Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3231/19.6T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: AVAL
PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA
FIANÇA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP202001143231/19.6T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 01/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O aval é um ato cambiário que origina uma obrigação autónoma independente, cujos limites são aferidos pelo próprio título.
II - Extinta a obrigação cambiária por prescrição, apenas poderá ser reconhecida a exequibilidade do título de crédito como quirógrafo da obrigação extra - cartular.
III - Estando em causa o aval – figura típica do direito cambiário – este não se mostra transmutável fora desse enquadramento cambiário, pois que, para que a obrigação cambiária do avalista, possa servir de título executivo como quirógrafo, necessário seria que do requerimento executivo resultasse que o avalista/executado se quis obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, sendo que a obrigação de prestar fiança tem de ser expressamente declarada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3231/19.6T8PRT-A.P1
SUMÁRIO:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
Por apenso à execução movida pela DIRECÇÃO - GERAL DO TESOURO E FINANÇAS, representada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO veio a executada, B…, apresentar embargos de executado, pedindo a procedência dos mesmos com a consequente extinção da execução, alegando em suma que não existe título executivo, uma vez que a exequente deu à execução duas livranças que se mostram prescritas e não foram alegados factos que possam entendê-los como títulos executivos enquanto quirógrafos de dívida.
A Exequente apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos. Afirmou, em suma, que no requerimento executivo foram alegados os factos constitutivos da relação subjacente, não procedendo a apontada inexistência de título executivo.
As partes, notificadas para o efeito, prescindiram da realização da audiência prévia, pelo que veio a ser proferida decisão, que abrigo da conjugação do disposto nos arts. 591º, nº, al. d), 593º, nº 1, 595º, nº 1, al. b) e 597º,al. c), do C.P.Civil conheceu do mérito da causa, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo totalmente procedentes, por provados, os presentes embargos de executado, em consequência do que determino a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso relativamente à embargante/executada, B…; prosseguindo a execução apenas contra o co - executado, C….”
Inconformado, o MINISTÉRIO PÚBLICO, na qualidade de embargado, em representação do Estado Português (Direcção-Geral do Tesouro e Finanças), interpôs o presente recurso de Apelação, pugnando pela substituída a decisão recorrida por outra que declare os embargos de executado improcedentes e determine o prosseguimento da execução contra a embargante B…, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1 - A sentença recorrida julgou procedente os embargos da executada B…, e determinou a extinção da execução quanto à embargante/executada.
2 - O Ministério Público em representação do Estado Português (Direcção-Geral do Tesouro e Finanças) havia procedido à instauração da execução para cobrança coerciva da quantia de €:17.121,42.
3 - Foram apresentados como título executivo dois documentos quirógrafos (duas livranças) relativamente às quais foi assumido pelo exequente a prescrição da obrigação cartular inerente a tais livranças.
4 - Tais livranças foram assim apresentadas enquanto documentos quirógrafos, complementados com os pedidos de emissão de garantia bancária, subscritos pelos avalistas, incluindo a embargante/recorrida.
5 - Na exposição de fls. 8 a 10 da ação executiva foram alegados os factos referentes à relação causal subjacente à emissão da livrança e avalização da obrigação cartular.
6 - Salienta-se desde logo os seguintes segmentos:
Fl.s 8, primeiro parágrafo: "[ …] foram cedidos ao Estado, através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, os créditos do D… sobre a sociedade E…, S.A, em resultado da execução de garantias bancárias n.º …/2006-P e …./2007-P […]”;
Fls. 8, terceiro parágrafo: “ Em anexo juntam-se cópias do pedido de interpelação das garantias bancárias acima indicadas […]”;
Fls. 8, quarto parágrafo: “ De acordo com os pedidos de emissão de cada uma das referidas garantias, que consubstanciam contratos de emissão de garantia bancária, foram prestadas duas livranças em branco, subscritas pela sociedade E…, SA e avalizadas por F…, G…, C… e B…, as quais foram endossadas pelo H…, sem garantia, por cessão do referido crédito.”
Fls. 8, Quinto parágrafo: “Os referidos contratos de emissão das garantias bancárias em apreço, outorgados pelos subscritores de cada uma das livranças e respetivos avalistas estabelecem as condições de completar a livrança com todos os restantes elementos no caso do Banco ser chamado a pagar qualquer valor a coberto pela Garantia Bancária prestada”.
Fls. 9, sétimo parágrafo: “A data de emissão da livrança n.º ………………, associada à garantia bancária n.º …/2006-P, corresponde à data da prestação da referida garantia (13.10.2006) consistindo a importância nela indicada ao valor do crédito cedido (€:16.488,88), sendo a data de vencimento a data de execução da mesma (20.06.2013), ou seja a data em que se verificou a constituição da dívida.”.
Fl.s 10 segundo parágrafo: “A data de emissão da livrança n.º ………………, associada à garantia bancária n.º …./2007-P, corresponde à data da prestação da referida garantia (28.09.2007) consistindo a importância nela indicada ao valor do crédito cedido (€:632,54), sendo a data de vencimento a data de execução da mesma (20.06.2013), ou seja a data em que se verificou a constituição da dívida.”
7 - Daqui decorre que os factos constitutivos da relação causal foram manifestamente alegados, nos termos do art.º 703.º, n.1, al. c) do Código de Processo Civil, sendo junta prova complementar donde resultam tais factos.
8 - Os avalistas das livranças, enquanto subscritores do contrato de emissão de garantia bancária, co-responsabilizaram-se pelo pagamento, sendo indiferente para o caso a denominação que lhes é atribuída no referido contrato (avalistas).
9 - Assim, não obstante o decurso do prazo de 3 anos de prescrição da livrança estabelecido nos termos do artigo 70.º da LULL, aquela mantém-se como título executivo válido, nos termos previstos na alínea c), do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil, uma vez que não se encontra ainda esgotado o prazo ordinário de prescrição de 20 anos fixado no artigo 309.º do Código Civil.
10 - Destarte, mantém-se intacta a obrigação causal, a qual não se extingue com a prescrição das livranças.
11 - Nesta medida, nada impede o prosseguimento da execução contra a embargada enquanto avalista e responsável solidária pelo pagamento do crédito.
12 - A decisão recorrida está em desconformidade com os factos alegados pelo exequente no requerimento executivo, fls. 8 a 10, não os considerando como factos constitutivos da relação causal.
13 - A relação causal foi alegada de forma manifesta e resulta das livranças e dos contratos de emissão de garantia bancária apresentados com o requerimento executivo.
14 - Ao não considerar os documentos que acompanharam o requerimento executivo como título executivo bastante contra a embargada (avalista), o tribunal a quo violou o disposto no art.º 703.º, n.º1, al. c) do Código de Processo Civil.”
A Embargante B…, apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso, cumpre decidir.
II - OBJETO DO RECURSO
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
A questão suscitada no presente recurso é a de saber se em face da prescrição das livranças, estão reunidos os requisitos para que as mesmas possam ser invocadas como quirógrafo, á luz do art. 703º nº 1 al c) do CPC relativamente ao avalista das mesmas.
III - FUNDAMENTAÇÃO:
O Tribunal considerou provados os seguintes factos:
1. A exequente apresentou à execução, para além do mais, o documento junto a fls. 47 e 47 verso dos autos de execução, denominado “livrança”, contendo, entre outros os seguintes dizeres:
- LOCAL E DATA DE EMISSÃO: Lisboa – 2007-09-28;
- IMPORTÂNCIA (EM EUROS). €632,54;
- VALOR: FINANCIAMENTO;
- VENCIMENTO: 2013-06-20;
- No verso, mostra-se aposta, para além de outras, a assinatura da aqui embargante/executada, antecedida da expressão manuscrita: “Dou o meu ao subscritor” (vide doc. de fls. 47 e 47 verso dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
2. A exequente apresentou à execução, para além do mais, o documento junto a fls. 47 e 47 verso dos autos de execução, denominado “livrança”, contendo, entre outros os seguintes dizeres:
- LOCAL E DATA DE EMISSÃO: Lisboa – 2006-10-13;
- IMPORTÂNCIA (EM EUROS). €16.488,88;
- VALOR: FINANCIAMENTO;
- VENCIMENTO: 2013-06-20;
- No verso, mostra-se aposta, para além de outras, a assinatura da aqui embargante/executada, antecedida da expressão manuscrita: “Dou o meu ao subscritor” (vide doc. de fls. 47 e 47 verso dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
3. No requerimento executivo a exequente alegou, na parte relativa à “Exposição dos Factos”, para além do mais, o seguinte:
“ (…) Não obstante se mostrar prescrita a obrigação cartular, titulada na livrança, mantém-se intacta a obrigação causal, podendo o devedor ser accionado, com este título, como mero quirógrafo, nos termos previstos na alínea c), do nº 1, do artigo 703º do Código do Processo Civil…” (vide doc. de fls. 2 a 13 dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
4. A execução de que estes autos constituem um apenso foi instaurada a 8-02-2019.
IV - O DIREITO APLICÁVEL
Na sentença ora sob recurso, foram julgadas prescritas, tal como a própria Exequente reconhecera, as obrigações cambiárias, expressas nas duas livranças exequendas, á luz das regras legais previstas na LULL [1] e foi ainda entendido que não se encontravam reunidos os requisitos para que as mesmas livranças pudessem ser invocadas como quirógrafo relativamente á executada B…, na qualidade de avalista das mesmas.
É este último, o segmento decisório que mereceu a discordância do Exequente, por entender que, nada impede o prosseguimento da execução contra a embargada enquanto avalista e responsável solidária pelo pagamento do crédito nos termos do disposto no art. 703º do CPC, dizendo ainda que a relação causal foi alegada de forma manifesta e resulta das livranças e dos contratos de emissão de garantia bancária apresentados com o requerimento executivo.
A questão que se coloca é assim a de saber se as livranças exequendas poderão estar revestidas/dotadas de força executiva, enquanto documentos particulares, ou seja, como meros quirógrafos, à luz daquele normativo legal.
A extinção da obrigação cambiária não implica, como afirma, o prof. A. Varela [2] a extinção da obrigação fundamental subjacente à emissão do título que originou aquela, deixando esse título de ser então constitutivo da relação cambiário para passar a valer como título certificativo daquele, a relação obrigacional subjacente.
Face ao regime legal em vigor, nada impede que um título cambiário que não possa valer como título executivo (no caso por a obrigação cambiária se mostrar prescrita), possa ter validade como quirógrafo, “desde que neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”, nos termos do que dispõe o art. 703º nº 1 al c) do CPC.
Vale isto dizer que, os títulos de crédito, desprovidos dos requisitos que permitiriam a aplicação do regime de abstração substantiva previsto na respetiva Lei Uniforme, podem ser usados como quirógrafos da relação causal subjacente à respetiva emissão – beneficiando do regime de presunção de causa afirmado pelo art. 458º do CC quando, atenta a sua natureza material, se consubstanciarem em atos de reconhecimento de um débito ou de promessa unilateral de prestação, sem indicação da respetiva causa - Ver neste sentido o acórdão do STJ 7.5.2014. [3]
Apenas com uma imposição que resulta hoje de consagração expressa na lei adjetiva: a parte que quer prevalecer-se do título, invocado como quirógrafo da obrigação causal subjacente à sua emissão tem o ónus de alegar, na petição inicial ou no requerimento executivo, os factos essenciais constitutivos da relação causal subjacente à emissão do título, desprovido de valor nos termos da respetiva LU, identificando adequadamente essa relação subjacente, de modo a possibilitar, em termos proporcionais, ao demandado/executado, o cumprimento do acrescido ónus probatório que sobre ele recai, (como consequência da dispensa de prova concedida ao credor pelo art. 458º do CC., pode ler-se no citado acórdão do STJ).
Ora, na situação em apreço, não só o Exequente não identifica devidamente a relação subjacente á emissão do aval pela Executada, relevante para o eventual reconhecimento de uma dívida daquele, como não identifica os inerentes factos constitutivos, limitando-se a “concluir” que, não obstante a prescrição se mantinha intacta a obrigação causal.
Parece-nos inegável, lido o requerimento executivo, que o mesmo não cumpre com o requisito contido no art. 703º nº 1 al c) do CPC de indicação dos factos constitutivos da relação subjacente, de resto, como se entendeu na sentença sob recurso.
Ora, com a reforma processual de 2013, [4] apesar da drástica limitação do elenco dos títulos executivos não judiciais – deixando, em regra, de revestir as características da exequibilidade os meros documentos particulares, assinados pelo devedor, que não sejam títulos de crédito, - a alínea c) do nº1 do art. 703º manteve a orientação jurisprudencial maioritária, consagrando expressamente que valem como títulos executivos os títulos de crédito, que, embora desprovidos dos requisitos legais para incorporarem uma obrigação cartular, literal e abstrata, podem valer como meros quirógrafos da obrigação exequenda, desde que os factos constitutivos da relação subjacente, se não constarem do próprio documento, sejam alegados no requerimento executivo.
A possibilidade legal do título constituir título executivo, no caso do título de crédito se mostrar imprestável, por carência dos requisitos legais, para suportar o típico regime de abstração substantiva, tem sempre de ser complementado com a alegação dos factos constitutivos da relação subjacente que não constem do documento.
Ora no caso em apreço o Exequente não cumpre tal requisito.
Na verdade, lido o requerimento executivo, do mesmo apenas decorre que as duas livranças exequendas onde consta o aval da Executada foram emitidas e entregues ao D…, SA associadas é garantia bancária nº …/2006-P e …./2007-P que aquele banco prestou a favor da sociedade E…, SA.
Aplicando este entendimento ao caso dos autos, conclui-se que estava o Exequente efetivamente onerado com a alegação dos factos constitutivos essenciais da relação causal à subscrição das livranças, desprovidas dos requisitos para valerem como título cambiário, de modo a identificar adequadamente essa relação causal subjacente.
A falta de alegação dos factos constitutivos da relação causal que se verifica relativamente á Executada/embargante seria suficiente para determinar quanto a si a extinção da execução.
Mas na situação em apreço, o que se verifica é que a existir uma obrigação causal subjacente á declaração de aval, ela não decorre dos títulos em execução.
Com efeito, no caso em apreço, a obrigação cartular da Executada era constituída por dois avales.
O emitente da livrança é o obrigado principal e é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (cfr. art. 78º da LULL).
Conforme ensina Pereira Coelho, [5] “O aceitante assume com o aceite uma obrigação abstrata que nasce exclusivamente do ato formal da sua assinatura”.
De acordo com o disposto no art. 31º da LULL aplicável às livranças por força do disposto no art. 77º ultima parágrafo da mesma lei, o aval é escrito na própria letra ou em folha anexa e exprime-se pelas palavras bom para aval ou por qualquer fórmula equivalente.
O aval caracteriza-se por ser um terceiro - avalista - a facilitar a circulação da letra caucionando ao seu portador o pagamento de uma determinada operação cambiária (saque, endosso), ou o seu reconhecimento pelo aceite (art. 31, § 4º da LULL).
O aval é um ato cambiário que desencadeia uma obrigação independente [6].
E a sua responsabilidade nãos e confunde com a do fiador.
A responsabilidade do avalista é solidária, que não subsidiária da do avalizado, pelo que o avalista não goza do benefício da prévia excussão; a nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunica à do avalista; este tem direito de regresso contra os signatários anteriores ao avalizado. [7]
E o avalista (não sendo sujeito da relação jurídica entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas de uma relação subjacente à obrigação cambiária entre si e o seu avalizado) presta uma garantia de natureza pessoal geradora de uma obrigação autónoma.
Daí que se responsabilize pela pessoa que avalizou assumindo uma responsabilidade, objetiva e abstrata, pelo pagamento do título, já que acaba por ser responsável nos mesmos termos em que o é a pessoa que garante por qualquer acordo de preenchimento concluído entre este e o portador.
No caso dos autos, a executada ao dar o seu aval à sociedade subscritora das livranças, garantiu a confiança do crédito que esta lhe merecia e que a mesma honraria o cumprimento pontual do crédito cambiário na data do vencimento.
A obrigação cambiária é de natureza formal e abstrata e portanto independente de qualquer causa debendi, válida por si e pelas estipulações nela expressas, ficando o signatário vinculado pelo simples facto da aposição da sua assinatura no título. Ver Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 2º, fascículo II, As Letras, pg 45.
O aval, enquanto obrigação cambiária, tem por finalidade garantir o pagamento da letra ou livrança – cfr artº 30º da LULL - sendo por isso sustentado que a vinculação típica do aval se esgota no título cambiário (ver Ac. Rel. Coimbra 21 de maio de 2013,disponível in www.dgsi.pt).
É porém incontornável que o aval, como os demais atos cambiários, tem subjacente uma determinada relação material ou fundamental estabelecida entre o avalista e o avalizado, que está na origem do mesmo, e que normalmente se reconduz à intenção de garantir o cumprimento da obrigação por parte do avalizado.
Só que, como bem se salienta no Acórdão desta Relação do Porto de 8 de novembro de 2018, [8] “Essa relação material subjacente não é confundível com a relação material subjacente à do avalisado e que possa estar na origem da emissão da letra ou livrança. Desde logo porque, a não ser nos casos em que o aval é dado por quem já está obrigado na letra ou livrança, o avalista não é sujeito da relação jurídica entre o portador e o subscritor da livrança.
E acresce, “Assim que, não sendo o aval por si reconduzível à fiança, para que a livrança, prescrita a obrigação cambiária do avalista, possa servir de título executivo como quirógrafo, necessário será que do requerimento executivo resulte que o avalista/executado se quis obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental.
Sendo que, como decorre do artº 628º, nº 1 do CC, a vontade de prestar fiança tem de ser expressamente declarada.”
No caso em apreço tal não ocorre manifestamente, pelo que temos de concluir, como bem se concluiu na sentença sob recurso que “Assim sendo, constata-se que a aqui embargante, enquanto avalista, não reconheceu qualquer obrigação cambiária perante o exequente com base na relação causal que esteve na génese da emissão das livranças dadas á execução, daqui resulta então, que a embargante não está vinculada a qualquer obrigação pecuniária face á exequente na medida em apenas era avalista nas livranças e enquanto título de crédito.”
Resta pois confirmar a sentença, julgando-se improcedente o recurso.
V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso mantendo-se a sentença recorrida.
Sem custas (art. 4º nº 1 al a) do RCJ).

Porto, 14 de Janeiro de 2020.
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
Maria Eiró
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[1] Lei Uniforme das Letras e Livranças, resultante das Convenções de Genebra de 7.6.1930.
[2] In Manual de Processo Civil, pág. 74.
[3] Relator Lopes do Rego, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Alterações introduzidas no Código de Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26.6,
[5] Citado a pg. 147, LULL anotada, 6ª ed., de Abel Delgado,
[6] Cfr. o Prof. Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial”, III, “Letra de Câmbio”, 1956, p. 197 ss..
[7] Ver os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2004 e de 24 de Outubro de 2002 disponíveis in loc. citado.
[8] Relator Freitas Vieira, disponível in loc cit.