Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1274/11.7TBGDM-B.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DE JESUS PEREIRA
Descritores: PROCESSO EXECUTIVO
VENDA DE IMÓVEL
LICENÇA SEM VENCIMENTO
Nº do Documento: RP201404011274/11.7TBGDM-B.P1
Data do Acordão: 04/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A venda judicial de prédio edificado é legalmente admissível e não viola a CRP mesmo que não existe licença de utilização pois não lhe é aplicável a proibição cominada no DL nº 281/99 de 26/7.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc.1274/11.7.TBGDM-B.P2
(Apelação)
Relatora Maria de Jesus Pereira
Adjuntos. Des. Maria Amália Santos
Des. José Igreja Matos

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1-Relatório.
B…, por apenso à execução instaurada pelo exequente, C…, SA, veio deduzir oposição alegando, em síntese, que:
-o exequente reclama o pagamento da quantia de 82.919,77 euros resultante da celebração de dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança, acrescidos dos respectivos juros moratórios estipulados nas escrituras e nos respectivos documentos particulares;
-as referidas quantias terão sido entregues ao executado, mas sucede que uma das referidas escrituras, no caso concreto, a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, em que o empréstimo concedido foi de 59.855,75 euros foi exarada apenas com base na licença de construção do imóvel número …/97, emitida pela Câmara Municipal …, em 13 de Agosto de 1997;
-acontece que, após a outorga da escritura a Câmara Municipal … nunca mais licenciou o imóvel e pelo facto de não possuir licença de utilização, a fracção em crise nos autos não pode ser transacionada;
-a licença de utilização provém de uma alteração legislativa posterior à escritura de compra e venda e mútuo e fiança, celebrado entre o exequente e o executado;
-se tivesse conhecimento, no momento em que a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança foi outorgada, que a fracção que estava a adquirir não viria a ter qualquer valor, nunca teria assinado a mesma;
-muito menos assumiria as obrigações nela implícitas, uma vez que estaria a pagar algo sem valor;
-os juros moratórios e remuneratórios estão a ser mal calculados.
Conclui pela procedência da oposição, devendo ser declarado nulo ou de nenhum efeito o cálculo dos juros efectuados e, caso assim não se entenda, o que por mera cautela em direito sempre é de admitir, o Tribunal poderá estar, a interpretar as normas prescritas no D-L 226/2008 de 20 de Novembro e arts. 45, 46 193, 288 467, 493 e 494 e 466 todos do CPC, em sentido contrário aos preceitos consagrados nos artigos 2º, 3º, nº2, 8º, 9º, alínea b) 13º,nº1, 18º, 20º,nº1, e 4, 165, 202º, nº 1 e 2, 203º e 204 da Constituição da República Portuguesa e ainda as normas consagradas no artigo 6º,nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Foi proferido despacho de indeferimento liminar da oposição do qual o oponente interpôs recurso de apelação que veio a ser julgado procedente por acórdão proferido a fls.91 a 100.
Na sequência do decidido, em sede de recurso, os autos prosseguiram os seus termos.

Notificado o exequente veio contestar alegando, fundamentalmente, que:
-o instituto jurídico da resolução previsto no art. 437 do CC não tem aplicação ao presente caso;
-afirmar-se que a fracção aqui em causa não tem qualquer valor é, salvo o devido respeito, destituído de fundamento, visto que não é pelo facto do imóvel em questão não dispor de licença de utilização que o mesmo perde o seu valor económico;
-a referida fracção poderá ser vendida nos termos do artigo 886 e seguintes do CPC;
-em momento algum na escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca se refere a qualquer condição ou pressuposto no sentido apontado pelo oponente, nem sequer é feita qualquer referência á licença de utilização ou à falta dela;
-nem sequer a alteração do D-L 281/99, de 26 de Julho veio alterar ou produzir no ordenamento jurídico qualquer alteração anormal das circunstâncias em que o oponente fundou a sua decisão de contrair junto do banco o empréstimo bancário;
-ao mútuo bancário não é aplicável o regime do mútuo civil e dos juros estabelecido no CC, designadamente a norma invocada pelo oponente.
Conclui pela improcedência da oposição.

Dispensou-se a audiência preliminar e, logo a seguir, foi proferido despacho saneador/sentença que julgou a oposição improcedente por não provada e, em consequência, determinou o normal prosseguimento da execução que corre termos nos autos principais.
Inconformado o oponente interpôs recurso de apelação ora em apreciação cujas conclusões são as seguintes:
I O presente recurso vem interposto da decisão que julgou totalmente improcedente a oposição à execução deduzida pelo ora Recorrente.
II – Uma das referidas escrituras, no caso concreto a Escritura de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e Fiança, em que o empréstimo concedido foi de € 59.855,75 (cinquenta e nove mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) foi exarada apenas com base na licença de construção do imóvel (número …/97, emitida pela Câmara Municipal …, em 13 de Agosto de 1997 – cfr. folhas 81 do Livro de Escrituras nº 107 – D, do Cartório Notarial de Vila do Conde.
III – Acontece que após a outorga da referida escritura a Câmara Municipal … nunca mais licenciou o imóvel, ou seja, não procedeu á emissão da respectiva licença de utilização sobre a fracção autónoma em crise nos presentes autos.
IV – O que implica que, uma vez não dispondo de licença de utilização, a fracção em crise nos autos (artigo 3695, fracção I) não pode ser transacionada – DL 281/99, de 26 de Junho.
V – Pelo que a fracção em questão (artigo 3695, fracção I), sem licença de utilização não tem qualquer valor negocial, licença essa, que a autarquia ... recusa a emitir.
VI – Porém, sustenta o Tribunal a quo que, que para a perfeição do negócio de compra e venda de imóvel não é necessária a existência de licença de utilização, o que muito estranha ao Executado/Oponente, ora Recorrente, quando confrontado tal posicionamento com o disposto no art. 1.º, n.º 1, do DL 281/99, de 26 de Junho, onde
se pode ler que: Não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas sem que se faça perante o notário prova suficiente da inscrição na matriz predial, ou da respetiva participação para a inscrição, e da existência da correspondente licença de utilização, de cujo alvará, ou isenção de alvará, se faz sempre menção expressa na escritura” (itálico nosso).
VII – Ora, considerando o preceito supra citado, o Tribunal recorrido entende que a doutrina aí plasmada não é aplicável à venda judicial.
VIII – Desde logo, porque, a formalidade prevista no art. 1º, n.º 1 do citado DL aplica-se apenas nas circunstâncias em que a transmissão tem lugar através da celebração de escritura pública, sendo que não existe qualquer lacuna na lei que determine aplicação, por analogia, deste regime às vendas judiciais.
IX – Conclusão com a qual o Recorrente não se pode conformar, porquanto a mesma subverte toda a ratio legis do preceito legal em causa.
X – Com a exigência da prova da existência de licença de utilização, o legislador procurou tutelar a segurança no tráfego jurídico, mormente o interesse na celebração de contratos de transmissão da propriedade de imóveis que possam ser utilizados para o fim que, efectivamente, são adquiridos, iminentemente ligado à boa-fé contratual.
XI – É certo que o legislador, no art. 1.º, n.º 1, do DL 281/99, de 26 de Junho, do ponto de vista estritamente literal, limita a exigência da prova da existência de licença de utilização nas transmissões celebradas por escritura pública.
XII – No entanto, a imperfeição de expressão do legislador deve-se ao facto de visar referir-se às transmissões por de bens imóveis, visto que a mesma exige escritura pública, pois com a aparente “restrição” operada pela referência às escrituras públicas, o legislador disse menos do que realmente queria.
XIII – Quer isto dizer que a ratio do preceito vai muito para além da letra da lei, existindo, no caso sub judice, motivo para recorrer à interpretação extensiva.
XIV – O legislador refere que não se podem celebrar escrituras públicas de transmissão da propriedade de prédios urbanos e frações autónomas, sem fazer prova perante o notário da existência de licença de utilização, quando na verdade, atenta a teleologia subjacente à norma, queria dizer grosso modo que não podem celebrar-se contratos de transmissão da propriedade de prédios urbanos e frações autónomas, sem fazer prova perante o notário da existência de licença de utilização.
XV – Assim, resulta fácil de perceber que os interesses que o legislador visou acautelar com a previsão normativa constante do art. 1.º, n.º 1, do DL 281/99, de 26 de Junho, não são interesses cuja carência de tutela esteja na estrita dependência do facto de a transmissão da propriedade de um dado prédio urbano ou de uma determinada fracção autónoma se operar por escritura pública.
XVI – O título de aquisição do bem imóvel é irrelevante para que a necessidade de proteger ou acautelar esses interesses se faça sentir, não se vislumbrando, pois, razão digna de tutela, que reclame que o regime jurídico plasmado art. 1.º, n.º 1, do DL 281/99, de 26 de Junho não tenha também aplicação nas vendas judiciais, dado que os interesses que a lei privilegiou naquele normativo não podem ser descurados só porque a venda tem a natureza judicial.
XVII – Se assim não fosse, por que razão os compradores de um bem adquirido em sede de venda judicial haveriam de ter uma menor proteção quanto à garantia de que ao imóvel pode ser dada a utilização pretendida?
XVIII – Daqui decorre que, contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, o art.1.º, n.º 1, do DL 281/99, de 26 de Junho, aplica-se, igualmente, às situações de venda judicial, significando isto que o imóvel em causa nos autos não pode ser objecto de venda judicial, o que obsta claramente exequibilidade do título, nos termos do art. 814.º do CPC, aplicável ex vi do art. 816.º do mesmo diploma.
XIX – Como tal, deveria ter sido julgada procedente a Oposição à Execução deduzida pelo Executado/Oponente, ora Recorrente, na medida em que a impossibilidade legal de proceder à venda judicial do imóvel em causa implica a obtenção do efeito útil da presente execução, porquanto a mesma acarreta uma INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO.
XX – Inexequibilidade essa que, é actual e irá protelar-se ilimitadamente no
tempo, porquanto, conforme se referiu supra, a Câmara Municipal de Gondomar se recusa a emitir a licença de utilização do imóvel aqui em casa.
XXI – E é, inclusivamente, reconhecida, de forma tácita, pelo Exequente, posto que o Executado/Oponente, ora Recorrente tentou, inclusive, proceder à entrega àquele (Exequente) do imóvel em crise através da dação em pagamento, o que não foi aceite,
XXII – Com efeito, não convirá olvidar que o Executado/Oponente, ora Recorrente tentou, inclusive, proceder à entrega ao Exequente do imóvel em crise através da dação em pagamento, o que não foi aceite, porquanto segundo este não havia possibilidade de obter a licença de utilização, por deficiências no prédio.
XXIII – Neste panorama, e pese embora a existência de título executivo, a presente execução não pode prosseguir contra o Executado/Oponente, ora Recorrente, visto que o mesmo é insusceptível, dadas as contigências ora postas em relevo, de lograr os efeitos visados com a execução.
XXIV – A manutenção da sentença ora em crise, salvo o devido respeito, viola o princípio básico que é o acesso ao direito e aos tribunais para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos por todos os cidadãos, consagrado no nº 1 do artigo 20º da CRP.
XXV – O que se traduz no caso sub judice numa sonegação clara de acesso ao sistema judicial, por um evidente erro judiciário bem como no atropelamento de um outro princípio básico, que é o direito que todos os cidadãos têm, a que uma causa seja decidida em prazo razoável e mediante processo equitativo, princípio esse consagrado no nº 4 do aludido artigo 20º da CRP.
XXVI – A sentença recorrida viola ainda o disposto no artigo 6º da Convenção Europeia de Direitos do Homem (C.E.D.H.), pelo que o Executado/Recorrente deixa ao critério do tribunal ad quem a responsabilidade de garantir a legalidade dos actos praticados, evitando, que de futuro o Estado Português possa vir a ser condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (T.E.D.H.).
TERMOS EM QUE,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, nos termos e com os fundamentos supra expostos, e em consequência deve revogar-se a sentença recorrida, devendo, em consequência, deve ser julgada procedente a oposição à execução deduzida pelo Oponente/Executado, ora Recorrente.
Caso assim se não entenda, A manter-se a Sentença ora em crise, esta poderá estar em sentido contrário aos preceitos consagrados nos artigos 20, nº 1 e nº 4, da Constituição da República Portuguesa, bem como do artigo 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ASSIM, COMO SEMPRE, FARÃO VOSSAS EXELÊNCIAS SERENA, OBJECTIVA E SÃ JUSTIÇA!

Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.

2-Objecto do recurso.
Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente a questão colocada a este Tribunal da Relação é a de saber se o prédio penhorado pode ser vendido na acção executiva sem licença de utilização e, na afirmativa, se o decidido viola os preceitos consagrados no artigo 20, nºs 1 e 4 da CRP e 6 CEDH.

3- Factos provados.
Na decisão recorrida foram considerados os seguintes factos:
1) Por escritura pública datada de 08/02/1999 foi celebrado um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança (n.º ……….) entre:
-PRIMEIRO: a) D…, casado, residente na Rua …, freguesia …, concelho de Gondomar, natural da freguesia …, no Porto, com o BI n.º ……., emitido em 18/01/1994 em Lisboa; b) E…, casado, residente na Rua …, da freguesia …, do concelho de Gondomar, natural da freguesia e concelho de Miranda do Douro, com o B.I. n.º ……., emitido em 13/01/1994 em Lisboa; os quais na qualidade de sócios gerentes outorgam em representação da sociedade comercial por quotas "F…, Lda., com o NIPC ………, com sede na … n.º …, .º, na freguesia …, concelho de Gondomar, (....);
-SEGUNDO: B… (....);
-TERCEIRO: G… (...), a qual intervém neste acto na qualidade de procuradora, em representação do H…, S.A., NIPC ………, com sede (...);
-QUARTO: a) I… (...) e mulher, J… (...); b) K…, NIF ………, casada, com L…, NIF ………, no regime da comunhão de adquiridos, (...) Foi declarado, entre o mais, que:
Declaram os PRIMEIROS OUTORGANTES que pela presente escritura, pelo preço de doze mil contos, vendem em nome da sociedade sua representada, ao SEGUNDO OUTORGANTE B…, livre de qualquer ónus ou encargos, a fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao primeiro andar direito traseiras, destinada a habitação, com entrada pelo n.º …, lugar de aparcamento automóvel identificado pela letra "I" na cave com a área de onze vírgula noventa metros quadrados e entrada pelo n.º …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no …, …, …, …, da freguesia …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o n.º 021539,da freguesia … (...).
Declarou o SEGUNDO OUTORGANTE que aceita este contrato nos termos exarados.
Declararam mais o SEGUNDO e TERCEIRA OUTORGANTES, fazendo-o esta na indicada qualidade:
1 - Que, por escritura, (...), ele segundo outorgante solicitou e obteve do H…, S.A., adiante designado por "H…", um empréstimo de doze mil contos (hoje, € 59.855,75), no regime de crédito jovem bonificado, pelo prazo de 30 anos, na modalidade de prestações constantes com bonificação decrescente, a contar de hoje, de que se confessa devedor, para aquisição do imóvel já identificado e ora adquirido, o qual se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente.
(...) 8 - Para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do presente contrato, juros e todas as demais despesas inerentes, o "Mutuário" constitui hipoteca a favor do "H…", sobre a fracção atrás identificada e ora adquirida.
(...) Declararam, depois, os QUARTOS OUTORGANTES, fazendo-o o mencionado na alínea b) em seu nome e em nome da sua representada mulher:
1 - Que em seu nome pessoal, constituem-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao H…, S.A., em consequência do empréstimo que o mutuário contraiu junto do H…, e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando já o seu acordo, a quaisquer modificações de taxa de juro e, bem assim, às alterações de prazo que venham a ser convencionadas entre banco credor e o devedor.
2 - A fiança ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, de juros ou despesas, constituída por qualquer forma, imputável ao indicado devedor. Declarou a TERCEIRA OUTORGANTE:
Que para o seu representado aceita este contrato de mútuo com hipoteca, bem como a fiança constituída, nos termos exarados.
(...).
2) Por escritura pública datada de 08/02/1999 foi celebrado um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança (n.º ……….) entre:
-PRIMEIRO: B… (....);
-SEGUNDO: G… (...), a qual intervém neste acto na qualidade de procuradora, em representação do H…, S.A., NIPC ………, com sede (...);
-TERCEIRO: a) I… (...) e mulher, J… (...); b) K…, NIF ………, casada, com L…, NIF ………, no regime da comunhão de adquiridos, (...)
Foi declarado, entre o mais, que:
Declaram o PRIMEIRO E SEGUNDO OUTORGANTES, fazendo-o este na indicada qualidade:
1 - Que, por esta escritura, (...) ele primeiro outorgante, solicitou e obteve do H…, S.A., adiante designado por "H…", um empréstimo de quatro mil e quinhentos contos (hoje, € 22.445,91), no regime de crédito jovem bonificado, pelo prazo de 30 anos, na modalidade de prestações constantes com bonificação decrescente, a contar de hoje, de que se confessa devedor, o qual se destina exclusivamente à realização de obras de beneficiação num imóvel adiante descrito e hipotecado, o qual se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente.
(...)
8 - Para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do presente contrato, juros e todas as demais despesas inerentes, o "Mutuário" constitui hipoteca a favor do "H…", sobre a fracção autónoma designada pela letra "I", correspondente ao primeiro andar direito traseiras, destinada a habitação, com entrada pelo n.º …, lugar de aparcamento automóvel identificado pela letra "I" na cave com a área de onze vírgula noventa metros quadrados e entrada pelo n.º …1, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no …, …, …, …, da freguesia …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o n.º 021539,da freguesia … (...).
(...)
Declararam, depois, os TERCEIROS OUTORGANTES, fazendo-o o mencionado na alínea b) em seu nome e em nome da sua representada mulher:
1 - Que em seu nome pessoal, constituem-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao H…, S.A., em consequência do empréstimo que o mutuário contraiu junto do H…, e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando já o seu acordo, a quaisquer modificações de taxa de juro e, bem assim, às alterações de prazo que venham a ser convencionadas entre banco credor e o devedor.
2 - A fiança ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, de juros ou despesas, constituída por qualquer forma, imputável ao indicado devedor.
Declarou a SEGUNDA OUTORGANTE:
Que para o seu representado aceita este contrato de mútuo com hipoteca, bem como a fiança constituída, nos termos exarados.
(...).
3) O C…, S.A. incorporou por fusão o H…, S.A. - cfr. certidão permanente disponível em www.portaldocidadao.pt, através do código de acesso ….-….-…..
4) O exequente entregou ao 1º executado (B…) as mencionadas quantias por crédito na sua conta de depósito à ordem aberta junto do Banco Exequente.
5) Para garantia do capital mutuado, respectivos juros e demais despesas, o 1º executado constituiu a favor do exequente, duas hipotecas voluntárias sobre a aludida fracção autónoma, garantindo o bom pagamento do empréstimo assumido pelo 1º executada até ao montante máximo de €74.927.42, quanto ao primeiro contrato, e de €28.097.78 quanto ao segundo contrato, encontrando-se registadas a favor do exequente pelas Ap. 49 e 50 de 1999/01/22.
6) O montante global recebido pelo exequente e referente a ambos os contratos (através de pagamento prestacional efectuado) é de €54.446,38, montante este que engloba capital, juros remuneratórios e bonificação, sendo: €39.373,48, relativo ao contrato referido em 1), sendo €10.636,98 a título de capital; e €15.072,90, relativo ao contrato referido em 2), sendo €4.069,43 a título de capital.
7) A licença de utilização do imóvel nunca chegou a ser emitida pela Câmara Municipal …, que se recusa a emiti-la;
8) O executado tentou entregar ao exequente o imóvel em dação em pagamento, o que este não aceitou, dizendo que não havia possibilidade de obter a licença de utilização, por deficiências no prédio.

4-Fundamentação de direito
Dispõe o artigo 1,nº1, do D-L nº 281/99, de 26-07 que: ”Não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas sem que se faça perante o notário prova suficiente da inscrição na matriz predial, ou da respectiva participação para a inscrição da correspondente licença de construção, de cujo alvará, ou isenção de alvará, se faz sempre menção expressa na escritura”.
Por sua vez, o nº 6 do artigo 905 do CPC preceitua que: “A venda de imóvel em que tenha sido, ou esteja sendo, feita construção urbana, ou de fracção dele, pode efectuar-se no estado em que se encontre, com dispensa da licença de utilização ou de construção, cuja falta de apresentação a entidade com competência para a formalização do acto faz consignar no documento, constituindo ónus do adquirente a respectiva legalização”
Na sentença recorrida considerou-se que o artigo 1,nº1 daquele diploma legal não tinha aplicação aos autos dada a natureza específica do processo executivo, entendimento reforçado pelo nº6 do artigo 905 do CPC.
Insurge-se o apelante contra tal interpretação por considerar que o regime plasmado no artigo 1 do D-L nº 281/99 tem plena aplicação ao caso em análise pois que a ratio vai muito para além da letra existindo motivo para, neste caso, recorrer à interpretação extensiva.
Sendo desde já de adiantar que à venda de imóveis no processo executivo apenas se aplicam as disposições constantes das regras gerais sobre as transmissões mediante escritura pública em caso de venda por negociação particular.
Coloca-se, assim, a questão de saber se devemos recorrer à interpretação extensiva como defendido pelo apelante.
Existe interpretação “ extensiva sempre que o intérprete ao reconstituir a parte do texto da lei segundo os critérios estabelecidos no artigo 9 do CC conclua que o pensamento legislativo coincide com um dos sentidos contidos na lei, mas o legislador ao formular a norma, disse menos do que queria, sendo, por isso, necessário alargar o texto da lei” – cfr. CC anotado de Abílio Neto pág. 31 e tb José Oliveira de Ascenção, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13ª ed. pág.423.
No caso dos autos, salvo sempre o devido respeito, não é necessário o recurso à interpretação extensivo a partir do artigo 1,nº1, do D-L nº 281/99 a fim de alargar o texto às vendas de imóveis judiciais uma vez que o nº 6 do artigo 905 do CPC constitui uma excepção à regra geral fixada no D-L nº 281/99, de 26-07 o que se compreende dado que no processo executivo a venda é forçada, atento o preceituado no artigo 817 do CC- cfr. Abílio Neto CPC anotado 17ª ed. pág. 1200-
Ou seja, a venda judicial “de prédio edificado é legalmente admissível mesmo que não exista licença de utilização, pois não lhe é aplicável a proibição cominada no D-L nº 281/99 de 26-7” – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 30-01-2007, Relator Virgílio Mateus, Acórdão desta Relação de 01-02-2010, Relatora Ana Paula Amorim, sítio DGSI e tb Rui Pinto, Manual Execução e Despejo – Coimbra Editora, pág.924-
Logo, com todo o respeito, bem andou o tribunal recorrido ao afastar a aplicação da norma contida no artigo 1,nº1, do D-L nº 281/99, de 26-7.
Importa assim saber se tal afastamento contraria os preceitos consagrados nos artigos 20,nº1, e nº4, da Constituição da República Portuguesa e artigo 6, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Vejamos, então.
O artigo 20,nº1, da Constituição da República Portuguesa preceitua que:
“A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
No comentário a esta disposição, Gomes Canotilho e Vital Moreira – CRP anotada, 3ª ed. pág. 161, mencionam que a norma em causa “reconhece vários direitos”, que, embora conexos, são distintos, como são “o direito de acesso ao direito”, o “direito de acesso aos tribunais”, o “direito à informação e consultas jurídicas” e “o direito ao patrocínio judiciário”, direitos esses, todos eles, “componentes de um direito geral à protecção jurídica”, constituindo, cada um, “um elemento essencial da própria ideia de Estado de Direito”.
O apelante, segundo a nossa interpretação do conteúdo das conclusões XXIV e XXV, enquadra na “violação de acesso ao direito” uma espécie de “ sonegação de acesso ao sistema judicial consubstanciada num erro de julgamento”.
Mas, salvo o devido respeito, não é esta a denegação a que alude a referida norma, a denegação aí referida assenta na insuficiência de meios económicos - cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, CRP, Anotada, Coimbra Editora, 2005, tomo I, pág. 180-
Ao passo que o erro de julgamento apenas ocorre quando o Juiz erra na subsunção dos factos à norma jurídica – cfr. José Lebre de Freitas, A. Montalvão e Rui Machado, CPC, anotado, Coimbra Editora, 2008, Vol.II, pág.704-
Ora, em face do que acima se deixou dito em relação ao afastamento da norma constante do D-L nº 281/99, de 26-07, nem sequer podemos afirmar que existe erro de julgamento.
De seguida o nº4 diz-nos que: “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável mediante processo equitativo”, direito, este, fundamental que também consta do artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Como nos dizem Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa, Anotada, Tomo I, pág.192 “a Constituição não indica os parâmetros de concretização do conceito prazo razoável” e, “em qualquer caso, na sua densificação, não se pode ignorar que o direito a uma decisão jurisdicional final (a que a causa seja objecto de decisão..) em prazo razoável não pode deixar de ser contabilizado, por força do artigo 20,nº4, com as exigência decorrentes de um processo justo e equitativo que permita a averiguação da verdade material e de uma decisão ponderada”.
Daqui resulta, pois, que a celeridade não “é uma imposição absoluta, havendo desde logo contabilizá-la com as garantias de defesa e as exigências de um processo justo e equitativo que permita, antes de mais, a averiguação da verdade material e uma decisão ponderada”- cfr. Acórdão do TC nº 212/00-
Princípio este que só será violado, quando uma concreta situação de paragem processual deva considerar-se injustificada, desrazoável ou até arbitrária.
Ora, atentando nos autos, não alcançamos qualquer atraso no andamento dos mesmos cujos prazos foram respeitados a fim de proporcionarem às partes todos os meios de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, designadamente o direito ao recurso que o aqui apelante exerceu logo no início do processo quando confrontado com uma decisão de rejeição liminar da presente oposição cuja decisão foi revogada por este Tribunal da Relação conforme acórdão junto a fls. 91 a 100.
Aqui chegados, como todo o respeito, não vislumbramos no processo factos idóneos para sustentar a violação, quer do nº1, quer do nº4 - este com referência ao artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem -do artigo 20 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que improcedem os argumentos invocados.
O recurso é, pois, improcedente.
Decisão
Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam:
1º) Julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
2º) Condenar o apelante nas custas.

Porto, 01-04-2014
Maria de Jesus Pereira
Maria Amália Santos
José Igreja Matos