Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1176/18.6T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI ATAÍDE DE ARAÚJO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
NOVA CONVENÇÃO COLECTIVA
DIREITOS ADQUIRIDOS
CONVENÇÃO COLECTIVA ANTERIOR
Nº do Documento: RP201901071176/18.6T8OAZ.P1
Data do Acordão: 01/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 287, FLS 295-306)
Área Temática: .
Sumário: I - A substituição do subsídio de 16% previsto e pago pelo trabalho aos domingos por um subsídio de alimentação que passou a estar previsto e a ser pago em montante mais elevado para os trabalhadores que trabalham nesse dia - tal como operado pelo CCT publicado no BTE n.º 34 de 15 de Setembro de 2015, com portaria de extensão publicada no BTE n.º 14 de 15 de Abril de 2016 – é lícita.
II - Por isso e porque o subsídio de alimentação não integra a retribuição em sentido estrito (art. 260º, nº 2, do CT), não se pode concluir que, com aquela alteração, ocorreu um violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, nos termos previsto e punidos, como contra-ordenação, no art. 129º, nºs 1, al. d), e 2, do CT.
III - Incumbe as partes outorgantes da nova convenção colectiva – e não a um empregador ou trabalhador em concreto, nem ao julgador – aferir do seu caráter globalmente mais favorável – cfr. art. 503º, nº 3, do CT.
IV - Não constituem direitos adquiridos os emergentes apenas da convenção colectiva anterior, posto que a sua receção nas relações individuais de trabalho não se deu de forma autónoma, individualizada, plena ou permanente, antes ficando dependente das alterações e período de vigência da dita convenção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1176/18.6T8OAZ-P1
Origem: Tribunal da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1 – Relatório

Por decisão de 7-6-2018, o Tribunal “a quo” julgou parcialmente procedente o recurso de impugnação judicial apresentado pela arguida B..., SA, alterando a medida da coima aplicada pela Autoridade das Condições do Trabalho para 45 unidades de conta [€ 4.590].
Inconformada, veio a arguida interpor recurso,
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2 – Factos considerados

Foram os seguintes os factos considerados como provados na primeira instância:
a) É arguida B..., SA, NIPC ........., com sede na ..., .., ..., ..., ....-... Lisboa e local de trabalho nas instalações da C..., SA, na Rua ..., ....-... Oliveira de Azeméis, com actividade de limpeza geral em edifícios.
b) A arguida é representada por D..., NIF ........., residente na Rua ..., .., .., ....-... Lisboa.
c) No dia 11 de Maio de 2016, pelas 11h45m, foi realizada visita inspectiva no local de trabalho da arguida supra citado, tendo sido verificado que aquela mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens, direção e dependência económica, entre outras, as seguintes trabalhadoras:
a. E..., com a categoria profissional de Encarregada de Limpeza;
b. F..., com a categoria profissional de Trabalhadora de Limpeza;
c. G..., com a categoria profissional de Trabalhadora de Limpeza;
d. H..., com a categoria profissional de Trabalhadora de Limpeza.
d) No seguimento da visita inspetiva realizada no dia supra, a arguida foi notificada para a apresentação de documentos pertinentes à verificação do cumprimento de obrigações legais, entre outros, dos recibos de retribuição desde Março de 2016, assinados pelas trabalhadoras.
e) Analisados os recibos de retribuição, nomeadamente, da trabalhadora I..., com a categoria profissional de Trabalhadora de Limpeza, relativos ao período compreendido entre os meses de Março a Maio de 2016, foi possível verificar, o pagamento das seguintes prestações (valores brutos):
a. No mês de Março do corrente ano:
i. Vencimento base, no valor de €357,75;
ii. Subsídio de domingo, no valor de €57,24;
iii. Subsídio de alimentação, no valor total de €25,50, com a indicação do valor €1,02/dia;
b. No mês de Abril do corrente ano:
i. Vencimento base, no valor de €357,75;
ii. Subsídio de domingo, no valor de €57,24;
iii. Subsídio de alimentação, no valor total de €26,52, com a indicação do valor €1,02/dia;
c. No mês de Maio do corrente ano:
i. Vencimento base, no valor de €357,75;
ii. Subsídio de alimentação, no valor total €74,16;
iii. Retr. subs. Almoço, no valor de €0,50
f) De acordo com as condições contratualizadas com a trabalhadora I..., a referida trabalhadora iria desempenhar a sua atividade em regime de trabalho a tempo parcial, com um período normal de trabalho diário de 4,5h e semanal de 27 horas.
g) Analisado o mapa de horário de trabalho afixado no local de trabalho, bem como o mapa atualizado, entregue pela arguida no seguimento da notificação para a apresentação de documentos verificou-se que a trabalhadora I... desempenha a sua atividade contratualizada aos domingos, das 07h-11h.
h) A infratora não se encontrava a aplicar o princípio da proporção do subsídio de alimentação ao tempo de trabalho (trabalho a tempo parcial), nos termos do artigo 154.º. n.º 3, al. b) do Código do Trabalho, consideradas as especificidades da prestação de trabalho assegurada por I... (período normal de trabalho abrange o trabalho aos domingos)
i) No mês de Maio do corrente ano, deixou de atribuir o subsídio de domingo, no valor de €57,24.
j) Considerada a proporção do subsídio de alimentação, tendo como ponto de partida o valor previsto para as 40 horas, à trabalhadora I... seria devido o valor de €3,71/dia, o qual, multiplicado, por exemplo, por 22 dias de trabalho, perfaz o valor total de €81,62, valor este superior ao montante auferido, por exemplo, em Maio do corrente ano.
k) Da análise dos recibos de retribuição da trabalhadora I... relativos aos meses suprarreferidos, constatou-se ainda que o valor da retribuição horária, atenta a fórmula prevista no artigo 271.º do Código do Trabalho, não se encontrava correto, tendo sido fixado um valor superior nos meses de Março e Abril do corrente ano.
l) Os descontos na remuneração, por motivos de faltas, efetuados nos meses anteriores ao mês de Maio assentaram numa remuneração horária incorreta, resultando um montante descontado superior, tendo essa remuneração horária sido alterada em Maio de 2016.
m) Foi assumida notificação para o apuramento e pagamento de quantias em dívida aos trabalhadores, na qual, foi determinado que a arguida regularizasse matérias várias, entre as quais, resumidamente, aquelas que se prendiam com a compensação pecuniária da prestação de trabalho aos domingos, bem como, a forma de cálculo do valor hora, conforme supra explanado.
n) Nesse seguimento, a arguida veio apresentar resposta à notificação referida no ponto anterior, na qual, consta a posição assumida:
a. Em relação ao valor do subsídio de alimentação:
i. “a trabalhadora I... filiou-se no J... em julho de 2016 (…) A portaria de extensão apenas foi publicada no DR n.º 73/2016 (Portaria n.º 89/2016), e no que respeita a cláusulas de expressão pecuniária, o referido CCT passou a aplicar-se a partir de 01 de Abril de 2016. No entanto, em relação a abril de 2016, não foi possível fazer em tempo o processamento do subsídio de alimentação atualizado, mas em contrapartida também não se retirou à trabalhadora o subsídio de domingo (…)”;
b. Em relação ao valor hora que consta dos recibos de retribuição: i. “Consideramos que o valor hora constante dos recibos está correto, nomeadamente, para desconto nas faltas, por estarem em causa meses em que os trabalhadores também auferiram subsídio de domingo, além da retribuição base mensal”;
ii. “Note-se que o subsídio de domingo era uma prestação mensal atribuída aos trabalhadores que prestavam trabalho aos domingos, ou que tinham acordado com a empresa estarem disponíveis para trabalhar nesses dias”;
iii. “Nessa medida, e salvo melhor opinião, não faria sentido um trabalhador praticar uma falta com perda de retribuição e o subsídio de domingo não ser considerado no cálculo do valor hora a descontar (…)”;
iv. “Consequentemente, o subsídio de domingo foi considerado como integrando o vencimento mensal, em linha aliás com a cláusula 22.ª, n.º 3 do CCT da FETESE, na versão publicada no BTE n.º 8/2010, de 28/02, para efeitos de descontos de faltas na retribuição”;
v. “Na mesma linha de raciocínio, quando deixou de ser devido o subsídio de domingo, no cálculo do valor a descontar por motivo de faltas não remuneradas, apenas foi considerada a retribuição base mensal”
o) A arguida juntou à resposta escrita, o recibo de retribuição do mês de Junho da trabalhadora I....
p) A arguida não apresentou qualquer acordo escrito com a trabalhadora supra identificada para o pagamento daquela prestação, sendo que o contrato de trabalho celebrado entre as partes também nada prevê em relação a esta questão.
q) A arguida, nos meses de Maio e de Junho de 2016, procedeu, ao acerto do montante mínimo diário pago a título de subsídio de alimentação, considerada a prestação de trabalho aos domingos, tendo a trabalhadora I... auferido o montante global de €74,16 e de €75,20, respetivamente, ainda que o valor dia indicado nos recibos de retribuição seja de €1,04.
r) A título exemplificativo, do somatório do subsídio de domingo e do subsídio de alimentação pagos pela recorrente à trabalhadora I... no mês de Março, resulta o valor de €82,74, valor esse superior ao valor pago a título de subsídio de alimentação nos meses de Maio e de Junho do corrente ano.
s) Consultado o Sistema de Informação da Segurança Social (SISS), especificamente, o histórico de remunerações da trabalhadora I... relativamente ao período compreendido entre Abril de 2016 e Abril de 2015, verificou-se que:
a. De Janeiro a Abril de 2016, foi pago à referida trabalhadora, entre outros, o valor de €57,24, com natureza de prémios, bónus e outras prestações de caráter mensal, discriminado nos recibos de retribuição como “Subsídio de domingo”;
b. De Abril a Dezembro de 2015, foi pago à referida trabalhadora, entre outros, o valor de €54,54, com natureza de prémios, bónus e outras prestações de caráter mensal.
t) A arguida ao ter deixado de assegurar o pagamento à trabalhadora I... de valor equivalente ao anterior subsídio de domingo que era pago com regularidade, diminuiu o montante mensal da retribuição auferida. (a eliminar, nos termos e pelos motivos adiante explicitados)
u) A recorrente atuou no seguimento de alteração da convenção coletiva de trabalho não se tendo apercebido de que o valor pago à trabalhadora em causa era ligeiramente inferior ao pago nos meses anteriores.

3 – Objeto do recurso

Como é sabido, à semelhança do que sucede em processo civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso – cfr. arts. 412º e 417º, nºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal, aplicável ex vi do art. 50º do Reg. Proc. das Contr. Ord. Laborais e de Segurança Social (Lei nº 107/2009, de 14/09), bem como ex vi do art. 74º, nº 4, do Reg. Ger. Cont. Ord. Coimas (Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10).
Sendo certo que, nesta sede, a segunda instância apenas conhece de matéria de direito – cfr. art. 51º, nº 1, do RPCOLSS -; apenas assim não sucedendo se se verificar algum dos vícios a que alude o art. 410º, nº 2, do CPP (insuficiência da matéria de facto, contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, ou erro notório na apreciação da prova), casos em que pode ser alterada a matéria de facto ou reenviado o processo à 1ª instância para sanação do vício - cfr. art. 426º do CPP.
Nesses termos e face às conclusões do recurso em causa, são as seguintes as questões a resolver:
3.1 - se se verifica (ou não) a contra-ordenação imputada à arguida em virtude de a trabalhadora em causa ter (ou não) sofrido uma diminuição ilícita da retribuição mensal;
3.2 - se, a haver contra-ordenação, ela não deve ser qualificada como sendo a prevista no art. 521º n.º 2 do CT, que é leve e punível com coima entre €612 e €918 (negligência).

Questão prévia

No entanto e previamente ao conhecimento das aludidas questões, uma há que lhe é prévia e que podemos e devemos suscitar oficiosamente, ao abrigo do art. 431º, al. a), do CPP: trata-se da atendibilidade, como facto provado, do supra transcrito sob a alínea t).
Considerou o Tribunal a quo como facto provado que:
“t) A arguida ao ter deixado de assegurar o pagamento à trabalhadora I... de valor equivalente ao anterior subsídio de domingo que era pago com regularidade, diminuiu o montante mensal da retribuição auferida.”
Contudo e como é bom de ver, tal pretenso facto não passa de uma conclusão e, justamente, de algo que se visa nos autos concluir em sede de direito, em resposta à 1ª das questões a resolver e por nós enunciada como objecto do recurso sob o nº 3.1: saber se houve uma diminuição da retribuição.
É sabido que, neste como noutros domínios processuais, o Tribunal não deve atender a conceitos de direito ou juízos de valor – cfr. o art. 607º, nº 4, do CPC - não podendo deixar de ter-se presentes os ensinamentos do Prof. Antunes Valera, no seu “Manual de Processo Civil”, a págs. 406 e segs., sobre o que sejam factos; aí se explica que “são factos as ocorrências concretas da vida real (bem como o estado, a qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas), respeitem eles aos acontecimentos do mundo exterior (da realidade empirico-sensível, directamente captável pelas percepções dos homens) ou aos eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo, a sua vontade real ou a sua intenção”; podendo ser ainda atendidos como tal “juízos sobre factos”, mas apenas quando “baseados em critérios do homem comum e não apelem, no seu essencial, para a sensibilidade ou intuição do jurista ou para a formação especializada do julgador”.
No fundo, o que não pode nem deve ser considerado, nesta sede, são asserções que não passem de: “raciocínios” (vd. Alberto do Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume 3, página 212); “juízos de facto”, situados “na meia encosta entre os puros factos (que ocorreram na planície terrena da vida) e as questões de direito (situadas nas cumeadas das normas jurídicas)”, no dizer do Conselheiro Jorge Augusto Pais de Amaral, in Direito Processual Civil, 9ªedição, página 268; ou “alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo”, como refere o Conselheiro A. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, volume 2, página 138.
Ora, na sentença recorrida, sob a sobredita alínea t), ficou assente como facto provado algo que, em rigor, não passam de uma conclusão e/ou juízos de direito, pelo que, ao abrigo do citado art. 431º, al. a), do CPT – similiar ao art. 662º, nº 1º, do CPC - se considera eliminada aquela alínea da matéria de facto provada.

3.1 – Da contra-ordenação por diminuição ilícita da retribuição

A questão principal que se coloca in casu é pois a de saber se a recorrente incorreu na prática da contra-ordenação muito grave prevista e punida no artigo 129.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, do Código do Trabalho.
Nos termos do artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho, é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

Para justificar a inexistência de contra-ordenação a recorrente invoca, desde logo, o argumento de que a sucessão de contratos coletivos de trabalho permite a eliminação do subsídio de domingo.
A recorrente defende que a trabalhadora recebeu subsídio de domingo no âmbito do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a APFS e o FETESE – Cláusula 29.º, n.º 3, alínea d) – mas deixou de o receber com a revisão global publicada no BTE n.º 34 de 15 de Setembro de 2015, com portaria de extensão publicada no BTE n.º 14 de 15 de Abril de 2016, que determinou que as cláusulas de conteúdo pecuniário entravam em vigor no primeiro dia do mês da sua publicação [Abril de 2016], pois que este contrato revogou integralmente o anterior – cláusula 58.º, n.º 1 – e não prevê o pagamento de subsídio de domingo, tendo passado a prever antes um subsídio de alimentação substancialmente mais elevado para quem trabalhe aos domingos – cláusulas 33.ª, n.º 2 a n.º 4 e 34.ª, n.º 3, alínea d), n.º 4 e n.º 5.
Ora, efectivamente, no CCT/2008, a cláusula 29.ª, n.º 3, alínea d), do CCT, previa aquilo a que a empresa chama de subsídio de domingo. Essa cláusula estabelecia o seguinte:
2 — Excepcionalmente, poderá deixar de coincidir com o domingo o dia de descanso semanal quando o serviço de limpeza, em razão da especial natureza do local onde é prestado, não possa ser interrompido ou quando só possa ser prestado no dia de descanso dos trabalhadores da empresa a quem é prestado o serviço de limpeza.
3 — Nos casos previstos no número anterior, o trabalho aos domingos só poderá ser prestado desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressupostos:
a) Acordo do trabalhador em relação a cada local de trabalho onde o trabalho aos domingos seja imprescindível, nos termos previstos no número anterior, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes;
b) Para os trabalhadores que à data da entrada em vigor desta cláusula estejam ao serviço da empresa, o acordo previsto na alínea anterior será por escrito;
c) No caso dos trabalhadores que já efectuam trabalho aos domingos, o acordo escrito deve conter, obrigatoriamente, o limite máximo da sua validade, que não poderá, em caso algum, exceder o prazo de um ano, sem prejuízo da sua renovação por vontade do trabalhador;
d) Acréscimo mensal de 16 % sobre a retribuição mensal auferida naquele local de trabalho sem dependência do número de domingos em que houve efectiva prestação de trabalho.
Por seu turno e quanto a subsídio de alimentação, a cláusula 28.ª determinava o seguinte:
1 — Todos os trabalhadores com horários de trabalho de quarenta horas semanais têm direito a um subsídio de alimentação diária no valor de € 1,80 por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
2 — Quando os trabalhadores tenham horário de trabalho a tempo parcial, o subsídio de alimentação será calculado em proporção do respectivo período normal de trabalho semanal.
A situação manteve-se exatamente igual no CCT/2010 [sem Portaria de Extensão] com a única diferença que o subsídio de alimentação passou para 1,82.
Já no CCT/2015 [com Portaria de Extensão e que quanto a prestações pecuniárias entrou em vigor em 1 de Abril de 2016] deixou de existir uma norma similar à Cláusula 29.ª e, por sua vez, em matéria de subsídio de alimentação estabelece a Cláusula 33.ª o seguinte:
1- Os trabalhadores com períodos normais de trabalho de 40 horas semanais e 8 horas diárias têm direito a um subsídio de alimentação diário de 1,85 €, por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
2- Os trabalhadores com períodos normais de trabalho de 40 horas semanais e 8 horas diárias, integrados em horários de trabalho com obrigação de prestação de trabalho normal aos domingos, terão direito a um subsídio de alimentação diário no valor de 5,50 € por cada dia de trabalho efetivamente prestado.
3- No caso de o trabalhador laborar 40 horas semanais e faltar, injustificadamente, ao trabalho num domingo em que a laboração esteja prevista, o valor do subsídio de alimentação diário nos dias da semana imediatamente anterior será o referido no número 1; o mesmo sucedendo no caso de incorrer em faltas justificadas que determinem a perda de retribuição.
4- Quando os trabalhadores tenham horário de trabalho a tempo parcial e/ou laborem menos de 8 horas diárias, o subsídio de alimentação será calculado na proporção do número de horas de trabalho efetivamente prestadas.
É pois perfeitamente admissível a interpretação da recorrente no sentido de que o acréscimo de remuneração decorrente do trabalho ao domingo [a que a recorrente chama subsídio de domingo] foi substituído, no plano do CCT, por um acréscimo no subsídio de alimentação.
Assim sendo, é discutível, desde logo, que a cessação do pagamento do acréscimo de remuneração por trabalho em domingos possa ser vista como uma diminuição ilícita da retribuição, já que foi operada ao abrigo de instrumento de regulamentação colectiva do trabalho, como ressalva o art. 129º, nº 1, al. d), do CT.

Por outro lado e ainda que os valores do novo subsidio de alimentação para quem trabalha aos domingos se possam traduzir, num ou noutro caso concreto, num valor global mensal inferior ao que era ou seria pago com o anterior acréscimo de 16%, a verdade é que já não está em causa a retribuição em sentido estrito, dado que o subsidio de alimentação não é, por princípio legal, considerável como tal – cfr. o art. 260º, nº 2, do CT – e a variação de subsídios ou ajudas de custo não se mostra tutelada pelo art. 129º, nº 1, al. d), do CT - que apenas proíbe a diminuição da retribuição “tout court”.
Aliás, mesmo em relação ao anterior “subsídio de domingo” e mesmo admitido que o novo acréscimo do subsídio de alimentação não deixou de visar a compensação da maior penosidade do trabalho em domingos, ainda assim e mesmo em relação aquele não podemos afirmar estar perante a retribuição em sentido estrito ou, enfim, perante a retribuição tutelada pelo art. 129º, nº1, al. d), do CT.
A este propósito, refere o acórdão da Relação de Coimbra de 26 de Março de 2015, Processo n.º 806/13.0TTCBR.C1, disponível in www.dgsi.pt, que «no que toca ao princípio da irredutibilidade da retribuição […], o mesmo só incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho por turnos), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade ou desempenho do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido», pelo que «embora integrem o conceito de retribuição, tais prestações complementares não se encontram sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição».

É certo que, como não deixou de considerar o Tribunal a quo, a inexistência de violação do princípio da irredutibilidade da retribuição não fica evidenciada apenas porque a alteração de pagamentos/prestações sucede em virtude de uma sucessão de convenções coletivas de trabalho, pois que o artigo 503.º, n.º 2, do Código do Trabalho, estabelece que «a mera sucessão de convenções coletivas não pode ser invocada para diminuir o nível de proteção global dos trabalhadores» e a própria Cláusula 58.ª, n.º 3 do novo CCT estabelece, sob a epígrafe “Disposições transitórias e manutenção de regalias anteriores” que «da aplicação do presente contrato não poderão resultar quaisquer prejuízos para os trabalhadores, designadamente baixa de categoria ou classe, assim como diminuição de retribuição».
De todo o modo, não só a nova CCT não diminuiu a retribuição “tout court”, como a manutenção das garantias ou regalias anteriores tem de ser vista ou aferida de modo global, isto é, não pela eliminação de certa prestação ou sua substituição por outra, mas pelo conjunto de atribuições ou regalias, inclusive não pecuniárias, trazidas pela nova CCT.
Ora, esta aferição do “carácter globalmente mais favorável” do nova CCT foi deixada, pelo legislador, ao critério das próprias partes outorgantes, que são quem melhor sabe avaliar o peso relativo das concessões negociadas. Assim e como preceitua o art. 503º, nº 3, do CT, “os direitos decorrentes de convenção (…) podem ser reduzidos por nova convenção de cujo texto conste, em termos expressos, o seu carácter globalmente mais favorável”. E, no caso, tal menção expressa consta do nº 3 da cl. 58ª da CCT do BTE nº 34/2015, pois que aí as partes fizeram consignar que “As disposições do presente contrato colectivo tem um carácter globalmente mais favorável para os trabalhadores por ela abrangidos do que as disposições do anterior contrato”.
Diz o Tribunal a quo que “esta afirmação é genérica (visa uma apreciação global da condição em que ficam os trabalhadores e não, apenas, da condição retributiva)”; mas, seja como for, também abarca a condição retributiva e não é ao julgador, nem muito menos a um ou outro trabalhador ou empregador em concreto, que o legislador deferiu a tarefa de apreciar se a alteração de convenções coletivas se traduziu ou não numa melhoria da posição dos trabalhadores, antes aos próprios trabalhadores e empregadores, por intermédio das organizações que os representam na negociação colectiva.
A lei reconhece aqui a supremacia do interesse colectivo sobre os interesses individuais, ao permitir que actos da autonomia colectiva das partes celebrantes possam limitar (em sentido desfavorável) a autonomia individual dos trabalhadores abrangidos, reduzindo as condições de trabalho que estavam a ser praticadas. O fundamento é o mesmo que permite aos sindicatos (e associações patronais) negociarem colectivamente condições de trabalho para os seus membros. A lei parte do pressuposto de que as partes, ainda quando aceitam reduções pontuais de condições de trabalho - o que se liga à própria dinâmica prática da negociação em que, para se obterem maiores vantagens, em certas matérias, se torna, por vezes, necessário ceder outras - o fazem tendo em vista a defesa do interesse colectivo dos seus membros.
Assim, não vemos que se impusesse ao empregador aqui arguido que, casuisticamente, apreciasse se da aplicação do novo subsídio de alimentação não resulta, para a trabalhadora em causa ou qualquer outra, um pagamento menor do que o que resultava da aplicação do anterior conjunto subsídio de domingo/subsídio de alimentação e, em caso afirmativo, processar este montante (ainda que sob a denominação de subsidio de alimentação, subsidio de alimentação ponderado ou subsidio de alimentação rectificado…).
De idêntico modo e pelas mesmas razões, não incumbirá ao julgador, muito menos para efeitos punitivos, apurar, como fez o Mmo. Juiz a quo, que, embora com uma reduzida diferença, a trabalhadora em causa teve uma redução de pagamentos por a soma do subsídio de domingo e do subsídio de alimentação anteriormente recebidos serem superiores ao novo subsídio de alimentação neste ou naquele mês: no caso e segundo os dados analisados, no mês de Março de 2016 a soma do subsídio de domingo e do subsídio de alimentação foi de € 82,74, em Abril de 2016 [que a recorrente admite que ainda aplicou as regras da anterior convenção porque os salários já estavam processados] foi de € 83,76 e já em Maio de 2016 [primeiro mês de pagamento com as novas regras] o valor total de subsídio de alimentação foi de € 74,66 [€ 74,16 + 0,50] e em Junho de 2016 [que apesar de não estar nos factos consta do documento junto pela recorrente a folhas 71] foi de € 78,24 [somando o valor recebido de € 77,20 ao valor descontado de € 1,04].
Esta diferenciação para menos, após a aplicação da nova convenção coletiva, não só se encontra restrita a dois meses, como não pode nem deve, pelas razões exposta, ser erigida em critério para a aferição do preenchimento do tipo legal da contra-ordenação em apreço.
Até porque, diga-se, sempre se poderia questionar se existe também uma diminuição em termos líquidos pois que, tendo o subsídio de alimentação a indicação da isenção, não são sobre ele feitos descontos fiscais ou para a segurança social (designadamente e pelo menos, o de 11%, para esta), quando já o eram e seriam sobre o acréscimo de 16% a que correspondia o subsídio de domingo.

O que, quando muito, poderia obstar às diferenças, para menos, encontradas nos montantes auferidos pela trabalhadora em causa nos meses seguinte à aplicação da nova CCT seria a circunstância de estarem em causa direitos adquiridos, isto é, consolidados já na sua esfera jurídica, independentemente da aplicação ou não da convenção anterior.
Contudo, parece-nos que tal não ocorre no caso, já que:
- não consta que o dito subsídio de domingo tenha sido clausulado individualmente no contrato de trabalho da trabalhadora, ou negociado posteriormente com ela, antes se tendo mantido sempre e ao que podemos inferir dos factos apurados, como dependente da aplicação da anterior convenção colectiva, que foi pois e sempre a única fonte do direito em causa;
- nos termos da própria cláusula 29.ª, n.º 3, alínea d), do CCT de 2008, o subsídio em causa era algo que não dependia unicamente da prestação do trabalho normal (ou seja, não era mera contrapartida deste), nem vigoraria indefinidamente; ao invés, dependia, quer da prestação do trabalho em domingos, quer de aceitação do trabalhador, quer do período de validade estipulado no acordo com os trabalhadores e que não podia ser superior a um ano, ainda que renovável; e
- não está evidenciado qualquer uso da empresa de atribuição do subsídio de forma ou em termos diversos dos previstos na CCT, de modo a poder constituir uma fonte de direito autónoma, nos termos do art. 1º, 2ª parte, do CT.
Como se considerou no Acórdão da Relação de Lisboa de 2/05/2012, no processo 369/10.9TTBRR.L1-4, in www.dgsi.pt, estando em causa direitos dependentes apenas de uma convecção colectiva e contendo a nova convenção a declaração expressa de que é globalmente mais favorável, não se pode “falar em vantagens ou direitos adquiridos, que, em termos definitivos, se tenham incorporado para todo o sempre no quadro de direitos emergentes do contrato individual de trabalho e que, por tal motivo, sejam intocáveis no futuro por uma nova e diferente contratação colectiva”. Apenas se poderia falar em direitos adquiridos, ainda segundo o mesmo acórdão, em relação àqueles que tivessem sido “negociados individualmente entre o trabalhador e o empregador” ou que se tivessem sedimentado, de modo próprio e autónomo, através de uma “prática reiterada e constante”, formando “um verdadeiro uso da empresa ou da profissão - porque, nesse caso, atendendo à função integradora das estipulações individuais que os usos desempenham em direito do trabalho (cfr. art. 12.º, n.º 2 da LCT) os direitos em causa tendo passado a fazer parte integrante do contrato individual como tal devendo, por força do art. 14.º, n.º 1 da LCC, prevalecer sobre as cláusulas da convenção colectiva menos favoráveis.»
Já no quadro do Código do Trabalho de 2003, António Monteiro Fernandes, em “Direito do Trabalho”, 13.ª edição, Janeiro de 2006, Almedina, páginas 789 e seguintes, acerca da mesma problemática, defendia o seguinte: «O art.º 114.º/2 CT dispõe o seguinte: "As cláusulas do contrato de trabalho que violem normas imperativas consideram-se substituídas por estas".
Por outro lado, o art. 560.º/3 CT admite a "redução de condições de trabalho» estabelecidas numa convenção, por força de outra «de cujo texto conste, em termos expressos, o seu carácter globalmente mais favorável»; e o n.º 2 do mesmo artigo dispõe que essa redução «prejudica os direitos adquiridos por força do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho substituído».
A arquitectura desse artigo merece ser observada. Ele contém um conjunto alargado de normas que podem traduzir-se deste modo: a convenção nova revoga, enquanto norma
, a convenção antiga; mas a convenção nova só penetra nos contratos de trabalho integrados pela convenção antiga, dando novo conteúdo às cláusulas destes contratos a que ambas dizem respeito, em duas hipóteses - a de à convenção nova acrescer direitos dos trabalhadores (criar novos direitos ou alargar os direitos já introduzidos pela antiga); e a de a convenção nova, reduzindo ou eliminando direitos, se declarar, no entanto, "globalmente mais favorável".
O mesmo autor e o mencionado acórdão de Lisboa citam, por seu turno, GIUGNI, que com particular expressividade, explica que: «com efeito, não se pode entender que as normas da convenção colectiva, penetrando no contrato individual, geram um direito adquirido à conservação do tratamento por parte dos indivíduos mesmo no confronto com a autonomia colectiva. Conformando a regulamentação contratual da relação de trabalho individual, a convenção colectiva não perde a sua natureza heterónima perante o contrato individual. Em outros termos, a cláusula do contrato do contrato individual conformada segundo a norma colectiva segue naturalmente a sorte desta última, ficando permanentemente exposta ao efeito integrativo da parte dela: é por isso inevitável que uma modificação surgida na esfera da autonomia colectiva se reflicta nos conteúdos do contrato individual anteriormente disciplinados por ela».
No fundo, a incorporação das convenções colectivas nas relações individuais de trabalho nem é plena nem é definitiva.
Não é plena porque as cláusulas da convenção podem ser substituídas por outras, mesmo que menos favoráveis que as disposições originárias.
E não é definitiva porque a absorção das disposições colectivas nas relações individuais dura apenas, em princípio, pelo período de vigência das convenções que as estabelecem.
Diremos, em suma e como já tem sido dito por outros, que o nosso sistema acolhe um mecanismo de incorporação provisória, como de resto ocorre, por exemplo, no ordenamento jurídico francês.

Note-se ainda e por último que o nº 4 do art. 503º do CT apenas ressalva dos prejuízos decorrentes da aplicação da nova convenção colectiva (que seja “globalmente mais favorável”) os direitos expressamente acautelado pelas partes na nova convenção, o que, in casu, não ocorreu quanto ao subsídio de domingo. A Cláusula 58.ª, n.º 3 do novo CCT apenas ressalva, como vimos, que «da aplicação do presente contrato não poderão resultar quaisquer prejuízos para os trabalhadores, designadamente baixa de categoria ou classe, assim como diminuição de retribuição», sendo que esta retribuição, na ausência de outra especificação, se tem de interpretar como referida apenas à retribuição em sentido estrito.

Posto isto, não se nos afigura ser de subscrever a conclusão a que o Tribunal a quo chegou no sentido de que existe, in casu, uma diminuição ilícita da retribuição da trabalhadora e que, como tal, tem cabimento a aplicação da coima (cujo montante não está, neste recurso, em causa) à recorrente.

3.2 - Da qualificação da contra-ordenação como sendo a prevista e punida, como leva, no art. 521º n.º 2 do CT

Defende ainda a recorrente que a contra-ordenação, a exisitir, não seria a imputada mas antes uma violação do artigo 521.º, n.º 2, do Código do Trabalho, que se traduz na violação de uma convenção coletiva de trabalho.
No entanto, esta questão fica prejudicada pela resposta dada à anterior, posto que, tendo nós concluído pela não verificação da contra-ordenação sancionada pelo Tribunal a quo, deixa de ter cabimento apurar se se verifica outra menos grave.
Sempre se dirá, ainda assim, que não estava em causa a inobservância de qualquer das disposições dos CCTs sucessivamente aplicáveis; antes a observância ou não do princípio legal da irredutibilidade da retribuição.

4 – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o presente recurso, revogando a decisão recorrida e absolvendo a arguida da contra-ordenação pela qual vinha sancionada em coima de 45 UCs.
Sem custas, dado o recurso ser favorável à arguida/recorrente.

Após trânsito em julgado, comunique à ACT, com cópia do acórdão.

Porto, 7/01/2019
Rui Ataíde de Araújo
Domingos Morais