declaração (artigo 817.º, n.º 2 do aludido Código), regime em tudo similar ao atualmente em vigor (artigo 732.º do NCPC).
15.º Aliás, a ação executiva visa a realização das providências adequadas à efetivação coativa de uma obrigação devida ao Exequente (artigo 10.º, n.º 4 do CPC), tendo de ser fundada num título enumerado na Lei (artigo 703.º do NCPC), através do qual se determina o fim da ação executiva, sendo que, como é sabido, o Executado pode deduzir oposição à execução (artigo 728.º do NCPC).
16.º Um dos fundamentos de oposição à execução a que o Executado pode “deitar mão”, consiste na existência de um “contra crédito” do Executado sobre o Exequente, com vista, para além do mais, à obtenção da compensação de créditos (artigo 729.º, n.º 1, al. h do NCPC, anterior artigo 814.º).
17.º Revisitando a contestação reconvenção formulada pela ora Recorrente nos presentes autos, verifica-se que a Opoente invocou uma série de invalidades (nulidades), processuais e substanciais, dos títulos dados à execução, invocando, ainda, um “contra crédito” (sustentado pela Reconvinte, para além do mais, no incumprimento do acordo de financiamento, que imputa à Exequente – pela violação dos mais elementares deveres contratuais e de boa fé, do que decorreu a perda de mercados, impossibilidade de exercício da atividade, etc. –, que, alegadamente, inviabilizou o cumprimento da contratação subjacente aos títulos de crédito dados à execução) por si reclamado em sede de reconvenção (artigo 266.º do CPC).
18.º Ou seja, a causa de pedir do pedido reconvencional, emerge da mesma factualidade subjacente à contratação invocada pelo Banco para fundamentar a execução aqui em causa.
19.º De todo o modo, nos termos conjugados dos artigos 728.º a 731.º do NCPC (anteriores 814.º a 816.º), a oposição à execução baseada em título extrajudicial pode ser fundada em facto extintivo da obrigação exequenda, nos mesmos termos em que o poderia ser no processo de declaração.
20.º Ora, tendo em atenção que a oposição à execução é um apenso que se processa sob os termos do processo comum declarativo (artigo 732.º, n.º 2 do CPC) e o preceituado nos artigos 583.º e 266.º, constata-se que (desde que se verifiquem os pressupostos da sua admissibilidade, como é o caso dos autos), dúvidas não podem subsistir da possibilidade de dedução de reconvenção numa oposição à execução.
21.º Aliás, do simples facto da lei processual não consagrar, expressamente, que a reconvenção não é admissível em sede de oposição à execução, só poderia decorrer o princípio genérico da sua admissibilidade.
22.º Acresce que, o texto do n.º 2, al. c) do artigo 266.º do NCPC impõe tal entendimento.
23.º Na verdade, ao estabelecer que a mera compensação (ainda que de valor inferior ao crédito invocado pelo Autor) se faça através da dedução de uma reconvenção, sempre obstaria a entendimento diverso (ou seja, da não admissibilidade da reconvenção, em sede de oposição à execução).
24.º De todo o modo:
• Não suscita qualquer dúvida a invocação da compensação em sede de oposição à execução (até por estar prevista expressamente na Lei a sua admissibilidade).
• Ora, como tal compensação só pode ser invocada através da dedução de uma reconvenção, entender que a mesma é inadmissível no apenso de oposição sempre seria impedir o Executado de requerer a eventual compensação de contra créditos.
25.º Ou seja, a autonomização da compensação como fundamento da reconvenção, só pode ser entendida como o (expresso) reconhecimento da admissibilidade da dedução da mesma (reconvenção) no âmbito de embargos de Executado (e mesmo que se entenda não ser o NCPC o aplicável ao caso concreto, sempre as suas normas assumem um valor interpretativo de relevo, que aqui se deixa alegado).
26.º Acresce que e noutra perspetiva, a dedução de uma reconvenção (seja em que processo for) origina a existência de um outro processo no mesmo processo, isto é passam a existir duas ações (cruzadas) no mesmo processo.
27.º Para não ocorrer a subversão do regime comum, a Lei impõe a existência de pressupostos de admissibilidade da reconvenção, seja de natureza processual, seja de natureza substancial.
28.º Verificando-se a ocorrência dos pressupostos (requisitos) legais, a reconvenção é admissível.
29.º A natureza declarativa do apenso da oposição à execução “ordinariza” o procedimento declarativo que lhe subjaz, regrado pelas disposições de procedimento comum.
30.º Por isso, não se vislumbra qualquer incompatibilidade com a possibilidade do Executado oferecer reconvenção, desde que esta seja conexa com a ação principal executiva (que o mesmo é dizer que se verifiquem os requisitos de substância impostos na Lei para tal admissão).
31.º Nem se diga (como faz parte da Jurisprudência) que o escopo executivo (mais centrado no atingir, no menor espaço de tempo possível, o pagamento do crédito dado à execução), é incompatível com a ampla defesa do Executado.
32.º Na verdade, embora o procedimento executivo tenha uma tutela diferenciada da tutela do processo declarativo (ali relevando os princípios da celeridade e da efetividade), tal não deve servir de fundamento para se abrir mão do princípio da ampla defesa (central do processo civil), pelo qual a parte contrária pode se defender por todos os meios legais assegurados (e, dentre estes, a reconvenção).
33.º Interpretação diversa (ou seja, aquela que o Tribunal recorrido sufragou, no sentido de que o disposto no artigo 817.º do CPC impossibilita a admissão de reconvenção em sede de oposição à execução) só pode ser entendida como uma verdadeira denegação de justiça e portanto inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa (consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da CRP).
34.º Ademais, a possibilidade do instituto da reconvenção em sede de oposição à execução, vem, igualmente, atender ao princípio da economia processual, assim se evitando a prática de atos inúteis proibidos por Lei (artigo 130.º do NCPC, anterior artigo 137.º).
35.º Isto é, ao decidir como decidiu, o Tribunal violou, por erro de interpretação e ou aplicação as disposições aplicáveis ao caso, designadamente os preceitos legais supra invocados (designadamente os artigos 137.º, 274.º, 814.º a 817.º do CPC – correspondentes aos artigos 130.º, 266.º, 728.º a 732.º do NCPC – e, ainda, o artigo 20.º da CRP), do que decorre dever a mesma ser anulada e ou pelo menos revogada, no sentido antes referido.»
2.2 O exequente/recorrido respondeu, concluindo que deve julgar-se improcedente a presente apelação e, consequentemente, manter-se inalterada a decisão apelada, com todas as consequências legais daí decorrentes.
3. Colhidos os vistos legais e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pela recorrente definem a matéria que é objeto de recurso e que cabe aqui apreciar, o que, no caso dos autos, se traduz nas seguintes questões:
• A alegada nulidade da decisão recorrida.
• A admissibilidade da reconvenção.
II)
Fundamentação
1. Na apreciação do recurso importa considerar os factos que se deixaram sumariamente mencionados no relatório que antecede.
2. A alegada nulidade da decisão recorrida.
2.1 A recorrente, ao invocar a nulidade da decisão recorrida, pretende que foram violados o dever de fundamentação e o princípio do contraditório, com referência aos artigos 158.º e 668.º do Código de Processo Civil na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, vigente na data em que foram deduzidos os embargos, com correspondência aos artigos 154.º e 615.º do Código de Processo Civil na sua redação atual.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 613.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, é nulo o despacho quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão proferida.
O dever de fundamentação decorre do princípio enunciado no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República, nos termos do qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, reiterando-se o referido princípio no artigo 154.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, onde se diz que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
Estas normas constavam nos artigos 158.º e 668.º do Código de Processo Civil, na anterior redação.
A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não se basta com a existência de uma fundamentação abreviada ou que seja incompleta ou deficiente ou que, por qualquer modo, não seja convincente, casos em que se poderá questionar o mérito da própria decisão e a procedência dos seus argumentos, mas não afirmar a sua nulidade.
A exigência de fundamentação vem desde o início do referido diploma e é óbvia a sua razão de ser: a apreciação do acerto ou do desacerto da decisão proferida e a sua eventual impugnação por via de recurso só é possível com o conhecimento dos seus fundamentos de facto e de direito. No ensinamento – ainda atual, apesar do tempo decorrido e das alterações legislativas que entretanto se verificaram – de Alberto dos Reis, “desde que o nosso sistema é o de legalidade, o juiz tem de demonstrar que decidiu em conformidade com a lei” (“Código do Processo Civil Anotado”, volume I, Coimbra Editora, página 284); mas o mesmo autor salientava, relativamente à nulidade: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade” (obra citada, volume V, página 140).
2.2 Analisados os fundamentos da decisão recorrida que se deixou integralmente transcrita verifica-se que, se é certo que aí não se procede a uma apreciação exaustiva, é igualmente seguro que se compreendem as razões que determinaram a decisão proferida.
Considera-se aí que a oposição à execução é dependência do processo executivo e visa apenas a extinção da execução, no todo ou em parte, pelo que não admite a dedução de pedido reconvencional, entendendo-se que tal resulta claro do disposto no artigo 817.º do Código de Processo Civil, na redação anterior à atualmente vigente.
Apesar dos termos sucintos do despacho e sem prejuízo da discordância da recorrente quanto à procedência da razão enunciada, não se vê que haja vício consubstanciado em violação dos artigos 659.º, 201.º e 668.º do Código de Processo Civil, na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho (artigos 607.º, 195.º e 615.º, na redação atual) e do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República e que determine a pretendida nulidade.
3. A admissibilidade da reconvenção.
3.1 A reconvenção verifica-se quando ao pedido enunciado pelo autor acresce um pedido da iniciativa do réu, ocorrendo um cruzamento de ações: com a ação proposta pelo autor contra o réu cruza-se uma outra proposta por este contra aquele, consubstanciando-se numa ação enxertada noutra.
É incontroversa a sua admissibilidade no âmbito de ação declarativa, desde que verificados os pressupostos legais, enunciados no artigo 274.º do Código de Processo Civil, na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, nos termos do qual o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor, sendo a reconvenção admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa, quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida ou quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
Atualmente, o artigo 266.º do Código de Processo Civil, com algumas diferenças em relação à redação anterior, estabelece que o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor, sendo a reconvenção admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa, quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida, quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor ou quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
Reportando-se à admissibilidade da reconvenção no âmbito do processo de execução, à luz da norma anterior à reforma de 2013, afirma-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo 289/10.7TBPTB.G1.S1, em 26 de abril de 2012, disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt):
«É sabido que, embora enxertada numa ação executiva, a oposição à execução se traduz numa “ação” declaratória (cf. artigo 817.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) que tem por objetivo, no caso de o executado querer pôr em causa o direito de crédito invocado pelo exequente, a declaração da sua não existência, através da invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos, com a amplitude de que disporia se estivesse a defender-se numa ação declarativa (se a execução se não basear em sentença, naturalmente, como aqui sucedeu).
Mas é igualmente sabido que, no contexto da execução, a oposição desempenha a função de contestação (atente-se, por exemplo, nos efeitos que a lei atribui à falta de oposição, no n.º 3 do citado artigo 817.º).
Independentemente de saber qual a melhor caracterização para a oposição de mérito, e da maior ou menor aproximação a uma ação de declaração negativa do direito cuja constituição o título executivo prova, certo é que esta função da oposição limita o âmbito de atuação do executado/oponente, não possibilitando o exercício de direitos que extravasem o objetivo de extinção, total ou parcial, da execução, e que pressuporiam que, em processo executivo, a oposição pudesse desempenhar a função de reconvenção.
Ora, está entre nós assente que a reconvenção não é admissível em processo executivo; caracterizando-se por conter um pedido autónomo dirigido contra o autor (n.º 1 do artigo 274.º do Código de Processo Civil), a sua admissibilidade não é compatível com a função da oposição à execução.
A procedência da oposição apenas pode ter como efeito a extinção (total ou parcial) da execução. Assim o declara expressamente, aliás, o n.º 4 do artigo 817.º do Código de Processo Civil, acrescentado pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 21 de Agosto.»
Nos termos enunciados, a reconvenção não era admissível em processo executivo, na medida em que, caracterizando-se por conter um pedido autónomo dirigido contra o autor/exequente, a sua admissibilidade não é compatível com a função da oposição à execução, extravasando a mesma.
Este entendimento não é prejudicado pelo facto da tramitação dos embargos seguir as regras da ação declarativa, especificamente, “os termos do processo sumário de declaração” (artigo 817.º, n.º 2, do Código de Processo Civil na redação anterior à Lei n.º 41/2013), ou “os termos do processo comum declarativo” (artigo 732.º do Código de Processo Civil, na redação atual), na medida em que prevalece o âmbito restrito dos embargos, enquanto oposição que tem como exclusivo efeito a extinção (total ou parcial) da execução.
Também não é prejudicado pela atual redação do Código de Processo Civil.
«Diferentemente do que acontece nos embargos à execução de sentença, os embargos à execução baseada noutro título [que não seja o requerimento de injunção a que tenha sido aposta a fórmula executória] podem fundar-se em qualquer causa que fosse lícito deduzir como defesa no processo de declaração (artigo 731.º).
Compreende-se porquê: o executado não teve ocasião de, em ação declarativa prévia, se defender amplamente da pretensão da exequente.
Pode, pois, o executado alegar nos embargos matéria de impugnação e de exceção (artigo 571.º-2). Mas não pode reconvir: a reconvenção, que não é um meio de defesa mas de contra-ataque, não é admissível nem no processo executivo nem nos processos declarativos que a ele funcionalmente se subordinam.» – José Lebre de Freitas, “A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6.ª edição, página 205.
Acolhe-se este entendimento, perante o qual não há censura a fazer à decisão recorrida.
3.2 A recorrente argumenta ainda com o disposto no n.º 2, alínea c), do artigo 266.º do atual Código de Processo Civil, pretendendo que, ao estabelecer que a mera compensação (ainda que de valor inferior ao crédito invocado pelo autor) se faça através da dedução de uma reconvenção, sempre obstaria a entendimento da não admissibilidade da reconvenção, em sede de oposição à execução; a autonomização da compensação como fundamento da reconvenção, só pode ser entendida como o (expresso) reconhecimento da admissibilidade da dedução da mesma (reconvenção) no âmbito de embargos de executado (e mesmo que se entenda não ser o atual Código de Processo Civil o aplicável ao caso concreto, sempre as suas normas assumem um valor interpretativo de relevo).
A compensação visa a extinção recíproca de duas obrigações com os mesmos sujeitos, em que o credor de cada uma delas é, simultaneamente, devedor da outra, traduzindo-se no meio que o devedor tem de se desobrigar perante o credor, quando dispõe contra este de um crédito equivalente.
No caso dos autos, a recorrente não suscita a compensação de créditos por via de reconvenção, antes invoca o alegado direito a valores de indemnização, pretendendo a condenação do exequente/embargado no respetivo pagamento.
Mas, mesmo que se considerasse que é suscitada a compensação, importa considerar:
«A declaração de compensação é um negócio jurídico unilateral, a que pode chamar-se negócio potestativo, porque, por ela, exerce-se um direito potestativo do declarante – cf. Vaz Serra, Compensação, BMJ 31, pág. 137.
Ao alegar a compensação, os executados pretendem fazer valer um facto extintivo do direito exequendo; não pretendem reconvir, o que seria inadmissível em processo executivo.
(…) A questão [saber se a compensação só poderá ser invocada se o contra crédito estiver já reconhecido e não careça de ser nos presentes autos de oposição reconhecido judicialmente ou se a mesma compensação se admite quando o contra crédito estiver dependente na sua existência do reconhecimento judicial a efetuar nos próprios autos de execução] está muito debatida na jurisprudência e a solução que foi sendo uniformemente decidida é a de que a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra crédito sobre o exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível.
Para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente.
Este reconhecimento pode ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio, contrapondo o réu o seu crédito, como forma de operar a compensação.
Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva.
Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa» – acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 28 de abril de 2014, no processo 3/09.0TBGDM-A.P1, disponível na base de dados antes citada.
Também por esta via improcede a pretensão da recorrente.
3.3 A recorrente pretende ainda que uma interpretação diversa daquela que defende, nomeadamente, a que o Tribunal recorrido sufragou, no sentido de que o disposto no artigo 817.º do Código de Processo Civil impossibilita a admissão de reconvenção em sede de oposição à execução, só pode ser entendida como uma verdadeira denegação de justiça e portanto inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, além de determinar violação do princípio da economia processual, determinando a prática de atos inúteis, proibidos por Lei (artigo 130.º do atual Código de Processo Civil, anterior artigo 137.º).
É evidente que não há a pretendida violação de norma constitucional nem a prática de atos inúteis.
Nos termos da norma constitucional invocada, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
Este princípio não afasta as normas processuais e não impõe que a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos se exerça numa mesma ação.
No caso, não está prejudicada a possibilidade da recorrente exercer o direito que invoca no âmbito de adequada ação declarativa, com recurso ao procedimento próprio, cujas regras não traduzem violação de norma constitucional nem determinam a prática de atos inúteis.
Conclui-se por isso que a decisão recorrida não traduz violação dos artigos 137.º, 274.º, 814.º a 817.º do Código de Processo Civil – correspondentes aos artigos 130.º, 266.º, 728.º a 732.º do atual Código de Processo Civil – ou do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), o que determina a improcedência do recurso.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
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Porto, 16 de maio de 2016.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes