Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1499/21.7T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202402051499/21.7T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 02/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Na reclamação contra a relação de bens, considera-se cumprido o ónus de indicação de prova, nos termos do art.º 1105º/3 CPC, quando o reclamante indica e junta documentos, requer informações junto de entidades bancárias, que são deferidas e fornecidas e faz apelo a documentos que constam dos autos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Inv-Reclamação-1499/21.7T8PRT-A.P1

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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):

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                     Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

                        I. Relatório

                        AA, divorciado, contribuinte nº ..., residente no Largo ..., ... Porto, veio requerer inventário para partilha dos bens por óbito de sua mãe BB, que faleceu em 23 de fevereiro de 2019, no estado de viúva, residente que foi na rua ..., ..., ... Porto.

                       Propôs para exercer o cargo de cabeça-de-casal CC, filho da inventariada e com esta residente à data do óbito.


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                        Proferiu-se despacho que nomeou CC para o cargo de cabeça-de-casal e determinou-se a sua citação para os termos do inventário.

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                        O cabeça-de-casal veio apresentar relação de bens e nova relação de bens retificada (24 de junho de 2021, ref. Citius 29301037).

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                        Proferiu-se despacho a ordenar o cumprimento do disposto no art.º1104º/1/2 CPC.

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                       Os interessados DD e AA vieram apresentar reclamação à relação de bens.

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                       Estando em causa apenas a reapreciação do despacho no segmento que apreciou a reclamação apresentada pelo interessado AA, reproduz-se o teor da reclamação:

                       “A Relação de Bens apresentada, não só não cumpre os ditames da Lei, identificando cada uma das verbas por forma a que se possam identificar.

                       “A menção dos bens é acompanhada dos elementos necessários à sua identificação …”

                       A forma como se encontram “relacionados” não são suscetíveis de ser identificáveis.

                       Assim como agrupa, sem qualquer critério, inúmeros bens, de valor muito díspar e sem sequer os identificar.

                       Por outro lado, no que diz respeito aos objetos de ouro, prata, pedras preciosas, deverão ser objeto de avaliação pois que o cabeça-de-casal não tem a competência necessária para poder indicar os respetivos valores.

                       Razão aliás por que os valores indicados se afiguram sem qualquer critério e puramente aleatórios, não sendo crível que quase todos possuam o mesmo valor ????

                       Assim, não pode perceber o reclamante, ou o Tribunal, que bens efetivamente estão a ser relacionados.

                       Pelo que, deverá o cabeça-de-casal ser notificado para apresentar relação de bens devidamente elaborada de acordo com a Lei, identificando os bens constantes de forma a poderem ser identificados e devidamente individualizados por verba e não de forma agrupada.

                        Sem Prescindir

                        Reclamar da Falta de Bens

                       Bem sabe o cabeça-de-casal que deverá descrever os bens individualmente e não como faz relativamente aos quadros, roupas, loiças, vidros e cristais, pratos e loiças de companhia das índias, faianças, serviços de copos e cristais, cristais decorativos.

                       Aquando do óbito do marido da inventariada foi efetuada promessa de partilha dos bens móveis que faziam então parte daquela herança, e que foram descritos de forma a que todos os pudessem identificar no documento de que se junta cópia sob o nº 1 e se dá por reproduzido.

                       Estes bens, salvo alguns que foram entretanto entregues não foram partilhados e fazem parte da presente herança, no que diz respeito a um quarto dos mesmos.

                       A estes bens móveis haverá que acrescer os bens que eram próprios da autora da herança e, como tal aí não referidos.

                       Em bom rigor da herança apenas faz parte ¼ desses bens, os herdados da filha EE, pois aqueles estes ficaram em compropriedade sendo a autora da herança apenas a sua usufrutuária.

                       Bastará confrontar este documento com os bens relacionados para, desde logo se perceber da falta de inúmeros bens.

                        O que mais impressivo resulta das fotografias juntas e das quais resulta faltarem vários bens móveis – vide doc.2 a 75.

                       Da relação apresentada desde logo pode verificar-se que faltam bens, a saber:

                        As contas bancárias

                       A inventariada possuía mais de uma conta bancária, quer em nome próprio quer, contas bancárias em nome do cabeça-de-casal onde eram depositados os seus rendimentos.

                       Pois a inventariada sofria de uma doença ocular degenerativa com a sua vista muito diminuída tendo na prática cegado há cerca de dez anos.

                        Não conseguindo ler e apenas conseguindo assinar alguns, nem todos, os documentos.

                        Mas pelo menos sabe-se que teria as seguintes:

                       - Conta da Banco 1... nº ... – onde é depositada a renda que recebia – vide doc. 76

                        - Conta nº ... – indicada na declaração para efeito de liquidação de I.S. – doc. 77

                       - Era a usufrutuária da Conta com o IBAN ... onde foi depositado o preço da alienação do usufruto de imóvel de que será titular o cabeça-de-casal – doc. 78.

                        Outros Créditos

                       - Crédito pelas rendas percebidas respeitantes ao imóvel e cujas rendas continuam a ser percebidas pelo cabeça-de-casal, nomeadamente a renda do prédio sito na rua ..., ..., Vila Nova de Gaia, de que será arrendatário FF e outra;

                       - Crédito emergente de transação celebrada em processo de execução por rendas e que se encontra a receber, celebrado em processo que terá corrido os seus termos pelo Tribunal da Comarca de Vila Nova de Gaia, que o cabeça-de-casal deverá identificar.

                       - Crédito de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) sobre o cabeça-de-casal CC, correspondente à venda do direito de usufruto que a que se refere o documento anexo sob o nº 78.

                       Os Objetos de Ouro, Prata e Pedras Preciosas

                       De qualquer forma é possível perceber que faltam pelo menos:

                       - Moedas em prata comemorativas e de coleção, incluindo 7 moedas romana – vide Fotografias

                        - Moeda D. João em Ouro – vide Fotografia

- Um fruteiro em prata gomado;

- Um cinzeiro de prata com moedas;

                        - Três salvas de prata;

                        - Uma tacinha em prata dourada;

                        - Um marcador de garrafas “Cognac” em prata;

                        - Um abre cartas em prata e pau santo;

                        - Uma fosforeira de bandeja em prata;

                        - Um frasco de perfume em cristal verde com tampa de prata (1);

                        - Um frasco de perfume em cristal verde com tampa de prata (2);

                       - Seis Taças de prata – tiro a serem melhor identificadas;

                        - Um Galheteiro de prata;

                        - Um Aquecedor de balões de prata;

                        - Uma pinça de gelo de prata;

                        - Uma salva bilheteira de prata marcada Guimarães;

                        - Uma garrafa em Cristal Verde e tampa de prata;

                        - Um alfinete com brilhante de gravata:

                        - Um broche com retrato de esmalte e ouro;

                        - Um alfinete com mosaico de pedras (brasão;

                        - Um alfinete em forma de espiga de ouro, esmaltes e brilhantes;

                        - Um alfinete com brilhantes e esmeraldas em forma de margarida;

                        - Medalhas de prata com santinho;

                      - Um anel com brilhante e pérola (Romeu e Julieta) em platina;

                        - Uma caixa de Luvas com aplicações de prata;

                        - Colheres de chá em prata;

                        - Colheres de café em prata.

                       Que todos constam das fotografias juntas e cuja descrição não é possível fazer de forma mais concreta por se encontrarem na posse do cabeça-de-casal sem que o ora reclamante a este tenha acesso.

                        Móveis

                       - Livros existentes, atribuindo-lhe, pois que constituem conjuntos diversos, de valor diverso, nomeadamente: Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira; O Douro Ilustrado – Visconde de Vilar Maior D. Manuel; D. Carlos; Os Primitivos Portugueses; Edição das obras de Camões; Oito Séculos de Arte Portuguesa; todos os livros de arte da Editora Civilização; Coleção da Revista “O Tripeiro”; Várias primeiras Edições de autores portugueses, algumas dedicadas e oferecidas a avós e pais; As demarcações do Douro Vinhateiro, primeira edição c/ dedicatória; Enciclopédia Inglesa e livros de apoio em inglês; Livro de S. Cipriano – Faz parte do processo do crime de Soalhães; o Diário de Miguel Toga; primeira edição de Mário de Sá Carneiro, etc.etc.

                       - Vinhos e Bebidas, não relacionou a garrafeira de vinhos velhos, nomeadamente de vinhos do Porto, sendo pelo menos três garrafas da colheita de 1870, os vinhos da colheita da Quinta da Quintã. Como resulta da relação de bens assinada por todos.

                       - Falta relacionar uma cadeira de couro preto e pregaria, idêntica às cadeiras da Sala de Jantar (são em couro castanho).

                       - Outros serviços de jantar não relacionados como se demonstra pelas fotografias juntas.

                       - Faltam relacionar as lanternas de teto e candeeiros;

                       - Faltam relacionar os candeeiros de mesinha de cabeceira, e vários de mesa:

                       - Falta relacionar Louças decorativas, e conjuntos de cristal decorativos;

                        - Falta relacionar Jarras e jarrões de Cristal;

                      - Falta relacionar os inúmeros vidros, nomeadamente vidros coalhados, frascos de vidro antigo;

                        - Jarrão e Terrinas Chinesas

                        - Par de pratos Japoneses azuis e brancos;

                       - Serviço completo de copos de cristal Atlantis empacotado;

                        - Imagens de santos;

                        - Um par de cadeiras D. Maria de palhinha;

                        - Uma cómoda em vinhático de estilo;

                        - Uma cadeira D. Maria de Braços em palhinha;

                        - Diversas mísulas;

                        - Uma mísula trabalhada em madeira;

                        - Uma estante de livros pequena trabalhada

                        - Inúmeros objetos decorativos;

                       - Molduras e fotografias diversas, cartas de curso de pai e avô com selo em prata, pastas de curso com fitas dos mesmos, etc. etc.

                        Imóveis

                        Legados por testamento

                       Falta relacionar os seguintes bens imóveis constantes de testamento

                       - Um terço indiviso do prédio urbano sito na rua ..., ..., União das freguesias ..., ... e ..., concelho do Porto, inscrito na Matriz sob o artigo ... ou (...);

                       - Um terço indiviso do prédio misto denominado “Quinta ...” sito na freguesia ..., concelho de Baião, inscrito na respetiva Matriz sob o artigo ...;

                       - Um terço indiviso do prédio rústico denominado “...” ou “...” sito na freguesia ..., concelho de Baião, inscrito na respetiva Matriz sob o artigo ....

                        Partilhado em Vida

                       O bem imóvel doado ao cabeça-de-casal pela escritura de Partilha em Vida realizada em 18 de Dezembro de 2003 no Primeiro Cartório Notarial de Barcelos – vide doc. 79.

                       Bens que terão que ser relacionados por forma a poder verificar-se se existe ou não inoficiosidade no que diz respeito aos legados efetuados no testamento. E cujo valor deverá ser apurado por referência ao óbito da doadora.

                        Concluindo

                  Nos termos expostos e nos melhores de Direito deverá o presente requerimento ser admitido e consequentemente:

                       Notificado o cabeça-de-casal para apresentar relação de bens que cumpra com a identificação, individualização dos bens relacionados;

                       Proceder à avaliação dos bens de Ouro, Prata e Pedras Preciosas por avaliador oficial ou, apresenta-los em Tribunal para esse efeito;

                        Completar a relação de bens, nos termos expostos, nomeadamente relacionando os que se encontram em falta.

                        Notificado o cabeça-de-casal para informar sobre a localização e condições de armazenamento dos bens da herança.

                        Junta: 1 documento

                       Protesta juntar: Em tempo útil protesta juntar 78 documentos”.


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                       O cabeça-de-casal veio responder à reclamação nos seguintes termos:

                        “DA RECLAMAÇÃO DE AA

                   3º- A reclamação de bens apresentada é quase toda ela ininteligível, pelo que, por cautela e dever de ofício se impugna.

                       4º- Toda a matéria alegada é falsa, pelo que, expressamente se impugna”.

                        Juntou, ainda, nova relação de bens.


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                       O interessado e reclamante AA veio, em requerimento próprio, juntar os documentos que protestou apresentar.

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                       O cabeça-de-casal veio opor-se por considerar a junção extemporânea.

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                       Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual, aceitando a sugestão das partes, o juiz determinou que se solicitasse informações bancárias.

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                       O Banco 2... e a Banco 1..., SA prestaram informações.

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                       Proferiu-se despacho que indeferiu o requerimento de provas apresentado pelo interessado DD (06 de novembro de 2022- ref. Citius  441559559).

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                       Proferiu-se despacho que designou data para produção de prova.

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                       O cabeça-de-casal veio desistir da inquirição da testemunha.

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                       Em 17 de janeiro de 2023 (ref. Citius 444262119) proferiu-se o seguinte despacho:

                       “Requerimento de 16/01: em face da posição do cabeça-de-casal, quanto à inquirição da testemunha arrolada, dou sem efeito a data designada para produção de prova.

                       Notifique, devendo as partes, em 10 dias, virem dizer se existe possibilidade de acordo quanto à matéria da reclamação quanto à relação de bens sendo que, nada sendo dito, será proferida decisão de acordo com os meios de prova juntos aos autos”.

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                       Pronunciaram-se os interessados no sentido de não existir acordo.


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Em 07 de fevereiro de 2023 (ref. Citius 444952470) proferiu-se despacho com a decisão e fundamentos que se transcrevem:

                        “ Conforme se escreveu no despacho de 06/12, “na sequência da relação de bens apresentada em 24/06/2021 pelo cabeça-de-casal, vieram os interessados GG e AA apresentar reclamação, em 10/10/2021 e em 11/10/2021 respetivamente, acusando a falta de relacionação de contas bancárias, de objetos em ouro, prata e pedras preciosas, de bens móveis, de bens imóveis e de créditos de rendas recebidas pelo cabeça-de-casal e impugnando o valor dos objetos em ouro, prata e pedras preciosas e dos bens móveis relacionados.

                       Com as reclamações contra a relação de bens, os interessados GG e AA não arrolaram testemunhas, nem requereram a produção de outra prova, sendo que o interessado AA juntou um documento e protestou juntar 78 documentos.

                       O cabeça-de-casal respondeu às reclamações em 22/11/2021 e arrolou uma testemunha.

                       Em 05/12/2021, o interessado GG veio requerer as suas declarações de parte e indicar duas testemunhas.

                       Estatui o art.º 1091.º, n.º 1, do CPC que aos incidentes do processo de inventário aplica-se, salvo indicação em contrário, o disposto nos artigos 292.º a 295.º.

                       Inexiste indicação em contrário quanto ao incidente de reclamação contra a relação de bens, pelo que lhe é aplicável o disposto nos artigos 292.º a 295.º.  Prescreve o art.º 293.º, n.º 1, do CPC que no requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova.

                        Não tendo os interessados arrolado testemunhas e requerido outros meios de prova na reclamação contra a relação de bens, ficou precludida, atento o disposto na norma legal referida no parágrafo anterior, a faculdade de o fazerem posteriormente.

                       A única exceção que a esta regra pode ocorrer é a prova por declarações de parte, caso haja lugar a produção de prova pessoal (testemunhal, depoimentos de parte ou declarações de parte), como decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 466.º, n.º 1, e 295.º, n.º 1, do CPC. (…)

                        Ora, o cabeça-de-casal arrolou uma testemunha na resposta à reclamação contra a relação de bens, pelo que, se for produzida a prova testemunhal por ele indicada, pode qualquer interessado requerer as suas declarações de parte até às alegações previstas no art.º 295.º, n.º 1, do CPC.”

                       Posteriormente, o cabeça-de-casal prescindiu da testemunha arrolada pelo que fica prejudicado o pedido de declarações de parte.

                       Em consequência, e cabendo a prova dos factos alegados nas reclamações aos requerentes, conforme o artigo 342º, n.º 1 do C. Civil, julgo desde já improcedentes as reclamações apresentadas – artigo 1105º, n.º 3 do CPC.

                        Custas pelos reclamantes.

                       Registe e notifique e, após trânsito, cumpra o disposto no artigo 1110º, n.º 1, b) do CPC”.


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                       O interessado AA veio interpor recurso dos despachos proferidos em 17 de janeiro de 2023 e 07 de fevereiro de 2023.

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                        Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:

                        1- O Despacho de fls. , refª 444262119, que dá sem efeito a audiência de produção de prova viola o disposto no artigo 295 do CPC ao não permitir a produção de prova por declaração de parte prevista no artigo 466º do CPC;

                        2- Prova que pode ser requerida até ao momento do início das alegações orais;

                       3- Ao não realizar e dar sem efeito a audiência omitiu a prática de uma irregularidade, impossibilidade de produção de prova e da discussão oral do direito, sancionada com a nulidade por influir no exame e na decisão da causa;

                       4- A revogação do despacho de fls. refª 444262119 e sua substituição por outra que ordene a sua realização, anulando todos os atos praticados posteriormente é de são de inteira Justiça.

                        Sem prescindir

                        5- O Despacho de fls e refª 444952470 que indefere a reclamação apresentada não se pronuncia sobre as questões suscitadas na reclamação.

                       6- A relação de bens, no que diz respeito aos bens móveis, joias e objetos de ouro e prata, viola a obrigação de identificação imposta pelo art.º 1098 do CPC, não sendo possível e identificar e distinguir os móveis, objetos de ouro e joias que pretende relacionar.

                       7- A sua revogação e prolação de despacho que ordene a apresentação de relação de bens que cumpra o disposto no artigo 1098º do CPC, identificando e relacionando individualmente os bens da herança;

                        8- O Despacho de fls. não tomou em consideração os documentos de prova juntos com a reclamação e produzidos nos autos que impunham uma decisão diversa;

                       9- Encontra-se junta aos autos documento subscrito pelos interessados identificando parte dos bens da herança e do qual parece resultar a falta de relação e identificação de inúmeros bens móveis e objetos de outro e prata;

                       10- O cabeça-de-casal nas suas declarações, confessa e junta documento, testamento, de que resulta a existência de imóveis que lhe foram legados a si e ao interessado GG e que não se encontram relacionados como deveriam;

                       11- Encontra-se junto aos autos o documento necessário e suficiente para prova da existência de Doação / Partilha em Vida efetuada pela autora da herança ao cabeça-de-casal;

                        12- Encontra-se nos autos documento de alienação do usufruto de que a autora da herança era titular, quatro dias antes do seu decesso;

                    13- A conta bancária relacionada pelo cabeça-de-casal não reflete o pagamento daquela alienação, mas que o mesmo entrou em conta bancária de que aquele é o titular.

                       14- Assim como relacionado o dinheiro resultante da venda do direito de usufruto de que a autora era titular efetuado pelo título de venda junto aos autos, escassos quatro dias antes do óbito demonstrado pelo título de alienação junto aos autos;

                       15- A revogação do despacho de fls. e sua substituição por outro nos termos defendidos.


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                       O cabeça-de-casal veio apresentar resposta ao recurso, alegando em síntese que os despachos não merecem censura.

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                        O recurso foi admitido como recurso de apelação.

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                        Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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                        II. Fundamentação

                        1. Delimitação do objeto do recurso

                       O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso –  art. 639º do CPC.

                        As questões a decidir:

                         a) despacho proferido em 17 de janeiro de 2023

                       - se o despacho proferido viola o disposto no art. 295º CPC e tal irregularidade interfere no exame e decisão da causa.


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                        b) despacho proferido em 07 de fevereiro de 2023

                        - se o reclamante omitiu a produção de prova e se o despacho proferido omite a apreciação das questões suscitadas na reclamação, face aos elementos de prova documentais que constam dos autos e questões de direito suscitadas.


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                        2. Os factos

                       Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os termos do relatório.  


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                        3. O direito

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- Despacho proferido em 17 de janeiro de 2023 –

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                       Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 4, sustenta o apelante que o despacho proferido em 17 de janeiro de 2023, ao determinar que não se realiza a produção de prova, omitiu a prática de um ato, irregularidade, pela impossibilidade de produção de prova por declarações de parte e da discussão oral do direito, sancionada com a nulidade por influir no exame e decisão da causa.

                        Cumpre relembrar o segmento do despacho objeto de impugnação:

                       “Requerimento de 16/01: em face da posição do cabeça-de-casal, quanto à inquirição da testemunha arrolada, dou sem efeito a data designada para produção de prova”.

                       Trata-se, assim, de apurar se a omissão de audiência para produção de prova constitui uma nulidade, que interfere no exame e decisão da causa e o apelante está em tempo para suscitar tal irregularidade.

                        O incidente de reclamação à relação de bens segue a tramitação prevista no art.º 1104º e 1105ºCPC.

                       Nos termos do art.º 1105º/3 CPC “a questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos art. 1092º e 1093º”.

                       O art. 1110º/1/a) CPC prevê, por sua vez, que “[d]epois de realizadas as diligências instrutórias necessárias, o juiz profere despacho de saneamento do processo em que: a) resolve todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar”.

                       O art.º 1091º/1 CPC prevê, ainda, que ”aos incidentes do processo aplica-se, salvo indicação em contrário, o disposto nos art. 292º a 295º”.

                      No art.º 295º CPC determina-se: ”finda a produção da prova, pode cada um dos advogados fazer uma breve alegação oral, sendo imediatamente proferida decisão por escrito, aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto no art.º607º”.

                       O regime previsto nos art.º 292º a 295º CPC aplica-se à tramitação dos incidentes em processo de inventário, salvo indicação em contrário.

                       Prevendo a lei uma tramitação específica para a reclamação à relação de bens, em que a questão é decidida, em regra, no despacho de saneamento do processo, depois de efetuadas as diligências consideradas necessárias, não há lugar à marcação de uma audiência para produção de prova e realização de alegações orais, como se prevê no art.º295º CPC.

                       Mas ainda que assim não se entenda, a marcação de diligência para produção de prova por declarações de parte, tem como pressuposto a formulação de requerimento nesse sentido pelo interessado reclamante, o que não aconteceu no caso concreto. Foi o interessado DD, quem formulou tal requerimento, pretendo as suas próprias declarações de parte. O interessado AA nunca formulou tal requerimento.

                       Contudo, sempre se dirá que a omissão de tal diligência - produção de prova por declarações - constituiria uma irregularidade que devia ser suscitada junto do juiz do processo.

                       Com efeito, as nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais“[2].

                       Atento o disposto nos art.º195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

                       Porém, como referia ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[3].

                     As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art.º 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art.º 199º CPC.

                       A omissão de produção de prova por declarações de parte não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.

                       Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art.º 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art.º 199º CPC.

                       A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa“.

                       No sentido de interpretar o conceito ALBERTO DOS REIS tecia as seguintes considerações:“[o]s actos de processo têem uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela“[4].

                        Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.

                       Tal omissão tinha de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 149º/1 CPC, ou seja, a partir da data em que foi notificado ao interessado-reclamante (aqui apelante), o despacho proferido em 17 de janeiro de 2023 que deu sem efeito a produção de prova.

                       Verifica-se que na data em que foi interposto recurso estava já amplamente excedido o prazo de 10 dias para reclamar da omissão do ato.

                       O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art.º 196º a 199º CPC.

                        Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 4.


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-Despacho proferido em 07 de fevereiro de 2023 -

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                       Nas conclusões de recurso, sob os pontos 5 a 15, insurge-se o apelante contra o despacho recorrido, por entender que foi produzida prova sobre as questões suscitadas na reclamação e por o despacho ser omisso quanto às questões suscitadas.

                       No despacho recorrido, proferido em 07 de fevereiro de 2023, julgaram-se improcedentes as reclamações apresentadas, perante a falta de indicação de prova nas reclamações apresentadas à relação de bens, porque cabe aos reclamantes a prova dos factos alegados nas reclamações, conforme o artigo 342º, n.º 1 do C. Civil.

                       Na questão a apreciar está em causa apurar se o despacho é omisso em relação às questões suscitadas na reclamação, quanto à matéria de facto, por não atender à prova produzida, quer quanto às questões de direito.

                       Cumpre ter presente, antes do mais, que foram apresentadas duas reclamações à relação de bens, em requerimentos autónomos: uma, deduzida pelo interessado DD e outra, pelo interessado AA.

                       Apenas o interessado AA veio interpor recurso do despacho que indeferiu a reclamação.

                       A reclamação apresentada, cujo teor consta transcrito no relatório, contém questões de facto e de direito. Na reclamação foi indicada prova documental.

                        Na reclamação contra a relação de bens as provas são indicadas com o requerimento, como se prevê no art.º 1105º/2 CPC.

                       Como se referiu, nos termos do art.º 1105º/3 CPC, a questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz.

                        No caso concreto, o interessado apresentou prova, prova documental, o que fez com a apresentação do requerimento e mais tarde, como protestou. Aliás, sobre este requerimento o tribunal não se pronunciou. Por outro lado, por determinação do juiz, em sede de audiência prévia, solicitaram-se informações sobre o saldo das contas bancárias, as quais foram prestadas pelas respetivas instituições. Constam, ainda dos autos as escrituras pública de doação e o testamento, a que faz alusão o reclamante.

                       O reclamante apresentou prova com o requerimento em que deduziu reclamação contra a relação de bens.

                        Questão diferente consiste em apurar se a prova se mostra idónea a demonstrar os factos que alega, mas tal juízo passa pela ponderação da prova apresentada e que não foi feito no despacho recorrido.

                       O apelante considera, ainda, que o despacho é omisso a respeito das questões suscitadas na reclamação.

                       Na reclamação, o interessado suscita ainda questões de direito, quanto à necessidade de se relacionarem bens doados e legados e relação de outros créditos, para além de requerer a avaliação de certos bens que indica, sendo que em relação a tal matéria suscitam-se questões de direito que cumpre apreciar.

                        A decisão é omissa a respeito da apreciação de tais questões, sendo nulo o despacho que omite a apreciação de questões que deva apreciar, como determina o art.º 615º/1 d) CPC.

                       Conclui-se que o apelante indicou prova com a reclamação contra a relação de bens, prova essa documental, a qual se mostra junta aos autos e por isso, cumpriu o ónus que sobre si recaía, nos termos do art.º 1105º/2 CPC.

                        Procedem, desta forma, as conclusões de recurso, sob os pontos 5 a 15, com a consequente revogação do despacho recorrido, prosseguindo os autos para saneamento com apreciação e decisão da reclamação face à prova produzida ( art.º 1110º/1/a) CPC).


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                       Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante e apelado, na mesma proporção.

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                        III. Decisão:

                        Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e nessa conformidade:

                       - confirmar o despacho proferido em 17 de janeiro de 2023; e

                        - revogar, em parte, o despacho proferido em 07 de fevereiro de 2023, prosseguindo os autos para saneamento com a apreciação e decisão da reclamação contra a relação de bens apresentada pelo interessado AA.


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                       Custas a cargo do apelante e apelado, na mesma proporção.

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Porto, 05 de fevereiro de 2024

(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art. 131º, 132º/2 CPC)


Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
José Eusébio Almeida
António Mendes Coelho
_________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pág. 156.
[3] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pág. 357.
[4] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, ob. cit., pág. 486.