Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FRANCISCA MOTA VIEIRA | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR JULGAMENTO INJUSTIFICADO DA MESMA RESPONSABILIZAÇÃO REQUERENTE REQUISITOS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP202201273125/20.2T8VFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/27/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Para se afirmar a responsabilização do requerente de providência cautelar que foi julgada injustificada, não basta a simples procedência da oposição à providência cautelar decretada, uma vez que a culpa consiste em requerer providência cautelar que ele sabe ou não pode ignorar ser ilegal, seja no plano de mérito, seja no plano estritamente processual. II - A mera alegação que uma providência foi considerada injustificada e que isso deu causa a danos, de modo a abranger o evento, o dano e o nexo causal, não basta para alegar a culpa nem a ilicitude, se e na medida em que os autores, em nenhum momento, alegam que a ré agiu com dolo ou culpa, isto é, que não tenha agido com a prudência normal. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 3125/20.2T8VFR.P1 Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto AA e BB instauraram acção contra CC.I. RELATÓRIO Alegam, em síntese, que o A., desde 21/03/2016, beneficia do registo de propriedade a seu favor de uma viatura com a matrícula ...-...-HC. Sucede que, no dia 13/09/2019, a viatura em apreço foi apreendida à ordem do processo 2072/19...., no âmbito de uma providência cautelar de arresto instaurada pela R. contra o A. e outros, sem contraditório prévio destes. No seguimento da aludida decisão judicial, o HC foi alvo de um auto de apreensão promovido pela G.N.R., com a consequente apreensão do certificado de matrícula do mesmo. Mercê do referido, o A. viu-se impedido de continuar a circular com o HC, sobre o qual foi nomeado fiel depositário, ficando imobilizada/parqueada na Rua ..., freguesia ..., deste concelho e comarca. O A. deduziu oposição na referida providência cautelar. Realizada a respectiva audiência, o A. viu ser julgada a oposição procedente e, por conseguinte, foi levantado o arresto do HC. Consequentemente, os documentos do HC foram devolvidos ao A. em 20/07/2020. Nesta sequência, a paragem forçada a que o HC esteve sujeito fez com que a bateria do descarregasse irremediavelmente, Bem assim endureceram os lubrificantes, fluídos e combustíveis, comprometendo algumas peças, o que impossibilitavam que o HC pudesse novamente circular. De tal forma que para inverter essa imobilidade mecânica, o A. viu-se na necessidade de trocar a bateria do HC, a qual teve um custo de €75,77, bem assim substituir o óleo, filtros do óleo, do ar e da gasolina, anticongelante e velas, o que demandou um custo de €170,23, mão-de-obra incluída. Acresce que o A. esteve privado da sua viatura 311 dias. Para alugar uma viatura com características semelhantes àquelas que a da A. possuía, o mercado de aluguer de viaturas o razões de equidade, o A. reclama da R. valor não inferior a €25,00/dia pela paralisação da sua viatura, que se cifra em €7.775,00 pelos 311 dias decorridos. Por seu turno, a A. beneficia, desde 06/01/2005, de registo a seu favor relativamente à viatura matrícula ...-...-QG. E beneficia, desde 14/10/2004, de registo a seu favor relativamente à viatura matrícula ...-...-EF. Estes automóveis foram apreendidos naquele arresto e este foi levantado nos mesmos moldes. Por força daquela paragem, a autora viu-se na necessidade de trocar as baterias do ... e ..., as quais tiveram um custo de €113,16, e €69,86, respectivamente, bem assim substituir o óleo do ..., que teve um custo de €24,99. Da mesma forma, por razões de equidade, a A. reclama da R. valor não inferior a €25,00/dia pela paralisação das suas duas viaturas, que se cifra em €7.775,00 x 2 = €15.550,00, pelos 311 dias decorridos. Sem alegarem mais factos, terminam pedindo o seguinte: “Termos em que deverá a presente acção ser julgada procedente e, consequentemente, ser a Ré condenada a pagar: a) ao Autor a quantia global de €8.021,00; b) à Autora a quantia global de €16.070,45; sendo que sobre ambas as quantias deverão acrescer de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até efectivo e integral pagamento, além de nas custas e o mais legal. Citada, em síntese e para o que aqui releva, a ré alega que se divorciou de DD, em 12 de Junho de 2007. Mais tarde, instaurou uma acção declarativa de condenação, que correu termos com o nº 991/10..... Do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a Ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que admitiu o Recurso de Revista e, por Acórdão deste Tribunal, proferido a 8 de Janeiro de 2015 e notificado aos mandatários em 13 de Janeiro de 2015, revogou o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, condenando DD a pagar à aqui Ré a quantia de 146.154,80€, com juros desde a citação à taxa legal até efectivo e integral pagamento. DD não pagou à Ré, por isso instaurou execução, que corre termos, Proc. nº 601/.... DD, dias após a notificação e conhecimento da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, tinha, em 19 de Janeiro de 2015, transferido todo o seu património para familiares e amigos onde se incluem os aqui AA. AA e a sua companheira BB e, mãe de sua filha EE e com a conivência destes de modo a impedir a penhoras dos mesmos. Ora, foi para impedir a transmissão dos bens que a aqui Ré instaurou também Providência Cautelar de Arresto de bens que estivessem na titularidade dos AA, para, após prolação de sentença favorável pudessem garantir o crédito da Ré, onde se incluem os veículos automóveis em discussão nestes autos, sem audição dos requeridos. Impugna também os prejuízos alegados pêlos autores.Por fim, pede que os autores sejam condenados como litigantes de má fé. Os autores vieram responder. O tribunal proferiu o seguinte despacho: “Atentos os documentos juntos, os processos em curso, e o teor dos articulados, o tribunal, à luz do disposto no art. 374.º, do CPC, considera estar na posse de todos os elementos para proferir decisão final por escrito.” Perante isto, os autores não deduziram oposição.Todavia, a ré discorda, porquanto não estão preenchidos nenhum dos pressupostos do art. 374º do CPC, ou seja, nem a providência que correu termos Tribunal Judicial da Comarca ... Juízo Central Cível ... |Juiz ... sob o nº de Processo 98/... foi considerada injustificada nem veio a caducar por facto imputável à requerente. Pelo contrario,alega, foram impugnadas judicialmente as transmissões feitas por DD aos aqui AA. BB e AA, respetivamente companheira e filho de DD, Processo esse que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... Juízo Central Cível ... | Juiz ... sob o nº de Processo 98/.... e constituindo o processo principal do que a providencia cautelar é apenso e ainda não tem decisão final. Os autores responderam dizendo que no processo n.º 98/... que corre termos pelo ..., Juiz ..., não foram incluídas as viaturas matrículas ...-...-HC, ...-...-QG e ...-...-EF que nunca pertenceram a DD, encontrando-se registadas a favor dos autores que sempre as utilizaram e fruíram das suas utilidades. Pelo que, é falso que a Ré tenha impugnado as (inexistentes) transmissões das viaturas por parte de DD a favor dos aqui autores. Deste modo, a decisão final a proferir no processo 98/... não terá qualquer interferência ou relevância para o objeto do litígio nos presentes autos. Entretanto, foi proferido despacho saneador-sentença que conheceu do mérito da causa e colocou termo à acção e, assim, o tribunal julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido, bem como, absolveu os autores do pedido de condenação como litigantes de má fé. Inconformados, os autores apelaram e concluíram nos termos seguintes 1)Os Autores invocaram no articulado inicial que as viaturas automóveis que lhes pertenciam (com as matrículas ...-...-HC, ...-...-QG e ...-...-EF) foram apreendidas no âmbito da providência cautelar de arresto que correu os seus termos sob o n.º 2072/19.... do Juiz ... do Juízo Central Cível .... 2) Mais expenderam que apresentaram oposição (julgada procedente) ao procedimento cautelar, pugnando pela procedência da oposição e consequente levantamento do arresto. 3) Assim sendo, os Autores ao procederem à junção desta sentença, reproduziram, acolheram e chamaram à colação, além do desiderato decisório, a factualidade assente na decisão e os fundamentos aí vertidos. 4) Da factualidade assente resulta o seguinte: O veículo ...-...-HC é um veículo do ano de 1996 (ponto 19), Foi adquirido pelo requerido (aqui Autor) em Março de 2016 e registado a seu favor a 21-03-2016 (cfr doc 1 junto), (ponto 20), A anterior proprietária daquela viatura era FF, avó do requerido, que adquiriu o veículo no ano de 1999 (cfr doc 1 e 4 juntos), (ponto 22), O veículo ...-...-QG, marca ..., encontra-se registado a favor da requerida (aqui Autora) desde 06-01-2005 (cfr doc 1 junto), O anterior proprietário, a quem a requerida adquiriu o referido veículo era a O..., S.A. e foi adquirido com reserva de propriedade à GG (cfr doc. 1 junto), Por sua vez o veículo ...-...-ED, foi adquirido pela requerida no ano de 2004, encontrando-se registado a favor da mesma desde 14-10-2004 e o anterior proprietário era HH (cfr doc 2 junto). 5) Sendo que estes factos resultaram da prova documental junta com a oposição à providência cautelar, designadamente das certidões emitidas pela Conservatória do Registo Automóvel que atestam os anteriores proprietários das viaturas e a data de aquisição das mesmas por parte dos Autores. 6) Encontra-se também provado que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que reconheceu o crédito da Ré foi proferido a 8 de Janeiro de 2015. 7) As viaturas pertencentes à Autora foram adquiridas cerca de dez anos antes da constituição do crédito da Ré. 8) Além disso, as viaturas dos Autores nunca pertenceram a DD que é o efetivo devedor da Ré. 9) Deste modo, mesmo a admitir-se (no que não se concede) que a Ré agiu com a normal prudência ao peticionar o arresto das viaturas em causa, quando foi notificada da oposição à providência cautelar e respetiva prova documental onde se incluem as certidões emitidas pela Conservatória do Registo Automóvel, cessou a presumível prudência e boa-fé da Ré. 10) Nessa altura, a Ré ficou a saber com toda a certeza, por um lado, que as viaturas da Autora haviam sido adquiridas há mais de 10 anos e, por outro, que as viaturas arrestadas nunca pertenceram a DD sobre quem a Ré detém o crédito invocado a quando da instauração do arresto. 11) Desde então, a Ré, ao não desistir do arresto decretado, persistindo na sua intenção de manter as viaturas apreendidas (como sucedeu) atuou de forma dolosa apenas com o intuito de perseguir e prejudicar a utilização por parte dos Autores das viaturas. Incorreu, por isso, num comportamento ilícito. 12) Tal como fundamentou a decisão que considerou procedente a oposição «não se mostram preenchidos os requisitos substantivos e processuais necessários à manutenção da presente providência cautelar pois não se logrou surpreender na conduta dos 2.º, 3.º e 4.º requeridos qualquer conduta reveladora da intenção de prática de atos dos quais resulta uma diminuição da garantia patrimonial de satisfação do direito da requerente por terem sido adquirentes de bens do 1.ª Requerido, pois quanto aos bens arrestados, não ficou demonstrado que os mesmos foram adquiridos pelos 2.º, 3.º e 4.º requeridos ao 1.º Requerido, não tendo tais bens relação com o devedor (1.º Requerido). Não resulta indiciado que qualquer dos bens apresentados fizesse parte do património do 1.º Requerido, único devedor da Requerente». 13) Os Recorrentes ao juntarem a decisão de procedência da oposição, pretenderam reproduzir e aderir aos factos aí provados e respetiva documentação. Assim, considerando o teor desta decisão, as certidões registrais das viaturas e a data da notificação da oposição à Ré, existem elementos suficientes que atestam a invocação da culpa e da ilicitude da Ré por parte dos Autores. 14) Sendo certo que na sentença recorrida, o Meritíssimo Julgador, socorreu-se da sentença de procedência da oposição para concluir que indiciariamente se mantinham provados o crédito e o justo receio de perda da garantia patrimonial. O que aconselharia a que o Digníssimo Julgador tivesse atentado e considerado o teor da mesma decisão para concluir pela invocação dos pressupostos da culpa e da ilicitude. 15) Tanto mais tratando-se de uma decisão judicial que constitui caso julgado abrangendo o desiderato decisório e os fundamentos enquanto pressupostos e antecedentes lógicos do mesmo. Por sua vez, a notificação da Ré da oposição deduzida pelos Autores, bem como as certidões registrais constituem documentos autênticos que fazem prova plena dos factos aí constantes, como decorre do disposto nos art.ºs 363, n.º 2 e 371.º do Código Civil. 16) Por conseguinte, o que dizer quanto à privação e (provação dos recorrentes) do uso das suas viaturas automóveis? 17) A maioria da doutrina e da jurisprudência mais recente inclina-se a aceitar a ressarcibilidade autónoma do dano de privação de uso, como por exemplo (…) 18) Como se lê no Acórdão da Relação do porto de 07.09.2010, (…) 19)(…) 20) Reportando-se a privação a um determinado período e sendo o direito de propriedade também integrado pelo direito de fruição, aquela traduz-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e naturalmente irrecuperável nesse poder de fruição 21) Assim, pensamos que é totalmente justificada a indemnização dos danos decorrentes da privação em si mesma (sem mais). 22) No caso dos autos resultou demonstrado o período da paralisação (entre o acto de arresto e a efetiva entrega das viaturas após o seu levantamento) e os efeitos nefastos da mesma junto das próprias viaturas, conforme faturas igualmente juntas. 23) Neste contexto sabemos que os Autores sofreram um dano de privação. 24) A sentença recorrida ao não considerar o conteúdo integral da decisão judicial proferida no âmbito do processo n.º 2072/19.... do Juízo Central Cível ..., Juiz ..., a notificação à Ré da oposição aí deduzida e as certidões registrais, realizou uma incorreta aplicação dos normativos legais dos art.ºs 446.º, 621.º do CPC e 363.º, n.º 2 e 371.º do CC. 25) A sentença recorrida ao não valorizar a prova documental referida violou ainda o preceito legal constante do art. 607.º, n.º 4 do CPC onde se impõe que o juiz tome em consideração os factos provados por documentos. Termos em que, deve ser revogada a sentença proferida, proferindo-se sentença conforme impetrado na petição inicial ou ordenando-se a prossecução dos autos para audiência de julgamento e termos subsequentes. Foram apresentadas contra – alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. DELIMITAÇÃO DO RECURSO. O recurso coloca as seguintes questões.Apreciar e decidir se a factualidade alegada na petição a ser provada é susceptível de responsabilizar a ré-recorrida em conformidade com o pedido formulado pelos autores. III. FUNDAMENTAÇÃO 3.1.Na sentença recorrida foram considerados os factos seguintes como assentes :“Atento o alegado na petição e face aos documentos juntos, por não carecer da prova de factos, os autos permitem, desde já, conhecer do mérito da causa restante. Matéria de facto que se considera assente: 1.O A., desde 21/03/2016, beneficia do registo de propriedade a seu favor de uma viatura com a matrícula ...-...-HC. 2.No dia 13/09/2019, a viatura em apreço foi apreendida à ordem do processo 2072/19...., no âmbito de uma providência cautelar de arresto instaurada pela R. contra o A. e outros, sem contraditório prévio destes. 3.No seguimento da aludida decisão judicial, o HC foi alvo de um auto de apreensão promovido pela G.N.R., com a consequente apreensão do certificado de matrícula do mesmo. 4.O A. foi nomeado fiel depositário. 5.O A. deduziu oposição na referida providência cautelar. 6.Realizada a respectiva audiência, o A. viu ser julgada a oposição procedente e, por conseguinte, foi levantado o arresto do HC. 7.Consequentemente, os documentos do HC foram devolvidos ao A. em 20/07/2020. 8.A A. beneficia, desde 06/01/2005, de registo a seu favor relativamente à viatura matrícula ...-...-QG. 9.E beneficia, desde 14/10/2004, de registo a seu favor relativamente à viatura matrícula ...-...-EF. 10.Estes automóveis foram apreendidos naquele arresto e este foi levantado nos mesmos moldes. 11.O teor das decisões proferidas no processo 2072/19...., e do requerimento inicial, que aqui se dá por reproduzido. 3.2. Do mérito da sentença recorrida. Os Autores invocaram no articulado inicial que as viaturas automóveis que lhes pertenciam (com as matrículas ...-...-HC, ...-...-QG e ...-...-EF) foram apreendidas no âmbito da providência cautelar de arresto que correu os seus termos sob o n.º 2072/19.... do Juiz ... do Juízo Central Cível .... Mais expenderam que apresentaram oposição, (a qual foi julgada procedente) ao procedimento cautelar, pugnando pela procedência da oposição e consequente levantamento do arresto. Assim, estándo em causa a eventual responsabilidade civil da ré-recorrida por danos relacionados com o requerimento e a decretação de certa providência cautelar, deve equacionar-se a aplicação do artigo 374.º, n.º 1, do CPC. Assim, no presente recurso, importa apreciar e decidir se se confirma a sua não aplicabilidade. Dispõe-se no artigo 374.º, n.º 1, do CPC o seguinte: “Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal”. Regula a norma, em rigor, duas situações: a situação em que a providência é considerada injustificada e a situação em que a providência caduca por facto imputável ao requerente. Seguindo a exposição feita no recente acórdão do STJ de 24.02.2021[1], importa afirmar, no seguimento de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa que “se exige a conjugação de uma série de pressupostos: o evento, o dolo ou a culpa, a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade”[2] Entendimento semelhante apresenta Marco Carvalho Gonçalves[3] : “( … )se a providência cautelar for decretada sem a audiência prévia da parte contrária, nada impede que o requerido demonstre a injustificabilidade da providência em sede de oposição, desde logo pela eventual inexistência do direito que o requerente visava acautelar. Mas tal não obsta a que o requerido comprove igualmente na própria acção principal, após uma prova mais exaustiva e rigorosa da relação material controvertida, a inexistência do direito que serviu de fundamento à providência cautelar (por exemplo, inexistência do direito do embargante de uma obra). De resto, se assim não se entendesse, estar-se-ia a permitir a legitimação de uma providência cautelar injustificada por mero efeito do seu acolhimento provisório, quando é certo que o julgador, por força da apreciação sumária inerente ao decretamento dessa medida, depara-se frequentemente com diversas dificuldades no que concerne ao apuramento da realidade dos factos”. E como afirma este autor [4] o Direito português situa-se no grupo (minoritário) dos que acolhem o regime da responsabilidade subjectiva. Tendo em conta que a culpa do lesante é um elemento constitutivo do direito à indemnização, o autor refere ainda que o ónus da prova da culpa pertence ao requerido. Ainda assim, deixa claro que, havendo culpa, sob a forma de dolo ou de negligência, há lugar à responsabilidade do requerente. Por outro lado, Rita Lynce de Faria,[5] vai mais longe e, na sua tese de doutoramento equaciona a hipótese de existir uma presunção de culpa favorável ao requerido. Reproduzam-se algumas das conclusões atingidas na sua tese de doutoramento e bem sintetizadas em artigo publicado posteriormente [Cfr. Rita Lynce de Faria, “A tutela cautelar antecipatória no processo civil português. Um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade - síntese”, in: Revista do CEJ, 2018, n.º 1, pp. 38-63 (pp. 58-61)]: “A questão que nos ocupa de procurar as vias para atenuar a eventual irreversibilidade de uma providência cautelar antecipatória encontra resposta por excelência no regime da responsabilidade civil do requerente prevista no art. 374.°, n.° l19. Se a providência cautelar caducar, o requerente, verificados certos requisitos, responde pelos danos causados ao requerido. O exercício do direito de ação não dispensa as partes da obediência a deveres de conduta a cuja violação o sistema de responsabilidade reage. Nestes termos, a responsabilidade do requerente cautelar enquadra-se no género mais abrangente da responsabilidade civil e, em especial, na responsabilidade processual, de que constitui figura central a litigância de má fé. Neste enquadramento na responsabilidade civil geral e nos seus diversos tipos, dir-se-ia que, à partida, se trataria de uma responsabilidade delitual ou aquiliana, não assente em qualquer relação obrigacional prévia. Para além disso, seria uma responsabilidade por factos ilícitos, assente na ilicitude e na culpa lato sensu. Antes de qualquer conclusão, todavia, importa aprofundar o regime do art. 374.°, n.° 1, à luz de alguns pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente, o tipo objetivo e subjetivo da norma. A responsabilidade civil pressupõe, em primeiro lugar, um facto ilícito. Neste caso, o facto ilícito do requerente. Há que identificar o facto voluntário praticado pelo requerente, bem como a sua censurabilidade, para que este possa ser responsabilizado. Está em causa um facto ilícito ao qual se possa imputar objetivamente a caducidade da providência cautelar. Ora, pode sempre vislumbrar-se uma atuação do requerente como interveniente num facto complexo de produção sucessiva que acaba por gerar a caducidade da providência cautelar, seja a mera propositura da ação principal que acabou por ser julgada improcedente, seja a respetiva omissão na instauração daquela ação. Já no que se refere à ilicitude dessa conduta, suscitam-se maiores dúvidas uma vez que o requerente se limitou a atuar no âmbito das possibilidades que lhe são legalmente conferidas. O direito de ação é de exercício livre e a propositura da ação principal não constitui um dever e sim um mero ónus. Terá de concluir-se, por isso, que esta censura do comportamento do requerente decorre necessariamente da identificação de uma sua atuação imprudente no exercício do direito de ação ou na omissão da propositura da ação, acabando por confundir-se, por isso, com o pressuposto da culpa. Só assim se explica a referência tautológica feita no art. 374.° ao facto de que o requerente "não tenha agido com a prudência normal", acrescido ao requisito da atuação culposa. Note-se que, em sede cautelar, o requerente estará adstrito a um dever de prudência ainda mais exigente, precisamente devido à provisoriedade da providência cautelar e à possível maior gravidade dos efeitos produzidos na esfera jurídica do requerido. Por seu turno, do tipo subjetivo da norma resulta a possível responsabilização do requerente, quer tenha atuado com dolo, quer tenha agido de forma negligente. Como se referiu, a especial gravidade da tutela cautelar implica uma maior exigência de conduta do requerente, viabilizando a sua responsabilização em todos os graus de culpa, ao contrário do que sucede no regime da litigância de má fé, que exclui a culpa leve. Ainda que, em termos comparativos, o regime de responsabilidade civil do requerente favoreça a respetiva responsabilização, cremos ser de questionar sobre a bondade de uma solução que, ainda assim, pode deixar o requerido extremamente desprotegido uma vez que, na maioria dos casos de danos irreversíveis causados por providência cautelar que caducou, não se pode vislumbrar qualquer atuação culposa da parte do requerente. O requerido acaba assim, em grande número de situações, por suportar os benefícios do sistema de tutela cautelar a favor do requerente, ao arrepio do princípio ubi commoda, ibi incommoda. Apenas um sistema de responsabilidade objetiva do requerente cautelar que, de resto, não é estranho ao direito comparado e mesmo ao nosso sistema jurídico em épocas anteriores, permitiria salvaguardar, na íntegra, o interesse do requerente. Esta conclusão, todavia, não pode ser considerada sem se atentar no contrapeso de outros valores também prosseguidos pelo nosso sistema jurídico, nomeadamente, o carácter fundamental da garantia de uma tutela judicial efetiva, podendo a responsabilidade objetiva do requerente acabar por restringir em demasia o exercício do direito de ação cautelar. Sendo aquele argumento suficiente para se concluir pela não justificação de uma responsabilidade não fundada na culpa do requerente, acabámos por defender, no entanto, a existência de uma presunção ilidível de culpa do requerente, equiparável à presunção consagrada no art. 799.° do Código Civil. Explicamos em seguida o porquê desta conclusão. Muito embora não faça sentido qualificar a responsabilidade civil do requerente da providência cautelar que venha a caducar como sendo uma responsabilidade de natureza contratual, também não será rigoroso qualificá-la simplesmente como uma forma de responsabilidade aquiliana. Na verdade, podemos vislumbrar na pendência processual a existência de uma espécie de relação triangular entre as partes e o juiz. Ainda que dela não decorram obrigações em sentido técnico, não pode negar-se que esta relação processual implica um plus relativamente ao mero dever de respeito da responsabilidade meramente delitual. Estão em causa deveres laterais que radicam, em última análise, no princípio da boa fé. Pelo descrito, entendemos dever integrar a responsabilidade processual numa espécie de zona cinzenta, equiparável ao que a doutrina civilista chama de terceira via da responsabilidade civil, que pressupõe um regime particular apurado em relação a diversos pontos em concreto, que exigirão uma integração específica de lacunas. Em particular no que concerne a responsabilidade civil do requerente cautelar, coube perguntar se não se justificaria aplicar o regime da presunção de culpa, próprio da responsabilidade contratual, a esta relação jurídica de cariz particular. Depois de aprofundarmos as razões justificativas da inversão do ónus da prova do art. 799.° do Código Civil, concluímos que as mesmas razões estariam presentes no regime da responsabilidade civil do requerente cautelar, razão pela qual se justificaria aí identificar a existência de uma presunção de culpa no âmbito da construção de um regime próprio de uma terceira via de responsabilidade”. .Posto isto, e sem querermos, por não ser aqui a sede própria, tecer considerações doutrinárias que extravasam o necessário para decidir o recurso, importa apenas assinalar que o regime de responsabilidade do requerente de providência cautelar se qualifica como um regime de responsabilidade subjectiva ,em que o exercício livre do direito de ação, impõe que a ilicitude se traduz numa censura do comportamento do requerente consubstanciadora de uma sua atuação imprudente no exercício do direito de ação ou na omissão da propositura da ação, acabando por confundir-se, por isso, com o pressuposto da culpa. Só assim se explica a referência tautológica feita no art. 374.° ao facto de que o requerente "não tenha agido com a prudência normal", acrescido ao requisito da atuação culposa. A significar que em sede cautelar o requerente estará adstrito a um dever de prudência ainda mais exigente, precisamente devido à provisoriedade da providência cautelar e à possível maior gravidade dos efeitos produzidos na esfera jurídica do requerido. Retomando ABRANTES GERALDES[6], pode sustentar-se que a comprovação da falta de justificação será encontrada, fundamentalmente, através do incidente da oposição (..), ou no recurso ou na acção principal, onde, num contraditório mais alargado, se adquira a convicção de que a medida cautelar se fundou em factos inverídicos ou deturpados ou em meios de prova forjados. Em tais circunstâncias, constatando-se que o requerente agiu de forma dolosa ou imprudente, que sonegou ao tribunal elementos importantes para a formação da convicção, apresentou um quadro factual fora da realidade ou que carreou para o processo meios probatórios forjados, (…), responderá pelos prejuízos causados ao requerido de acordo com as regras gerais da responsabilidade civil (sublinhados nossos). Essa responsabilidade pode ser estendida às actuações imprudentes ou baseadas em erros grosseiros de apreciação que tenham sido decisivas para a adopção da providência injustificada[7] . E outros autores[8], elencam a ocultação intencional de factos ou deturpação consciente; imprudência ou erro grosseiro na alegação e prova dos factos. Outros[9], estendem essa responsabilização do requerente da providência cautelar a casos de culpa leve[10] , aceitando que para a responsabilidade subjectiva é suficiente a negligência do requerente] (…). Todavia, afigura-se-nos que se uma construção jurídica artificiosa é aceite pelo juiz, o requerente não pode ser responsabilizado. Acolhe-se assim o entendimento seguido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 02B1938, de 26-09-2002, citado na sentença recorrida, segundo o qual, “ não é fundamento de responsabilidade do requerente, nos termos do artigo 374º do CPC, o requerer a providência com ausência de fundamento de facto ou de direito, ou com fundamento em errada ou discutível interpretação do direito mas que, não obstante, conduza ao decretamento da providência (embora com posterior revogação da decisão). “ É que os eventuais erros de julgamento são do tribunal, e, por isso, não justificam a responsabilização do requerente da providência. Por último, impõe-se assinalar que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.( art 342º CC) Pelo que, não existindo qualquer presunção legal de culpa adveniente da mera constatação fáctica de que a providência foi julgada injustificada por procedência da oposição ou por o requerente deixar caducar a providência,[11] “ é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, cabendo a este a alegação e prova da factualidade consubstanciadora do direito ao ressarcimento pelos danos produzidos que invocaram” Feitas estas considerações, atentemos na factualidade assente e que é relevante para decidir o recurso. No essencial, na decorrência do alegado na petição inicial, apurou-se que CC instaurou arresto contra DD, AA, II e BB. Como se menciona nesse processo: “ Veio a Requerente peticionar o arresto do seguinte: - Das contas bancárias tituladas e ou co-tituladas pelos 2º, 3º e 4º requeridos; - Dos veículos sujeitos a registo e inscritos na titularidade dos 2º, 3º, e 4º requeridos, com exceção do veículo de matrícula ...-OR-... que já se encontra arrestado no âmbito do processo nº 992/..., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Central Cível ... - Juiz ...; - Das 10.000 ações que cada dos 2.º e 3.º requeridos possuem na empresa denominada V... e C..., S.A. com o NIPC: .... Alegou a Requerente para o efeito, em resumo que foi casada com o 1.º requerido (estando divorciada desde 2007) e que tendo este sido condenado por decisão transitada em julgado a pagar-lhe a quantia de 146.546,80€, o mesmo ainda não procedeu a qualquer pagamento. Mais alegou que, apesar de terem sido mandados penhorar saldos de contas bancárias, automóveis e motociclos, todos já tinham sido alienados, sem saldos bancários. Entretanto, no âmbito do 2715/16.... que corre termos neste Juízo Central Cível J..., tendo sido levantado o sigilo bancário, tomou a requerente conhecimento que a 19/01/2015 o mesmo emitiu um cheque de tal quantia em nome de seu filho AA, aqui 2º requerido, quantia essa que posteriormente foi depositada em nome dos filhos do 1º Requerido e da sua companheira, JJ, aqui 4º requerida, cuja transferência foi feita em conluio com o 2º requerido, sua filha de nome II, 3º requerida, e sua companheira de nome JJ, aqui 4º requerida, e visando ocultar o património do 1º Requerido para, dessa forma não ser possível a penhora deste para pagamento, pelo menos, parcial do crédito da Requerente. Alegou ainda que no ano de 2017, o primeiro requerido deu aos 2º e 3º requeridos a quantia de 10.000€, cada, para que estes constituíssem uma sociedade, conjuntamente, com os seus primos, com o capital social de 50.000,00€, a qual foi constituída sob a denominação de V... e C..., S.A. com o NIPC: ..., com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., bem como a quantia de mais 5.000€ ao 2º requerido com o qual o mesmo constituiu a sociedade denominada M... Unipessoal, Lda., com o NIPC:..., com sede na Rua ..., ... - ..., constituída a 20/04/2017 e que o 1.º requerido terá procedido desse modo para impedir que os seus credores pudessem vir a penhorar e, consequentemente, a ver-se pagos com os mesmos dos seus créditos, incluindo o da aqui requerente. Foi proferida decisão que decretou o arresto imediato dos seguintes bens: - Dos veículos sujeitos a registo e inscritos na titularidade dos 2º, 3º, e 4º requeridos, com exceção do veículo de matrícula ...-OR-... que já se encontra arrestado no âmbito do processo nº 992/..., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Central Cível ... - Juiz ...; - Das 10.000 ações que cada dos 2.º e 3.º requeridos possuem na empresa denominada V... e C..., S.A. com o NIPC: ...; - Das contas bancárias tituladas e ou co-tituladas pelos 2º, 3º e 4º requeridos (se co-tituladas, até ao limite do respetivo valor de solidariedade). O arresto ora determinado tem por limite máximo de valor 75.061,43€, pelo que, sendo atingido esse valor pelo correspondente à avaliação que seja feita dos veículos automóveis arrestados, não deve proceder-se ao arresto de qualquer outro bem dos requeridos; sendo atingido esse valor pelo correspondente à avaliação que seja feita dos veículos dos automóveis arrestados e das 10.000 ações, não devem ser arrestados os saldos das contas bancárias e, operando-se o arresto destas, deverá sempre ter por aquele limite o valor conjugado da soma dos bens arrestados. Ainda conforme resulta da sentença proferida no processo, “Perante os factos dados por indiciariamente provados, o crédito invocado pela requerente apresenta-se com uma natureza não apenas provável como certa e segura, por se fundar em decisão judicial, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça e transitada em julgado. Ou seja, pode concluir-se pela probabilidade da existência do direito invocado — “fumus bonis juris”. Por outro lado, resultou igualmente indiciário que o 1.º requerido tem praticado vários atos no sentido de ocultar, onerar e dissipar o seu património, visando dessa forma frustrar a satisfação do crédito da requerente. Na decisão da oposição pode ler-se que, “concatenados todos os factos, e tendo por escopo que a acção principal é uma acção Pauliana (a qual já foi de resto intentada), resulta incontornável que se mostram abalados certos factos que foram dados por assentes na decisão já proferida nestes autos, após a produção de prova efectuada em sede de audiência final. De acordo com o art. 372º, nº 1, al. b) do C.P.C., a oposição cinge-se à alegação de factos ou produção de meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução. Sendo alegação dos requeridos, em sede de oposição, que não se verificam os requisitos para o decretamento do arresto, aqui chegados, conclui-se que os requeridos, em sede de oposição, e com a prova por si carreada, conseguiram derrubar aqueles requisitos, que se entendem não estar apurados. No caso concreto, mantém-se indiciariamente provada a existência do crédito da Requerente e o justo receio de que o 1º Requerido não tenha garantias patrimoniais suficientes para pagar tal crédito, no montante indiciariamente apurado. Todavia, e sem pretender entrar na análise dos requisitos de Acção Pauliana, para que a pretensão da Requerente pudesse proceder, e neste caso manter-se, necessário se impunha que se demonstrasse que existem indícios de que os bens que a mesma pretende atacar com a presente providência e que indicou para arresto, eram pertencentes ao devedor (1º Requerido), caso em que a Requerente teria direito, na qualidade de credora, a requerer o arresto contra os adquirentes dos bens do devedor (cfr. ainda art. 619º, nº 2 do CC), circunstância que não sobressai minimamente demonstrada, tendo, pelo contrário, sido afastada quer pela prova documental quer testemunhal efectuada nos autos e que estribou a motivação acima. A Acção Pauliana (sendo a presente providência cautelar pré existente à mesma, neste caso, antecedendo-a) deve ser intentada contra o devedor e adquirentes dos bens que eram do devedor, com a impugnação pauliana pretendesse reverter determinados negócios sobre determinados bens, neste caso sobre os bens indicados para serem arrestados; todavia no caso em apreciação nenhuma prova, ainda que indiciária, foi feita no sentido de permitir concluir que os bens em causa (bens indicados para arresto) foram pertença do devedor ou se relacionam com este ( 1ª Requerido). Efectivamente, no arresto quer-se acautelar e assegurar o justo receio de que não haja dissipação de bens (por parte do devedor, no caso, com a transmissão de bens a outros - adquirentes), pretendendo-se que na acção pauliana o negócio seja revertido, contanto que existam indícios que evidenciem que o devedor (1º Requerido) praticou actos sobre tais bens com o objectivo de os furtar à mira do credor. No caso em análise, tais indícios resultam afastados face à prova carreada: desde logo em relação aos veículos arrestados a BB, verifica-se que os mesmos são da sua propriedade com registo a seu favor, desde 2004 e 2005, portanto em momento anterior ao da existência do crédito eventual da Requerente e sem qualquer relação com o devedor quanto àqueles bens. O crédito da Requerente é posterior à data em que os veículos foram registados a favor da requerida BB. No que concerne à viatura arrestada ao AA, apurou-se que também adveio à sua titularidade com origem na sua avó, tendo sido transmitida da avó KK para o requerido AA, e não por qualquer acto do devedor.” Assim, e sem necessidade de fazer prosseguir os autos para julgamento com vista à factualidade alegada pelos requerentes para sustentarem a alegação de terem sofrido prejuízos, resulta para nós, que a alegação dos aqui autores no sentido de ter sido decretado o arresto sem contraditório, o qual, posteriormente foi revogado na sequência da procedência da oposição dos autores, causando-lhe prejuízos, é manifestamente insuficiente para responsabilizar a ré. Como já assinalamos, para se afirmar a responsabilização do requerente de providência cautelar que foi julgada injustificada, não basta a simples procedência da oposição à providência cautelar decretada, uma vez que a culpa consiste em requerer providência cautelar que ele sabe ou não pode ignorar ser ilegal, seja no plano de mérito, seja no plano estritamente processual. Da procedência da oposição com o consequente levantamento do arresto não resulta a verificação automática da culpa do requerente da medida provisória, acrescendo ainda que da sua efectivação podem, ou não, resultar danos indemnizáveis, entendendo-se estes como os prejuízos (contabilizáveis) que efectivamente sejam causados. Assim, acolhemos a sentença recorrida quando aí se escreve: ( …) os autores limitaram-se a alegar que a providência foi considerada injustificada e que isso deu causa a danos. Isto é, alegam o evento, o dano e o nexo causal. Porém, não alegam a culpa nem a ilicitude. Em nenhum momento, os autores alegam que a ré agiu com dolo ou culpa, isto é, que não tenha agido com a prudência normal. Como não alegam qualquer ilicitude decorrente da violação do dever de veracidade ou do dever de cuidado.” Verificamos, assim, que os autores não alegam, por exemplo, que a medida cautelar se fundou em factos inverídicos ou deturpados ou em meios de prova forjados, ou que a ré sonegou ao tribunal elementos importantes para a formação da convicção, ou que apresentou um quadro factual fora da realidade ou que carreou para o processo meios probatórios forjados. Mais. A pretensão dos autores foi julgada procedente numa primeira fase, através de decisão judicial, sem que esta se tenha baseado em meios de prova incorrectos. Assim, na decisão sobre a oposição escreveu-se o seguinte: “mantém-se indiciariamente provada a existência do crédito da Requerente e o justo receio de que o 1º Requerido não tenha garantias patrimoniais suficientes para pagar tal crédito, no montante indiciariamente apurado. Isto é, um dos elementos essenciais do arresto, aliás, o elemento essencial e mais difícil de demonstrar, continuou a ser afirmado pelo tribunal, mesmo após a oposição ser decretada. Todavia, por razões relacionadas com a acção principal e a demonstração dos autores quanto aos automóveis em questão, permitiu afastar o arresto destes. No entanto, manteve-se a asserção da existência do justo receio de que o 1º Requerido não tenha garantias patrimoniais suficientes para pagar tal crédito” Concluímos assim que em face da alegação dos autores vertida na petição inicial, bem como, dos documentos aí indicados e juntos aos autos, não podemos afirmar que o acto da ré-recorrida é ilícito, sendo certo que, como se assinalou, a actividade jurisdicional é portadora de riscos, e não deve exigir-se daquele que recorre à via cautelar para defender os seus interesses que alcance necessariamente a procedência da acção, sob pena de isto constituir uma grave restrição ao direito de acção. Tratando-se de um direito constitucionalmente consagrado, e considerando a alegação vertida na petição inicial, a aqui ré exerceu-o de uma forma lícita (face ao alegado pelos autores), não se podendo responsabilizá-la por nenhum dano, porquanto, os autores omitiram a alegação de factos suscetíveis de consubstanciar a ilicitude e a culpa da ré. Agir sem a prudência normal, de molde a causar culposamente um dano, implica uma conduta (com dolo ou mera culpa) de ocultação ou deturpação de factos, de sonegação de provas ou de uso de meios probatórios forjados, com vista a convencer da existência do direito, apesar de faltarem os requisitos legais de decretamento da medida provisória, podendo também tratar-se de erro grosseiro na averiguação, alegação e prova dos factos, não bastando, porém, um simples erro de apreciação ou a dedução de pretensão cautelar infundamentada.Neste sentido, pode consultar-se o recente acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 21.10.2021, in ww.dgsi.pt. Em face da alegação vertida na petição, não vislumbramos factos que permitam, a serem julgados como provados, imputar à ré-recorrida, um comportamento ilícito. De resto, como assinalou a decisão recorrida , no caso não se equaciona sequer a realização de um qualquer convite ao aperfeiçoamento, visto que, o convite ao aperfeiçoamento articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir, como são, os factos consubstanciadores da ilicitude e da culpa em sede de uma acção de responsabilização do requerente de providência cautelar ao abrigo do artigo 374º do CPC. Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.[12] Nestes termos, a sentença recorrida não merece qualquer censura, impondo-se a confirmação da mesma. Sumário. .................................... .................................... .................................... IV. DISPOSITIVO. Por tudo o exposto, acordam os Juízes no Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente e confirmar inteiramente a decisão recorrida.Custas da apelação pelos Autores-recorrentes. - artigo 527º do CPC. Registe e notifique. Porto, 27.01.2022 Francisca Mota Vieira Paulo Dias da Silva João Venade ______________ [1] Ac. STJ proferido no processo 7147/10.3TBMTS.P2.S1, relatado por CATARINA SERRA na sessão de 25 Fevereiro 2021 [2] Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 441]. [3] Marco Carvalho Gonçalves, Providências cautelares injustificadas e responsabilidade do requerente, Braga, Universidade do Minho, 2013, p. 432]. [4] Providências cautelares injustificadas e responsabilidade do requerente, cit., pp. 444 e s. [5] A tutela cautelar antecipatória no processo civil português. Um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2016, pp. 367-403], [6] Op. cit., p. 321 [7] Cfr. ABRANTES GERALDES, op. cit., p. 322. [8] LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, Coimbra editora, 2001, p. 60 [9] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª edição, Lex, 1997, p. 254: [10] [11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 618/12.9TVPRT.P1.S2, de 26-02-2019. [12] Neste sentido, Ac Tribunal da Relação de Lisboa, de 24-01-2019, proferido no processo nº573/18.1T8SXL.L1-6. |