Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10038/16.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
EDIÇÃO ON LINE
JORNALISTA
DEVERES FUNCIONAIS
PESSOA COLECTIVA
COMITENTE
COMISSÁRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESUNÇÃO DO ACTO ILÍCITO
DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO AO BOM NOME
DIREITO À HONRA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
LIBERDADE DE IMPRENSA
Nº do Documento: RP2018101110038/16.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º146, FLS.293-304)
Área Temática: .
Sumário: I - Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
II - Em toda e qualquer acção cível para ressarcimento de danos provocados por factos –acções ou omissões–cometidos através da comunicação social, os responsáveis são os autores das peças divulgadas e a empresa proprietária do órgão ou estação difusora, desde que esteja provado que os factos danosos praticados pelo referidos autores (comissários) tenham sido no exercício das funções confiadas ao comitente.
III - O director do meio de comunicação é, pela própria titularidade da função e pelas competências legais com que o onera o respectivo exercício, responsável pelos concretos conteúdos publicados, salvo se provar não ter tido conhecimento, ter-se oposto ou não ter podido opor-se à publicação, não sendo, para o efeito, necessária a demonstração de que, além do conhecimento dos artigos, sabia que os mesmos eram ofensivos do direito dos visados e que, apesar disso, não se opôs à publicação.
IV - À Editora Online não pode ser aplicada o regime específico e excepcional previsto no artigo 29.º, nº 2 da Lei da Imprensa não podendo, por isso, ser responsável civilmente.
V - A liberdade de imprensa tem como limite, entre outros, o direito ao bom nome, à imagem e à honra de que todas as pessoas gozam, que tem tutela constitucional, em convenções internacionais e na lei ordinária.
VI - O direito à honra em sentido lato, e o direito de liberdade de imprensa e opinião são tradicionais domínios de conflito.
VII - O jornalista está vinculado, nomeadamente por força do Estatuto do Jornalista, ao dever de informar com verdade, com rigor, com objectividade e com isenção, significando o dever de respeito pela verdade que não se deve apresentar como real aquilo que o não é.
VIII - Basta a culpa leve do jornalista, ao difundir uma notícia sobre um comportamento alegadamente desonroso, acompanhada de uma fotografia do autor para alicerçar um juízo de censurabilidade da conduta daquele, pelo que, verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 484º do Código Civil, faz incorrer a ré na obrigação de indemnizar o autor pelos danos não patrimoniais por este sofridos em consequência de tal conduta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 10.038/16.0T8VNG.P1
Relator – Leonel Serôdio (690)
Adjuntos - Amaral Ferreira
- Deolinda Varão
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B…, casado, praticante desportivo profissional de Futebol, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra:
1ª. C…, Editora do G1…;
2º. D…, Diretor Técnico do G1…;
3º. E…, Diretor do Jornal G…; e
4º. F…, SA.
Pede a sua condenação solidária no pagamento da quantia de 15.000€, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros a contar da citação, bem como a condenação do Jornal G… na publicação nas páginas do G1… da sentença condenatória, em conformidade com o artigo 34º, n.º 4 da Lei da Imprensa.
Alega em síntese que, na edição do G1… do dia 14 de maio de 2016, foi publicado um texto e fotografia relativos ao Autor, onde se dizia, relativamente a uma notícia sobre a operação “H…”, que o Autor tinha sido detido no âmbito de um inquérito dirigido pelo Ministério Público. A notícia é falsa e representa ofensa à honra e dignidade do Autor, a quem causou sofrimento moral bem como preocupação intensa e duradoura, constituindo também causa adequada de seu desprestígio e bom conceito no meio social em que vive e exerce a sua atividade e no público em geral.

Os Réus contestaram por exceção invocando a ilegitimidade passiva do Diretor e Diretor Técnico e por impugnação, embora admitindo que tal notícia foi publicada, invocam que tal publicação não durou mais que escassos minutos, pois o nome do Autor foi de imediato retirado, mal o erro foi constatado, tendo sido apresentado ao Autor um pedido de desculpas.
Mais invocam que a forma concreta como o direito dos Réus foi exercido deve prevalecer sobre o eventual direito do Autor ao seu bom nome; que os Réus atuaram sem culpa; e que não existe nexo de causalidade entre os factos e os danos invocados pelo Autor.
Concluem pela improcedência da ação.

Proferiu-se despacho saneador no qual se julgou improcedente a invocada exceção de ilegitimidade e procedeu-se à fixação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento e de seguida foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e:
Condenou os Réus C…, E… e F…, SA, solidariamente a pagarem ao Autor B…, a quantia de 5.000€ (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% a contar da data da presente sentença e até efetivo pagamento;
Condenou ainda a Ré F…, SA, a fazer publicar no G1…, no prazo de cinco dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, o seu teor por extrato, devendo dele constar os factos provados, a identidade dos ofendidos e dos condenados e a indemnização fixada.

Os RR apelaram e terminaram as suas alegações com as suas conclusões:
1. O Recorrido intentou contra os Recorrentes ação de condenação destinada a exigir destes o pagamento do montante de €15.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, na sequência da notícia publicada na edição online do Jornal “G…” no dia 14 de maio de 2016 com o título “I…, J…, K… e L… são jogadores da M… que foram detidos”.
2. No que respeita à matéria de facto, consideram os Recorrentes que deve ser aditado à matéria provada os factos contantes do artigo 15.º da contestação, e alterada a resposta dada pelo Tribunal a quo aos factos contantes do ponto 25 da decisão recorrida e aos artigos 124.º, 125.º, 132.º, 134.º a 138.º, 142.º e 143.º da contestação que o Tribunal a quo considerou como não provados.
3. Pretendem os Recorrentes o aditamento do facto constante do art. 15.º da contestação aos factos provados, o qual alegam que o Réu E… não teve qualquer contato prévio com o artigo publicado a 14 de maio de 2016 na edição online do Jornal “G…”.
4. Analisada a fundamentação de facto da sentença recorrida verifica-se que o Tribunal a quo apenas deu como provado que o Réu E… não agiu com o cuidado que devia e lhe era possível, de evitar que a imagem e nome do Autor ficassem associados àquela investigação criminal, bem sabendo que o conteúdo de tal notícia é suscetível de contender com o bom nome, honra e consideração do Autor e de prejudicar o seu prestigio e reputação tanto na sua vida pessoal como profissional (cfr. ponto 25 dos factos considerados provados da sentença recorrida).
5. Nos termos do n.º 2 do artigo 29º da Lei da Imprensa a responsabilidade da Ré F…, S.A., enquanto detentora do jornal “G…”, depende da verificação de um facto: publicação da notícia com o conhecimento e sem oposição do diretor, facto esse que foi alegado pelos Recorrentes mas que não consta da matéria de facto que o Tribunal a quo deu como provada ou não provada.
6. Considerando o disposto nos números 2, 3 e 4 do artigo 608.º e no artigo 5.º, ambos do CPC, no julgamento da matéria de facto deveria o Tribunal a quo ter tomado em consideração toda a matéria de facto alegada pelas partes nos respetivos articulados
7. No artigo 15.º da contestação os Recorrentes alegaram que o Réu E… não teve conhecimento prévio da publicação da notícia em causa nos presentes autos, não tendo tal facto sido considerado pelo Tribunal a quo na análise e fundamentação da matéria de facto.
8. Na verdade, tanto as testemunhas N… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 09:37:34 a 10:07:43, mais concretamente aos minutos 02:19-05:59; 18:51-19:33), O… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 10:07:48 a 10:38:53, mais concretamente aos minutos 02:53-04:11), P… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 11:07:55 a 11:43:48, mais concretamente aos minutos 01:32-03:22; 03:31-08:45), Q… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 11:43:51 a 11:58:42, mais concretamente aos minutos 08:47-098:27; 09:28-10:17; 10:18-11:21), e S… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 12:05:27 a 12:36:22, mais concretamente aos minutos 012:10- 12:15), afirmaram, explicando que o Réu E…, enquanto Diretor do Jornal “G…” não havia tido conhecimento prévio da notícia em causa nos presentes autos, e que o mesmo se encontrava de folga. Assim como em consonância com a declaração junta com a contestação sob doc. 1.
9. Deve, assim, ser aditado à matéria de facto provada o que consta do art. 15.º da contestação, ou seja, que o Réu E… não teve conhecimento prévio da notícia em causa nos presentes autos.
10. Já no que toca ao ponto 25 dos factos provados da sentença recorrida, o Tribunal a quo deu como provado que “Ao editarem e publicarem aquela notícia, os Réus C…, E… e F…, S.A., não agiram com o cuidado que deviam e lhes era possível, de evitar que a imagem e nome do Autor ficassem associados àquela investigação criminal, bem sabendo que o conteúdo de tal notícia era suscetível de contender com o bom nome, honra e consideração do Autor e de prejudicar o seu prestígio e reputação tanto na sua vida pessoal como profissional”.
11. Em bom rigor, para o Tribunal a quo considerar tal facto como provado, obrigatoriamente considerou que o Diretor E… e a Editora C… teriam conhecimento prévio da notícia em causa nos presentes autos.
12. Todavia, no que respeita ao Diretor, ora Réu E… foi explicado ao Tribunal, pelas N… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 09:37:34 a 10:07:43, mais concretamente aos minutos 02:19-05:59; 18:51-19:33), O… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 10:07:48 a 10:38:53, mais concretamente aos minutos 02:53-04:11), P… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 11:07:55 a 11:43:48, mais concretamente aos minutos 01:32-03:22; 03:31-08:45), Q… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 11:43:51 a 11:58:42, mais concretamente aos minutos 08:47-098:27; 09:28-10:17; 10:18-11:21), e S… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 12:05:27 a 12:36:22, mais concretamente aos minutos 012:10-12:15), que à data da publicação da notícia em causa nos presentes autos que o Diretor se encontrava de folga não tendo conhecimento das notícias que são publicadas nestes dias. Mas mesmo que assim não fosse, o Diretor não tem conhecimento de todos os artigos que são publicados quer na edição online, quer na edição impressa, sendo humanamente impossível.
13. O Tribunal a quo desvalorizou por completo o documento junto com a contestação referente a uma Declaração da F…, S.A. a informar que “o Director não se encontrava ao serviço nos dias 13 e 14 de Maio 2016, uma vez que as suas folgas são às Sextas-feiras e Sábados”, por entender que, sendo uma declaração emitida pela co-Ré F…, S.A., não tem relevância probatória. Na verdade, parece que o Tribunal a quo se olvida de que a Ré F…, S.A. é a entidade patronal do Diretor E… e que a mesma tem, mais do que ninguém, legitimidade para emitir declarações sobre os seus funcionários.
14. Nos termos da lei, a responsabilidade da Ré F…, S.A., enquanto detentora do jornal “G…”, depende da verificação de um facto: publicação da notícia com o conhecimento e sem oposição do diretor.
15. No que concerne à Editora online, ora Recorrente C…, também foi referido pelas testemunhas O… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 10:07:48 a 10:38:53, mais concretamente aos minutos 04:53-07:58; 16:33), P… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 11:07:55 a 11:43:48, mais concretamente aos minutos 08:46-11:57; 21:45-24:14) e Q… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 11:43:51 a 11:58:42, mais concretamente aos minutos 07:40-08:47), que não é ela que controla as notícias que são publicadas na edição online, mas sim o jornalista que a escreve. Referindo, ainda que, as funções de editora tratam-se apenas de verificar se o site está a funcionar bem, analisar o tráfego. E que as notícias só chegam ao seu conhecimento quando existe alguma dúvida na informação a ser publicada. O que não aconteceu no caso sub judice. Na verdade a Ré C… só teve conhecimento da notícia quando a redação do Jornal “G…” foi alertado de que teria havido um lapso.
16. Quanto à Ré F…, S.A. foi produzida prova suficiente de que não passa pela competência da mesma o conhecimento prévio das notícias que são publicadas no Jornal “G…”, assim como nas restantes publicações de que é proprietária, conforme depoimentos das testemunhas N… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 09:37:34 a 10:07:43, mais concretamente aos minutos 06:21-07:18), O… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 10:07:48 a 10:38:53, mais concretamente aos minutos 11:07-11:56), P… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 11:07:55 a 11:43:48, mais concretamente aos minutos 16:23-16:37) e S… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 12:05:27 a 12:36:22, mais concretamente aos minutos 13:30-13:42).
17. Deve, assim, ser alterada a resposta dada ao ponto 25 dos factos provados passando o mesmo a não provados.
18. Quanto aos factos alegados nos artigos 124.º, 125.º, 132.º, 134.º a 138.º, 142.º e 143.º da contestação o Tribunal a quo considerou como não provados, por considerar que para a elaboração do artigo em causa nos presentes autos, os jornalistas não utilizaram fontes idóneas e fidedignas para a elaboração do mesmo, ou fontes credíveis e com conhecimento direto sobre os factos noticiados. E ainda que, os autores da notícia não tiveram dúvidas que os factos noticiados correspondiam à verdade e que antes de publicarem os factos em causa, não tinham a convicção séria de que os mesmos correspondiam à verdade.
19. Todavia, foi produzida prova no sentido diverso, mais concretamente das testemunhas N… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 09:37:34 a 10:07:43, mais concretamente aos minutos 09:12-09:30; 22:49-22:56), O… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 10:07:48 a 10:38:53, mais concretamente aos minutos 004:53-07:58; 22:15-22:42), P… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 11:07:55 a 11:43:48, mais concretamente aos minutos 08:46- 11:57), T… (depoimento prestado na sessão de julgamento de 30.01.2018, de 10:39:00 a 11:05:44, mais concretamente aos minutos 12:24-14:46) e U… (depoimento prestado no dia 30 de janeiro de 2018, de 14:14:30 a 14:43:22, mais concretamente aos minutos 05:36-09:13; 13:56-16:34; 16:34-19:38) que explicaram de forma precisa e coerente o modo de elaboração das notícias na edição online do Jornal “G…” e mais concretamente as notícias em modelo timeline.
20. Resultou do depoimento das referidas testemunhas que quando a informação chega à redação por jornalistas que se encontram no “terreno”, os jornalistas que na redação recebem essa informação e escrevem a notícia na plataforma online, não confirmam os factos pois presume-se que o jornalista que ligou para a redação a fornecer a informação já a confirmou ou que tem fé de que os factos eram verdade
21. Devem, assim, as respostas dadas aos factos constantes nos artigos 124.º, 125.º, 132.º, 134.º a 138.º, 142.º e 143.º da contestação, serem alterados passando os mesmos a considerar-se como provados.
22. Conforme decorre da matéria de facto provada, na data da publicação da notícia em causa nos presentes autos, o Réu E… era o Diretor do Jornal “G…”, (cfr. ponto 6 dos factos provados da sentença recorrida) e que o artigo em causa não foi assinado por ele (cfr. ponto 30 dos factos provados da sentença recorrida), facilmente se conclui que o Réu E… é parte na presente ação pelo facto de ser diretor do jornal “G…”.
23. Em parte alguma está prevista, na lei da imprensa, a responsabilidade objetiva do Diretor do periódico, pelos textos que sejam publicados, mesmo quando este tenha tido conhecimento prévio do seu conteúdo e não se tenha oposto à sua publicação, o que não foi o caso dos presentes autos, sendo que o conhecimento do Diretor apenas poderá revelar para aferir da eventual responsabilidade solidária da empresa jornalística, no pagamento dos danos que tenham sido, efetivamente, provocados pelos escritos, não se prevendo qualquer responsabilidade do próprio diretor da publicação.
24. O Diretor, aqui Réu E…, não sendo o autor do texto em causa, não pode ser pessoalmente responsabilizado por quaisquer danos provocados pelos mesmos, uma vez que, nos termos da lei, apenas responde o próprio autor e a Ré, F…, no caso de a peça ter sido publicada com o conhecimento e sem oposição do seu diretor.
25. Assim, e sem necessidade de mais considerações, o Réu E…, não sendo autores do escrito, não respondem, nos termos da lei, por quaisquer preluzidos decorrentes da publicação em causa nos presentes autos, estando tal responsabilidade restringida ao autor da notícia, e à proprietária da publicação.
26. Ao condenar o Diretor E…, quando em relação a ele não foi feita qualquer prova de ter tido qualquer intervenção na publicação, a decisão em causa viola o número 2 do artigo 29º da Lei da Imprensa.
27. Quanto à responsabilidade da Editora online, ora Ré C…, o Tribunal a quo enquadra juridicamente a responsabilidade daquela nos mesmos termos que enquadra a responsabilidade do Diretor E…, o que não é legalmente o correto.
28. Conforme analisámos supra, o artigo 29.º n.º 2 da Lei da Imprensa refere-se apenas ao diretor e ao seu substituto legal. A função de editor online não se trata de um “substituto legal” do diretor do periódico conforme o Tribunal a quo pretende fazer crer. As funções de diretor e de editor online são completamente distintas.
29. Por outro lado, o Tribunal a quo não poderia aplicar ao caso em apreço o disposto no artigo 31.º da Lei da Imprensa, pois o mesmo regula a responsabilidade criminal de atos praticados pelas pessoas que revestem a qualidade prevista no referido diploma legal, uma vez que os valores e fins da lei penal em nada coincidem com os da lei civil.
30. O art. 29.º da Lei da Imprensa não prevê a responsabilização do editor quanto aos escritos assinados e, por analogia com o disposto no art. 31.º da mesma Lei, não se verifica também tal responsabilidade em relação aos escritos não assinados.
31. A Editora, aqui Ré C…, não sendo a autora do texto em causa, nem a substituta legal do Diretor, não pode ser pessoalmente responsabilizada por quaisquer danos provocados pelo mesmo, uma vez que, nos termos da lei, apenas responde o próprio autor e a Ré, F…, no caso de a peça ter sido publicada com o conhecimento e sem oposição do seu diretor, mas nunca a Ré C… enquanto editora online do jornal.
32. Face ao regime jurídico existente no que respeita aos factos ilícitos cometidos através da imprensa, que consta da Lei da Imprensa, nunca poderia o Tribunal a quo ter condenado a Ré C…, enquanto editora online do jornal “G…”, uma vez que a mesma não tem qualquer responsabilidade pessoal.
33. Ao condenar a Ré C…, solidariamente com os restantes, ao pagamento ao Autor da indemnização fixada, violou o tribunal a quo o disposto no n.º 2 do artigo 29.º e 31.º n.º 3 da Lei da Imprensa, devendo a decisão recorrida ser alterada e substituída por outra que absolva a Ré C… do pedido.
34. Quanto à responsabilidade da Ré F…, S.A., conforme consta da matéria de facto provada, é a proprietária do jornal “G…” (cfr. ponto 8 dos factos provados da sentença recorrida).
35. Nos termos da Lei da Imprensa, as empresas jornalísticas apenas podem ser responsabilizadas no caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação: com o conhecimento e sem oposição do diretor ou seu substituto legal.
36. Considerando o atendimento ao pedido de alteração à resposta dada à matéria de facto provada quanto ao conhecimento do diretor, nunca poderá a Ré F… responder por quaisquer danos provocados pela publicação, devendo ser absolvida do pedido.
37. De todo o modo, mesmo que não seja alterada a matéria de facto neste ponto, sempre se dirá que analisada a norma do n.º 2 do artigo 29.º da Lei da Imprensa, e existindo uma presunção do conhecimento do diretor, temos de considerar que o facto conhecido, ou seja, a base da presunção, é a qualidade de diretor do periódico, sendo o facto desconhecido o seu conhecimento e não oposição sobre o conteúdo publicado.
38. Conforme se constata pela análise da matéria de facto provada constante da sentença recorrida, da mesma consta como provado que o Réu E… era, à data da publicação, diretor do jornal “G…” (cfr. ponto 6 dos factos provados da sentença recorrida), não entanto, da mesma não consta que o referido Réu, na sua qualidade, tivesse conhecimento e não se tivesse oposto à publicação, que seria o facto desconhecido cuja prova seria de presumir nos termos dos artigos 349.º e 350.º do CC.
39. Ora, analisada a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, da mesma não consta que o Réu E…, enquanto Diretor do jornal “G…” teve conhecimento da matéria em causa e não se opôs à mesma.
40. Não existem, na matéria de facto provada, quaisquer factos que permitam ao Tribunal concluir que houve (i) conhecimento por parte do Diretor das notícias em causa nos presentes autos; e (ii) não oposição do referido Diretor à publicação dos artigos nos termos em que o foram.
41. Por tudo o supra exposto deve a Ré F…, enquanto detentora do jornal “G…” ser absolvida do pedido uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 29.º da Lei da Imprensa, dos quais depende a sua responsabilidade por textos ou imagens inseridos no referido periódico.
42. Ao condenar os Recorrentes quando não se encontram preenchidos os pressupostos da punibilidade dos Recorrentes, a decisão em recurso viola os artigos 483.º e 487.º do Código Civil.
43. Entendem os Recorrentes que a sentença também viola o art. 496º do C.C., uma vez que reconhece direito a serem indemnizados “danos” que não têm a gravidade adequada a merecer a tutela do direito.
44. Não se retira da alegação que os danos tenham a intensidade ou gravidade suscetível de merecer a tutela do direito.
45. Foram respeitados todos os deveres deontológicos e legais que obrigam um jornalista no âmbito da sua profissão, pelo que a conduta em análise não pode ser culposa nem sequer negligente.”
A final pedem se revogue a sentença recorrida.

O A apelou e terminou a sua alegação com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“1ºO presente recurso de apelação é delimitado a dois pontos em concreto: da condenação em juros de mora contados unicamente desde a data da sentença e no montante indemnizatório de €5.000,00 por danos não patrimoniais.
2.º Tal como requerido na Petição Inicial e relativamente aos juros de mora, devem os Réus ser condenados a pagá-los, ao Autor, desde a data da citação e até efectivo pagamento, à taxa legalmente devida de 4%.
3.º A quantia indemnizatória deve ser corrigida para €15.000,00, tal como requerido na Petição Inicial, pois, conforme artigo 496º do C.C., devem ser ressarcidos os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
4.º E os danos sofridos pelo Autor revestem gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, sendo a quantia de €5.000,00 manifestamente insuficiente, atendendo aos danos sofridos pelo Autor e a outras quantias arbitradas em casos “comparáveis”;
5.º Especialmente pelo facto provado n.º 24 “O Autor, figura pública desde há mais de 16 anos, é ainda hoje abordado para prestar esclarecimentos sobre aquela notícia.”
6.º O maior património que um homem possui é a sua honra e o seu bom nome.
7.º A decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 805.º, 496º e 566º, n.º 3 do C.C. e tendo em consideração o artigo 494.º”

A final pede se condenem os RR a pagarem ao A a quantia de 15.000€ (quinze mil euros) a titulo de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar da citação e até efectivo pagamento.

Os RR contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso dos A.

Na sentença foram julgados provados os seguintes factos:

1. O Autor, que utiliza profissionalmente o nome abreviado de J…, é praticante desportivo profissional de futebol, profissão essa que exerce desde o ano de 2000.
2. O Autor faz da prática desportiva de futebol a sua atividade profissional, com cujos dividendos mantem a sua família e paga as suas contas.
3. À data da propositura da ação. o Autor prestava a sua atividade ao serviço da M…, em …, distrito de Aveiro, equipa de futebol que o escolheu para ser seu capitão, pela sua experiência, saber enquanto “pessoa de bem”, considerado um “exemplo” neste meio futebolístico.
4. O Autor, aos 34 anos de idade é casado e pai de dois filhos menores – V…, nascida em 03/06/2014 e W…, nascido em 10/05/2010 – cfr. certidões de nascimento de fls. 11 e 12.
5. O Autor é, e sempre foi, um homem de respeitado no seu meio, um pai exemplar, bom chefe de família, honesto e trabalhador, tanto na sua vida pessoal como na profissional.
6. Os Réus C… e D… são, respetivamente, Editora e Diretor Técnico do Jornal G1… e o Réu E… é o Diretor do Jornal G….
7. O Jornal G… é um jornal desportivo português de periodicidade diária, com dimensão nacional e com comercialização em plataformas virtuais e em suporte de papel, com sede na Rua …, n.º …, C.P. …. - …, Lisboa.
8. A Ré F…, SA é uma sociedade que se dedica sobretudo aos meios de comunicação social e é a proprietária do Jornal G….
9. O Jornal Desportivo G… é um jornal com grande dimensão cibernauta, lido por milhares de pessoas a toda a hora e minutos.
10. Do estudo X… meter da Y…, realizado em 2010, resultou que o site do G1… conseguiu mais de 635 mil utilizadores únicos – cfr. documento de fls. 12 verso a 14.
11. No dia 14 de maio de 2016 (sábado), ao final da tarde, concretamente no final do jogo entre a M… e o Z…, a Operação da Unidade de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, no decurso de uma operação de nome “H…", à porta do Estádio AB…, na cidade de … -onde ocorreu tal jogo - deteve jogadores que eram suspeitos da prática dos crimes de corrupção, viciação de resultados desportivos e apostas ilegais, no âmbito desse mesmo processo.
12. O dia 14 de maio de 2016 foi o dia do último jogo do Campeonato Profissional de Futebol da AH…, competição que integra a equipa de futebol da M….
13. O Autor, no final desse jogo, saiu do estádio e foi para sua casa, sem se aperceber de tal operação policial que levou às referidas detenções, nem mesmo de qualquer outra movimentação suspeita ou anormal junto das imediações daquele estádio de futebol.
14. Naquele dia 14 de maio de 2016, à noite, o Autor tomou conhecimento através de uma mensagem recebida no seu telemóvel enviada por um amigo – AC… - que o seu nome e imagem fotográfica circulavam na internet associada a uma notícia editada e veiculada pelo Jornal G…, datada desse mesmo dia, – G….pt - onde dizia o seguinte:
“I…, J…, K… e L… são os jogadores do M… que foram detidos. A Procuradoria-Geral da República já confirmou que foram feitas mais de uma dezena de detenções. “No âmbito de um inquérito dirigido pelo Ministério Publico, que corre termos na 9.º Secção do DIAP de Lisboa, realizam-se diligências de investigação em vários pontos do país, tendo sido efetuadas mais de uma dezena de detenções”, refere em comunicado.” – Cf. documento de fls. 14 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. Junto daquele texto noticioso, foi editada e publicada uma única fotografia – a do Autor - onde este se apresenta vestido com o equipamento de jogo e com braçadeira de capitão de equipa de futebol do M….
16. Segundo as notícias, o inquérito supramencionado, levado a cabo pelo Ministério Publico, “refere-se à investigação de factos suscetíveis de integrar crimes de corrupção passiva e ativa na atividade desportiva, nele figurando como suspeitos dirigentes e jogadores de futebol, bem como outras pessoas com ligações ao negócio das apostas desportivas, estando em causa suspeitas de manipulação de resultados de jogos da AH… de Futebol com recurso ao aliciamento de jogadores” – cfr. documento de fls. 15 a 20.
17. Estas detenções foram a principal notícia nacional desse final do dia 14 de Maio de 2016.
18. O Autor nunca foi detido, nem constituído arguido à ordem do referido processo de inquérito – cfr. certidão judicial sob a ref.ª ……..
19. Aquele conteúdo noticioso abalou a honra e prestígio do Autor que nas reservas que criou na sua consideração, no seu círculo de relações pessoais e profissionais.
20. Em face de tal conteúdo noticioso, o Autor viu-se forçado a prestar esclarecimentos, verdadeiramente constrangedores, aos seus amigos e familiares que, no dia da divulgação da notícia e nos dias subsequentes, lhe telefonaram e escreveram mensagens, a ele e à sua esposa, numa tentativa de apurarem a verdade dos factos.
21. Foi, ainda, naquele dia 14 de maio de 2016, que a mulher do Autor sentiu a necessidade, tantos que eram os telefonemas, mensagens e perguntas, de publicar uma mensagem no mural da sua página do facebook, numa tentativa de repor a verdade e minimizar as consequências que aqueles factos revelavam, esclarecendo e informando, na medida do possível, de que o seu marido não tinha sido detido para prestar declarações no âmbito da falada investigação criminal, o que sucedeu pelas 22h54m e nos seguintes termos:
“caros amigos venho por este meio informar que o J… não foi detido para prestar declarações na PJ ao contrario do que alguns meios de comunicação noticiaram, visto estar a receber inúmeras chamadas e sms de família e amigos preocupados com a situação que nada tem a ver connosco, devido a um erro jornalístico imperdoável. Obrigada a todos” – cfr. documento de fls. 20 verso/21.
22. No dia seguinte àquela notícia, foi o dia da festa de aniversário dos seis anos do filho do Autor, celebração que já estava organizada dias antes e que reuniu família e amigos do Autor, onde o tema do dia foi a alegada detenção deste, em que os presentes abordaram-no numa tentativa de apurarem a verdade, facto que lhe causou vergonha, angustia, vexame não só à sua pessoa como também à sua mulher e familiares mais próximos.
23. Aquela notícia manteve-se a circular na “boca do povo” durante, pelo menos, dois meses, facto que também, por isso, trouxe à vida do Autor constrangimentos e incómodos.
24. O Autor, figura pública desde há mais de 16 anos, é ainda hoje abordado para prestar esclarecimentos sobre aquela notícia.
25. Ao editarem e publicarem aquela notícia, os Réus C…, E… e F…, SA, não agiram com o cuidado que deviam e lhes era possível, de evitar que a imagem e nome do Autor ficassem associados àquela investigação criminal, bem sabendo que o conteúdo de tal notícia é suscetível de contender com o bom nome, honra e consideração do Autor e de prejudicar o seu prestígio e reputação tanto na sua vida pessoal como profissional.
26. O Autor depois de ler a notícia aqui em crise e de ver a sua foto associada à suspeita da prática de um crime, ficou em choque, desorientado, nervoso e angustiado.
27. O Autor teve medo de ser tomado por um vigarista, um corrupto, um adulterador da verdade desportiva e de resultados combinados.
28. Nesse mesmo dia 14 de maio de 2016, o Autor contactou o Sr. AD…, jornalista seu conhecido, e este, em face do desespero e desorientação do Autor, propôs-se ajudá-lo, tendo para tanto contactado o G1….
29. O Autor contactou igualmente, por email, o G1…, solicitando que retirassem a notícia e publicassem uma nota retificativa, tendo sido apenas retirado o seu nome e fotografia do conteúdo da notícia, sem que fosse publicada uma notícia retificativa.
30. O artigo publicado a 14 de Maio de 2016, não se encontra assinado nem pelo Diretor do jornal G…, nem por nenhum dos outros Réus.
31. O Diretor do Jornal G… folga às sextas e sábados, quando possível.
32. O responsável pelo departamento da edição on-line do jornal G… é o Diretor- Adjunto P….
33. O Réu D… é o responsável pelo modus operandi do próprio website, fazendo, nomeadamente, o controlo das infraestruturas que sustentam o funcionamento do mesmo, não tendo qualquer contacto ou responsabilidade pelas peças jornalísticas publicadas na edição on-line do jornal G….
34. No dia 14 de Maio de 2016, no âmbito da operação “H…”, processo com o n.º 819/16.0JFLSB que corria termos na 9.ª Secção do DIAP de Lisboa, foram detidos vários jogadores.
35. Algumas das referidas detenções ocorreram após um jogo de futebol que opunha AE… e AF…, em Lisboa, e o jogo entre o M… e Z…, em ….
36. Nesse dia 14 de Maio, ao final da tarde/noite, foram vários os jornalistas que contribuíram para a atualização das diversas notícias que foram colocadas no website do G1… sobre a referida operação policial.
37. Essas notícias foram elaboradas num modelo de timeline, onde a cada avanço que havia sobre a operação, o website era atualizado.
38. Havia jornalistas no terreno, que acompanhavam a operação policial, que enviavam as informações que recolhiam para a redação do G1…, e a informação que constava do website era constantemente atualizada, contribuindo todos os jornalistas constantemente para a recolha da informação.
39. A primeira notícia sobre a Operação “H…” foi colocada no on-line mal houve conhecimento da operação, tendo ganho também grande impacto nas televisões.
40. Depois de colocada on-line foi alvo de atualizações por diversas vezes.
41. Logo que, nesse mesmo dia 14 de junho de 2016, chegou ao conhecimento do G1… que o Autor não estava entre os suspeitos detidos, a fotografia – que era de arquivo – foi retirada, bem como a referência ao seu nome e a Ré C… apresentou um pedido de desculpas ao Autor.
42. O mundo do futebol e da sua ligação com a corrupção são matérias do interesse de uma grande parte da população portuguesa.
43. A notícia referida em 14) esteve publicada no site do G1…, pelo menos no período de tempo decorrido entre as 21h41m e as 22h00m do dia 14 de janeiro de 2016.

Quanto aos não provados consta:
“Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente os alegados nos arts. 49º da p. i. e 16º, 2ª parte, 38º, 44º, 53, 66º, 75º, 82º, parte final, 124º, 125º, 132º, 134º a 138º, 142º e 143º da contestação ( resulta da numeração dos artigos).
Quanto aos factos alegados nos arts. 24º e 25º da p. i., provou-se apenas o que consta em 18).
Quanto aos factos alegados no art. 46º da p. i., provou-se apenas o que consta em 25).
Quanto aos factos alegados nos arts. 55º e 56º da p. i., provou-se apenas o que consta em 29) e 43).
Quanto aos factos alegados nos arts. 40º e 41º da contestação, provou-se apenas o que consta em 34).
Quanto aos factos alegados no art. 54º da contestação, provou-se apenas o que consta em 37) a 40) – (…).”
Fundamentação
Recurso dos RR
Questões a decidir
Recurso da matéria de facto, abrange a factualidade constante dos arts 15º, 124º, 125º, 132º, 134º a 138º, 142º e 143º da contestação, que pretendem se julgue provada e ainda a constante do n.º 25 dos factos provados que pedem se julgue não provada.
Recurso da matéria de direito, que no essencial consiste em saber se há ou não fundamento para condenar os Apelantes a indemnizar o A
Recurso do A
Se são devidos juros desde a citação e se indemnização deve ser aumentada para o montante peticionado de €15.000,00.
Recurso dos RR
Recurso da matéria de facto
Art. 15º da contestação e n.º 25 dos factos provados
Como é sabido, a motivação da decisão da matéria de facto é particularmente relevante para este Tribunal controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do Juiz do Tribunal de 1ª instância.
No caso, a sentença recorrida quanto a esta factualidade adianta, no essencial, a seguinte motivação:
“A Ré C… declarou ser a Editora do G1… e que se encontrava de serviço no dia em que foi publicada a notícia. Referiu que a notícia foi publicada pelas 21h41m e às 22h00 desse mesmo dia já tinha sido retirada do site do Jornal, mal foi alertada para o facto de o nome do Autor não corresponder a nenhum dos jogadores que tinham sido detidos. Referiu ter recebido um email do Autor nesse dia que confirmava que a notícia deixara de estar disponível pelas 22 h. O jornalista U… foi uma das pessoas que a alertou para o erro da notícia. Mais declarou que não houve um pedido de desculpas por parte do Jornal, mas houve por parte dela própria. Mandou retirar a notícia e a fotografia. Não sabe quem foi o jornalista que lhe transmitiu a notícia.
(….)
N… é jornalista e trabalhava, na altura, para o Jornal G…. Esclareceu que não teve qualquer intervenção na notícia. O Diretor do Jornal era o E…. Sabe que ele folga às 6ªs e sábados, mas desconhece se a notícia chegou ao seu prévio conhecimento. Referiu ser impossível que o Diretor tenha conhecimento pormenorizado de todas as notícias que são publicadas no G1….
O D… é o responsável pela parte técnica digital da F…, SA, não tendo qualquer intervenção no conteúdo das notícias. Na altura dos factos, a testemunha trabalhava na edição em papel. Na edição Online, a informação pode chegar por diversas formas. Desconhece quem teve intervenção na publicação da notícia. Referiu que a Ré C… é uma das Editoras do G1… e que não é possível assinar as notícias. Lembra-se que aquela fora uma das notícias do dia e que a notícia pode ser escrita por várias pessoas. Esclareceu que quem controla a publicação das notícias é a Editora que estiver de serviço e que cerca de 200.000 ou mais pessoas seguem o Jornal Online.
O… é Jornalista do Jornal G… desde 2014. Referiu que esteve a trabalhar até às 20h. O Diretor do Jornal é o E… que, em princípio, tem conhecimento das notícias que são publicadas. A notícia passa diretamente pelo Editor. Não sabe se o Diretor teve conhecimento da notícia. O D… está encarregado da parte técnica do site. Não produz notícias. Pensa que na edição Online as notícias não são assinadas. Não sabe dizer quem era o editor no dia em questão. Acha que a notícia terá estado on-line com o nome do Autor cerca de 20m. Soube que terá havido um pedido de desculpas da C… ao Autor. A F… não interfere com a escolha e publicação das notícias. Desconhece quem escreveu a notícia.
T… é jornalista e trabalha para o Jornal G…. Nesse dia estava “no terreno” a acompanhar o jogo AE… – AF…. A PJ também ali atuou. Estava um colega seu no jogo do Z… – M…. Desconhece como a notícia chegou à redação do jornal. Nada em concreto soube esclarecer sobre os acontecimentos. Acrescentou que o Diretor do Jornal, ainda que estivesse de folga, deveria ter conhecimento da notícia, dada a sua importância. Soube posteriormente do que aconteceu, porque lhe contaram.
P… é Diretor Adjunto do Jornal G… (em papel e Online). Não sabe se o Diretor E… estava de serviço. Ele folga às 6ªs e sábados, se possível. O depoente esteve de serviço nesse dia. Os artigos não vão todos ao conhecimento do Diretor. São responsáveis legalmente, mas não podem estar a par de todas as notícias que são publicadas. O controlo é da responsabilidade dos editores. Sabe que a notícia foi criada pelas 21h41m e não chegou ao seu conhecimento. Explicou o modo
de funcionamento do G1… que está sempre em produção, contrariamente ao jornal em papel. Não sabe quem era o editor que esteve na redação nesse dia. Viu o email entre o queixoso e C… e apercebeu-se que ela pediu desculpas. Não teve conhecimento do erro, porque nesse dia devia estar mais atento ao papel. Referiu ainda que a pessoa responsável por uma notícia não assinada, no limite, é a Direção. Referiu que o número de amigos da página do facebook do G1… é de cerca de 840.000 e é provável que 30% tivessem visto a notícia. Se o erro ocorresse na edição em papel, fariam
um desmentido, mas na edição on-line a notícia é atualizada e deixa de constar. Referiu também que o D… é o responsável apenas da parte técnica, não tendo qualquer responsabilidade no conteúdo das notícias.
Q… também Jornalista, esclareceu que não teve intervenção direta nos acontecimentos, mas apenas nas notícias relacionadas com o jogo AE… – AF…. Estava na redação, mas não recebeu telefonemas e tentou saber o que se passava no jogo do AF…. Não se recorda da notícia ter saído, nem se era a C… a Editora nesse dia. Referiu que o E… é o Diretor do Jornal G… e que folga muitas vezes às 6ªs e sábados. Todas as televisões deram destaque à notícia e é normal que os Diretores sejam informados do que se está a passar com uma notícia destegenero. No facebook o Jornal G… tem cerca de 700.000 amigos. Há milhares de visitas por dia.
S… trabalhou para o Jornal G… até maio de 2017. Não teve qualquer intervenção na notícia. Não estava a trabalhar nesse dia. Tinha ido ver o jogo. No final do jogo ligaram-lhe a dizer o que estava a acontecer e fez algumas diligências, tendo telefonado posteriormente para a redação a comunicar se houve detenções. Não se lembra se identificou os nomes dos detidos. Explicou o funcionamento do G1…. As notícias estão sempre em constante atualização.
Finalmente U… é colaborador do Jornal G…, fazendo as reportagens que lhe são solicitadas e nesse âmbito, conheceu o Autor. Conhece o Diretor do Jornal e não conhece o Réu D…, sendo que, embora não conheça pessoalmente a Ré C…, já falou com ela pelo telefone. Interveio junto do Jornal G…, porque o Autor lhe telefonou a pedir que o ajudasse. Conhece o Autor desde 2005/2006. Assistiu ao jogo, mas não viu as detenções. Quando ia para casa, apercebeu-se, através do radio, da operação policial do “H…” e quando chegou a casa ligou a televisão e viu as notícias. O Autor telefonou-lhe no final da tarde a contar o sucedido, ligou ao website do G1… e apercebeu-se de que havia um erro. Decidiu telefonar para o G1… a dizer que tinha sido contactado pelo Autor e que ele não estava detido. Disse também que o Autor era muito respeitado no seu meio profissional.
Da prova produzida resultou assim que as testemunhas jornalistas indicadas pela Ré disseram que desconheciam o autor da notícia e não sabiam se o Diretor do Jornal se encontrava ou não ao serviço. Assim não se deu como provado que o Réu E… estivesse efetivamente ausente do serviço, já que não valoramos o documento de fls. 59, que é uma declaração emitida pela co-Ré F…, SA, não tendo por esse motivo relevância probatória. Por outro lado, o facto de folgar às 6ªas e sábados, não significa que naquele dia 14 de maio de 2016 não estivesse presente e ao serviço, pois só folga quando lhe é possível.”
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Os Apelantes pretendem que se julgue provado que o R E…, director do jornal G…, não teve qualquer contato prévio com o artigo publicado a 14 de maio de 2016 na edição online do referido Jornal (factualidade alegada no art. 15º da contestação).

Em primeiro lugar importa referir que apesar do Tribunal recorrido não ter especificamente julgada não provada a factualidade constante do art. 15º da contestação, a mesma está incluída na declaração genérica de se julgar não provada a demais factualidade, não expressamente declarada provada.
Por outro lado, como se constata da transcrição da motivação, acima efectuada, o Tribunal recorrido efectuou uma apreciação crítica dos depoimentos relevantes para a decisão dessa factualidade, explicando as razões pelas quais julgou esse factualidade não provada, não deixando também de se pronunciar sobre documento elaborado pela Ré F….
Assim, ao contrário do que parecem defender os Apelantes a sentença e concretamente a fundamentação da decisão da matéria de facto não padece de qualquer deficiência, nem foi violado o art. 607º n.º 4 do CPC.

Os Apelantes invocam os depoimentos das testemunhas N…, O…, P…, Q… e S…, transcrevendo as declarações que consideraram relevantes no corpo das alegações.
Importa referir que está provado que o R E…, director do Jornal “G…” folga às sextas e sábados, quando possível (n.º 31 dos factos provados não impugnado, que decorreu dos depoimentos unânimes das referidas testemunhas).
Por outro lado, sabemos que a notícia em causa foi publicada em 14 de maio de 2016, que corresponde a um sábado.
Há também unanimidade dos depoimentos no sentido de ser impossível o diretor ter prévio conhecimento de todas as notícias publicadas no jornal on-line.
No entanto, como é óbvio as notícias não têm todas a mesma relevância e impacto na sociedade.
Ora, está também provado que a noticia em causa - detenção pela PJ de jogadores de futebol pela prática dos crimes de corrupção, viciação de resultados desportivos e apostas ilegais- foi a principal notícia nacional desse final do dia 14 de maio de 2016.

Ora, perante uma notícia de enorme repercussão nacional, em que é dado conhecimento da suspeita de crimes praticados por jogadores de futebol no âmbito da sua actividade profissional com detenção de vários jogadores, as regras da experiência e da normalidade apontam no sentido que o director mesmo estando de folga fosse informado, ainda que por telefone, da notícia antes da sua publicação.

Essa possibilidade não deixa de ser admitida no depoimento de N…, na transcrição efectuada pelos próprios Apelantes.
Assim, a pergunta da Sr.ª Advogada dos RR – Então se esta notícia saiu no online no dia 14 de maio de 2016, que corresponde a um Sábado, o E… teria conhecimento mesmo estando de folga? Respondeu: – é como eu digo, obviamente… saberia que o tema estava a ser tratado porque a pessoa quando está de folga não desliga mas não conhecia o conteúdo, ainda para mais estando de folga.”
Depois refere que mesmo quando está a trabalhar não é o director E… quem decide ou orienta o que vai ou não ser é publicado.
Relativamente a notícias de forte impacto mediático, referiu ainda que o diretor “ não sabe exatamente cada linha que é publicada no jornal. É impossível.”

A testemunha O…, de relevante, para além do que é consensual, referiu, a pergunta se o director do jornal, têm conhecimento de tudo que sai no online, respondeu: “Cada jornalista é claro que tem autonomia, nomeadamente no online, a publicar notícias, em contacto com os seus editores e que não passam pelo diretor.”

P…, diretor adjunto do jornal G…, referiu que “o online tem uma equipa que está sempre em produção (…) que os temas de produção que não são acompanhados pela direção. (…) Em termos legais eu sei que nós somos responsáveis mas nós não podemos estar 24 horas sobre 24 horas sempre a ver as notícias que vão sair. Portanto é uma produção que é da responsabilidade dos editores e que nós depois tomamos conhecimento e vamos ver o que é que saiu.”
Quanto ao artigo em causa, afirmou que o Diretor E… não teve conhecimento da noticia antes de ser publicada por estar de folga.
Depois afirmou que quando o director está de folga é ele (subdiretor) que tem conhecimento das noticias, mas depois reafirmou que a estando a edição online sempre em produção, a direção não pode ter conhecimento prévio de todas as noticiais.

A testemunha Q…, também jornalista, quanto à questão do conhecimento pelo diretor da noticia em causa, respondeu: “ Não me parece que tudo aquilo que se publique no site seja ele a aprovar…há alguma liberdade por parte dos jornalistas escritores. Só assim é que as coisas funcionam. Não estamos dependentes de um diretor. E o máximo representante do jornal é óbvio mas o colega é que tem responsabilidade. Não e necessário tudo aquilo que vamos publicar ou escrever passe pelo crivo dele……….e bem possível que ninguém lhe tenha dito nada.”
E a seguir a pergunta da Sr.ª Advogada dos RR; “ Se esta notícia não tinha relevância para ir ao diretor é isso?
Respondeu: - “Não é não ter relevância. Certamente que ele se tentou informar sobre o que se estava a passar e tentou saber mais. Mas não sei se antes de se passar a publicar no online se houve a preocupação de lhe dizer “ olhe vamos publicar isto”. Acho que não, digo eu. Porque é assim, a gravidade da questão não justificava que entrasse no ato, porque foram detenções em locais públicos, toda a gente teve acesso, portanto era normal que os jornalistas que passassem pelas edições online fossem publicado, pelo que me recordo foi um escândalo que se espalhou rapidamente em todos os órgãos de comunicação social.”
Na instância do Sr. Advogado do A admitiu quando as notícias são muito relevantes o diretor deve ser informado.

Quanto à testemunha S… também jornalista, como transcrevem os Apelantes quanto a esta questão afirmou que nem todas as notícias vão ao conhecimento do director.
Mas posteriormente em parte não transcrita, referiu que a notícia de detenção de um jogador é uma noticia importante e deve chegar ao conhecimento do director e se este estiver ausente do sub-diretor.
*
O documento de fls. 59, declaração emitida pela co-Ré F…, S.A., contendo factos que lhe são favoráveis e desfavoráveis ao A não tem relevância probatória, como corretamente decidiu a sentença recorrida.
Perante os referidos depoimentos e mesmo aceitando que o director E… estava de folga, dada a relevância e o impacto mediático que a noticia ia causar e que o(s) jornalista(s) que a redigiram não podiam deixar de conhecer, bem como as consequências que podiam implicar para o jornal, por se tratar da alegada prática de crimes graves para os jogadores visados, a prova do facto negativo que o director dela não teve conhecimento prévio implicava uma prova mais sólida, dado que as regras da experiência, como se referiu, apontam no sentido que deve ter sido informado antes da publicação.
Note-se que o R E… podia ter prestado declarações de parte, esclarecendo onde se encontrava no dia 14.05.2016, antes da noticia ser publicada e nomeadamente apresentar os registos das chamadas telefónicas recebidas no seu telemóvel e/ou telefone fixo nesse dia, de forma a afastar a provável possibilidade de ter sido informado por esse meio da noticia antes da sua publicação.
Não há, pois, fundamento para julgar provado que o Réu E… não teve qualquer contacto prévio com o artigo publicado a 14 de maio de 2016 na edição online do Jornal “G…”.


Relativamente ao n.º 25 (Ao editarem e publicarem aquela notícia, os Réus C…., E… e F…, SA, não agiram com o cuidado que deviam e lhes era possível, de evitar que a imagem e nome do Autor ficassem associados àquela investigação criminal, bem sabendo que o conteúdo de tal notícia é suscetível de contender com o bom nome, honra e consideração do Autor e de prejudicar o seu prestígio e reputação tanto na sua vida pessoal como profissional.)

Os Apelantes defendiam estar provado que o Réu E… não teve qualquer contacto prévio com o artigo em causa, o que atrás se referiu não está provado.
Não considerando a questão da saber se a lei de Imprensa, no seu art. 29º n.º 2, faz recair uma presunção de culpa sobre o director do Jornal “G…”, que será apreciada no recurso de direito, a factualidade constante do n.º 25, como referem os Apelantes, tem como pressuposto que está efetivamente provado que o E… teve um conhecimento prévio e pormenorizado da noticia.
Ora, em rigor essa prova não foi efetivamente produzida, como se constata dos depoimentos das testemunhas atrás referidas, não se produziu prova que estivesse presente na redação do jornal no dia em que a noticia foi publicada, que era um sábado e em principio estava de folga.
Se é de admitir por presunção natural que a noticia lhe foi previamente comunicada, não se pode presumir em que termos e com que pormenor.

Relativamente à editora C… ter tido conhecimento da noticia e principalmente da forma como foi obtida, os depoimentos das testemunhas N…, O…, P…, Q… e S… não permitem concluir que ela teve conhecimento pormenorizado da noticia e da sua origem.
A testemunha O…, jornalista, referiu que na seção de online, que quem controla o que vai ou não ser publicado é cada jornalista e em caso de dúvida questiona o editor que esteja em “controlo”.
Mais esclareceu que o editor tem muito mais funções do que estar agarrada às notícias.
P…, sub-diretor, referiu que quem decide que vai ou não publicar a notícia é o jornalista. Só não é assim em caso de coisa transcendente ou que gere muitas dúvidas à pessoa que está na redação.
Quanto ao papel desemprenhado pela C…, no caso em apreço, referiu não saber “ se foi só ela que teve a trabalhar nesta notícia. A C… é editora do site, portanto a C… não está propriamente a trabalhar nas notícias. Ela está a dar ordem à home page, está a ver se as coisas estão a funcionar bem.”
Depois a pergunta do Sr. Advogado do A, declarou que ela não era a responsável pela notícia e que podia nem saber o que é que estava na notícia.
Reafirmando quem está a editar, está “ preocupado com o que está na manchete, como estão a funcionar as últimas notícias, os vídeos, se o tráfego do site está a correr”.
A testemunha Q…, afirmou que nem todas as notícias passam pelo crivo dela.
Não foi, pois, produzida prova suficiente de que a Ré C…, no âmbito das suas funções de editora da seção online controlou a notícia em causa antes de ser publicada e teve a possibilidade de evitar a sua publicação, até porque da prova produzida resulta que na altura estava também presente o sub-director.

No entanto, está assente que a notícia quanto ao A é falsa e como a seguir se vai analisar os depoimentos das testemunhas acima referidas e ainda do colaborador do G… U… não explicam como foi obtida a noticia da detenção do Autor e não justificam minimamente o erro da sua publicação, por não haver qualquer elemento que justifique que o jornalista que escreveu tenha referido que o A, capitão da equipa do M…, tivesse sido detido pela PJ.
De referir, por fim, que, como resulta dos depoimentos das testemunhas inquiridas sobre a questão e é normal numa sociedade democrática como a nossa, a Ré F…, proprietária do jornal não tem intervenção direta da elaboração das noticias, mas isso não implica que não seja responsabilizada, até porque é também indiscutível que os jornalistas que elaboraram e publicaram a noticia trabalhavam para ela.

Assim o n.º 25, será alterado em função desta realidade.

Os Apelantes pretendem ainda que se julgue provado a factualidade constante, nos artigos 124.º, 125.º, 132.º, 134.º a 138.º, 142.º e 143.º da contestação.
Nestes artigos consta:
“124.º - Antes de proceder à publicação do artigo objecto dos presentes autos, e como é sua prática habitual, os jornalistas procederam a uma larga pesquisa sobre o tema, ao contacto de fontes idóneas, diversificadas e com contacto directo com o processo.“
125.º - Os possíveis contribuidores para o artigo aqui em causa publicaram os factos noticiados apenas após um estudo cuidado dos mesmos e depois de assegurar estarem cumpridos todos os seus deveres deontológicos.”
132.º - Foram utilizadas fontes idóneas e fidedignas para a elaboração do artigo objecto dos presentes autos, fontes essas que mereceram a maior credibilidade quanto às informações prestadas.”
134.º - Referência essa que os jornalistas, com a informação que dispunham no momento, reputaram como verdadeira.”
135.º -Antes de se proceder à publicação do artigo aqui em causa os jornalistas recorreram a fontes, todas elas credíveis e com conhecimentos directo sobre os factos noticiados.
136.º - Fontes que estavam no terreno e em quem se depositou total confiança.
137.º - A confiança depositada nas fontes decorreu, na grande maioria, da proximidade que tinham com os concretos factos que relatavam, o que permitiu que quem escreveu a notícia inicialmente tivesse interiorizado, os factos que lhes foram relatados como verdadeiros.”
138.º - Toda a informação foi testada e confrontada com outras fontes, diversificadas, tendo a jornalistas publicado apenas, a informação que logrou confirmar.”
142.º - Nos presentes autos, os diversos autores da mesma não tiveram dúvidas que os factos noticiados correspondiam à verdade.”
143.º - Os autores do artigo objecto dos presentes autos, antes de publicarem os factos aqui em causa, tinham a convicção séria de que os mesmos correspondiam à verdade e, consequentemente, que existia um interesse socialmente relevante na sua divulgação.”

Os Apelantes defendem que com fundamento nos depoimentos da suas testemunhas jornalistas N…, O…, P…, T… e ainda do referido U… identificado no nº 28, como AD…, descreveram a forma de elaboração das notícias na edição online do Jornal “G…” e mais concretamente as notícias em modelo timeline, se deve julgar provada a factualidade referida nos artigos acima transcritos.

Dos depoimentos dessas testemunhas que descreveram a forma de elaboração das notícias na edição online do Jornal “G…” ficou provada a forma de elaboração das notícias na edição online do Jornal “G…” e o que se logrou provar o que ocorreu no dia em que a noticia em causa foi publicada.
Assim, está provado o seguinte:
34. No dia 14 de Maio de 2016, no âmbito da operação “H…”, processo com o n.º 819/16.0JFLSB que corria termos na 9.ª Secção do DIAP de Lisboa, foram detidos vários jogadores.
35. Algumas das referidas detenções ocorreram após um jogo de futebol que opunha AE… e AF…, em Lisboa, e o jogo entre o M… e Z…, em ….
36. Nesse dia 14 de Maio, ao final da tarde/noite, foram vários os jornalistas que contribuíram para a atualização das diversas notícias que foram colocadas no website do G1… sobre a referida operação policial.
37. Essas notícias foram elaboradas num modelo de timeline, onde a cada avanço que havia sobre a operação, o website era atualizado.
38. Havia jornalistas no terreno, que acompanhavam a operação policial, que enviavam as informações que recolhiam para a redação do G1…, e a informação que constava do website era constantemente atualizada, contribuindo todos os jornalistas constantemente para a recolha da informação.
39. A primeira notícia sobre a Operação “H…” foi colocada no on-line mal houve conhecimento da operação, tendo ganho também grande impacto nas televisões.
40. Depois de colocada on-line foi alvo de atualizações por diversas vezes.

O depoimento do U… foi determinante para a prova do referido no n.º 28: “. Nesse mesmo dia 14 de maio de 2016, o Autor contactou o Sr. AD…, jornalista seu conhecido, e este, em face do desespero e desorientação do Autor, propôs-se ajudá-lo, tendo para tanto contactado o G1….”

Ora, a noticia em causa na parte respeitante ao A, em que o mesmo foi ainda identificado com a uma única fotografia publicada onde se apresenta vestido com o equipamento de jogo e com braçadeira de capitão de equipa de futebol do M… é falsa, pois está documentalmente provado que o A nunca foi detido, nem constituído arguido à ordem do referido processo de inquérito.
De referir que segundo o depoimento do U…, colaborador do G… e que cobria os jogos do M… e esteve a assistira ao jogo entre o M… e o Z…, nesse dia 14 de maio, foi apenas ele que cobriu o jogo para o G…, não tendo nesse dia sido sequer enviado repórter fotográfico. Confirmou não ter isso ele a comunicar a detenção dos jogadores de que não se apercebeu, no final do jogo e que apenas soube das detenções quando o Autor lhe comunicou a notícia falsa da detenção dele, como está provado em 28.
Apesar do U… ter colocado a possibilidade de ter havido confusão entre o o A (J…) e outro jogador do M… o AG…, que foi detido nessa operação, dado haver algumas semelhanças fisionómicas entre eles (o S…, também já tinha referido essa possibilidade, ainda que de forma menos detalhada), nada justifica que a noticia tenha sido publicada sem que se tivesse efectivamente confirmado quem tinha sido detido, até porque esse esclarecimento era fácil de obter dado ser o Autor o capitão da equipa do M….
Ora, segundo o U… que era único o colaborador do G… presente no jogo não foi ele que deu a informação da detenção dos jogadores, nem antes de ser publicada a notícia lhe pediram informações sobre essa detenção.

Sendo a noticia falsa e não havendo qualquer elemento de facto provado que justifique terem os jornalistas autores da noticia noticiado a detenção do Autor, não tendo os RR e as testemunhas inquiridas sequer esclarecido quem foram os jornalistas autores da noticia, e em que fontes se basearam, sendo certo que está demonstrado que não podiam ter visto a detenção do do A, dado estar provado que nesse dia da detenção de outros jogadores do M…, no final desse jogo, saiu do estádio e foi para sua casa, é manifesto que os autores da noticia não agiram com o cuidado a que estavam obrigados ao nela apresentaram o Autor como um dos detidos.
De referir ainda que dos depoimentos das testemunhas, resulta que o primeiro meio de comunicação a dar a noticia da operação policial denominada “H…” foi a estação televisiva CMTV, mas inexplicavelmente o G1… foi o único meio de comunicação social a noticiar a detenção do Autor, bem sabendo as implicações que essa imputação tinha para ele, com a agravante de ser apresentado como capitão do M….

Não há, pois, qualquer fundamento para relativamente à noticia em causa no que se refere ao A, julgar provada a factualidade constante dos artigos 124.º, 125.º, 132.º, 134.º a 138.º, 142.º e 143.º da contestação.

Improcede, pois, o recurso da decisão da matéria de facto, exceto quanto ao n.º 25 que passa a ter a seguinte redação:
O jornalista ou jornalistas do G… que elaboraram e publicaram aquela notícia não agiram com o cuidado que deviam e lhes era possível, para evitar que a imagem e nome do Autor ficassem associados àquela investigação criminal, bem sabendo que o conteúdo de tal notícia é suscetível de contender com o bom nome, honra e consideração do Autor e de prejudicar o seu prestígio e reputação tanto na sua vida pessoal como profissional.
Recurso da matéria de direito
A questão essencial é saber se os Apelantes podem ou não ser condenados a indemnizar o A.
Responsabilidade do diretor do jornal
Sustentam os Apelantes que a responsabilidade da sociedade proprietária do jornal, apenas opera quando o diretor tenha conhecimento prévio do artigo e não se haja oposto à sua publicação.
Importa, pois, apreciar que implicações terá a alteração da decisão da matéria de facto no ponto 25 e ainda a circunstância dos RR não terem provado que o R director não teve prévio conhecimento da notícia em causa.
Sobre esta questão seguimos o Ac. do STJ de 15.03.2012, processo n.º 3976/06.0TBCSC.L1.S1, relator Cons. Helder Roque, publicado no sítio do ITIJ, com o sumário, na parte relevante: “I - Impondo-se ao director da publicação o dever especial de conhecer e decidir, antecipadamente, sobre a determinação do seu conteúdo, em ordem a impedir a divulgação de escritos ou imagens susceptíveis de constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil, a imputação ao mesmo do conteúdo que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento integra uma presunção legal. II - Trata-se de uma presunção legal que dispensa o lesado do ónus da prova do facto a que a presunção conduz, isto é, a demonstração da culpa do agente, admitindo-se, porém, que o onerado a ilida, mediante prova em contrário, dada a sua natureza de presunção tantum iuris.”

Dispõe o artigo 29º, da Lei da Imprensa, aprovada pela Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, no seu nº 1, que “na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais”.
Os princípios gerais, em matéria de responsabilidade civil, acham-se condensados no artigo 483º, nº 1 e seguintes, do CC, estabelecendo aquele os respetivos pressupostos, ou seja, a ilicitude, a culpa, o nexo de imputação, o nexo de causalidade e os danos.
No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, em que se move a causa de pedir da ação, compete, em princípio, ao lesado o ónus da prova da culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, nos termos do disposto pelos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, do CC.
Porém, a lei prevê exceções à regra geral de que é ao lesado, na responsabilidade extracontratual, que compete provar a culpa do agente, consagrando situações de presunção de culpa.
Ora, o artigo 29º, nº 2, da Lei da Imprensa, dispõe: “No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado”.
Com efeito, compete ao diretor, nomeadamente, nos termos do estipulado pelo artigo 20º, nº 1, a), da Lei da Imprensa, “orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação”.
Esta competência, entre outras, que a lei comete ao diretor significa que lhe impõe um dever especial de conhecimento antecipado das matérias a publicar e que hão-de constituir o conteúdo do jornal que lhe importa determinar como um dever funcional, em ordem a obstar à publicação daquelas que possam integrar um tipo legal de crime ou constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil (cf. neste sentido acórdão do STJ, de 20-6-90, BMJ nº 398, 304 e do TC, Acórdão nº 270/87, de 10-7-87, BMJ nº 369, 250).
Impondo-se ao diretor da publicação o dever, de acordo com as competências definidas por lei, de conhecer e decidir, antecipadamente, sobre a determinação do seu conteúdo, em ordem a impedir a divulgação de escritos ou imagens susceptíveis de constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil, a imputação ao diretor da publicação do conteúdo que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento, integra uma presunção legal, em que a lei considera certo um facto, quando se não faça prova em contrário.
Esta presunção legal dispensa ao autor-lesado o ónus da prova do facto, ou seja, o conhecimento, a aceitação e a imputação da publicação, a que a presunção conduz, isto é, a demonstração da culpa do lesante, admitindo-se, porém, que o onerado a ilida, mediante prova em contrário, dada a sua natureza de presunção «tantum iuris», nos termos do estipulado pelo artigo 350°, nºs 1 e 2, do CC.
No mesmo sentido acórdão do STJ de 08.05.2013, processo n.º 1755/08.0TVLSB.L1.S1, relator Cons. Alves Velho, com o sumário: “I - O director do meio de comunicação é, pela própria titularidade da função e pelas competências legais com que o onera o respectivo exercício, responsável pelos concretos conteúdos publicados, salvo se provar não ter tido conhecimento, ter-se oposto ou não ter podido opor-se à publicação, não sendo, para o efeito, necessária a demonstração de que, além do conhecimento dos artigos, sabia que os mesmos eram ofensivos do direito dos visados e que, apesar disso, não se opôs à publicação.”, que cita seguindo o mesmo entendimento “entre outros, acs. STJ de 05/03/96 – proc. 087897, 14/5/2002 – proc. 02A267, 10/7/2008 – proc. 08P1410, 14/02/2012 – proc. 5817/07.2TBOER.L1.S1 e 15/3/2012 – proc. 3976/06.0TBCSC.L1.S1, todos disponíveis no ITIJ.”
Ora, tendo o autor invocado os factos constitutivos do ilícito, isto é, no caso concreto, a publicação da notícia que integra um facto falso lesivo da sua honra e consideração, competia ao Réu na qualidade de diretor provar que ignorava, de forma não culposa, o teor do escrito causador da lesão ou que este foi publicado sem o seu conhecimento ou com a sua oposição.
Não tendo ilidido essa presunção, tornou, assim, civilmente, responsável pelos danos causados.
Responsabilidade da proprietária do jornal
Como se referiu, não tendo o réu diretor da publicação, ilidido a presunção legal que sobre ele recaía, ou seja, não provando que ignorava, de forma não culposa, o teor do escrito causador da lesão ou que este foi publicado sem o seu conhecimento ou com a sua oposição, e demonstrando-se os factos constitutivos da ilicitude, a ré F… SA detentora do título, tornou-se, civilmente, responsável pelos danos casados, atento o estipulado pelo artigo 29º, nº 2, da Lei da Imprensa.
De qualquer forma, ao contrário do que sustentam os RR, o n.º 2 do artigo 29º, da Lei da Imprensa, acima transcrito, não determina como condição da efectivação da responsabilidade da proprietária da publicação, que o diretor possa ser responsabilizado civilmente.
Como decidiu o acórdão do STJ de 23.10.2012, processo 2398/06.8TBPDL.L1.S1, relator Cons, Mário Mendes, publicado no sitio do ITIJ, com o sumário na parte relevante: “ I - Em toda e qualquer acção cível para ressarcimento de danos provocados por factos – acções ou omissões – cometidos através da comunicação social, os responsáveis são os autores das peças divulgadas e a empresa proprietária do órgão ou estação difusora, desde que esteja provado que os factos danosos praticados pelo referidos autores (comissários) tenham sido no exercício das funções confiadas ao comitente (…) VII - No domínio da apreciação da responsabilidade civil por actos praticados através da comunicação social importa ter em conta que o trabalho dos jornalistas nos operadores de televisão (tal como em geral acontece em todo o sector da comunicação social) é prestado num regime de relação juridicamente subordinada, sob orientação e supervisão dos órgãos próprios da hierarquia das empresas operadoras, sendo importante realçar que a decisão de transmitir ou não determinados programas, notícias ou conteúdos pertence exclusivamente ao operador, através do órgão por si designado, implicando esta circunstância, em primeira linha, a eventual ou potencial responsabilização da empresa operadora pela divulgação de factos violadores de direitos de terceiros.”
Seguindo a fundamentação do citado acórdão, o nosso ordenamento jurídico acolheu, no artigo 165º C. Civil a responsabilidade extracontratual das pessoas colectivas por actos praticados por órgãos, agentes ou mandatários acolhendo um princípio de justiça (afloramento do principio “ubi commoda, ibi incommoda”) segundo o qual quem utiliza ou emprega determinadas pessoas para vantagem própria deve suportar os riscos dessa actividade.
Prescindindo da culpa do comitente ou da pessoa colectiva o regime legal em vigor exige a culpa do comissário, órgão, agente ou mandatário, igualmente exigindo que os actos ou factos ilícitos cometidos pelo comitido o tenham sido no quadro e no âmbito da relação de comissão.
Ora, não estando em causa que a noticia foi publicada por um jornal de que a Ré F… é proprietária e que foram produzidos por jornalistas que para ela trabalham, e isto não está sequer questionado, ignora-se se forma isolada ou duradoura mas tal questão é para o caso irrelevante, ao serviço da Ré mostra-se assim, suficientemente preenchidos os pressupostos necessários à conclusão pela existência de uma relação de comissão, por aplicação do disposto 500º CCivil, ex vi do disposto no artigo 165º do mesmo diploma legal.
Note-se que da resposta ainda que alterada ao n.º 25 está provado que os jornalistas autores da noticia agiram culposamente.
Assim, ainda que não fosse legalmente possível responsabilizar o diretor, na hipótese de ter ilidida a referida presunção, a R proprietária do jornal não deixava de ser responsável, dado, como refere o citado acórdão é entendimento doutrinal dominante que em todas as situações em que há, legalmente, responsabilidade solidária entre a pessoa colectiva (comitente) e os seus agentes (comissários) a pessoa colectiva responderá nas situações em que não tiver sido possível a concreta determinação do comissário culpado da prática dos factos que são fonte de responsabilidade civil extracontratual.
Responsabilidade da Ré C…
Na data da publicação da notícia em causa, a Ré C… era Editora do Jornal “G…” Online, não tendo assinado o artigo.

Com a alteração da factualidade provada no n.º 25, deixou de ser viável imputar-lhe a prática do ato ilícito e culposo que consistiu na elaboração da noticia falsa e atentatória do bom nome e reputação do A.
Por outro lado, como sustenta os Apelantes, sendo esta Ré editora online do jornal “G…”, não lhe pode ser aplicado o regime especifico e excecional, previsto no art. 29.º n.º 2 da Lei da Imprensa, apenas aplicável ao diretor e ao seu substituto legal.
Como sustentam os Apelantes as funções de diretor e de editor online são distintas, estando o editor sujeito ao poder de direção do diretor.

Não há, assim, fundamento para condenar a Ré C….

Os Apelantes argumentam ainda que agiram sem culpa.

Como é sabido a liberdade de imprensa e o direito de liberdade de imprensa e opinião são tradicionais domínios de conflito.
No entanto, é também pacífico que a liberdade de imprensa tem como limite, entre outros, o direito ao bom nome, à imagem e à honra de que todas as pessoas gozam, que tem tutela constitucional, em convenções internacionais e na lei ordinária.
Ora, em situações com a presente em que é indiscutível que o facto noticiado ofensivo da honra e consideração de um cidadão é falso, deixa de se colocar a questão de saber se a o direito à liberdade de empresa pode prevalecer sobre o direito à honra.
Importa, apenas, indagar se os jornalistas da Ré F… que elaboraram e publicaram a notifica em causa agiram ou não com culpa.

Sobre questão similar o Ac. da Relação de Lisboa de 24.11.2016, processo n.º 12515/14.9T8LSB.L1-2, relatora Ondina Carmo Alves, decidiu: “.O jornalista está vinculado, nomeadamente por força do Estatuto do Jornalista, ao dever de informar com verdade, com rigor, com objectividade e com isenção, significando o dever de respeito pela verdade que não se deve apresentar como real aquilo que o não é. .Basta a culpa leve do jornalista, ao difundir uma notícia sobre um comportamento alegadamente desonroso, acompanhada de uma fotografia da autora, pessoa diferente da visada na notícia, para alicerçar um juízo de censurabilidade da conduta daquele, pelo que, verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 484º do Código Civil, faz incorrer a ré na obrigação de indemnizar a autora pelos danos não patrimoniais por esta sofridos em consequência da errada divulgação da sua fotografia a acompanhar aquela notícia.”

Ora, no caso, a culpa é ainda mais manifesta, não se limitou à troca de uma fotografia, pois os jornalistas do G… deram objetivamente uma notícia falsa sobre a detenção do Autor pela prática de crimes graves, com a publicação da sua fotografia com a braçadeira de capitão da equipe de futebol, sem apresentarem qualquer fundamento que justifique minimamente terem avançado essa noticia relativamente ao autor.

É, pois, de concluir que os jornalistas que publicaram a notícia agiram culposamente, omitindo o dever de diligência ou do cuidado que lhe era exigível, tendo por precipitação, desleixo ou incúria, publicado uma noticia falsa, sabendo necessariamente que uma noticia daquele teor não correspondendo à verdade, lesava necessariamente a honra e o bom nome das pessoas por ela visadas.

Não há, pois, fundamento para alterar a sentença recorrida na parte em que condenou os os Réus E… e F…, SA, solidariamente a indemnizarem o A.

Recurso do A
A sentença recorrida condenou os RR a indemnizar o A na quantia de 5.000€ (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% a contar da data da presente sentença e até efetivo pagamento.

Saber se são devidos juros desde a citação.

Esta questão que foi controvertida na nossa jurisprudência, foi resolvida pelo Ac. Uniformizador de Jurisprudência n.º nº4/2002 que decidiu “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº2 do art.566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto no art.805ºnº3 (interpretado restritivamente) e 806ºnº1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação”.
Este entendimento tem sido seguido pela jurisprudência não se descortinando qualquer fundamento para o seu afastamento, tendo sempre em consideração que os danos não patrimoniais se apresentam sempre por definir e de objeto indeterminado e apenas se fixam com a decisão que os reconheceu, tendo em consideração a realidade existente na data do encerramento da discussão e julgamento, designadamente o tempo decorrido entre a prática do ilícito e a fixação da indemnização, não sendo, por isso, devidos juros desde a citação.
Improcede, pois, esta pretensão do A.

Se a indemnização deva ser aumentada

O valor dos danos não patrimoniais tem de ser fixado equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e a do lesado e tem de ser medido por um critério objectivo que tenha em conta as circunstâncias de cada caso, atento o artigo 494º do Código Civil, aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 496º do mesmo diploma.
É sabido que quanto a tal tipo de danos não há uma indemnização verdadeira e própria mas antes uma reparação ou seja a atribuição de uma soma pecuniária que se julgue adequada a compensar e reparar os danos morais através do proporcionar de um certo número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer.
Ao contrário da indemnização cujo objectivo é preencher uma lacuna verificada no património do lesado, a reparação destina-se a aumentar um património intacto para que, com tal aumento, o lesado possa encontrar uma compensação para a dor ou vexame sofrido.
O valor dessa reparação deve ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida e aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.
De notar que os padrões da jurisprudência na fixação da indemnização a este título têm vindo a evoluir, sendo actualmente pacifico que “ as compensações por danos não patrimoniais, não podem ser simbólicas ou miserabilistas” (cf. acórdão do S.T.J. de 16.01.93, CJ (STJ) ano I tomo III, pág. 183,) e que a indemnização por danos não patrimoniais, para responder atualizadamente ao comando do artigo 496º do Código Civil e constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa ( cf. acórdão do S.T.J. de 11.10.94, CJ (STJ) ano VII, tomo II, pág. 49).

No caso, estando em causa os danos não patrimoniais causados por notícia falsa em que o A era indicado como tendo sido detido pela prática de crimes conexionados com a sua actividade de jogador de futebol profissional, como refere a sentença há que considerar a natureza, a gravidade e o reflexo social da ofensa em função do grau de difusão do escrito, do sofrimento do ofendido e da sua situação social e política.
De relevante sobre esta questão está provado o seguinte:
3. À data da propositura da ação. o Autor prestava a sua atividade ao serviço da M…, em …, distrito de Aveiro, equipa de futebol que o escolheu para ser seu capitão, pela sua experiência, saber enquanto “pessoa de bem”, considerado um “exemplo” neste meio futebolístico.
4. O Autor, aos 34 anos de idade é casado e pai de dois filhos menores – V…, nascida em 03/06/2014 e W…, nascido em 10/05/2010 – cfr. certidões de nascimento de fls. 11 e 12.
5. O Autor é, e sempre foi, um homem de respeitado no seu meio, um pai exemplar, bom chefe de família, honesto e trabalhador, tanto na sua vida pessoal como na profissional.
9. O Jornal Desportivo G… é um jornal com grande dimensão cibernauta, lido por milhares de pessoas a toda a hora e minutos.
10. Do estudo X… meter da Y…, realizado em 2010, resultou que o site do G1… conseguiu mais de 635 mil utilizadores únicos.
14. No dia 14 de maio de 2016, à noite, o Autor tomou conhecimento através de uma mensagem recebida no seu telemóvel enviada por um amigo – AC… - que o seu nome e imagem fotográfica circulavam na internet associada a uma notícia editada e veiculada pelo Jornal G…, datada desse mesmo dia, – G….pt - onde dizia o seguinte:
“I…, J…., K… e L… são os jogadores do M… que foram detidos. A Procuradoria-Geral da República já confirmou que foram feitas mais de uma dezena de detenções. “No âmbito de um inquérito dirigido pelo Ministério Publico, que corre termos na 9.º Secção do DIAP de Lisboa, realizam-se diligências de investigação em vários pontos do país, tendo sido efetuadas mais de uma dezena de detenções”, refere em comunicado.” – Cf. documento de fls. 14 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. Junto daquele texto noticioso, foi editada e publicada uma única fotografia – a do Autor - onde este se apresenta vestido com o equipamento de jogo e com braçadeira de capitão de equipa de futebol do M….
16. Segundo as notícias, o inquérito supramencionado, levado a cabo pelo Ministério Publico, “refere-se à investigação de factos suscetíveis de integrar crimes de corrupção passiva e ativa na atividade desportiva, nele figurando como suspeitos dirigentes e jogadores de futebol, bem como outras pessoas com ligações ao negócio das apostas desportivas, estando em causa suspeitas de manipulação de resultados de jogos da AH… de Futebol com recurso ao aliciamento de jogadores” – cfr. documento de fls. 15 a 20.
17. Estas detenções foram a principal notícia nacional desse final do dia 14 de Maio de 2016.
18. O Autor nunca foi detido, nem constituído arguido à ordem do referido processo de inquérito – cfr. certidão judicial sob a ref.ª ……….
19. Aquele conteúdo noticioso abalou a honra e prestígio do Autor que nas reservas que criou na sua consideração, no seu círculo de relações pessoais e profissionais.
20. Em face de tal conteúdo noticioso, o Autor viu-se forçado a prestar esclarecimentos, verdadeiramente constrangedores, aos seus amigos e familiares que, no dia da divulgação da notícia e nos dias subsequentes, lhe telefonaram e escreveram mensagens, a ele e à sua esposa, numa tentativa de apurarem a verdade dos factos.
21. Foi, ainda, naquele dia 14 de maio de 2016, que a mulher do Autor sentiu a necessidade, tantos que eram os telefonemas, mensagens e perguntas, de publicar uma mensagem no mural da sua página do facebook, numa tentativa de repor a verdade e minimizar as consequências que aqueles factos revelavam, esclarecendo e informando, na medida do possível, de que o seu marido não tinha sido detido para prestar declarações no âmbito da falada investigação criminal, o que sucedeu pelas 22h54m e nos seguintes termos: (…)
22. No dia seguinte àquela notícia, foi o dia da festa de aniversário dos seis anos do filho do Autor, celebração que já estava organizada dias antes e que reuniu família e amigos do Autor, onde o tema do dia foi a alegada detenção deste, em que os presentes abordaram-no numa tentativa de apurarem a verdade, facto que lhe causou vergonha, angustia, vexame não só à sua pessoa como também à sua mulher e familiares mais próximos.
23. Aquela notícia manteve-se a circular na “boca do povo” durante, pelo menos, dois meses, facto que também, por isso, trouxe à vida do Autor constrangimentos e incómodos.
24. O Autor, figura pública desde há mais de 16 anos, é ainda hoje abordado para prestar esclarecimentos sobre aquela notícia.
26. O Autor depois de ler a notícia aqui em crise e de ver a sua foto associada à suspeita da prática de um crime, ficou em choque, desorientado, nervoso e angustiado.
27. O Autor teve medo de ser tomado por um vigarista, um corrupto, um adulterador da verdade desportiva e de resultados combinados.
28. Nesse mesmo dia 14 de maio de 2016, o Autor contactou o Sr. AD…, jornalista seu conhecido, e este, em face do desespero e desorientação do Autor, propôs-se ajudá-lo, tendo para tanto contactado o G1….
29. O Autor contactou igualmente, por email, o G1…, solicitando que retirassem a notícia e publicassem uma nota retificativa, tendo sido apenas retirado o seu nome e fotografia do conteúdo da notícia, sem que fosse publicada uma notícia retificativa.

Ponderados estes elementos, concretamente a gravidade dos factos imputados ao Autor, capitão de equipa da M…, anunciando a sua detenção no âmbito do processo “H…”, que já era do conhecimento do público em geral, em que se investigavam crimes relativos ao negócio das apostas desportivas, manipulação de resultados e aliciamento de jogadores.
Ter a noticia sido divulgada através do site da internet do G1…, que tem como destinatários centenas de milhares de destinatários e como refere a sentença, “tratando-se de um meio de difusão com uma particular aptidão potenciadora do dano - "seja pelo elevado número de pessoas que tiveram acesso à notícia, seja pela activação da engrenagem social que em consequência da notícia se produz (retransmitindo-a, ampliando-a, deformando-a), seja pelo grau de credibilidade que o acontecimento impresso tem no público"- - João Luís de Moraes Rocha, "Lei de Imprensa", Livraria Petrony, Lda., 1996.
Por outro lado, como também salienta a sentença, há ainda a ponderar a falsidade da notícia, uma vez que o Autor nunca foi detido, nem constituído arguido no âmbito do processo do “H…”; o estatuto social do visado, o Autor era pessoa respeitada por todos quantos com ele conviviam, quer a nível familiar, quer a nível social, quer a nível profissional. A projeção que a notícia, potencialmente, teve no meio social em que o lesado se movimenta, tanto no plano pessoal como profissional: O Autor, figura pública há cerca de 16 anos, foi muitas vezes interpelado por conhecidos e amigos e ainda atualmente se vê confrontado com tais interpelações, vendo-se na necessidade de explicar que não tinha qualquer ligação ao processo do “H…”. O grau de afetação que a notícia provocou no sentimentos do Autor que se sentiu vexado e angustiado por ver publicamente o seu nome associado ao processo do “H…”.
A favor dos RR há ainda a considerar que os jornalistas agiram por negligência, apressaram-se a retirar o nome do Autor e a sua fotografia, mal foram alertados que tinha sido cometido um erro na identificação dos jogadores, tendo o tempo de o tempo de duração da divulgação da notícia de apenas de 19 minutos e o pedido de desculpas apresentado pela Ré C….
Tudo ponderado e tendo ainda em consideração o tempo entretanto decorrido (mais de 2 anos) entendemos mais justa e adequada a indemnização de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros),
Decisão
Julgam-se as apelações de A e RR parcialmente procedente e consequentemente altera-se a sentença recorrida, nos seguintes termos:
A) Condena-se os Réus E… e F…, SA, solidariamente a pagarem ao Autor B…, a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da data do acórdão e até efetivo pagamento;
B) Absolve-se a Ré C…,

No mais mantem-se a sentença recorrida, sendo as custas na 1ª instância pelos RR E… e F…, SA e A, em partes iguais..

Custas da apelação dos RR, pelos RR condenados E… e F…, SA e A na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente.
Da apelação do A, pelos RR E… e F…, SA, e A, na proporção de 1/4/ e 3/4, respectivamente.

Porto, 11.10.2018
Leonel Serôdio
Amaral Ferreira
Deolinda Varão