Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9551/15.1T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
RECURSO COM EFEITO SUSPENSIVO
Nº do Documento: RP201605199551/15.1T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 05/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 61, FLS.23-29 VRS.)
Área Temática: .
Sumário: I - A prestação de caução para ser atribuído efeito suspensivo a um recurso deve ser oferecida nas alegações de recurso e ser tramitada no próprio recurso, sem prejuízo da posterior e eventual extracção de translado para processar a caução em caso de demora na sua prestação.
II - Apresentado o requerimento, o juiz deve verificar se a execução da decisão da decisão recorrida é susceptível de causar ao requerente prejuízo considerável e só nessa situação deverá depois fixar o valor a caucionar (ainda que superior ao indicado pelo recorrente) e se a caução é idónea (podendo determinar a prestação de outra diferente da oferecida).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 9551/15.1T8VNG-A.P1 [Comarca do Porto/Inst. Central/V.N. Gaia/Sec. Cível]
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
Por apenso ao procedimento cautelar n.º 9551/15.1T8VNG que lhe foi instaurado pelo B…, S.A., anteriormente designada por C…, S.A., pessoa colectiva n.º ………, com sede no Porto, e no qual foi proferida decisão a julgar procedente o procedimento e ordenar a entrega imediata ao requerente de um imóvel e respectivas chaves, veio a requerida D…, Lda., pessoa colectiva n.º ………, com sede em …, Vila Nova de Gaia, oferecer a prestação de caução com vista à atribuição, nos termos do n.º 4 do artigo 647.º do Código de Processo Civil, de efeito suspensivo ao recurso que interpôs da decisão do procedimento cautelar.
Para o efeito, alegou que o cumprimento imediato da decisão recorrida lhe causa prejuízo irreparável, o requerente da providência não terá quaisquer prejuízos pela não entrega do imóvel, mas, em todo o caso, o hipotético prejuízo nunca será superior a €5.600 calculado mediante a multiplicação do valor locativo do imóvel de €700 mensais pelo período de 6 a 8 meses que durará o recurso, pelo que o valor a caucionar não deverá exceder os €8.000, caução que o recorrente pretende prestar mediante penhor dos equipamentos electrónicos que descreve cujo valor de aquisição é superior a €30.000 e cujo valor actual é, pelo menos, de €20.000.
A requerida deduziu impugnação, defendendo que o requerente da caução não fundamentou nem concretizou os prejuízos que a execução imediata da decisão lhe poderá causar pois estes não existem, não especificou o modo como pretende prestar o penhor, nem que os bens lhe pertencem, onde se encontram e qual o seu estado de conservação, bens esses que são facilmente depreciáveis e não possuem qualquer interesse para a requerida pelo que a caução oferecida não é idónea, que a caução não deverá ser inferior ao valor do imóvel a entregar.
Após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «julgo não admissível a prestação de caução pelo valor e modo indicado pela requerente».
Essa decisão foi fundamentada do seguinte modo:
«A primeira questão a resolver prende-se com o valor da caução a prestar.
Em face do decidido nos autos principais, de providência cautelar, foi fixado o valor a tal demanda a quantia de 62.260,00€, valor este indicado pelo requerente da providência cautelar e não posto em causa pela requerida (ora requerente da prestação de caução). Deste modo, sdr, o valor da caução terá que corresponder ao valor do “crédito” em causa nos autos principais.
Mas ainda que assim não fosse, a argumentação de que o valor a prestar de caução terá que corresponder ao valor locatício do bem ordenado restituir pelo período de demora da decisão do recurso, tal não terá vencimento.
Pois que, como manda a Lei, a sustação da execução da providência decretada visa o não “provocar prejuízo considerável ” no património da aqui requerente e não no património da aqui requerida. Só assim faz sentido a letra da Lei, pois que aqui o que se visa é proteger o visado com a medida judicial de ver o seu património atingido de modo “considerável ” com a imediata execução do ordenado judicialmente.
Ora, como se comprova pela alegação, digo, pela não alegação, a aqui requerente nada diz, limitando-se a reproduzir a Lei. Deste modo, sempre seria de não admitir a prestação de caução pelo indicado valor, pois que esta não tem indicação de valor, por falta de alegação de factos.
Por fim, quanto ao modo de prestação da caução.
Nos termos do artigo 623.º, n.º 1 do Código Civil, “Se alguém for obrigado ou autorizado por lei a prestar caução, sem se designar a espécie que ela deve revestir, pode a garantia ser prestada por meio de depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária”. Isto é, a lei apenas prevê estes casos de prestação de caução.
Como excepção, temos o n.º 2 de tal disposição legal, que diz: “Se a caução não puder ser prestada por nenhum dos meios referidos, é lícita a prestação de outra espécie de fiança, desde que o fiador renuncie ao benefício da excussão”.
Ora, sendo assim, a indicado modo de prestação de caução pela requerente, de penhor nos termos do artigo 666.º e seguintes do Código Civil, smo, não satisfaz o comando da Lei.
Impõe a Lei que aquele que está obrigado a prestar caução indique “o modo por que a quer prestar”, artigo 913.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A aqui requerente nada alega quanto ao preciso modo como pretende prestar o indicado penhor.»

Do assim decidido, o requerente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
[…] VIII – [os] (in)fundamentos [da decisão] ofendem a lei e não correspondem a realidade dos autos.
IX – Antes de mais, a decisão recorrida está ferida de nulidade em vária sede, nos termos expostos.
X – Em 1º lugar, a sentença recorrida parte de pressupostos errados que não correspondem à realidade dos autos e que ofendem a lei, surgindo a sua fundamentação até contraditória, nos termos expostos.
XI – Por outro lado, a decisão recorrida ignora – representa verdadeira omissão de pronúncia sobre as questões colocadas -, nomeadamente quanto à averiguação do valor a caucionar, averiguação da idoneidade do bem dado de penhor, a realização das indispensáveis diligências de prova.
XII - Ou seja, o Tribunal ignora a petição da requerente de prestação de caução, ignora até que esta se propôs reforçá-la se fosse o caso.
XIII – Ao ignorar por fim a prova a produzir, a decisão recorrida consubstancia também preterição de formalidades essenciais.
XIV – Pelo que, conforme exposto, a sentença recorrida é assim nula em vária sede.
XV - Nos termos da Lei, sendo requerida a prestação espontânea de caução, sendo ela contestada, o Juiz deve decidir sobre a procedência do pedido e fixar o valor a caucionar após a produção das diligências necessárias, v.g. art. 908 do CPC.
XVI - Igualmente, sendo impugnada a idoneidade da caução oferecida, o Juiz profere decisão após a realização das diligências necessárias, art. 909 do CPC, ex vi art. 913 nº 3 do CPC
XVII – O Tribunal, ao arrepio da lei, julgou liminarmente improcedente a acção, considerando um valor para a causa errado e ainda considerando, ao arrepio do que está nos autos, que a requerente não havia indicado o modo de prestar a caução.
XVIII - Ora, nos termos da Lei, existindo o direito (de alguém) – é o caso – para prestação espontânea de caução, aquele que tem a obrigação de a prestar, deve indicar na p.i., “além do motivo por que a oferece e do valor a caucionar, o modo por que a quer prestar” - nº 1 do art. 913 do CPC - foi o que fez a recorrente
XIX – O valor da presente causa será o valor correspondente aos hipotéticos prejuízos que a imediata execução da decisão possa provocar á requerida no âmbito da providência.
XX – Tendo sido tal valor impugnado pela recorrida, havia que ser sujeito pois a prova.
XXI - Ora, o Tribunal omitiu a produção de prova sobre tal matéria e, pura e simplesmente, partiu de um conceito errado quanto ao valor a caucionar.
XXII - Ao assim proceder, o Tribunal a quo errou, não tendo aplicado a Lei, pois que deveria/ estava/ está obrigado a recolher toda a prova que lhe tinha sido solicitado pelas partes, v.g. artºs 913 nº 3, 908 e 909, todos do CPC.
XXIII – Em 2º lugar o tribunal a quo veio sustentar, embora de forma confusa, que a requerente não tinha alegado factos “justificativos” bastantes para a decisão poder considerar a existência de prejuízos consideráveis (na execução imediata da decisão).
XXIV – Porém, a requerente invocou, como a Lei determina, a verificação de prejuízo para si dificilmente irreparável se executada imediatamente a decisão).
XXV - Aliás, que a execução da decisão provoca prejuízo à recorrente é facto público, notório, de todos conhecido, que não necessita sequer de alegação e prova, v.g. art. 412 do CPC.
XXVI - Pois que se está demonstrado nos autos, como está, que a requerente se dedica à compra e venda de imóveis, ao arrendamento de imóveis, e que o imóvel em questão foi “adquirido” no âmbito de um contrato de locação financeira, no exercício de tal actividade, e que tal imóvel se encontra arrendado a terceiros, naturalmente que, abrir mão de tal bem, que a recorrente/ requerente detém no âmbito da sua actividade comercial, ainda por cima tratando-se de uma sociedade comercial, representa para ela sempre um significativo prejuízo.
XXVII - Trata-se de um facto público, notório e evidente.
XXVIII - Se necessário, o Tribunal poderia também chegar ao mesmo resultado, deitando mão das designadas presunções/ ilações judiciais, conforme determinado no art. 349 do Cod. Civil, (…).
XXIX - Mas se o Tribunal entendesse ser necessário para a apreciação da pretensão da requerente/ recorrente, aperfeiçoar o requerimento inicial (com invocação de novos factos), então o Tribunal deveria (estava obrigado) a notificar a requerente para o seu aperfeiçoamento.
XXX - Era isto que lhe era imposto por lei.
XXXI - O tribunal existe para administração da Justiça – art. 152 do CPC.
XXXII - É isto que lhe impõe os artigos 6, 7, e 590 do CPC.
XXXIII - É isto que lhe impõe a própria Constituição da República Portuguesa, v.g. art. 202 da CRP.
XXXIV - Ao indeferir liminarmente o pedido da requerente, não exercendo os poderes/ deveres que a lei lhe confere, o Tribunal denegou Justiça e ofendeu a lei.
XXXV – O Tribunal veio entender que a requerente não indicou o modo por que pretendia prestar a caução.
XXXVI – A verdade porém é que tal não corresponde à realidade dos autos.
XXXVII – O certo é que a recorrente, nomeadamente nos artigos 13, 14 e 15 da p.i. indicou que pretendia prestar caução sobre um conjunto de bens móveis, nos termos do art. 666 do Cod. Civil.
XXXVIII – Sendo que o penhor é um meio previsto na lei para o efeito, v.g. art. 623 do Cod. Civil.
XXXIX – Sucede que ainda que assim não fosse, quer quanto á indicação de factos bastantes no que respeita à questão de prejuízo de difícil reparação, quer quanto ao modo de prestar caução, o Tribunal está obrigado – deveria – ordenar a notificação da requerente para aperfeiçoar a p.i. – o que não fez.
XL – Ao indeferir liminarmente a decisão recorrida, nos termos em que o fez, o Tribunal ofendeu a Lei e não cumpriu as prerrogativas/ poderes/ deveres que a lei lhe atribui.
XLI - Ao assim proceder, o Tribunal a quo errou, não tendo aplicado a Lei, pois que deveria/ estava/ está obrigado a recolher toda a prova que lhe tinha sido solicitado pelas partes, v.g. art.s 913 nº 3, 908 e 909, todos do CPC.
XLII - Ao a tal não proceder, a decisão recorrida violou, antes de mais, as disposições legais que regulamentam a prestação espontânea de caução (e muitas outras…).
XLIII - Violou também, naturalmente, o princípio da igualdade das partes nomeadamente consagrado no artº 4 do CPC, que resulta – é emanação - do mesmo principio Constitucional consagrado no art. 12 da CRP.
XLIV - E violou ainda o princípio do contraditório e do direito da parte à produção de prova sobre os factos por si invocados (e contraprova sobre os factos invocados pela parte contrária).
XLV- Em boa verdade, violou o principio do julgamento indispensável e, nomeadamente, as disposições dos artigos 599 e segts, em particular o estabelecido nos arts 602 e 603 e segts, todos do CPC.
XLVI - A decisão recorrida é, pois, em vária sede ilegal, representando uma má interpretação da Lei, devendo ser revogada e substituída por outra que mande prosseguir os autos para produção de prova.
XLVII - E, apreciando-se depois a prova produzida, em função apenas dos factos concretos invocados, deve estabelecer-se então o adequado, segundo os melhores critérios, valor a caucionar.
XLVIII- Violou, assim, por erro de interpretação a decisão recorrida, além do mais, os artigos 6, 7, 152, 195, 294, 295, 590, 599, 602, 603, 615, 647, 650, 908, 909 e 913 todos do CPC, artigos 623, 626, 666 do Cód. Civil e artigos 1, 2, 12, 13, 202, da CRP.
Termos em que se deve julgar procedente o (...) recurso, (…) revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que reconheça os vícios e nulidades invocados, ordenando a anulação do processado e mande prosseguir os autos para produção de prova por forma a que, posteriormente, (…) face à prova (…) produzida (…) se produza decisão que estabeleça (…) o adequado valor a caucionar (…).
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida o seguinte:
i) Se o conhecimento das nulidades da sentença está prejudicado.
ii) Como é tramitada a prestação de caução para efeitos de atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação.
iii) Qual a consequência da sua tramitação irregular.

III. Os factos:
Os factos que relevam para a decisão a proferir são os constantes do relatório que antecede.

IV. O mérito do recurso:
i) Das nulidades:
O recorrente sustenta que a decisão recorrida é nula, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, uma vez que a seu ver a decisão é confusa e contraditória, o juiz não se pronunciou sobre a questão de o requerente ter protestado reforçar a caução oferecida ou prestá-la de outra forma se a indicada não vier a ser aceite, existe manifesta oposição entre a decisão e os seus fundamentos.
A arguição das nulidades da decisão recorrida mostra-se enreigada na prática forense mas no actual sistema processual civil é, na maior parte das vezes, uma inutilidade.
Com efeito, o artigo 665.º do Código de Processo Civil determina que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.
Por conseguinte, mesmo que a decisão recorrida padeça de nulidade, nem por isso se segue, necessariamente, a anulação do processado e o regresso dos autos à fase anterior ao cometimento da nulidade.
Quando, como aqui sucede, a nulidade não é o único objecto do recurso mas apenas mais um dos fundamentos através dos quais se ataca o mérito da decisão recorrida e se reclama a sua alteração, o tribunal de recurso, ainda que conheça da nulidade, deve substituir-se ao tribunal recorrido sanando a nulidade e conhecendo dos demais fundamentos do recurso.
Sucede mesmo que o tribunal de recurso pode não necessitar sequer de conhecer da nulidade da decisão recorrida e não deve conhecer desse vício se puder logo confirmar ou revogar a decisão recorrida com outro fundamento.
Isso mesmo é referido com inteiro acerto no Acórdão da Relação de Coimbra de 20.12.2011, relatado
por Henrique Antunes, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que “na apelação, a regra é da irrelevância da nulidade, uma vez ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, a Relação deve conhecer do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 do CPC). No julgamento da arguição de nulidade da decisão impugnada de harmonia com o modelo de substituição, impõe-se ao tribunal ad quem o suprimento daquela nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 e 731 nº 1 do CPC). Contudo, nem sempre, no julgamento do recurso, se impõe o suprimento da nulidade da decisão recorrida nem mesmo se exige sempre sequer o conhecimento da nulidade, como condição prévia do conhecimento do objecto do recurso. (…) Raro é o caso em que o recurso tenha por único objecto a nulidade da decisão recorrida: o mais comum é que a arguição deste vício seja apenas mais um dos fundamentos em que o recorrente baseia a impugnação. Sempre que isso ocorra, admite-se que o tribunal ad quem possa revogar ou confirmar a decisão impugnada, arguida de nula, sem previamente conhecer do vício da nulidade. Isso sucederá, por exemplo, quando ao tribunal hierarquicamente superior, apesar de decisão impugnada se encontrar ferida com aquele vício, seja possível revogar ou confirmar, ainda que por outro fundamento, a decisão recorrida. Sempre que isso suceda, é inútil a apreciação e o suprimento da nulidade, e o tribunal ad quem deve limitar-se a conhecer dos fundamentos relativos ao mérito do recurso e a revogar ou confirmar, conforme o caso, a decisão impugnada (artº 137 do CPC).”
Nessa medida e revertendo ao caso concreto, acaba por ser despiciendo saber se a fundamentação da decisão recorrida é inteligível ou enferma de nulidade uma vez que em concreto a apelação demanda da Relação que aprecie ela mesma se existem motivos para rejeitar já a prestação da caução oferecida.
Pelo exposto, declara-se prejudicado o conhecimento das nulidades da decisão recorrida e passa-se ao conhecimento do respectivo acerto.

Refira-se que embora misturadas com outras alegações, o recorrente suscita duas nulidades que não são nulidades da decisão recorrida mas nulidades processuais relativas à omissão de actos processuais que a seu ver deviam ter sido praticados: convite ao aperfeiçoamento da petição inicial; produção dos meios de prova requeridos. Oportunamente, se necessário, nos pronunciaremos sobre estas questões.

ii) Da prestação de caução:
A prestação espontânea de caução por parte do requerente tem como objectivo declarado pelo próprio a “imediata suspensão da decisão proferida”, expressão que consta do cabeçalho e que é depois repetida no artigo 4.º do requerimento inicial onde se menciona pretender “obter o efeito suspensivo relativamente a tal decisão nos termos do artigo 647.º, n.º 4, do nCPC”.
O que o requerente verdadeiramente pretende, como resulta da norma processual citada, é que a apelação da decisão recorrida (sentença que julgou procedente o procedimento cautelar e ordenou a entrega ao requerente de um imóvel) tenha efeito suspensivo; não é suspender a decisão, mas que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso da decisão.
Nessa medida e salvo melhor opinião, o requerimento inicial padecia desde logo de uma irregularidade formal.
O n.º 4 do artigo 647.º do Código de Processo Civil estabelece que fora dos casos previstos no número anterior (dos casos em que a apelação tem efeitos suspensivos da decisão), o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efectiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal.
O n.º 2 do artigo 648.º estabelece, por sua vez, que ao pedido de atribuição de efeito suspensivo pode o apelado responder na sua alegação.
E o artigo 650.º do mesmo diploma estabelece que se a caução não for prestada no prazo de 10 dias após o despacho previsto no artigo 641.º, extrai-se traslado, com a sentença e outras peças que o juiz considere indispensáveis para se processar o incidente, seguindo a apelação os seus termos.
Resulta destas normas que o recorrente deve, ao interpor o recurso e nas próprias alegações de recurso, requerer a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, alegando então os factos necessários para preencher os requisitos da atribuição desse efeito ao recurso (que a execução da decisão lhe causará prejuízo considerável) e oferecendo logo a prestação de caução.
Que isso deve ser feito nas próprias alegações, e não em requerimento autónomo, resulta do disposto nos n.os 2 dos artigos 648.º e 650.º. Só se compreende que o recorrido deva pronunciar-se sobre o pedido do recorrente na resposta às alegações se o pedido dever constar das alegações de recurso, pois não faria sentido que o pedido fosse formulado no articulado de um incidente (autónomo) e a resposta devesse ser dada noutra instância (do recurso).
Da mesma forma, só se até esse momento o incidente estiver a ser processado no próprio recurso (acção principal quando o recurso suba nos próprios autos; apenso do recurso quando este suba em separado) faz sentido que a demora superior a 10 dias após o despacho de admissão do recurso motive a extracção de translado para processar o incidente da prestação da caução (afinal de contas, se a tramitação da prestação da caução já tivesse lugar num incidente autónomo bastaria desapensá-lo).
Acresce que se for processada por apenso, como incidente autónomo, a prestação espontânea de caução tem de observar a tramitação prevista no artigo 913.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 915.º. Ora o n.º 2 daquele preceito diz que a pessoa a favor de quem a caução deve ser prestada é notificada para, no prazo de 15 dias, impugnar o valor ou a idoneidade da garantia. Sendo só esse o objecto possível da impugnação do requerido (o valor ou a idoneidade da caução), ficariam de fora, designadamente, as questões relativas à própria atribuição do efeito suspensivo à apelação que era afinal a exclusiva razão de ser da prestação de caução e que sempre terão de ser apreciadas na sequência da oposição do recorrido (art. 648.º, n.º 2).
Com a agravante de que nesse caso o incidente seria tramitado à margem, sem nele se discutirem os restantes requisitos da atribuição do aludido efeito, mas estes podiam vir a ser enjeitados no recurso, tornando totalmente inútil a tramitação do incidente. Solução estranha, porque o normal será que se discuta a caução apenas depois de apurar que a mesma é necessária, ou seja, que estão reunidos os requisitos para atribuir o efeito suspensivo ao recurso e só falta mesmo prestar a caução.
Não descuramos o disposto no artigo 915.º do Código de Processo Civil que rege sobre a tramitação processual da prestação de caução a título incidental. Segundo o n.º 1 do preceito, o disposto nos artigos anteriores, que regulam a prestação (forçada ou espontânea) de caução a título principal é também aplicável quando numa causa pendente haja fundamento para uma das partes prestar caução a favor da outra, mas a requerida é notificada, em vez de ser citada, e o incidente é processado por apenso.
Tanto quanto se julga, esta disposição que manda tramitar o incidente por apenso (autonomamente) à acção geradora da sua necessidade, aplica-se nos casos em que não existe nenhuma regulamentação processual específica sobre este aspecto, quando da lei não resultar coisa diversa para algum incidente específico. Ao invés, nos casos em que a regulação processual da própria instância geradora da necessidade da caução inclua a regulação do incidente para a sua prestação (norma particular), este deve observar o que aí se encontra especificamente regulado (norma especial) e não o que, supletivamente, resulta do n.º 1 do artigo 915.º do Código de Processo Civil (norma geral supletiva). É o caso precisamente do regime da prestação de caução como incidente com vista à atribuição de efeito suspensivo à apelação, cuja regulação consta dos artigos atrás citados.
Não obsta a esta circunstância, cremos, o facto de o n.º 2 do artigo 915.º incluir na sua previsão, entre outros, o caso previsto “no n.º 4 do artigo 647.º”, que nos ocupa, já que esta norma apenas estabelece que o incidente tem natureza urgente, podendo, pois, separar-se perfeitamente da previsão do n.º 1.
Isto posto, podemos concluir que a instauração em separado de um incidente autónomo para a prestação da caução é, no caso, desprovida de fundamento jurídico-processual. O mesmo entendimento é defendido por Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2.ª edição, pág. 217, ao afirmar que “a atribuição casuística de efeito suspensivo depende da iniciativa do recorrente, a integrar no próprio requerimento de interposição de recurso (ou nas alegações), devendo ser alegados os factos dos quais se possa concluir pela verificação do específico periculum a que a lei se reporta. No mesmo momento e na mesma peça processual, deve o requerente deduzir o incidente de prestação de caução, indicando não apenas o valor que oferece, como ainda o modo porque a pretende efectivar, nos termos do art. 988.º,ex vi art. 990.º,n.º 1. Notificado o recorrido da dedução daqueles incidentes, tem a faculdade de responder na contra-alegação, nos termos do art. 692.º-A, n.º 2, onde pode incluir tanto a impugnação dos factos como a dedução de quaisquer objecções quanto ao valor ou idoneidade da caução.”
Qual a consequência desta irregularidade?
A resposta é-nos dada pelo n.º 3 do artigo 193.º do Código de Processo Civil, segundo o qual o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados. Daqui decorre que se deve considerar que o incidente foi deduzido juntamente com as alegações de recurso nas quais o recorrente requereu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e aí tramitado (sem prejuízo da extracção do translado se e quando se verificar a circunstância processual que o permita).
Qual é a repercussão desta correcção sobre os actos tramitados e a decisão?
A prestação de caução para o fim específico que está em causa depende de três requisitos cumulativos. Tivemos oportunidade de escrever no Acórdão desta Relação de 28.11.2013, que relatámos no proc. n.º 384674/10.3YIPRT-A.P1, disponível in www.dgsi.pt, que: «Não sendo a decisão recorrida nenhuma daquelas a cujo recurso a lei atribui de imediato efeito suspensivo (n.os 2 e 3), o recurso está, à partida, destinado a ter efeito meramente devolutivo, mas pode ainda assim vir a ser-lhe atribuído efeito suspensivo quando (n.º 4) se reunirem três condições ou requisitos: i) que no requerimento de interposição de recurso o recorrente requeira a atribuição desse efeito; ii) que justifique que a execução da decisão lhe causará prejuízo considerável; iii) que se ofereça para prestar caução (feita essa oferta o efeito suspensivo pode logo ser fixado, mas ficará sem efeito se a caução não for efectivamente prestada ou o recurso vier a estar parado, durante mais de 30 dias, por negligência do recorrente em promover os seus termos). Requisito indispensável desta possibilidade é, portanto, a existência de requerimento do recorrente nesse sentido, tendo a lei fixado um momento processual específico para a sua apresentação: o próprio requerimento de interposição de recurso. Quando interpõe recurso o recorrente tem logo de equacionar se estão reunidos os requisitos para lhe poder ser atribuído efeito suspensivo e, nesse caso, sendo do seu interesse que assim suceda, tem de o requerer. E isso é assim porque de acordo com o artigo 684.º-B do Código de Processo Civil, então vigente, no requerimento de interposição de recurso o recorrente deve, entre outras coisas, indicar o efeito do recurso
Apresentado o requerimento cumpre ao juiz verificar se execução da decisão é susceptível de causar ao recorrente prejuízo considerável. Apurada essa circunstância, cumprir-lhe-á verificar qual o valor a caucionar (podendo fixar outro superior ao indicado pelo recorrente) e se a caução oferecida é idónea (sendo certo que se for julgada inidónea haverá que aplicar o disposto nos artigos 909.º, n.º 3, e 910.º, por remissão do 913.º, n.º 3, segunda parte).
Nessa medida, ao pronunciar-se de imediato sobre o valor e a idoneidade da caução oferecida, independentemente do (de)mérito do que a esse respeito argumentou e decidiu, sem antes se pronunciar sobre o primeiro aspecto mencionado, a decisão recorrida omite a apreciação de uma questão prejudicial às questões que apreciou e que não podia ter deixado de apreciar.
É certo que na decisão, envolta na apreciação da questão do valor da caução, o Mmo. Juiz afirma sem mais, a propósito da alegação do prejuízo considerável, que o “requerente nada diz”. Ora se isso é verdade no que concerne ao requerimento inicial deste apenso de prestação de caução, já não é verdade no que respeita ao requerimento onde essa alegação devia mesmo ser feita: o requerimento de interposição do recurso e/ou nas alegações de recurso.
Com efeito, mediante consulta que fizemos à versão digital do processo principal disponível no CITIUS, constata-se que nas alegações de recurso, a pág. 14 e seguintes, o recorrente afirmou a dada altura, já aquando do tratamento do efeito a dar ao recurso, o seguinte:
«(…) o imóvel objecto do contrato de locação financeira em causa nos presentes autos encontra-se integrado na atividade comercial da Recorrente. A Requerida, Recorrente, encontra-se em vias de promover a entrada em juízo de Processo Especial de Revitalização no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, Comarca do Porto.
Tal processo só é viável, se a Recorrente mantiver a sua laboração.
A entrega imediata e forçada do referido imóvel, impedirá, pela própria natureza das coisas, de manter a sua estrutura produtiva».
Ao pronunciar-se sobre o valor e a idoneidade da garantia sem apreciar previamente estas razões apresentadas pelo recorrente para a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, cujo acolhimento é condição da necessidade de averiguação do valor e da idoneidade da garantia, o Mmo. Juiz a quo cometeu uma nulidade processual que consistiu em ter omitido um acto que influi na decisão do incidente (artigo 195.º do Código de Processo Civil).
Por conseguinte, impõe-se anular a decisão e determinar a baixa dos autos à 1.ª instância a fim de que aí se ordene o necessário para o processamento da prestação da caução em conformidade com a tramitação legal que acima se expôs e oportunamente se tome posição sobre as razões apresentadas para a atribuição do efeito suspensivo ao recurso e, se as mesmas forem acolhidas, então sim se fixe o valor a garantir pela caução e se decida se o penhor oferecido é idóneo ou é necessário outro meio de prestação da caução.
Esta conclusão inutiliza a apreciação de todas as demais questões suscitadas no recurso e inclusivamente das nulidades processuais apontadas pelo recorrente.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, anulam o processado posterior à apresentação do recurso e do requerimento de prestação de caução, incluindo a decisão recorrida, para que se cumpram os fins antes assinalados.
Custas do recurso pela parte vencida a final (tabela I-B).
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Porto, 19 de Maio de 2016.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; 273)
Teles de Menezes
Mário Fernandes