Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22390/15.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RP2018092422390/15.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 680, FLS 452-471)
Área Temática: .
Legislação Nacional: 2ª PARTE DO Nº 1 DO ARTº 651º DO CPC
Sumário: I - A possibilidade de junção de documento prevista na 2ª parte, do nº 1 do artigo 651º do Código de Processo Civil não abrange o caso de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da causa e visar, com esse fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter oferecido na 1ª instância.
II - Tendo o recurso por objeto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
III - Essa especificação deve ser feita nas conclusões e não no corpo das alegações, já que são aquelas que balizam o objeto do recurso.
IV - O incumprimento do ónus referido em II implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.
V - A oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista como causa de nulidade de sentença estabelecida no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão-pouco, a uma errada interpretação dela; situações destas configuram-se antes como erro de julgamento.
VI - A falta de anexação ao contrato de arrendamento - que tenha por objeto mediato edifício construído em data anterior à entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38382, de 7 de agosto de 1951 - de documento autêntico que demonstre a data da sua construção, não implica a nulidade desse contrato, gerando antes consequências contraordenacionais (sujeição do senhorio a uma coima) e consequências civis, conferindo ao arrendatário o direito potestativo de o resolver e de ser indemnizado pelos danos sofridos nos termos gerais.
VII - O erro-vício, no seu desenho legal, traduz-se numa ignorância ou falsa representação da realidade efectivamente existente no momento da celebração do negócio e, por essa razão, só pode reportar-se a circunstâncias presentes ou passadas, posto que não pode haver erro na formação da vontade negocial relativamente a circunstâncias que ainda não se verificaram.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 22390/15.0T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Santa Maria da Feira – Juízo Local Cível, Juiz 2
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

B..., Lda., C... e D... deduziram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra E..., F... e G..., na qual concluem pedindo:
a) Se declare a nulidade do contrato celebrado entre Autores e Réus por falta de licença de utilização e inaptidão do locado para o fim contratado, imputável aos Réus;
ou
b) Se declare a nulidade do contrato celebrado entre Autores e Réus por impossibilidade originária da prestação devida por estes;
c) Se declare a nulidade do contrato de arrendamento por falta de legitimidade do Réu para a outorga do mesmo;
caso assim não se entenda
d) Se declare o contrato celebrado entre Autores e Réus anulado por erro sobre os motivos que atingem a base do negócio, ou se declare o contrato celebrado entre Autores e Réus anulado por dolo;
caso assim não se entenda
e) Se declare resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre Autores e Réus, por alteração das circunstâncias ou por incumprimento contratual imputável aos Réus;
f) Serem os Réus condenados, solidariamente, no pagamento da quantia de trinta e dois mil duzentos e setenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para substanciarem tais pretensões alegaram, em síntese, que:
. entre as partes foi celebrado, em 20 de fevereiro de 2014, um contrato de arrendamento não habitacional e com prazo certo, o qual tinha como fim exclusivo galeria/exposição de motos e afins – restaurante/bar, sendo que o imóvel objeto do mesmo foi dado de arrendamento para um fim para o qual não possui licença de utilização;
. o réu nunca referiu a existência de problemas judiciais ou extrajudiciais relativos ao imóvel, assumindo-se sempre como seu proprietário exclusivo;
. no decurso das obras que iniciaram no locado foram abordados por uma senhora que lhes referiu que não as podiam fazer porque o espaço exterior era seu, sendo que idêntica situação se repetiu mais tarde na sequência de uma notificação recebida da H..., S.A.;
. em outubro de 2014 tiveram conhecimento de que se encontrava a correr termos um processo judicial, com o nº 588/14.9TVPRT, onde era discutida a existência de uma servidão de passagem do prédio da referida vizinha em favor do prédio do réu;
. para desenvolver a sua atividade os autores têm que executar as obras de acordo com o projeto submetido e aprovado na H..., o que não podem satisfazer em face do referido conflito;
. a autora não pode iniciar a sua atividade, tendo despendido em obras de limpeza e conservação a quantia de €32.274,36, tendo ainda pago as rendas.
A ré F... contestou, defendendo-se, desde logo, por exceção dilatória invocando a sua ilegitimidade passiva; alegou ainda que os autores estavam bem informados e esclarecidos das características do imóvel, consubstanciando a sua atuação neste processo um manifesto abuso de direito.
Os demais réus apresentaram contestação conjunta, alegando, em súmula, que a arguição da nulidade do contrato, decorridos quase dois anos sobre a respetiva celebração, consubstancia abuso de direito.
Acrescentam que atenta a data do prédio, anterior a 1951, é desnecessária a licença de utilização, facto que foi comunicado aos autores, tendo apenas deles recebido as duas primeiras rendas. No mais contestam por impugnação, alegando inexistir qualquer obstáculo que impeça o gozo do locado por parte dos autores.
Foi elaborado despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção da ilegitimidade passiva suscitada pela ré F...; definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os pertinentes temas de prova.
Procedeu-se à realização de julgamento com observância do formalismo legal aplicável, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente.
Não se conformando com o assim decidido, vieram os autores interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1. Nos termos do preceituado nos artigos 627º, 629º, 631º, 637º, 638º, 639º, 644º, 645º, todos do Código de Processo Civil, vêm os Recorrentes interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo, por entenderem que existe violação de vários normativos legais, designadamente dos artigos 251º, 252º, 253º, 254º, 247º, 364º, 437º do Código Civil e do artigo 5º nº 4 do D.L. 160/2006, de 8 de agosto.
2. O Tribunal a quo julgou improcedentes os vários pedidos formulados pelos Recorrentes, designadamente que fosse declarada a nulidade do contrato celebrado entre Recorrentes e Recorridos por falta de licença de utilização e inaptidão do locado para o fim contratado ou a nulidade do contrato celebrado entre Recorrentes e Recorridos por impossibilidade originária da prestação devida por estes, ou a nulidade do contrato de arrendamento por falta de legitimidade do Recorrido para a outorga do mesmo, caso assim não se entendesse, fosse declarado anulado por erro sobre os motivos que atingem a base do negócio ou anulado por dolo; Caso assim não se entendesse fosse declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre Recorrentes e Recorridos por alteração das circunstâncias ou por incumprimento contratual imputável ao Recorrido e serem os Recorridos condenados solidariamente no pagamento da quantia de €: 32.274,36 (trinta e dois mil duzentos e setenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos) a título de danos patrimoniais acrescida de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; fossem os Recorridos condenados solidariamente no pagamento de todas as custas processuais, custas de parte e demais procuradoria.
3. Salvo devido respeito não podem os Recorrentes concordar com tal decisão.
4. A decisão proferida deu como provados certos factos e acabou por decidir em sentido diverso dos mesmos.
5. Por tal motivo é a sentença proferida nula por violação do disposto no artigo 615º, nº 1, als. c) e d) do Código de Processo Civil.
6. No que concerne ao primeiro pedido formulado pelos Recorrentes na ação intentada contra os Recorridos, é peticionada a declaração de nulidade do contrato celebrado entre as partes por falta de licença de utilização e inaptidão do locado para o fim celebrado.
7. Diz o Tribunal a quo que, tendo o edifício mais de 100 anos e tendo sido a licença de utilização, “criada pelo Regime Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo DL nº 38382, de 7 de agosto de 1951, razão pela qual só é exigível em relação a edifícios construídos ou alterados a partir da entrada em vigor do referido decreto-lei, e que ocorreu em 1951”.
8. O que o Tribunal a quo não considerou foi a nulidade plasmada no artigo 5º, nº 8 do D.L. 160/2006, de 8 de agosto
9. Refere o artigo 5º do referido diploma legal que “1. Só podem ser objeto de arrendamento urbano os edifícios ou suas frações cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização”.
10. Por sua vez, o nº 2 do mesmo normativo refere “o disposto no número anterior não se aplica quando a construção do edifício seja anterior à entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38382, de 7 de agosto de 1951, caso em que deve ser anexado ao contrato documento autêntico que demonstre a data da construção”.
11. Ora, não existindo o documento autêntico exigido por lei junto ao contrato celebrado, tal contrato é nulo nos termos do nº 8 do referido artigo.
12. O Tribunal a quo entendeu que tendo o prédio mais de cem anos tal formalidade da existência de licença não é exigível.
13. Mas olvida que o diploma legal exige que, caso o imóvel seja anterior ao ano de 1951 tem de ser anexado ao contrato celebrado, documento autêntico que demonstre a data de construção do mesmo.
14. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou tal diploma legal, tendo feita tábua rasa de uma nulidade legalmente consagrada,
15. Pelo que deverá tal decisão ser modificada, decidindo-se pela nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre Recorrentes e Recorridos.
16. Caso assim não se entenda,
DO QUARTO PEDIDO FORMULADO PELOS RECORRENTES
17. Os aqui Recorrentes pediram que fosse declarado anulado o contrato por erro sobre os motivos que atingem a base do negócio ou que fosse anulado por dolo.
18. Também aqui o Tribunal a quo acabou por decidir em sentido diverso dos factos que deu como provados.
19. Em J) dos factos provados da sentença proferida é dito “Até outubro de 2014, nunca o Réu referiu aos autores a existência de litígios judiciais e/ou extrajudiciais, nomeadamente relacionados com a entrada do nº .. para o prédio.”
20. E depois entende que “(…) a omissão do Réu sobre a existência dos problemas judiciais e extrajudiciais relativas ao túnel de acesso é censurável, não tem a virtualidade de ser causa de anulação do negócio (…) improcede, assim, este pedido relativo ao erro vício e ao dolo.”
21. Ora, o que o Tribunal a quo não tem em conta é a relevância dos assuntos discutidos nos processos judiciais junto do contrato de arrendamento celebrado entre Recorrentes e Recorridos.
22. Não se entende como pode o Tribunal a quo entender que não reveste caráter de essencialidade para os Autores na celebração do contrato, o conhecimento acerca da discussão judicial da propriedade e a existência, ou não, de uma servidão de passagem, quem tem o prédio dominante e quem tem o prédio encravado, que dá acesso ao imóvel objeto de arrendamento, entre o Recorrido e uma sua vizinha, pela entrada com o nº .. da Rua ... (que, refira-se, é a única que permite o acesso ao imóvel).
23. Tal decisão viola o disposto no artigo 252º do Código Civil.
24. A vontade negocial deve ser livre, esclarecida, ponderada e formada de um modo julgado normal e são.
25. Ora se os Recorrentes não estão na posse de toda a informação referente ao imóvel objeto de arrendamento e relevante para a tomada de decisão, então só poderia ter sido declarado anulado o contrato celebrado.
26. Mais se diga que se os Recorrentes estivessem na posse de toda a informação jamais teriam contratado como contrataram com os Recorridos.
27. Não se pode entender que os Recorrentes fossem celebrar um contrato de arrendamento para fins não habitacionais se pudessem colocar a hipótese de, posteriormente, não poderem aceder de forma plena ao locado.
28. Nem tão pouco iria proceder a limpezas e obras no locado, fazendo investimentos superiores a trinta mil euros,
29. Nem iria pedir às L... que efetuassem a ligação à rede pública.
30. Sempre se diga que as L... também colocaram entraves a tal pedido por conta da questão da propriedade sobre o nº .. da Rua ....
31. Da mesma forma, e aquando da tentativa de realização de obras no locado por parte dos Recorrentes, a vizinha do aqui Réu, proprietária do nº .., comunicou por escrito ao processo de licenciamento apresentado pelos Recorrentes que corria termos na H..., que iria tomar atitudes (incluindo a apresentação de ações judiciais) que impediriam estes de levar a cabo as mencionadas obras, uma vez que ela é a proprietária do nº ...
32. Mais se diga que o Tribunal a quo entendeu que não podem ser tidos em conta na anulação de um contrato problemas que possam vir a existir no futuro.
33. Só não percebeu, salvo devido respeito, que os problemas eram atuais, conforme consta da prova documental junta aos autos.
34. Sempre se diga que tal informação era de tal forma importante para os Recorrentes que os mesmos tentaram renegociar o contrato outorgado.
35. Sem qualquer sucesso, uma vez que o Recorrido de tudo fez para manter em vigor um contrato que apenas a ele servia e que prejudicava claramente as outras partes contratantes.
36. E tal documento, não obstante constar dos autos, não foi tido em conta pelo Tribunal a quo como devia.
37. É certo que tal tentativa de renegociação foi feita através de uma outra sociedade (I...), mas tal era possível de acordo com o contrato de arrendamento celebrado entre Recorrentes e Recorrido o qual, na sua cláusula quinta permitia a exploração do locado por uma sociedade parceira.
38. E não esqueçamos que os sócios desta sociedade são os mesmos da aqui Recorrente, pelo que facilmente se afere a efetiva existência de tentativa de renegociação do contrato outorgado.
39. Tal como se afere pelo teor da nova proposta de contrato efetuada, as cláusulas insertas no mesmo visavam a existência e soluções para o desfecho das contendas judiciais entre o Aqui Recorrente e a Sra. Dª J....
40. No que concerne à valoração do depoimento da testemunha K..., sempre se diga que o Tribunal tratou a testemunha como se de um verdadeiro perito se tratasse, o que não corresponde à verdade.
41. O tribunal a quo assentou a sua convicção em tal depoimento para concluir que o túnel de acesso ao imóvel (propriedade da Dª J...) era incombustível porque revestido de VIROC.
42. Contudo para que tal testemunha se pronunciasse sobre tal assunto, sem qualquer margem para dúvidas, teria que ter formação específica na área com a correspondente creditação, o que não aconteceu…. Quem tem competência para se pronunciar acerca das questões de segurança contra incêndios é a Autoridade Nacional de Proteção Civil.
43. A testemunha em causa não era perito, nem tão pouco foi produzida qualquer prova pericial para que o Tribunal a quo validasse tal depoimento como o fez.
44. Mal esteve, ainda, o Tribunal a quo ao não aferir se tal material efetivamente se encontra lá aplicado, quem procedeu à sua colocação e com que finalidade.
45. E bem o podia ter feito, tendo em conta que foi requerida a prova por inspeção.
46. Mais se diga que foi de acordo com o depoimento de tal testemunha que o Tribunal entendeu provado que no espaço locado objeto dos presentes autos se encontra a laborar um outro estabelecimento comercial na área do vestuário.
47. Contudo, nenhuma prova é feita nos autos nesse sentido.
48. Diz o artigo 364º do Código Civil que “1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.”
49. Ao valorar tal depoimento como fez, o Tribunal a quo violou claramente tal normativo legal.
50. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o preceituado nos artigos 251º, 252º, 253º, 254º e 364º do Código Civil,
51. Pelo que deverá ser revogada, decretando-se a anulação do contrato por erro sobre os motivos que atingem a base do negócio ou que seja anulado por dolo.
52. Sem prescindir,
DO QUINTO PEDIDO FORMULADO PELOS RECORRENTES
53. Peticionaram os aqui Recorrentes a resolução do contrato de arrendamento por alteração das circunstâncias ou por incumprimento contratual imputável aos Recorridos.
54. O Tribunal a quo decidiu pela absolvição dos Recorridos referindo “Com efeito, não resultou demonstrada a impossibilidade de afetação do locado ao fim contratado, sendo ainda certo que inexiste qualquer facto que permita considerar que tenha advindo um desequilíbrio de circunstâncias. Ter a expetativa de que a vizinha colocasse obstáculos ao acesso ao nº .. não é a mesma coisa de afirmar que esses obstáculos efetivamente existiriam ou que fossem inultrapassáveis.”
55. Mais uma vez o Tribunal a quo apenas quer saber se o locado em si próprio, se as paredes do armazém permitem o desempenho da atividade da Recorrente.
56. Esquece-se é que para os Recorrentes usufruírem do espaço arrendado têm que chegar ao mesmo… e têm de o fazer através de uma entrada da qual é proprietária um terceiro completamente alheio ao contrato celebrado entre os Recorrentes e os Recorridos.
57. E, mais uma vez, o Tribunal a quo bastou-se com o depoimento da testemunha K... que referiu que no local já se encontra a laborar outro estabelecimento comercial,
58. Sem nunca se preocupar em aferir a veracidade de tal depoimento através de documento tal como é exigível por lei.
59. Mas não referiu ao Tribunal que existe um processo de embargo de obra, tal como se afere pelo documento aqui junto com o nº 1.
60. E foi, com base nesse depoimento que o Tribunal formou a convicção de que os aqui Recorrentes é que acabam por ser a parte faltosa no cumprimento do contrato celebrado, uma vez que até se encontra no mesmo espaço um outro estabelecimento comercial a laborar.
61. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 437º e 463º do Código Civil.
DO SEXTO PEDIDO FORMULADO PELOS RECORRENTES
62. O tribunal a quo absolveu os Recorridos do pagamento de qualquer montante aos Recorrentes.
63. Contudo, a sentença proferida não tem em conta, no que a este segmento diz respeito, que os diferentes pedidos formulados pelos Recorrentes têm desfechos diversos no que concerne ao pagamento ou devolução de montantes.
64. A sentença proferida refere que não existe pagamento de quantias aos Recorrentes porque não existe qualquer responsabilidade civil por parte dos Recorridos e que, ainda assim, as mesmas sempre seriam tidas como benfeitorias.
65. Ora, declarar um contrato nulo ou anulável tem conclusões diversas no que concerne ao pagamento à parte contrária de certas quantias.
66. Por tal motivo, não se entende como pode o Tribunal a quo pronunciar-se da forma como o fez, resumindo a sua conclusão à responsabilidade civil e a benfeitorias realizadas.
67. Ficou provado no Tribunal a quo que foram realizadas obras pelos Recorrentes no espaço arrendado.
68. Foi peticionado o pagamento de €: 32.274,36 por conta das obras realizadas
69. E foram juntos documentos que comprovam os pagamentos efetuados pelos Recorrentes.
70. Ainda que se entenda que nem todos os montantes peticionados podem ser dados como provados,
71. É obrigação do Tribunal proferir sentença de condenação em quantia ilíquida, uma vez que ficou provada a realização das obras por parte dos Recorrentes.
72. Pelo exposto, o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 251º, 252º, 253º, 254º, 247º, 364º, 437º do Código Civil, bem como violou o disposto no artigo 5º nº 4 do D.L. 160/2006 de 8 de agosto, o que implica nulidade nos termos do preceituado no artigo 615º, als. c) e d) do C.P.C..
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Notificados os réus apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO MÉRITO DO RECURSO
1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, são as seguintes as questões solvendas:
. da existência de error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas;
. da nulidade da sentença;
. da nulidade do contrato celebrado entre as partes por falta de anexação de documento autêntico que demonstre a data de construção do imóvel objeto mediato do mesmo;
. da anulação do contrato por erro sobre os motivos que atingem a base do negócio ou por ocorrência de dolo;
. da resolução do contrato de arrendamento por alteração das circunstâncias;
. do reembolso das despesas suportadas pelos autores em resultado da celebração do ajuizado contrato.
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2. Questão prévia: da admissibilidade da junção do documento apresentado com a alegação de recurso

Já em fase de recurso os apelantes vieram apresentar documento extraído da competente Conservatória do Registo Predial contendo as descrições e inscrições em vigor referentes ao imóvel a que se alude nos autos.
Cumpre, assim, apreciar da admissibilidade da junção de tal suporte documental em sede recursória, sendo certo que nesta fase processual essa junção obedece, compreensivelmente, a regras particularmente restritivas.
Com efeito, como emerge dos arts. 425º e 651º, nº 1, 2ª parte, com as suas alegações de recurso as partes só podem juntar documentos, subjetiva ou objetivamente, supervenientes – isto é, “cuja apresentação não tenha sido possível” até ao encerramento da discussão – ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Do exposto resulta que a possibilidade de junção de documentos não compreende, em hipótese alguma, o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia – e deveria – ter oferecido em 1ª instância[2].
A superveniência pode ser objetiva ou subjetiva: é objetiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjetiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento.
A parte que pretenda, nas condições apontadas, oferecer o documento deve, portanto, demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento normal, ou seja, alegando e demonstrando o carácter objetiva ou subjetivamente superveniente desse mesmo documento.
No tocante à superveniência subjetiva não basta, porém, invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, impondo-se outrossim a demonstração da impossibilidade da sua junção até esse momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua.
No entanto, conforme se vem entendendo[3], só o desconhecimento tempestivo da existência do documento assente numa negligência grave deve obstar à sua alegação como documento subjetivamente superveniente, pelo que, sempre que a parte desconheça sem negligência grave um documento e, por esse motivo, não o tenha oferecido no momento próprio, a sua junção não fica irremediavelmente precludida e aquele documento pode ser invocado como documento subjetivamente superveniente. Em qualquer caso, a parte deve alegar e demonstrar que o desconhecimento do documento não ficou a dever-se a negligência sua, posto que só desse modo o documento pode ter-se por subjetivamente superveniente.
Já no concernente à superveniência objetiva a mesma é facilmente determinável, porquanto o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1ª instância.
Na espécie é manifesto que o documento oferecido pelos apelantes não é objetivamente superveniente, dado que foi produzido em momento anterior à prolação da decisão recorrida.
Portanto, a admissibilidade dessa apresentação somente poderá estar adjetivamente legitimada à luz do disposto no art. 651º, nº 1, 2ª parte, ou seja por essa junção “se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”, segmento normativo que, como é consabido, tem sido alvo de interpretações não inteiramente consonantes.
Assim, segundo alguma doutrina, a junção do documento será admissível sempre que a decisão se baseie numa norma jurídica com cuja aplicação as partes não tivessem contado[4].
Outros[5] advogam que a admissibilidade da junção dos documentos, pela razão apontada, está ordenada por esta finalidade: contraditar, pelo documento, meios probatórios introduzidos de surpresa no processo, que venham a pesar na decisão, que determinem, embora não necessariamente de forma exclusiva, o seu sentido; em face da liberdade do tribunal no tocante à indagação, interpretação das regras de direito é mais exato – diz-se - assentar em que a junção é admissível sempre que a aplicação da norma jurídica com que as partes justificadamente não contavam seja o reflexo da introdução no processo, pelo juiz, de um meio de prova com que as partes foram, inesperadamente, surpreendidas (art. 5º, nº 3). Quando isso suceda, a junção será sempre possível; se, pelo contrário, a aplicação, pela sentença, de norma com que as partes não contavam, não resulta da consideração de um novo meio de prova, a apresentação deve ter-se por inadmissível.
Uma terceira posição – mais restritiva -, defende que manifestamente o legislador quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário fazer a prova de um facto ou factos com cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, contar antes do proferimento da decisão[6].
Há, no entanto, um ponto em que todas estas orientações são consonantes: o de que a aludida previsão normativa não abrange o caso de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da causa e visar, com esse fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter oferecido na 1ª instância.
Ora, como se deu nota, o documento em causa foi produzido em momento anterior à prolação do ato decisório sob censura (documento esse que, dada a sua natureza, poderia ter sido facilmente obtido e apresentado nos autos dentro do condicionalismo estabelecido no art. 423º), sendo certo que, neste conspecto, os apelantes limitaram-se a juntá-lo ao processo com as suas alegações recursivas, não apresentando qualquer justificação válida para a sua junção tão-somente nesta oportunidade temporal.
Conclui-se, assim, que, atento o critério plasmado no nº 1 do art. 651º, carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção de documentos, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução aos respetivos apresentantes (sendo que o incidente gerado está sujeito a tributação nos termos dos arts. 543º, nº 1 e art. 27º, nº 3 do Regulamento das Custas Processuais).
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3. Recurso da matéria de facto
3.1. Factualidade considerada provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
A) A autora B..., Lda., tem por objeto o comércio, importação, exportação, representação de uma grande variedade de produtos, nomeadamente motociclos, ciclomotores, suas peças e acessórios, bicicletas, todos os artigos e equipamentos de desporto e lazer, bem como mobiliário, antiguidades, artigos de decoração, vestuário, acessórios de moda e similares, reparação, manutenção e transformação de motociclos e ciclomotores, prestação de todos os serviços na área de produção de imagem, foto e vídeo.
B) O réu E... é sócio-gerente da sociedade M..., Lda., pessoa colectiva nº ........., com sede na Rua ..., nº.., ..., Porto.
C) A sociedade M..., Lda., tem como objeto social a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; permuta de bens imóveis; urbanização e loteamento de propriedades; elaboração de estudos e realização de projetos de construção urbanística; arrendamento de prédios para habitação, comércio e indústria, construção civil e promoção imobiliária.
D) Os autores C... e D... são sócios da primeira autora referida em A) e seus fiadores no âmbito do contrato de arrendamento celebrado.
E) Em 20 de fevereiro de 2014, os autores e o réu E... celebraram um contrato de arrendamento não habitacional com fiança e com prazo certo, nos termos e com o conteúdo constantes de fls. 47 verso a 48 verso.
F) Foi objeto do referido contrato “um armazém com entrada pelo nº .. da Rua ..., freguesia ..., concelho do Porto”, tendo o réu omitido que o imóvel também pertencia às suas filhas, mercê do decesso da mãe destas.
G) Não obstante ter sido celebrado em 20 de fevereiro de 2014, o contrato só começaria a produzir os seus efeitos a partir de 1 de junho de 2014.
H) Quando o contrato foi outorgado, o réu entregou as chaves do imóvel aos legais representantes da primeira autora, para que se iniciassem as obras de limpeza no espaço.
I) A autora contratou os serviços da sociedade N..., Lda., por sugestão do réu, mercê de ser uma sociedade da sua confiança com a qual tinha anteriormente trabalhado.
J) Até outubro de 2014, nunca o réu referiu aos autores a existência de litígios judiciais e/ou extrajudiciais, nomeadamente relacionados com a entrada nº .. para o prédio.
K) O réu disponibilizou aos autores parte dos materiais sobrantes por si utilizados nas obras do seu hotel.
L) Em junho ou julho de 2014, numa reunião dos bombeiros, os autores foram abordados por J..., que lhes referiu ser a proprietária da entrada com o nº .. e que o réu dispunha apenas de uma servidão de passagem sobre a mesma.
M) A fim de levar a cabo obras necessárias ao desenvolvimento da sua actividade no locado, a autora apresentou o competente projecto e pedido de licenciamento na “H..., S.A”.
N) Por comunicação datada de 7 de julho de 2014, os autores foram notificadas pela H... de uma exposição apresentada em junho de 2014 por J....
O) Os autores contactaram o réu que lhes referiu não haver problema e que a senhora em causa era conflituosa, e que poderiam continuar a fazer o que estavam a fazer, porque o imóvel era seu e não havia qualquer problema.
P) Em Outubro de 2014 os autores tiveram conhecimento de que se encontrava a correr termos um processo judicial na comarca do Porto, sob o nº 588/14.9TVPRT, então na extinta 3ª Vara Cível onde era pedido, além do mais, que fosse reconhecida a propriedade de J... e sua mãe sobre o túnel com acesso pelo nº .. e que o aqui réu dispunha somente de um direito de servidão de passagem sobre o mesmo.
Q) Em finais de dezembro de 2014 os autores receberam uma comunicação das L..., dando conta de outra exposição levada a cabo pela referida J... junto de tal entidade, nos termos e com o conteúdo constante a fls. 62.
R) O réu e a referida J... tiveram a correr termos entre si outras duas ações judiciais referentes ao mesmo imóvel, concretamente as ações nº 1066/12.6TJPRT no hoje extinto 2º Juízo Cível do Porto e o processo 586/13.0TVPRT, da hoje extinta 2ª Vara Cível do Porto.
S) A autora despendeu €154,62 com o município ..., €99,76 e €384,28 num total de €638,66.
T) Com data de 14 de dezembro de 2015 foi emitida pela H..., S.A., uma certidão nos termos e com o conteúdo constante de fls. 186 verso a 187 verso.
U) Com data de 9 de fevereiro de 2015, a H..., S.A., remeteu ao autor D... uma carta nos termos e com o conteúdo constante a fls. 188.
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3.2. Do erro na apreciação e valoração da prova

Os apelantes iniciam as suas alegações recursivas com o que denominam “nota preambular” referindo que “o objecto do presente recurso cinge-se (…) à errada decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, designadamente no que concerne à apreciação da matéria de facto provada, não provada e decisão sobre a mesma, o que se traduz em nulidade nos termos do preceituado no artigo 615º, nº 1 al. c) e d) do CPC”.
Ora, apesar do afirmado propósito, procedendo à exegese da peça processual que os apelantes apresentaram, afigura-se-nos, contudo, que nela não põem em crise qualquer proposição factual que o tribunal recorrido tenha julgado provada ou não provada.
É facto que nesse libelo recursório, concretamente nas conclusões 40 a 44, 46, 47 e 57, é feita alusão a elementos de prova que, na perspectiva dos apelantes, não terão sido devidamente ponderados pelo decisor de 1ª instância. No entanto, na economia da respetiva alegação, tais referências não são feitas no sentido de impugnar qualquer das afirmações de facto que o tribunal recorrido deu como provadas e não provadas (sendo que em parte alguma do elenco dos factos provados consta a materialidade referida nas conclusões 41ª e 46ª), tendo antes como desiderato sindicar algumas das considerações que o juiz a quo fez verter na motivação da decisão de facto aquando da análise crítica da prova.
Coloca-se, assim, a questão de saber se, nessas circunstâncias, ocorre uma efetiva impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Como é consabido, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente.
Desde logo, como deflui do nº 1 do art. 639º, quando o apelante interpõe recurso de uma decisão jurisdicional passível de apelação autónoma fica automaticamente vinculado à observância de dois ónus, se quiser prosseguir com a impugnação de forma regular[7].
Assim, para além do cumprimento do ónus de alegação, o recorrente fica igualmente sujeito ao ónus de finalizar as alegações recursórias com a formulação sintética de conclusões, em que resuma os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal ad quem modifique ou revogue a decisão prolatada pelo tribunal a quo.
Além destes, vem-se igualmente autonomizando um ónus de especificação de cada uma das concretas razões de discórdia em relação à decisão sob censura, seja quanto às normas jurídicas (e sua interpretação) aí convocadas, seja, no que à situação sub judice releva, a respeito dos concretos pontos de facto que o apelante considera que foram julgados de forma incorreta e dos concretos meios de prova que impunham uma diversa decisão relativamente a essa facticidade.
Isso mesmo determina a al. a) do nº 1 do art. 640º, na qual se preceitua que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados”.
Por imposição do segmento normativo transcrito, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende ver reapreciados pelo tribunal ad quem.
Ora, na sequência das considerações anteriormente tecidas, verifica-se que não foi observado esse ónus de especificação dos concretos pontos de facto (provados e/ou não provados) que os apelantes consideram terem sido incorretamente julgados pelo tribunal de 1ª instância.
Questão que, a este respeito, se tem colocado é a de saber se tal especificação deve constar, formalmente, das conclusões recursórias ou se se bastará com a sua inclusão no corpo alegatório[8], sendo de registar, de qualquer modo, que na situação vertente os apelantes sequer fazem essa especificação nas alegações propriamente ditas.
É certo que, aparentemente, a lei adjetiva não consagra norma expressa sobre tal inclusão no quadro conclusivo, como o faz relativamente à impugnação de direito, nos termos do artigo 639.º, n.º 1 e 2.
No entanto, conforme vem sendo majoritariamente entendido[9], constituindo a especificação dos concretos pontos de facto um fator de delimitação do objeto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões, por força do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugadamente com o art.º 640.º, n.º 1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente o preceituado no n.º 1 do art.º 639.º.
Este posicionamento é, quanto a nós, aquele que se mostra em consonância com a ratio essendi das conclusões recursórias, qual seja a de delimitação do âmbito objetivo e subjetivo do recurso e, correspondentemente, da competência decisória da Relação.
De facto, como emerge do regime plasmado nos arts. 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nº 1, da sua natureza lógica de finalização resumida de um discurso, as conclusões têm um papel decisivo, não só no levantamento das questões controversas apresentadas ao tribunal superior como, sobretudo, na fixação do objeto do recurso, logo se compreendendo quão importantes elas são para o tribunal ad quem na definição dos seus poderes de cognição. Em suma: as conclusões têm a importante função de definir e delimitar o objeto do recurso e, desta forma, circunscrever o campo de intervenção do tribunal superior encarregado do julgamento.
Por isso, sendo a impugnação de matéria de facto uma autêntica questão fundamental, suscetível de conduzir a decisão diferente, deve ela ser incluída nas conclusões das alegações, de forma sintética mas obviamente com indicação precisa dos pontos de facto impugnados. Só assim se pode entender que é suscitada tal questão: para se impugnar matéria de facto há, forçosamente, que especificar nas conclusões, de forma concreta, quais os pontos de facto impugnados, pois de contrário o recurso não tem objeto fático.
Resulta, assim, manifesto o incumprimento por banda dos apelantes do ónus estabelecido na al. a) do nº 1 do citado art. 640º.
Daí que, em consonância com o disposto na 1ª parte da al. a) do nº 2 desse normativo, impõe-se a rejeição, nessa parte, do recurso, sendo que, dada a expressão perentória da lei (através do emprego do adjetivo imediata), não cabe convite ao aperfeiçoamento no sentido de lograr suprir a inobservância desse ónus[10].
Deste modo, perante o evidenciado inadimplemento, nenhuma alteração se poderá introduzir na matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada e não provada.
A apelação terá, por conseguinte, de improceder nessa parte.
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4. FUNDAMENTOS DE DIREITO
4.1. - Das (alegadas) nulidades da sentença

Nas suas alegações recursórias os apelantes advogam, desde logo, que o ato decisório sob censura enferma de vícios de nulidade, que reconduzem à previsão das alíneas c) e d) do nº 1 do art. 615º.
Certo é que não identificam em que passos concretos da sentença ocorrem os invocados vícios formais, limitando-se, na essência, a alegar, de forma marcadamente genérica, que a «decisão proferida deu como provados certos factos e acabou por decidir em sentido diverso dos mesmos», o que, naturalmente, dificulta a apreensão da justeza da crítica que direcionam a essa peça processual.
Ainda assim, dentro dos poderes de cognição que competem a este tribunal de recurso, iremos procurar dilucidar se efetivamente a decisão recorrida padece de alguma das invocadas nulidades, sendo de registar que, em resultado do que fizerem verter nas conclusões recursivas, a nulidade que, neste conspecto, invocam se reconduz fundamentalmente em determinar se os fundamentos de facto dessa sentença estão em oposição com o respetivo dispositivo[11].
Tal como deflui da al. c) do nº 1 do art. 615º, verifica-se o referido vício formal quando há contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, isto é, a fundamentação conduz logicamente a resultado distinto do que consta do dispositivo da decisão judicial. Dito de outro modo, a fundamentação seguiu uma determinada linha de raciocínio, apontando num dado sentido, e depois a decisão segue outro oposto, chegando a uma conclusão completamente diferente da apontada pela fundamentação.
A razão de ser desta causa de nulidade ancora-se primordialmente na ideia de que a sentença deve constituir um silogismo judiciário, em que a norma jurídica constitui a premissa maior, os factos a premissa menor e a decisão será a consequência lógica de tais premissas, não devendo, pois, existir qualquer contradição intrínseca ou oposição entre os fundamentos e a decisão.
Assim, o vício em questão ocorre quando se verifique contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
Na espécie, para além de os apelantes não terem densificado de forma cabal a ocorrência do apontado vício formal no ato decisório sob censura, certo é que, nos respetivos fundamentos, se considerou inexistir vício genético que inquine a validade do contrato celebrado entre as partes e bem assim fundamento de resolução por alteração superveniente das circunstâncias. Na decorrência da argumentação assim expendida, foram julgados improcedentes os pedidos que os autores haviam formulado.
Resulta, assim, do exposto inexistir qualquer contradição intrínseca entre os fundamentos e o dispositivo da sentença, sendo que, como tem sido salientado[12], a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão-pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se antes como erro de julgamento.
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4.2. - Da nulidade do contrato celebrado entre as partes por falta de anexação de documento autêntico que demonstre a data de construção do imóvel objeto mediato do mesmo

Como emerge da petição inicial com que os autores deram início à presente ação, aduziram os mesmos, a título principal, pedido de declaração de nulidade do contrato de arrendamento não habitacional (qualificação jurídica relativamente à qual não se regista qualquer dissenso e que se mostra confortada pelo programa negocial que se mostra definido no documento nº 3 junto com aquele articulado, no qual se colhem os essentialia negotii deste tipo contratual) que foi celebrado (em 20 de fevereiro de 2014) entre as partes por falta de licença de utilização, não tendo o réu anexado ao contrato documento autêntico que demonstrasse a data da construção do imóvel.
Pronunciando-se sobre o invocado vício genético, o tribunal a quo considerou, designadamente, que não seria exigível a licença de utilização, porquanto o imóvel objeto mediato do ajuizado contrato tem mais de cem anos (o que se mostra confirmado a fls. 147 dos autos e é, aliás, expressamente aceite pelos autores), decidindo, em conformidade, pela improcedência da aludida pretensão de tutela jurisdicional.
Os apelantes rebelam-se contra o referido sentido decisório, argumentando que, malgrado o prédio tenha mais de cem anos, deveria ter sido anexado ao contrato documento autêntico que demonstrasse a data de construção do mesmo, formalidade que, todavia, não foi observada, importando a sua nulidade.
Sobre a matéria atinente aos elementos do contrato de arrendamento e aos requisitos a que obedece a sua celebração, rege o DL nº 160/2006, de 8.08[13] que, depois de definir o seu conteúdo necessário (art. 2º) e eventual (art. 3º), no nº 1 do seu art. 5º dispõe que “[S]ó podem ser objeto de arrendamento urbano os edifícios ou suas frações cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização”.
No entanto, como se assinala no preâmbulo do referido diploma legal, por forma a garantir a harmonia do sistema jurídico, estatui o nº 2 do mesmo normativo que “[O] disposto no número anterior não se aplica quando a construção do edifício seja anterior à entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38382, de 7 de agosto de 1951, caso em que deve ser anexado ao contrato documento autêntico que demonstre a data de construção”.
In casu, analisando o documento nº 3 que foi junto com a petição inicial (que formaliza as declarações negociais das partes) verifica-se que no mesmo não é feita qualquer referência a não ser exigível a licença de utilização (como é imposto pela parte final da alínea d) do citado art. 2º), nem foi a ele anexado o referido documento autêntico atestando a data de construção do imóvel.
Questão que, naturalmente, se coloca é a de saber se a inobservância desses requisitos legais importa a nulidade do contrato firmado entre as partes, como é sustentado pelos apelantes que, para esse efeito, convocam o disposto no nº 8 do art. 5º.
Não lhes assiste, contudo, razão, porquanto a previsão normativa do último preceito citado não tem sequer aplicação na situação sub judicio, posto que a cominação aí contemplada apenas tem lugar (o que não é o caso) quando o contrato de arrendamento tenha fim diverso do licenciado, o que pressupõe, obviamente, que se esteja em presença de situação em que haja licença de utilização (rectius, autorização de utilização[14]) do imóvel na qual seja atestada pelas entidades competentes a sua aptidão para um determinado fim e o contrato celebrado tenha uma finalidade diversa da constante da respetiva licença.
Ainda assim, caberá dilucidar se, na economia do aludido diploma legal, a referida falta de anexação ao contrato de arrendamento de documento autêntico que demonstre a data de construção do edifício acarreta a sua nulidade.
Ora, a lei (nº 5 do art. 5º) não estabelece essa consequência em caso de inobservância da formalidade prevista na parte final do nº 2 do art. 5º, consagrando antes uma disciplina distinta da invalidade contratual, sujeitando, nos termos do seu nº 4, o contraente faltoso a consequências contraordenacionais (a aplicação de uma coima não inferior a um ano de renda) e às consequências civis definidas no seu nº 7, conferindo ao arrendatário o direito potestativo de resolver o contrato e de ser indemnizado pelos danos sofridos nos termos gerais da responsabilidade contratual (arts. 798º e 801º, nº 2 do Cód. Civil). Resulta, assim, claro que o legislador não quis sancionar a não satisfação do referido requisito com a nulidade do vínculo negocial, uma vez que o direito de resolução que confere ao arrendatário pressupõe naturalmente a sua validade, o que afasta, por incompatibilidade intrínseca ou substancial de pretensões, aqueloutra consequência.
Improcedem, pois, as conclusões 6ª a 15ª.
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4.3. – Da anulação do contrato por erro sobre os motivos que atingem a base do negócio ou por ocorrência de dolo

De forma alternativa os autores impetram a anulação do ajuizado contrato de arrendamento em virtude de o mesmo se mostrar afetado de vícios na formação da vontade - concretamente erro sobre os motivos e dolo -, filiando-se, para tanto, no facto de o réu, até outubro de 2014, não os ter informado da existência de litígios judiciais e/ou extrajudiciais, nomeadamente com a entrada do nº .. do prédio que constituiu objeto mediato dessa relação arrendatícia, sendo certo que se estivessem na posse dessa informação não o teriam celebrado.
Na decisão recorrida considerou-se que, na situação vertente, não ocorreu qualquer dos referidos vícios, posto que “a omissão do réu sobre a existência dos problemas judiciais e extrajudiciais relativas ao túnel de acesso é censurável, mas não tem a virtualidade de ser causa de anulação do negócio”.
Quid juris?
Como emerge da argumentação expendida pelos apelantes nas suas alegações recursivas, fazem estes ancorar a invocação dos aludidos vícios de vontade, indistintamente, no facto de lhes ter sido omitida pelo réu informação que consideram seria relevante para a formação esclarecida da sua (deles) vontade negocial, sendo que, se estivessem na posse da mesma não teriam celebrado o ajuizado contrato.
Ainda em conformidade com a respetiva alegação, a informação em causa reporta-se ao facto de, por ocasião da outorga do contrato, não lhes ter sido transmitido pelo réu os problemas judiciais e extrajudiciais que se vinham registando entre ele e J... que se prendiam com a possibilidade de aceder ao locado por um túnel de acesso aí existente.
Apelando ao substrato factual que adrede logrou demonstração, temos como relevante para a apreciação da questão a seguinte materialidade:
. foi objeto do contrato celebrado entre as partes “um armazém com entrada pelo nº .. da Rua ..., freguesia ..., concelho do Porto” (alínea F));
. não obstante ter sido celebrado em 20 de fevereiro de 2014, o contrato só começaria a produzir os seus efeitos a partir de 1 de junho de 2014 (alínea G));
. quando o contrato foi outorgado, o réu entregou as chaves do imóvel aos legais representantes da primeira autora, para que se iniciassem as obras de limpeza no espaço (alínea H));
. até outubro de 2014, nunca o réu referiu aos autores a existência de litígios judiciais e/ou extrajudiciais, nomeadamente relacionados com a entrada nº .. para o prédio (alínea J));
. em junho ou julho de 2014, numa reunião dos bombeiros, os autores foram abordados por J..., que lhes referiu ser a proprietária da entrada com o nº .. e que o réu dispunha apenas de uma servidão de passagem sobre a mesma (alínea L));
. a fim de levar a cabo obras necessárias ao desenvolvimento da sua actividade no locado, a autora apresentou o competente projecto e pedido de licenciamento na “H..., S.A” (alínea M));
. por comunicação datada de 7 de julho de 2014, os autores foram notificadas pela H... de uma exposição apresentada em junho de 2014 por J... (alínea N));
. os autores contactaram o réu que lhes referiu não haver problema e que a senhora em causa era conflituosa, e que poderiam continuar a fazer o que estavam a fazer, porque o imóvel era seu e não havia qualquer problema (alínea O));
. em Outubro de 2014 os autores tiveram conhecimento de que se encontrava a correr termos um processo judicial na comarca do Porto, sob o nº 588/14.9TVPRT, então na extinta 3ª Vara Cível onde era pedido, além do mais, que fosse reconhecida a propriedade de J... e sua mãe sobre o túnel com acesso pelo nº .. e que o aqui réu dispunha somente de um direito de servidão de passagem sobre o mesmo (alínea P));
. em finais de dezembro de 2014 os autores receberam uma comunicação das L..., dando conta de outra exposição levada a cabo pela referida J... junto de tal entidade, nos termos e com o conteúdo constante a fls. 62 (alínea Q));
. o réu e a referida J... tiveram a correr termos entre si outras duas ações judiciais referentes ao mesmo imóvel, concretamente as ações nº 1066/12.6TJPRT no hoje extinto 2º Juízo Cível do Porto e o processo 586/13.0TVPRT, da hoje extinta 2ª Vara Cível do Porto (alínea R)).
Sendo este o quadro fáctico a atender, importa agora dilucidar se se pode afirmar o preenchimento dos pressupostos normativos que a lei substantiva estabelece para operância, in casu, dos invocados vícios na formação da vontade negocial dos réus aquando da celebração do ajuizado contrato.
Desde logo, os apelantes procuraram buscar arrimo jurídico para o pedido de anulação do contrato convocando o instituto do erro na formação da vontade, comummente designado de erro-vício (por contraposição ao erro-obstáculo).
Tal como tem sido considerado pela doutrina[15], o erro-vício assume natureza de uma perturbação do processo formativo da vontade, operando de tal modo que esta, embora concorde com a declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados, pelo direito, como ilegítimos. Na expressão de MANUEL DE ANDRADE[16], a vontade não se formou de um «modo julgado normal e são».
Enquanto vício na formação da vontade, o erro-vício traduz-se numa representação inexata ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efetuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância – se tivesse exato conhecimento da realidade – o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou. A divergência existente não é entre a vontade real e a declaração, mas entre a vontade real (coincidente com a declaração) e uma certa vontade hipotética (a vontade que se teria tido, se não fosse a representação inexata); o declarante quis o que efetivamente declarou, mas o que declarou só foi querido em virtude de uma representação errónea da realidade.
Dentre as categorias do erro-vício que, à luz do respetivo regime substantivo (cfr. arts. 251º e 252º do Cód. Civil), revestem interesse enquanto vício da vontade (rectius, na formação da vontade), conta-se o erro sobre a pessoa do declaratário (erro sobre a identidade e erro sobre as qualidades), o erro sobre o objeto do negócio (que pode incidir sobre o objeto mediato – sobre a identidade ou sobre as qualidades -, ou sobre o objeto imediato – erro sobre a natureza do negócio) e o erro sobre os motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao objeto do negócio (que se assume, assim, como categoria residual).
Isto posto, apesar de os autores reconduziram a invocação do vício ao erro sobre os motivos, verdadeiramente a qualificação jurídica que melhor quadra a sua pretensão será antes o erro sobre o objeto do negócio, concretamente sobre o seu objeto mediato, na medida em que, alegadamente, estarão em causa caraterísticas ou qualidades do local arrendado (condições de acesso ao mesmo) que reputam determinantes para a perfeita formação da sua vontade negocial.
De acordo com o respetivo regime jurídico, para que o erro-vício (na referida modalidade de erro sobre o objeto do negócio) possa operar enquanto motivo gerador de anulabilidade do negócio (art. 247º ex vi do art. 251º do Cód. Civil) torna-se mister a sua essencialidade (que alguma doutrina designa por causalidade), isto é, o erro é essencial se, sem ele, o declarante não celebraria qualquer negócio ou então celebraria um negócio com outro objecto[17].
Acresce que a sua relevância, enquanto causa anulatória, pressupõe, nos termos legais, “que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”, sendo que a imposição de tal requisito se destina, em primeira linha, a proteger os interesses do declaratário, que funda a sua confiança na realidade objetiva da declaração e, secundariamente, tutelar a segurança no negócio jurídico[18].
Perante o descrito enquadramento, a dúvida que desde logo se equaciona é a de saber se, no caso em apreço, estaremos em presença de um verdadeiro erro em sentido técnico-jurídico.
Conforme deflui das considerações anteriormente tecidas, na sua construção legal o erro em causa pressupõe o desconhecimento ou a falsa representação da realidade respeitante à coisa que constitui objeto mediato do negócio. Assim, o erro sobre o objeto material ou mediato tem de ser delimitado positivamente: aqui se situam os casos em que se desconhece ou se representa erradamente dada coisa ou prestação na sua configuração objetiva, isto é, nas suas qualidades (caraterísticas físicas ou jurídicas), identidade ou substância (v.g. cor, dimensão, localização, finalidade, atributos, entre outros índices). Numa palavra, o desconhecimento ou a falsa representação da realidade incide sobre elementos que influenciam o destino a dar ao objeto ou que interferem no valor do objeto em si mesmo, designadamente, atentas as possibilidades de utilização projetadas.
Significa isto, portanto, que a realidade sobre a qual incide o erro tem de ser certa e não meramente eventual ou hipotética, já que o erro-vício, no seu desenho legal, traduz-se numa ignorância ou falsa representação da realidade efectivamente existente no momento da celebração do negócio e, por essa razão, só pode reportar-se a circunstâncias presentes ou passadas, pois não pode haver erro na formação da vontade negocial relativamente a circunstâncias que ainda não se verificaram.
Ora, na situação sub judicio, não está sequer demonstrado nos autos que efetivamente se verifique algum real constrangimento à utilização do locado por banda dos apelantes em resultado do alegado diferendo que se vem registando entre o réu e J... sobre a titularidade do túnel de acesso (pelo nº ..) ao imóvel.
Por conseguinte, a situação descrita não pode ser enquadrada no âmbito do erro, posto que não há nenhum erro em sentido técnico-normativo, na justa medida em que inexiste qualquer falsa ou deficiente representação da realidade, dado que, contemporaneamente com a celebração do negócio, a afirmação de uma eventual limitação do gozo (ainda que parcial) do locado não passa de uma mera conjectura sem efectivo reflexo prático, tanto mais que, como se provou, o réu garantiu aos autores não haver qualquer problema quanto à consistência (e extensão) do seu direito de propriedade sobre o imóvel locado (de contrário, a sufragar-se o entendimento dos apelantes, bastaria que um terceiro se arrogasse um qualquer direito sobre o objeto locado, ainda que porventura sem fundamento bastante, para legitimar a anulação do contrato por vício da formação da vontade). É facto que se vier a confirmar-se (mormente na sequência da decisão que vier a ser prolatada no processo declaratório que, presentemente, corre termos pelos Juízos Centrais Cíveis da Comarca do Porto, sob o nº 588/14.9TVPRT) a existência de uma qualquer limitação à utilização que os arrendatários possam fazer do locado, naturalmente que a afectação da sua posição creditícia não pode deixar de obter uma resposta do ordenamento jurídico. Trata-se, porém, de uma realidade que não implica a anulação do contrato, conferindo antes aos locatários a possibilidade de invocarem, sendo o caso, a exceção do não cumprimento[19] (cfr. art. 1040º do Cód. Civil) ou, em última análise, procederem à sua resolução à luz do disposto no art. 801º, nº 2 do Cód. Civil.
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As considerações supra expendidas são válidas no que tange à invocação do dolo já que este vício na formação da vontade mais não é o de que um erro qualificado, cuja disciplina normativa pressupõe outrossim a afirmação, como prius, de um erro em sentido técnico-jurídico.
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Por conseguinte, improcedem as conclusões 17ª a 51ª.
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4.4. - Da resolução do contrato de arrendamento por alteração das circunstâncias

Os apelantes rebelam-se igualmente contra a sentença recorrida no segmento em que considerou improcedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento por alteração das circunstâncias.
A este propósito, o juiz a quo fundamentou o respetivo sentido decisório no facto de se inverificarem os pressupostos enunciados no art. 437º do Cód. Civil, por inexistir “qualquer facto que permita considerar que tenha advindo um desequilíbrio das circunstâncias. Ter a expectativa de que a vizinha [a referida J...] colocasse obstáculos ao acesso ao nº .. não é a mesma coisa de afirmar que esses obstáculos efetivamente existiriam ou que fossem inultrapassáveis”.
No sentido de sustentar a sua divergência recursiva alegam os apelantes que “para usufruírem do espaço arrendado têm que chegar ao mesmo … e têm de o fazer através de uma entrada da qual é proprietária um terceiro completamente alheio ao contrato celebrado entre os recorrentes e os recorridos”.
Certo é que tal posicionamento envolve uma petição de princípio, sendo que a referida afirmação de facto não logrou sequer demonstração, registando-se, como já anteriormente se deu nota, que se mostra pendente acção declarativa cujo objecto se traduz, precisamente, na definição da propriedade sobre o túnel de acesso ao locado. Portanto, uma vez mais, os autores filiam esta concreta pretensão de tutela jurisdicional numa mera eventualidade e não numa realidade de onde resulte a efetiva inviabilidade de acesso ao locado.
Consequentemente, não poderá igualmente ser convocada a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias regulado nos arts. 437º a 439º do Cód. Civil, que, para ser despoletado enquanto mecanismo de reequilíbrio contratual, pressupõe, para além do mais, uma real alteração (superveniente) das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, o carácter anormal dessa alteração e que a mesma provoque uma efetiva lesão para algum dos contraentes[20], o que, em resultado do substrato factual apurado, não é o caso.
Improcedem, assim, as conclusões 53ª a 61ª.
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4.5. – Do pedido de reembolso do valor das despesas suportadas por mor da celebração do contrato de arrendamento

O tribunal recorrido julgou improcedente o pedido de reembolso que os autores formularam por despesas incorridas com obras de limpeza e conservação do locado, elaboração dos projectos da obra, materiais e mão-de-obra, água e rendas.
Os apelantes discordam igualmente desse segmento decisório parecendo (se bem entendemos a sua alegação) filiar esse posicionamento no facto de o contrato de arrendamento celebrado entre as partes enfermar de vício que importa a sua nulidade ou, pelo menos, a sua anulabilidade.
Ora, como se decidiu relativamente às demais questões que balizam o objecto do presente recurso, o ajuizado contrato não padece de qualquer dos vícios genéticos que lhe eram assacados.
Como assim, carecem os apelantes de título (entendida a expressão no seu sentido civilístico, isto, é enquanto fundamento ou causa da titularidade de determinado direito) que suporte a referida pretensão de reembolso.
Improcedem, pois, as conclusões 62ª a 71ª.
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III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
i)- julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida;
ii)- determinar o desentranhamento e a devolução aos apelantes do documento que ofereceram com as suas alegações, condenando-os na multa de uma Uc pelo incidente a que deram causa.
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Custas a cargo dos apelantes (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto, 24-09-2018
Miguel Baldaia Morais
Jorge Seabra
Fátima Andrade
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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 3.03.89, BMJ nº 385, pág. 545 e JOÃO ESPÍRITO SANTO, O documento superveniente para efeitos de recurso ordinário e extraordinário, págs. 47 e seguintes.
[3] Cfr., por todos, acórdão da Relação de Coimbra de 20.01.2015 (processo nº 2996/12.0TBFIG.C1), disponível em www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, pág. 95.
[5] Assim JOÃO ESPÍRITO SANTO, ob. citada, pág. 50. Este posicionamento tem sido igualmente trilhado por alguma jurisprudência – v.g. acórdãos do STJ de 12.01.94, BMJ nº 433, pág. 467 e de 26.09.12 (processo nº 174/08.2TTVFX.L1.S1), este último acessível em www.dgsi.pt -, afirmando-se que a admissibilidade da junção só se verifica quando a necessidade dela tenha sido criada, pela primeira vez, pela sentença da 1ª instância, necessidade que é criada tanto no caso de aquela sentença se ter baseado num meio de prova não oferecido pelas partes, como no caso de se ter fundado em regra de direito com cuja aplicação as partes, justificadamente, não contavam.
[6] Neste sentido, ANTUNES VARELA et al., Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 533 e seguinte.
[7] Sendo que, a este respeito, a casuística do Tribunal Constitucional (v.g. acórdãos nº 132/2002 e 403/2002, publicados, respetivamente, no DR, II série, de 29.05.2002 e de 16.12.2002) vem reiteradamente afirmando não ser incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça a imposição de ónus processuais às partes, desde que não sejam nem arbitrários nem desproporcionados, quando confrontada a conduta imposta com a consequência desfavorável atribuída à correspondente omissão.
[8] O que, ainda assim, nem sequer ocorreu no caso em apreço.
[9] Cfr., inter alia, na jurisprudência, acórdãos do STJ de 19.02.2015 (processo 299/05.6TBMGD.P2.S1), de 18.05.2004 (processo nº 05A1334), de 1.03.2007 (processo nº 06S3405), de 13.07.2006 (processo nº 06S1079) e de 8.03.2006 (processo nº 05S3823), acórdãos desta Relação de 13.10.2015 (processo nº 127/12.3TVPRT.P1), de 22.09.2014 (processo nº 258/14.8TJPRT-B.P1) e de 3.06.2014 (processo nº 2438/11.9TBOAZ), acórdãos da Relação de Lisboa de 23.04.2015 (processo nº 3311/3.TBBRR.L2-6), de 13.03.2014 (processo nº 569/12.7TVLSB.L1) e de 12.02.2014 (processo nº 26/10.6TTBRR.L1) e acórdãos da Relação de Coimbra de 19.12.2012 (processo nº 2312/11.9TBLRA.C1), de 17.03.2010 (processo nº 2493/08.9PCCBR.C1) e de 3.06.2008 (processo nº 245-B/2002.C1), todos disponíveis em www.dgsi.pt; na doutrina, LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 584, AVEIRO PEREIRA, O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, págs. 11 e seguintes, in www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf e ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 133, onde afirma que “o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”.
[10] A este propósito, a doutrina, praticamente una voce, tem considerado que o incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento – cfr., por todos, ABRANTES GERALDES, ob. citada, pág. 134 e AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 170; LOPES DO REGO, ob. citada, vol. I, pág. 585 e LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, pág. 62. Idêntico entendimento tem sido trilhado na jurisprudência, de que constituem exemplo, inter alia, os acórdãos do STJ de 9.02.2012 (processo nº 1858/06.5TBMFR. L1.S1), de 22.09.2011 (processo nº 1368/04.5TBBNV.S1), de 15.09.2011 (processo nº 455/07.2TBCCH.E1.S1), de 21.06.2011 (processo nº 7352/05.4TCLRS.L1.S1), acórdãos da Relação de Lisboa de 13.03.2014 (processo nº 569/12.7TVLSB.L1) e de 12.02.2014 (processo nº 26/10.6TTBRR.L1) e acórdão da Relação de Guimarães de 12.06.2014 (processo nº 1218/10.3TBBCL.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Registe-se que sobre esta temática, ainda que no domínio da jurisdição penal, o Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se (v.g. acórdão nº 259/2002, publicado no Diário da República, II série, de 13.12.2002), decidindo pela compatibilidade constitucional de uma solução legislativa segundo a qual a falta de cumprimento dos ónus que impendem sobre o recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto tem como efeito o não conhecimento dessa matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir esses vícios.
[11] Com efeito, da análise das alegações não resulta minimamente que os apelantes considerem que a sentença recorrida tenha deixado de se “pronunciar sobre questões que devesse apreciar” ou, ao invés, tenha conhecido de “questões de que não podia tomar conhecimento”, tal como é pressuposto pela fattispecie da al. d) do nº 1 do art. 615º.
[12] Assim, LEBRE DE FREITAS, A ação declarativa comum, pág. 298 e AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 54.
[13] Com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL nº 266-C/2012, de 31.12.
[14] Com efeito, o termo atual é “autorização de utilização”, conforme vem previsto e regulado nos arts. 62º a 66º do DL nº 555/99, de 16.12, com as alterações introduzidas pelo DL nº 214-G/2015, de 2.10.
[15] Cfr., inter alia, CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 500 e seguintes, MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral, vol. I, págs. 824 e seguintes CASTRO MENDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, págs. 112 e seguintes e CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, págs. 153 e seguintes.
[16] In Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pág. 222.
[17] Para a determinação da essencialidade do erro, OLIVEIRA ASCENSÃO (in Direito Civil Teoria Geral, pág. 149 e seguinte) propõe a seguinte metodologia: perante uma situação de erro deve tomar-se como realidade jurídica relevante o negócio tal como foi celebrado. Depois, haverá que indagar a vontade hipotética ou conjetural para saber se o errante, conhecendo o erro, celebraria ou não o negócio tal como foi celebrado. Se sim, o erro é indiferente e nada afeta a validade negocial; se não, o erro é essencial e o negócio anulável, preenchidos os demais requisitos.
[18] Tem sido objeto de discussão na doutrina a questão de saber se o que o declaratário deve conhecer é o erro ou simplesmente a essencialidade do elemento sobre o qual recai, isto é, tem o declaratário de saber que o declarante se enganou ou, partindo da conformidade da vontade real com a declaração, apenas tem que saber que determinados elementos são causa determinante da vontade contratual. Pese embora a solução não se revele líquida, a generalidade da doutrina pátria vem entendendo que basta o conhecimento ou o dever de conhecer a essencialidade do elemento, não o erro.
[19] Registando-se, neste conspecto, que a doutrina e jurisprudências pátrias, de modo praticamente uniforme, vêm reconhecendo a admissibilidade da aplicação do instituto da exceptio ao contrato de arrendamento – cfr., por todos, na doutrina, JOÃO ABRANTES, A exceção de não cumprimento do contrato, págs. 64 e seguintes e CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, pág. 331; na jurisprudência, acórdãos desta Relação de 12.05.2015 (processo nº 1012/12.7TJPRT.P1) e de 3.04.2014 (processo nº 858/12.0TJPRT.P1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[20] Cfr., para uma análise desenvolvida dos requisitos de operância da figura da pressuposição, inter alia, PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, págs. 745 e seguintes; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, págs. 131 e seguintes; MENEZES CORDEIRO, Da boa-fé no direito civil, vol. II, págs. 1106 e seguintes e CARVALHO FERNANDES, A teoria da imprevisão no Direito Civil Português, págs. 270 e seguintes.