Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
528/11.7TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: REVELIA
REVELIA OPERANTE
ABUSO DE DIREITO
PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RP20181022528/11.7TVPRT.P1
Data do Acordão: 10/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 682, FLS 479-514)
Área Temática: .
Sumário: I – A revelia operante tem por efeito a confissão dos factos articulados pelo autor, tal como estabelece o art.567.º/1, in fine, CPC. Tratando-se de um facto, a primeira caraterística ontológica que lhe assiste é evidente: o facto é. Ou se verifica, ou não. O «dever existir» está afastado do campo dos factos, por ser pertinente à valoração que se faz do facto.
II - Se na petição inicial, o autor alega uma hipótese («o réu sabia ou devia saber»), essa alegação não se torna num facto certo da vida real pelo silêncio do réu e consequente confissão ficta.
III - A boa-fé civil não tem apenas efeitos no campo substantivo mas também no campo processual, aí impedindo e sancionando o abuso de direito de ação, mormente por via da responsabilidade civil extracontratual.
IV – O abuso de direito no campo processual, numa perspetiva macroscópica, pode aferir-se tendo em conta, designadamente, os seguintes índices: - o exercício gratuito do direito com o único e manifesto propósito de negar interesses dos outros, revelando-se, em contrapartida uma falta de interesse objetivo para o exercente (ex. a vingança e a pura finalidade de prejudicar terceiros);- a afirmação de interesses próprios mas em que se patenteia uma lesão ponderosa (mas de todo escusada) de interesse alheio (ainda que não dolosa); - o exercício do direito desviado do interesse que lhe é imanente e que justificou a sua atribuição, sendo abusiva qualquer situação subjetiva processual que se desvie manifestamente desse interesse;- a ação por má vontade ou para pressionar o lesado (ex., a ação sem fundamento relativa a um imóvel e registo da mesma, com isso podendo impedir a comercialização do imóvel, causando danos em cadeia); - o pedido manifestamente vexatório ou desprovido de qualquer propósito real.
V – A tutela judicial efetiva, na área do urbanismo e no quadro das chamadas relações jurídicas poligonais, acha-se especialmente reforçada, em moldes semelhantes ao que a lei prevê para o consumidor.
VI - Uma situação de significativo desequilíbrio entre as partes (um particular comum de um lado, o município e uma grande empresa do setor imobiliário, do outro) impõe que na concretização do que seja abuso de direito se considere o fim económico e social do direito exercido, visando restabelecer um certo equilíbrio de posições, tanto quanto possível, à semelhança do que ocorre, por exemplo, quando se reconhece a vulnerabilidade do consumidor.
VII – Não é abusiva, mormente pela pretensa criação de danos patrimoniais prolongados, a ação administrativa proposta por particular contra o município e empresa promotora imobiliária, quando aquele se considera afetado por um ato de licenciamento a favor desta dirigido à construção de edifício com área de mais de 18.000 m2, e considerando ser tal ato ilegal, segundo fundamentos que expressa, tendo previamente falhado na tentativa de compor extrajudicialmente os seus interesses, ainda que registe a ação e não logre obter vencimento da causa administrativa.
VIII- Para efeitos de aplicação do disposto no art. 6.º, n.º7 RegCP (dispensa do pagamento remanescente da taxa de justiça), não pode deixar de se considerar de especial complexidade uma ação de natureza cível cuja finalidade reside na avaliação dos pedidos e causa de pedir apresentados perante a jurisdição administrativa em ordem a verificar se comportam abuso de direito de ação quando tal ponderação implica análise dos articulados apresentados naquela jurisdição, das decisões proferidas em primeira e segunda instâncias, no Supremo Tribunal Administrativo e, também, no Tribunal Constitucional, além da verificação dos institutos jurídicos convocados naquela ação de natureza administrativa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 528/11.7TVPRT.P1
Relatora: Fernanda Almeida
1.º Adjunto Des. António Eleutério
2.ª Adjunta Des. Isabel Soeiro
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Sumário do acórdão proferido no processo n.º 528/11.7TVPRT.P1 elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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I - RELATÓRIO

AUTORA: B..., S. A., com sede na Rua ..., n.º .., Porto

RÉUS: C... e marido, D..., residentes na Rua ..., n.º .., ..º Dt., Porto

Por via da presente ação declarativa, instaurada a 8.7.2011, pretende a A. obter a condenação dos RR. no pagamento da quantia de 2.834.461 EUR, acrescida de juros de mora desde a citação até pagamento; ainda, o montante mensal de 140.548 EUR até extinta a ação administrativa que dá causa à presente e, bem assim, no valor a liquidar em execução posterior relativamente aos prejuízos decorrentes de: - atraso na venda das frações construídas pela A.; - promessas de venda que a A. não pôde honrar; - desvalorização do edifício com o decurso do tempo; - diminuição da imagem da A. mercê do anátema de que se possa ter conluiado com o Município ... para ver aprovado volume de construção superior ao legalmente permitido.
Para tanto alegou que os RR., arrogando-se donos de quota-parte de um imóvel confrontante com dois prédios da A., propôs ação administrativa contra o Município ..., sendo a aqui A. aí contrainteressada. Os ali AA. visavam a declaração de nulidade do ato administrativo que licenciou construção da A., mais pedindo a demolição da construção e o cancelamento dos registos relativos à propriedade horizontal. Os ali AA. registaram a ação. Contudo, sabiam que a o ato administrativo em causa era válido e sem vício. Propuseram a ação, registando-a escusadamente, apenas para prejudicar a A. que, assim, se viu impedida de comercializar plenamente as dezenas de frações construídas, com desprestígio para a sua imagem. Visaram, tão-só, ver-se indemnizados de prejuízos que nunca esclareceram e esta atuação, sendo abusiva e ilegítima, causou danos extensos que a A. visa ver ressarcidos (não conclusão das vendas, despesas com manutenção do prédio, etc…).
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Os RR. foram citados, tendo oferecido contestação.
Porém, não procederam ao pagamento da taxa de justiça devida.
A contestação veio a ser desentranhada.
Os autos aguardaram o desfecho da ação administrativa n.º 165/10.BEPRT – Unidade Orgânica 2 do TAFP.
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Por despacho de 29.2.2018, foi elaborado saneador e, abrigo do disposto no artigo 567.º, n.º 1, do CPC, considerados confessados pelos Réu os factos articulados pela Autora que assim o possam ser.
Por sentença de 9.3.2018, foi decidido o seguinte:
- julgar improcedente a ação e absolver os Réus do pedido;
- condenar a A. em custas, dispensando-a em 35% do pagamento de taxa de justiça remanescente (artigo 6.º, n.º 7, do R. C. P.) uma vez que a ação se revela complexa, com inúmeros factos, análise de diversas decisões e legislação de outra jurisdição que não a cível, sendo que os prejuízos em causa cuja proteção se pede são proporcionais ao valor de custas que se terão de pagar (assim na proporção de 65% da taxa remanescente).
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Nessa sentença foram considerados provados os seguintes factos:

1). Em Janeiro de 2010, os ora Réus instauraram, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP) ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo (Proc. n.º 165/10.BEPRT – Unidade Orgânica 2 do TAFP) contra o Município ..., pedindo que:
- fosse declarado nulo despacho proferido em 27/07/2006 pelo vereador do pelouro do urbanismo e da mobilidade do Município ... e pelo qual foi licenciada a construção de edifício, pertencente a «B... …», sito entre a Av ... e a Rua ..., descrito sob os números 711 e 712 da C. R. P. do Porto e inscrito na matriz da freguesia ... sob os artigos 4796.º e 5459.º;- fosse condenado o Município ... a praticar todos os atos e diligências necessários à demolição do edifício licenciado pelo ato impugnado; fosse ordenado o cancelamento de todas as descrições e inscrições prediais relativas à propriedade horizontal que vier a constituir-se sobre o edifício licenciado, incluindo as que dizem respeito às frações autónomas, construído no terreno descrito sob os números 711 e 712 na C. R. P. do Porto, ... e inscrito na matriz sob os artigos n.ºs.4796 e 5459 (…).
2). Foi indicado como contrainteressado «B... …» - artigo 78.º, n.º 2, f), do então C. P. T. A. - que, citada para esse efeito, contestou alegando falta de interesse em agir, ineptidão da petição inicial e improcedência da ação.
3). Foi nessa ação proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções e ordenou a notificação das partes para apresentarem alegações escritas, tendo as partes assim feito.
Foi então proferido em 12/07/2013 Acórdão por aquele Tribunal Administrativo onde foram considerados provados os seguintes factos: 1) Em 26/11/1999, a contrainteressada requereu um pedido de informação prévia (o qual foi numerado como PIP n.º 31234/99) para construção de edifícios a levar a efeito no terreno entre a Avenida ... (a Sul), Rua ... (a Norte), ... e ... (a Nascente) e o ... (a Poente), prevendo na memória descritiva (datada de 17/11/1999) uma área útil de construção total de 22041,0 m2; 2). Em 09/01/2000, a contrainteressada apresentou um Aditamento ao PIP n.º 3234/99, ao qual foi atribuído o número de entrada 01904, apresentando novas peças desenhadas, dando sem efeito as anteriormente apresentadas; 3) No PIP n.º 31234/99, foi prestada uma informação pelo Gabinete de avaliação de projetos estratégicos (GAPE), com o seguinte teor: «Reunião - 5 de Setembro de 2000. Após análise do projeto o GAPE foi da opinião que a solução proposta não se integra convenientemente no espaço urbano envolvente, nomeadamente, na sua articulação com as construções a poente (...) e na solução viária definida. Assim, a DmEstU ficou de desenvolver um estudo urbanístico que abranja o terreno do requerente e os envolventes. Posteriormente deverá ser realizada uma reunião no GAPE»; 4). Em 03/05/2001, a contra-interessada anexa novos elementos ao PIP n.º 31234/99, com o Aditamento 1904/00, solicitando a sua aprovação, passando a ser numerado como PIP n.º 10252/01; 5) Em 13/09/2001, foi aprovado o Pedido de Informação Prévia (PIP) n.º 10252/01, com a capacidade edificatória total, de 18.272,1 m2, nos termos do qual se previam os seguintes parâmetros urbanísticos: Área do terreno - 11378 m2; Área das faixas de terreno de 30m de profundidade - 6 024 m2; Área restante (além dos 30 m) - 5354 m2; Área de construção proposta acima do solo - 18 132 m2; Área de garagens privadas 5693 m2; Área de implantação da construção - 6173 m2; 6) Em 30/04/2002, foi apresentado o projeto de arquitetura, que foi instruído pelo processo n.º 8085/2002, no qual se previa uma área total de construção acima do solo de 18102.06 m2 tendo sido aprovado em 23/02/2004; 7) Na sequência da manifestação pelo Município em ver concertada uma solução urbanística que contemplasse uma solução arquitetónica com menor relevância volumétrica na envolvente, a contrainteressada apresentou em 18/05/2004 novo Pedido de Informação Prévia, o qual foi instruído no processo com o n.º 15795/04, sendo aprovado cm 23/08/2004, e prevendo os seguintes parâmetros urbanísticos: a) Área total do terreno – 11378 m2; b) Área de implantação – 3582 m2; c) Área bruta de construção acima do solo – 17327 m2; 8) No seguimento da aprovação do PIP n.º 15795/04, foi apresentado novo projeto de arquitetura em 22/02/2005, no qual a requerente referiu o seguinte: «2. PEDIDO Vem requerer a V. EX.ª a aprovação do pedido de licenciamento de operação de obras de edificação, para o prédio abaixo identificado, em conformidade com o estabelecido na alínea c) do número 2 do artigo 4.º, do decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações Introduzidas pelo decreto-lei n.º 177/01, de 4 de Junho, e na Portaria n.º 1110/01 de 19 de Setembro. O presente projeto está conforme o podido de Informação prévia n.º 15795/04, deferido por despacho do Senhor Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade, de 23.08.2004, exarado sobre a Informação 10052/04/DMGU. Conforme foi exposto no requerimento do pedido de Informação prévia n.º 15795/04, para o terreno em causa foi aprovado em outubro de 2001 um primeiro pedido de informação prévia, ao abrigo do qual a ora requerente apresentou um projeto de arquitetura que foi objeto de aprovação em 23/02/2004 através do oficio DF/441/04/DMGU, sendo que ambas as aprovações constituem inequivocamente atos constitutivos de direitos da requerente. Foi neste pressuposto, e bem assim, em consequência da concertação de posições com a Câmara Municipal ..., que a requerente apresentou uma solução urbanística alternativa para o terreno em causa, nos termos e com os efeitos descritos no referido requerimento do pedido de Informação prévia. Nestes termos, o pedido de aprovação do projeto de arquitetura que ora se apresenta não traduz qualquer manifestação de vontade por parte da requerente em renunciar aos direitos adquiridos na sua esfera jurídica resultantes do aprovação do primeiro pedido de Informação prévia e da aprovação, em 23.02.2004, do respetivo projeto de arquitetura cujo processo de licenciamento - que corre termos sob o n.º 8085/02 - a ora requerente se compromete a desistir no momento em que o presente processo de licenciamento for objecto de uma decisão final de aprovação, nos termos e para os efeitos previstos no art. 23° do decreto-lei n.º 555/99, de 16 de dezembro; 9) Por Despacho de 22/03/2005, foi aprovado o projeto de arquitetura apresentado em 22/02/2005, onde na Memória Descritiva e Justificativa se previam os seguintes parâmetros urbanísticos: Área total do terreno - 11378 m2; Área de implantação - 3582 m2; Área de impermeabilização - 5264 m2; Índice de impermeabilização - 0,46 m2/m2; Índice de construção - 1,52 m2/m2; Índice de implantação - 0,31 m2/m2; Área de intervenção no Domínio Público – 535 m2; Área total de intervenção - 11913 m2; Área de construção acima do solo (sem varandas) -17327 m2; Área de habitação – 16587 m2 n.º fogos – 98; Área de comércio – 192 m2 n.º comércios – 1;Área de serviços - 548 m2 n.º de escritórios – 4; Área de construção abaixo do solo - 6183 m2; Cave - 3145 m2, sendo 2772 m2 de estacionamento e 373 m2 de acessos verticais e espaços técnicos; Subcave - 3 038 m2, sendo 2794 m2 de estacionamento e 244 m2 de acessos verticais e espaços técnicos; Área total de estacionamento - 5566 m2; Área total de acessos verticais e espaços técnicos – 617 m2; Área de intervenção no Domínio Público para infraestruturas urbanas (passeios, arruamento, estacionamentos e jardins) – 535 m2; Arruamento (área final) - 645 m2; Passeios (área final) – 495 m2; Estacionamentos - 38 lugares (área final) – 469 m2; Percurso pedonal (área final) 271 m2; Jardim (área final) – 1549 m2; Área para infraestruturas urbanas de utilização coletiva (privado); Espaço verde (no pátio interior) - 716 m2; Espaço verde (espaço verde de utilização coletiva) – 3028 m2; Arruamento e acessos às garagens – 704 m2; Estacionamentos (34 lugares) - 425 m2; Passeios e rampas (acessos de peões e a deficientes motores) - 922 m2; 10) Para instrução do PIP n.º 15795/04, foi solicitado parecer à CCDRN, entidade que emitiu parecer favorável considerando que «a pretensão surge na sequência do Processo 8085/02, que mereceu parecer favorável em 2004.01/Ata n.º 20/2004), pelo que não se vê inconveniente na aceitação da proposta apresentada»; 11) Para instrução do PIP n.º 15795/04, foi solicitado, mediante ofício datado de 06/08/2004, parecer ao INAG, o qual mediante ofício datado de 01/09/2005 (e rececionado a 15/09/2005), emitiu parecer desfavorável, nos seguintes termos: «Relativamente ao assunto em epígrafe, e na sequência do vosso ofício em referência, informa-se: - Na Planta de Apresentação do Projeto encontra-se demarcada a linha de cota de máxima cheia; - De acordo com o referido no ponto 3 da memória descritiva do projeto, a nova construção localizar-se-á "(...) para além das linhas de respectivamente 10m à margem do ... e 50m à margem do Rio ..." e "(...) fora do espaço considerado inundável. No entanto, e no ponto 5 da mesma memória descritiva é referido que se encontra prevista a realização de sistemas de alarme que alertem os habitantes e ativem os sistemas de drenagem que aliviem os primeiros impactos de uma eventual cheia, e que toda a segunda cave será dimensionada, nos aspectos estruturais, de modo a permanecer estanque até ao limite próximo da cota referenciada como de máxima cheia. Fica assim por esclarecer o que é que, em termos do projeto, se entende por localização "(...) fora do espaço considerado inundável". De acordo com a informação prestada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte), o terreno em causa localiza-se em zona de expansão de cheias. Ao INAG compete a emissão de parecer para lá da margem dos cursos de água e em zona ameaçada por cheias. O terreno em causa encontrava-se anteriormente ocupado por "armazéns", que atualmente se encontram em estado de ruínas e que terão de ser completamente demolidos para dar lugar a este empreendimento completamente novo e sem qualquer relação com as pré-existências. Neste sentido, julga-se que o projeto apresentado não reúne condições para ser aprovado por prever a construção de novas edificações em áreas sujeitas a cheias, nomeadamente com a construção de caves. Considera-se ainda de referir que estando em causa a alteração do uso funcional anterior (comercial/industrial) para uso habitacional e tendo por base a informação da CCDRNorte de que se trata de uma zona ameaçada por cheias, considera-se que, e do ponto de vista da segurança de pessoas e bens, o uso atualmente proposto é mais gravoso que o anterior face ao risco naturalmente associado a estas áreas; 12) Em 22/02/2005, foi apresentado pedido de licenciamento, o qual foi instruído no processo de obras n.º 19348/05/CMP, tendo sido deferido o pedido de licenciamento de obra de edificação, bem como das obras de urbanização por Despacho proferido a 27/07/2006 pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade (ato impugnado).
4). Por Acórdão do TAFP foi decidido julgar improcedente o pedido dos aqui Réus entendendo, em síntese, que:
Não houve violação do PDM de 2006 por o PIP n.º 10252/01 que foi aprovado em 13/09/2001 tinha um prazo de validade de um ano, tendo a contrainteressada aprovado um projeto de arquitetura em 30/04/2002 pelo que não caducou; assim adquiriu o direito a construir segundo o que foi aprovado no PIP de 2001 o que se sobrepõe ao artigo 67.º, do R. J. U. E. Isto é válido mesmo havendo um novo PIP em 2004, tendo o mesmo sido aprovado em 23/08/2004 e com novo projeto de arquitetura em 22/02/2005, adquiriu novo direito a edificação ao abrigo do artigo 17.º, do RJUE; o PDM não derroga os direitos conferidos por informações prévias favoráveis aprovadas em data anterior à sua vigência que ocorreu em 04/02/2006; assim, o licenciamento não tinha que cumprir o regime de edificação do P. D. M. de 2006. Quanto à falta de parecer do INAG, o mesmo foi solicitado; o que sucedeu é que não foi emitido e enviado dentro do prazo legal mas tendo sido aprovado o PIP e o projeto de arquitetura antes do parecer, obteve a contrainteressada o direito ao licenciamento conforme o deferimento e aprovação; O P. D. M. de 2006 não se aplica ao caso em concreto pelo que não havia necessidade de discussão pública do projeto a qual, mesmo que necessária, não existindo, não levaria a nulidade – fls. 686 a 696.
5). Foi interposto recurso desta decisão pelos aqui Réus, tendo o Tribunal Central Administrativo do Norte, julgado em 10/02/2017 improcedente, mencionando, em síntese, que:
o PDM de 2006 não derroga os efeitos conferidos por informações prévias favoráveis, a tal não obstando o disposto no artigo 67.º, do RJUE pois o PDM contém uma norma transitória que permite a emissão de licença tendo por base a informação prévia antes da entrada em vigor do PDM; a questão de colisão de direitos entre o direito a ambiente sadio e propriedade privada é uma questão nova que não pode ser apreciada – fls. 922 verso a 939.
6). Os aqui Réus interpuseram recurso da decisão do T. C. A. para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual não foi admitido – fls. 952 verso a 954 -, tendo sido apresentada reclamação que também foi indeferida – fls. 966 verso e 967 – sendo que a decisão do S. T. A. transitou em julgado em 12/10/2017 tendo dado entrada recurso para uniformização de jurisprudência – fls. 971.
7). Os Réus fundaram o seu interesse alegando, por um lado, a «(…) sua qualidade de munícipes ..., onde se acham recenseados, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos (…)» invocando «(…) específico interesse no objeto da presente acção uma vez que são comproprietários de um dos prédios adjacentes ao prédio da Ré contra-interessada (…)» considerando que a ora Ré-mulher é «(…) contitular, sem determinação de parte ou direito, da quota de 1/5 do prédio que se situa na Rua ..., ..., descrito na C. R. P do Porto 1, sob o nº 45754, no Livro nº 130, da freguesia ... (…)».
8). Com a instauração da referida ação administrativa, a Autora deu conta disso aos seus clientes, promitentes e/ou potenciais compradores das frações do sobredito prédio – conhecido como Edifício E..., designadamente publicitando na imprensa a inexistência de qualquer ilegalidade do ato de licenciamento e informando do propósito de adoção de todas as condutas necessárias à salvaguarda dos legítimos interesses dos seus clientes, conforme «Público» do dia 27/03/2010.
9). Em 26/11/1999 a Autora, sob a anterior denominação «F..., SA», submetera à C. M. ... um pedido de informação prévia (PIP) que, com aditamento registado sob o nº 10252/01, foi aprovado em 13/09/2001.
10). Os Réus ao consultarem o processo administrativo de licenciamento, com vista à propositura da ação administrativa citada, constataram o seguinte:
Em 30/04/2002, e na sequência do PIP nº 10252, a Autora requereu o projeto de arquitetura (Processo 8085/2002); Em 23/02/2004 foi aprovado o projeto de arquitetura no âmbito desse processo 8085/2002; A pedido do Município ..., a Autora acedeu à concertação duma solução urbanística diferente dos atos já entretanto emitidos - traduzida numa solução arquitetónica com menor relevância volumétrica na envolvente e na diminuição da área de construção global - e, sem prescindir dos direitos constituídos ao abrigo daqueles atos, apresentou um PIP (Processo 15795/04) ao mesmo tempo que requereu que, enquanto decorresse a apreciação deste (PIP), fosse suspenso o mencionado processo 8085/2002, como decorria da minuta do contrato de urbanização homologado pelo vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade, em 14/05/2004, que não chegou a ser assinado pelas partes; Solicitado parecer à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN), pronunciou-se esta favoravelmente considerando que «(…) a pretensão surge na sequência do processo 8085/02, que mereceu parecer favorável em 2004.01./Ata n.º 20/2004, pelo que não se vê inconveniente na aceitação da proposta ora apresentada». Em 06/08/2004, no âmbito da consulta às entidades externas e nos termos dos arts. 15.º e 19.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo citado DL 555/99 (RJUE), na redação então em vigor, a CMP dirigiu ao Instituto da Água (INAG) o pedido de parecer; Em 23/08/2004 foi aprovado o PIP nº 15795/04.
11). Em 22/02/2005, a Autora requer o licenciamento do edifício em causa (Proc n.º 19348/05), sem renúncia aos direitos adquiridos em virtude da aprovação do PIP 10252/01 e do projeto da arquitetura objeto do processo nº 8085/2002 e que, foi aprovado por despacho de 22/03/2005, do vereador do pelouro do Urbanismo, Mobilidade e Desenvolvimento Social do Município ....
12). O processo de licenciamento e assim todos os despachos, pareceres, informações, atos e demais expediente, eram conhecidos dos Réus à data da propositura da ação administrativa especial acima mencionada.
13). Em 05/07/2006, pelo ofício nº 5188, a CCDRN emitiu parecer favorável sobre a localização do edifício e sobre o respetivo projeto de arquitetura.
14). A Autora obteve alvará de licença de construção em 06/09/2007.
15). Em 18/10/2007, os Réus haviam comunicado à Autora, comunicação recebida em 26/10/2007, que tinham conhecimento do processo de licenciamento e do PIP então em curso e, alegando a nulidade dos respetivos atos administrativos e que a construção licenciada lhes iria causar prejuízos (que não especificaram), concluíram tal comunicação assim: «(…) assim sendo solicito a V Exas que me informem se estão em condições de ressarcir os sobreditos prejuízos (…).
16). Cerca de um ano depois, os Réus complementaram aquela carta, com o envio de outra, em 02/10/2008, identificando o prédio contíguo ao da Autora, assinalando-o e planta topográfica que anexaram.
17). Os Réus, nessa carta, fundamentam a indemnização que pedem alegando que o licenciamento é nulo, têm prejuízos e se não for paga essa indemnização arguirão a nulidade do licenciamento.
18). A Autora, à data da entrada da presente ação, tinha celebrado contratos de promessa de compra e venda relativos a cerca de 50% das frações autónomas, estando em vias de constituição a propriedade horizontal.
19). Os Réus registaram a ação na C. R. P..
20). A construção do edifício em questão representou um investimento financeiro de 23.674,649 EUR.
21). A Autora pagou o passivo bancário contraído para a execução do projeto que consiste na edificação do imóvel acima mencionado, obstando à possibilidade de o banco credor vir a executar hipoteca constituída para garantia do reembolso do seu crédito concedido para a realização deste empreendimento que onerava o imóvel.
22). Foi acordado entre Autora e entidade financiadora do projeto o reembolso do crédito a efetuar num prazo máximo/limite de cinquenta e nove meses, à medida que fosse sendo vendida cada uma das frações autónomas em que se compõe o imóvel.
23). Para cancelar a hipoteca incidente sobre cada uma dessas frações autónomas, na data da realização da escritura pública, o credor hipotecário receberia, conforme o acordado, uma quantia que se situava entre 81.500 EUR e 262.200 EUR conforme a tipologia e inerente valor de cada uma das frações por forma a que, no final da comercialização, alienadas que fossem todas as frações, o que, se previa que iria ocorrera até final de 2012.
24). Não fora a propositura da ação e o seu registo, a Autora venderia todas as frações que compõem o imóvel e recuperaria o investimento efetuado, até final de 2012, com uma margem de lucro não inferior 17%.
25). Sendo o imóvel constituído por noventa e oito frações destinadas a habitação, a Autora propunha-se vender a totalidade das frações, por um preço global de 29.032,900 EUR.
26). Sobre esse valor, a Autora faz incidir uma taxa de desconto médio de 4,353%, o que reduz esse preço global a 27.769,057 EUR.
27). Ao instaurarem a ação os Réus impediram a concretização da previsível venda, no ano de 2010, de, pelo menos vinte e oito das frações autónomas do empreendimento.
28). Até Abril de 2010, a Autora prometeu vender sete frações autónomas.
29). Em 2008, quando a construção do imóvel começou a tornar-se visível para o público e antes da campanha publicitária que levou a cabo, a Autora conseguira prometer vender sete frações.
30). Em 2009, com o imóvel na fase de acabamentos e na sequência de campanha publicitária que levou a cabo, conseguiu vender vinte e oito frações autónomas.
31). Para conseguir essas quarenta e quatro vendas (oito frações, em 2008, vinte e nove frações, em 2009, e sete frações, desde 01/01 a 31/03 de 2010) a Autora recebeu, no empreendimento, duzentas e sessenta e duas visitas de interessados, no ano de 2008, quinhentas e uma visitas, em 2009 e, até abril de 2010, cento e sessenta e sete visitas.
32). Caso se mantivesse, como era expectável, a média de vendas do ano de 2010, a Autora teria vendido, até final desse ano, mais vinte e uma frações.
33). A propositura da ação administrativa pelos aqui Réus mereceu tratamento noticioso em jornais de grande tiragem tendo a Autora, agindo na defesa do seu bom nome e para tranquilizar os seus clientes e quem nela confiara, divulgado um comunicado para a imprensa tendo passado a informar cada um dos interessados que visitavam o empreendimento e questionavam sobre as condições de venda e prazos de outorga da respetiva escritura de compra e venda, da pendência da ação em causa.
34). Uma vez proposta aquela ação pelos aqui Réus, a Autora conseguiu prometer vender uma fração e vendeu outra, com uma condição para a Autora que assumiu a obrigação de, se a Câmara Municipal ... não adotar qualquer medida com vista à reposição da legalidade urbanística da licença de construção do imóvel onde se integra a fração ora alienada, nos noventa dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença/acórdão que a venha a declarar nula, proferida no âmbito do referido processo nº 165/10.3 BEPRT, dar conhecimento ao segundo outorgante destes factos nos trinta dias seguintes ao termo daquele prazo. Se o segundo outorgante, nos trinta dias subsequentes ao termo do prazo indicado no número antecedente da presente cláusula, comunicar à representada da primeira outorgante «B..., S.A.»” que lhe pretende alienar a fração, esta obriga-se a comprá-la pelo preço constante da presente escritura, no prazo de sessenta dias a contar da data da receção da referida comunicação, suportando todos os custos com a realização da escritura, bem como com o pagamento do IS, IMT e os registos a que houver lugar. O segundo outorgante declara ainda que no caso de ser citado para a ação judicial referida no ponto um, aceita ser patrocinado em juízo pelos mandatários indicados pela sociedade representada pela primeira outorgante, que assumirá todos os encargos decorrentes desta acão judicial, designadamente com custas, honorários, e pareceres, comprometendo-se a restituir à referida sociedade qualquer quantia que lhe seja devolvida no âmbito daquele processo, e cujo pagamento antecipado tenha sido realizado por este.»
35). Para vender essas duas frações, a Autora recebeu no empreendimento duzentas e setenta e seis visitas, de abril de 2010 até final do ano, sendo que, durante o início de 2011, o empreendimento foi visitado por setenta e quatro interessados.
36). Mesmo pendente a ação interposta pelos aqui Réus, a Autora, visando minimizar os danos, não desistiu durante meses de procurar vender as restantes frações, propondo aos interessados e à imagem do que ocorreu com os dois negócios acabados de referir, a restituição do valor pago por eles se a ação viesse a proceder.
37). Só se conseguiu vender (ou prometer vender) mediante tais condicionalismos, essas duas frações, sendo que desde abril de 2010 até final desse ano a Autora aceitou a rescisão por mútuo acordo, de quatro contratos promessa de compra e venda sendo que a causa da rescisão foi uma única: os promitentes-compradores e os bancos que os financiavam não aceitavam outorgar a respetiva escritura de compra e venda e constituir hipoteca em garantia do crédito, enquanto a ação se mantivesse pendente e registada, tendo devolvido o sinal em singelo.
38). Todos os interessados na aquisição, ao serem informados da pendência da ação e registo da mesma desinteressaram-se de qualquer negócio, mesmo tendo a Autora prometido que, em caso de procedência da ação, lhe devolveria os valores investidos.
39). Com a extinção daqueles quatro contratos de promessa e a não realização da respetiva escritura pública, a Autora deixou de auferir, nesse ano de 2010, a quantia total de 630.360 EUR, valor que receberia aquando da outorga das respetivas escrituras que seriam realizadas no decorrer desse ano e teve de devolver sinais e reforços no montante de 551.640 EUR.
40). Em relação a contratos promessa pendentes, a Autora vê-se impedida de receber o preço ainda em dívida, no total de 2.427,234 EUR correspondente a treze frações na medida em que, sempre pelos mesmos motivos, os promitentes-compradores recusam outorgar a respetiva escritura e os bancos por eles escolhidos conceder o empréstimo, antes de terminada a ação proposta pelos Réus.
41). Por isso, a Autora acabou por retirar do local a equipa de vendas e aguarda que termine a ação para dar novo impulso e relançamento à comercialização do imóvel.
42). Não fora a pendência da ação e respetivo registo efetuado pelos aqui Réus, a Autora tinha expectativa de embolsar 5.383,797 EUR, tendo ainda previsão de vender as trinta e cinco frações remanescentes (de um total de noventa e oito até final de 2012).
43). A Autora mantém no empreendimento um zelador do edifício que vai abrindo as frações, vê o que necessita de limpeza, chama a atenção de uma ou outra anomalia, sendo o custo anual global para a Autora de 14.954 EUR (custo mensal de 1.246 EUR).
44). O gestor do empreendimento, responsável pela gestão operacional e comercial do mesmo, despende cerca de 25% do seu período com tarefas em estrita conexão com as frações, com contratos de promessa de compra e venda e não vendidas, das quais se destacam o acompanhamento de clientes (promitentes compradores) esclarecimento de reclamações, controlo técnico, financeiro, administrativo, cadastral das frações, visitas periódicas às mesmas, negociações com entidades externas, gestão de garantia e coordenação do zelador do edifício, sendo o custo anual global do trabalho desse de 12.850 EUR.
45). Tendo em conta a permilagem de cada uma das frações não vendidas e das que foram objeto de promessa de compra e venda, a Autora suporta, a título de despesas de condomínio, um custo anual de 80.284 EUR (custo mensal de 6.690 EUR).
46). De quinze em quinze, são efetuados em cada uma dessas mesmas frações – as que ainda não foram prometidas vender e as se encontram com contrato promessa de compra e venda - serviços de limpeza, para evitar a deterioração das mesmas, o que implica um custo anual, por fração, de 1.542 EUR, perfazendo o valor anual de 109.481 EUR e mensal de 9.123 EUR na totalidade das frações.
47). A manutenção do seguro multirriscos sobre cada uma das frações ainda não prometidas vender importa em 5.255 EUR/ano, enquanto o mesmo seguro das frações objeto de contrato promessa, importa em 1.042 EUR/ano, num custo mensal total de 525 EUR.
48). Apesar de fechadas, as frações em causa obrigam, ciclicamente, a trabalhos de manutenção e conservação - pinturas, reparação de pavimentos, manutenção de eletrodomésticos – para dessa forma as continuar a manter «como novas» -sendo que esses trabalhos previsivelmente não importarão em menos de 236.253 EUR/ano – 3.328
EUR/fração - o que perfaz um valor médio mensal para a totalidade dessas frações, de 19.688 EUR.
49). Apesar da suspensão dos serviços de comercialização durante a pendência da ação proposta pelos aqui Réus, a Autora mantém andar modelo o que em conservação dos móveis, plantas, limpeza, aluguer de parte dos componentes importa em não menos de 4.423 EUR/ano (custo médio mensal de 369 EUR).
50). A Autora mantém o stand de vendas, um edifício construído em pedra, metal e vidro e instalado sobre zona comum do condomínio, o qual só se se pode manter até final de 2011, data a partir da qual terá de ser demolido e substituído por um outro - móvel – a instalar nas proximidades em terreno que a Autora reservou já para esse efeito sendo que os custos com a amortização do respetivo investimento, com a limpeza, abastecimento de água, seguro e manutenção corrente do edifício atingem um montante não inferior a 81.442 EUR/ano.
51). Independentemente do atraso na comercialização provocado pela pendência e registo da ação proposta pelos aqui Réus, pelo menos no ano de 2012, esse stand sempre teria de ser demolido e substituído por outro, a «alugar» pela Autora a um terceiro pelo que aquele atraso terá como consequência necessária e direta a manutenção do aluguer do novo stand por um período igual àquele em que durar esse atraso, o que importa em 968 EUR/mês.
52). Também por causa do atraso na comercialização provocado pela pendência e registo da ação instaurada pelos Réus, a Autora, enquanto dona da obra, verá diminuído, em prazo idêntico, a duração das garantias de boa execução da obra, que pode exigir a cada um dos subempreiteiros que realizaram cada uma das artes sendo que a Autora adjudicou a execução da totalidade do edifício a subempreiteiros.
53). O prazo de garantia de boa execução da obra está a decorrer em relação a cada um dos subempreiteiros, enquanto, em relação à Autora, nas vestes de promotora e vendedora de cada uma das frações, o prazo de reclamação por defeitos, por parte de cada um dos futuros adquirentes, só ocorrerá a partir da respetiva alienação.
54). Quando a alienação ocorra, a pendência da ação proposta pelos Réus provoca um atraso na mesma, pelo que a Autora verá prolongada por um período de tempo pelo menos igual ao da duração dessa ação a sua responsabilidade pela boa execução da obra perante os adquirentes de cada uma das frações a vender, enquanto o prazo de garantia de boa execução da obra por parte de cada um dos subempreiteiros vai correndo, durante esse mesmo período.
55). Tal facto obrigará a Autora a suportar, pelo menos por um período acrescido igual ao desse atraso, os custos com a reparação dos defeitos que sejam reclamados por futuros adquirentes, sem que a Autora possa exigir a reparação aos mesmos subempreiteiros em valor não liquidado.
56). Por cada ano de atraso na comercialização das vendas das frações ainda não vendidas, a Autora terá de suportar Imposto Municipal Sobre Imóveis e, uma vez findo o respetivo período de isenção, um valor anual de 51.599 EUR, o que corresponde a um custo mensal médio de 4.300 EUR.
57). Por causa da paragem prolongada da comercialização, decorrente da pendência daquela ação, cria-se a circunstância de, passados vários anos após a sua conclusão, ainda estar à venda, num prédio de luxo, com uma localização excelente, um grande número de frações autónomas, vai ser necessária intensa publicidade, logo que se possa retomar a comercialização das frações, uma vez libertas do registo e pendência dessa ação.
58). Aquando do início da comercialização do mesmo, a Autora dotou o empreendimento, em marketing e publicidade, de valor superior a 838.000 EUR.
59). O relançamento da comercialização das frações ainda para venda e por forma a que essa comercialização atinja um ritmo e um sucesso pelo menos idênticos aos que se verificavam antes da pendência da ação, vai implicar a nova publicidade idêntica à que foi feita, com lugar de grande destaque na TV, em outdoors, em jornais diários e de grande tiragem e jornais e revistas semanais destinados a uma clientela de classe média e superior, em eventos desportivos (futebol e automobilismo, por exemplo), em segways (ações em centros comerciais, na baixa etc…), o que importará em não menos de 601.739 EUR, custos que a Autora não teria de despender se a comercialização não tivesse de ser interrompida por causa da pendência da ação instaurada pelos Réus.
60). A construção do empreendimento ora em causa foi financiada com recurso a crédito bancário cujo reembolso foi garantido por hipoteca, incidente sobre o imóvel.
61). O termo de vigência do respetivo empréstimo ocorre em 2013, com reembolso gradual, à medida que as frações fossem sendo vendidas, obrigando-se a Autora a afetar parte do preço ao pagamento do empréstimo, contra a entrega pelo Banco, na data da outorga da respetiva escritura, do documento bastante para cancelamento da hipoteca incidente sobre a fração a vender.
62). Logo que tomou conhecimento da pendência da ação e do registo da mesma sobre o imóvel que garantia o reembolso do seu capital, o Banco começou a pressionar a Autora para que liquidasse esse empréstimo, ainda que com recurso a um outro tipo de financiamento.
63). Uma vez que à Autora interessava manter um bom relacionamento com esse parceiro comercial e porque estava a negociar um outro tipo de financiamento, com outra finalidade, a Autora acabou por ceder à pretensão do banco e, assim, o financiamento ainda em dívida a esse banco, no montante de 14.061,300 EUR foi liquidado em 22/12/2010 com parte do produto da emissão de papel comercial (com maturidade prevista para dezembro de 2015).
64). Ao ter de liquidar aquele financiamento com uma nova operação, a Autora teve de suportar já na proporção correspondente ao valor daquela emissão que afetou ao pagamento desse empréstimo os custos com a comissão de liderança cobrada pelo banco, no montante de 36.881 EUR como também suportou a parte proporcional (ao valor do novo financiamento que afetou à liquidação do anterior empréstimo) do custo com a comissão trimestral e que é de 84.827 EUR, no valor mensal de 28.276 EUR, tendo de pagar juros ao Banco, sendo os custos desses juros, calculados à taxa com variação trimestral actualmente em vigor de 3,672%, no montante de 43.958 EUR/mês e anual de 527.498 EUR.
65). A pendência da ação proposta pelos Réus força o retardamento, por um período temporal pelo menos igual ao período em que se manterá o registo, do recebimento da margem de lucro líquida que a Autora previsivelmente iria auferir com a venda das restantes frações, bem como do recebimento dos montantes em dívida relativos aos contratos-promessa celebrados.
66). A venda daquelas frações e o recebimento dos montantes em dívida relativos aos contratos-promessa celebrados sem escritura, proporcionaria à Autora uma vantagem líquida de 6.554,141 EUR o que, calculado a uma taxa de 4% ao ano, perfaz um valor anual de 262.166 EUR e mensal de 21.847 EUR.
67). À data da propositura da ação, a Autora tinha pendentes três situações de pré-contencioso relativamente a contratos-promessa vigentes, correndo o risco de outros promitentes-compradores se impacientarem com o tempo de espera da resolução da ação em causa e exigirem a devolução do sinal em dobro, uma vez que até à resolução dessa ação, a Autora se vê impossibilitada de alienar o imóvel sem aquele registo da ação em causa.
68). Tal, a ocorrer, é consequência da existência da ação proposta pelos Réus.
69). O edifício em causa vai-se desvalorizando gradualmente à medida que o tempo vai passando, quer em face da natural evolução da arquitetura, de novos conceitos, novas ideias que vão surgindo nessa área, quer com a evolução nos materiais utilizados, design, tecnologia em termos ambientais e de sustentabilidade (energia, aquecimento de águas, etc…).
70). Com o decurso do tempo a imagem do edifício vai-se degradando.
71). Nos cinco 5 anos a contar da data da apresentação da petição inicial, o edifício sofrerá uma desvalorização gradual que no final desse período se cifrará em não menos de 35% do seu valor o que, reportada às cinquenta e oito frações, atingirá o valor de 509.270 EUR (2010), 636.587 EUR (2011), 891.222 EUR (2012), 1. 273,174 EUR (2013), 1.464,151 EUR (2014) e 1.591,468 EUR (2015), sendo que, à data da apresentação da petição inicial, a desvalorização do imóvel por causa da paralisação na comercialização não é inferior a 509.270 EUR.
72). Na área de construção civil o público em geral associa a marca «B1...» à construção de empreendimento de qualidade, em locais criteriosamente escolhidos, destinada a uma gama média/alta de “consumidores” que confiam e acreditam nessa qualidade de construção, na longevidade da mesma, nas garantias oferecidas, na colaboração de «B...» na fase pós venda, designadamente atendendo prontamente a todo o tipo de reclamações que possam ser feitas.
73). A propositura da ação pelos Réus fez com a Autora passasse a ser vista como a criadora de um «elefante branco», um empreendimento que, apesar de declaradamente de luxo e situado num local excelente da cidade ..., com umas vistas magníficas para o Rio ..., para a margem esquerda, para a G... está parado há anos, sem ser vendido, a «envelhecer» e sem que a situação se resolva.
74). Situação essa que grande parte dos consumidores podem ver e verão como uma consequência de um comportamento prepotente da Autora que se quis colocar acima da lei e conluiada com a autarquia local, construir mais do que lhe permitia a lei.
*
A A. recorreu de tal sentença pugnando pela procedência da ação e pela sua dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, apresentando as seguintes conclusões:
A. Não está em causa "o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos (...) direitos e interesses legalmente protegidos" de quem quer que seja, que é o que o art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa garante, mas sim a forma como esse direito é exercido e as suas repercussões na esfera patrimonial da parte contrária;
B. Com exceção dos factos previstos no artigo 568.º do Código de Processo Civil, os factos alegados na forma de “os réus sabiam ou tinham obrigação de saber...", verificando-se a falta de contestação desta afirmação, formulada assim, em alternativa, tornou certo e prevalecente o primeiro segmento ("sabiam") do texto composto pelos dois elementos linguísticos que compõem a expressão e eliminou o segundo ("tinham obrigação de saber"), pelo que os factos assim alegado não podem deixar de ser dados como provados.
C. Face a confissão dos réus decorrente da ausência de contestação devem ser considerados provados os factos acima descritos nos pontos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI e XVII;
D. Essa factualidade revela-se essencial parta o julgamento da causa, cujo objetivo é determinar se existe abuso de direito de ação, pois que demonstra que a intenção que presidiu à conduta dos réus ao instaurar, e sobretudo ao registar, a ação, e mantê-la pendente com sucessivos recursos durante largos anos, sempre improcedentes, possibilitando a conclusão que, não os moveu qualquer preocupação de repor a legalidade administrativa mas sim de criar dano relevantíssimo à autora, coagindo-a a pagar uma inconfessável indemnização em troca da desistência do registo e da ação;
E. Desses factos a considerar como provados, e tendo em conta o teor e data das duas cartas referidas nos factos provados 15 e 16 da sentença e a circunstância de só quase três anos depois desses pedidos de indemnização, com o edifício já construído, e não construído como erradamente se sentença recorrida, e na fase de venda, com uma precisão cirúrgica, só então terem proposto e registado a ação, formulando exclusivamente para este efeito um pedido artificioso e habilidoso que não tinha outra finalidade senão essa (que era registar a ação e dar-lhe publicidade para desse modo impedir a comercialização do edifício) visavam forçar a autora a conceder-lhe determinadas vantagens patrimoniais em troca da desistência da ação e do registo da mesma;
F. O registo da ação não era obrigatório e o pedido que justificou esse mesmo registo, meramente facultativo, da iniciativa e execução dos aqui réus nem sequer podia ser formulado perante o Tribunal Administrativo, tendo sido encaixado na ação unicamente para lesar a autora, ou seja para permitir o registo e a inerente publicidade da ação;
G. A ação administrativa não tem por objeto ou fim, principal ou acessório, a constituição, modificação ou extinção dos factos e/ou direitos a que alude o artigo 2º, do Código do Registo Predial, com as alterações introduzidas pelo DL 185/2009, de 12 de Agosto;
H. Tais factos ou direitos não são sindicáveis pelos Tribunais Administrativos mas tão só e apenas pelos Tribunais Civis.
I. Os Tribunais Administrativos curam apenas de apreciar questões jurídico-administrativas, designadamente, como é o caso, se um licenciamento padece de qualquer vício que inquine a sua validade ou legalidade.
J. O registo da ação seria inevitavelmente efetuado, como foi, na Conservatória do Registo Predial com base apenas na cópia certificada da petição inicial, sendo certo que ao Conservador não era legalmente possível apreciar ou opor a incompetência do Tribunal e/ou outros fundamentos (a não ser de carácter formal ou de técnica registral) só sindicáveis em sede judicial;
K. Os réus excederam manifestamente e em muito os limites razoáveis do direito (hoc sensu) que engendraram assistir-lhe, e ao procederem como procederam, actuaram ilegitimamente e muito para além do admissível, na pretensa defesa dos direitos e interesses quer ficcionaram assistir-lhes;
L. Como emerge da petição inicial, o que lesou gravemente a autora, impedindo-a de comercializar as frações do edifício que já tinha construído, foi a formulação do artificioso, habilidoso e manhoso pedido de cancelamento de registo e o inerente registo da ação que aquele possibilitou, e não a pendência da ação em si mesma, pois que não tivesse havido registo a autora teria comercializado tranquilamente as frações e a ação manter-se-ia pendente, arrastando-se pelos diversos tribunais, sem qualquer dano para a autora.
M. Pouco ou nada interessa a evidência da falta de fundamentação dos demais pedidos formulados na ação administrativa, tornando, por isso, praticamente inúteis as considerações que se tecem na sentença sobre a viabilidade teórica sobre a possibilidade de ter sido seguido outro entendimento que não o uniformemente sufragado pelos diversos tribunais que julgaram a ação administrativa em causa.
N. Como quer que seja, todos os fundamentos invocados pelos réus improcederam em todos os recursos, improcedência essa que era irrelevante para eles que apenas pretendiam manter pendente a ação, manter a lesão da autora e forçá-la a ceder aos seus intentos;
O. A aqui autora tem assim o direito nesta ação obter a condenação dos réus por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de abuso do direito de ação, “figura distinta de outros meios do litigar doloso ou temerário, sancionáveis ao abrigo da litigância de má fé – arts 456º-1 e 457º-1, do Código de Processo Civil (…);
P. A ilicitude da conduta dos réus decorre dos factos acima expostos e foi causa direta de graves danos sofridos pela autora;
Q. A par disso e sendo indiscutível a culpa dos réus na base dessa conduta, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar a cargo dos RR – art 483.º C Civil – e cujo objetivo será a reposição ao lesado do statu quo ante à lesão (art 562 C Civil), a mesma obrigação terá de ser fixada em dinheiro e tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado à data mais recente que puder se atendida pelo tribunal e a que ele efetivamente teria, nesse mesmo momento temporal, não fora a lesão (art 566 nºs 1 e 2 C Civil); Compreenderá os danos emergentes e os lucros cessantes (art 564 nº 1 C Civil) bem como os danos futuros que sejam previsíveis, nada obstando a que por falta de elementos para a fixação do seu valor, o cálculo dos mesmos seja relegado para posterior liquidação de julgado (art 564, nº 2 C Civil).
R. Os danos não patrimoniais ou morais são também passíveis de reparação, em dinheiro, se em função da sua gravidade merecerem a tutela do direito (art. 496 nº 1 C Civil).
S. Quanto à condenação da autora em 65 % no pagamento da taxa de justiça remanescente, a decisão proferida é nula por violação do princípio consagrado no artigo 3.º, n.º 3, e artigo 615.º, n.º 1, aliena d) parte final, do Código de Processo Civil (conheceu de uma questão que não podia ter conhecido sem antes ouvir as partes);
T. Sem prescindir, caso se entenda que não é nula a decisão, sempre se justifica a sua revogação pois que não tendo havido contestação; limitando-se grande parte da sentença limita-se a reproduzir alguns dos factos alegados na Petição Inicial; tendo o trabalho intelectual para fixação desses factos sido diminuto na medida em que não foi necessário contrapor duas versões para daí se aferir quais os factos que estavam impugnados; não tendo as questões de direito tratado tido um grau de exigência e dificuldade que as custas de uma ação até € 250.000,00 não compensassem; não foi sequer realizada qualquer diligência judicial, designadamente audiência prévia ou tentativa de conciliação; a autora teve um comportamento processual exemplar, justifica-se a dispensa total dessa taxa;
U. Decidindo de outra forma a decisão recorrida violou os artigos 3.º, n.º 3, 567.º, n.º 1, 615, n.º 1, alínea d) parte final todos do código de Processo Civil, e artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.
*
Os AA. não contra-alegaram.
O recurso foi recebido nos termos legais e, já nesta Relação, os autos correram Vistos.
Cumpre conhecer do mérito da apelação.

As questões a decidir:
A alteração dos factos provados, tendo em conta o que deve entender-se por confissão ficta.
Da verificação de abuso de direito de ação judicial.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
DE FATO
A A. entende ter a sentença recorrida violado o disposto no art.567.º CPC e alude, ainda, ao art. 568.º, CPC.
No primeiro normativo, máxime, no n.º1, diz-se:
1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
De acordo com segundo, factos que não podem dar-se como provados são aqueles que:
a) … a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela acção se pretende obter;
b) … se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.
Para completarmos o primeiro tipo de factos excluídos da “ficta litis contestatio”, temos de nos socorrer do previsto no artigo 354.º do Código Civil, que estabelece:
“A confissão não faz prova contra o confitente:
a) Se for declarada insuficiente por lei ou recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba;
b) Se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis;
c) Se o facto confessado for impossível ou notoriamente inexistente.
É também aqui pertinente o art. 364.º CC:
1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.
*
Vejamos:
O réu, mais do que ter o direito, tem o ónus de contestar a ação, na medida em que a revelia (sendo operante) produz efeitos que lhe são desfavoráveis. Por isso mesmo é que uma das informações a transmitir ao réu aquando da sua citação respeita às cominações em que incorre em caso de revelia (art.227.º/2, in fine e art.563.º).
A revelia operante tem por efeito a confissão dos factos articulados pelo autor, tal como estabelece o art.567.º/1, in fine, sendo que este regime tem lugar quando o réu, apesar de não contestar, tenha sido ou deva considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa, ou, pelo menos, haja juntado procuração a mandatário judicial, no prazo da contestação. O efeito deste comportamento omissivo do réu é a chamada “confissão tácita ou ficta”[1].
Tal confissão distingue-se da confissão judicial expressa, que consiste numa declaração de ciência, através da qual se reconhece um fato cuja prova pertence à parte contrária (art.355.º ss). Por sua vez, a confissão a que conduz a revelia operante não depende de qualquer declaração nesse sentido, bastando a própria inércia do demandado.
Nos termos legais, não tendo o réu contestado e considerando-se confessados os factos alegados pelo autor, restará apenas decidir a causa “conforme for de direito” (art.567.º/2, in fine). Com efeito, confessados que passam a ter-se os factos articulados na petição, deixa de haver controvérsia nessa sede, limitando-se a questão à valoração jurídica desses mesmos factos. Cumpre ressalvar que o estado de revelia operante em que se encontra o réu não conduz, sem mais, à procedência da ação. É isto que mostra o art.567.º/2, in fine.
Propondo a ação, o autor formulou determinada pretensão de tutela jurisdicional e fê-lo por referência ao quadro fatual que verteu na PI. A operância da revelia leva a que se assuma como que verificado nos autos esse quadro fatual, mas não mais do que isso. Continua o juiz a ter de julgar a causa “conforme for de direito” e tal julgamento tanto pode conduzir à procedência da ação como não. Daí que se fale no efeito cominatório semi-pleno associado à revelia operante. Se o réu não contestar e a lei (art.364.º CC) ou as partes (cfr. art.223.º CC) exigirem documento escrito como forma ou prova de um negócio jurídico alegado na petição inicial e o autor não tiver junto esse documento aos autos, a falta de contestação não supre a falta daquele. Ou seja, os factos que só por via do documento possam ser demonstrados não são considerados confessados (cfr. art.568.º/d).
A revelia não produz efeitos quando se trate de factos para a prova dos quais se exija documento escrito. Se por lei (art.364.º CC) ou por convenção das partes (art.223.º CC) for imposta determinada forma para a emissão de declarações negociais, a lei de processo não pode permitir que a eventual falta de contestação conduza a um resultado contrário ao exigido pela lei substantiva ou pela convenção. Tenha-se em atenção que, neste caso, a inoperância da revelia é mais restrita do que nos anteriores. Quer dizer, por princípio, a falta de contestação implica a confissão de todos os factos articulados pelo autor, nos termos do art.567.º/1, salvo daqueles que, efetivamente, careçam de prova documental para a sua demonstração. Em caso de não impugnação também não se consideram assentes os factos que só podem ser provados por documento escrito (cfr. art.364.º CC) – art.574.º/2.
No que tange à terceira exceção (factos para cuja prova se exija documento escrito), à revisão do art.574.º/2 subjaz um fundamento em tudo equivalente à do art.568.º/d para o efeito cominatório da revelia: em matéria de declaração negocial, rege o princípio da consensualidade ou da liberdade de forma (cfr. art.219.º CC); porém, em diversas situações, a lei exige, sob pena de nulidade (cfr. art.220.º CC), o mero documento particular escrito (simples ou autenticado) ou outra forma ainda mais solene para a celebração (validade e forma) de certos negócios jurídicos (requisito ad substantiam ou mesmo ad constitutionem).
A revelia tem por pressuposto a vontade de não contestar. Se essa vontade estiver ausente, o sistema tem inconvenientes, de modo que “não pode o julgador aceitar passivamente afirmações inverosímeis, nem deve desprezar elementos probatórios contrários aos fatos deduzidos na inicial”[2].
Impõe-se fechar as considerações de direito acerca da confissão ficta com a referência ao que é um fato. Fato é todo o ato humano ou acontecimento natural. Será jurídico se a lei lhe atribuir um efeito jurídico.
Tratando-se de um fato, a primeira caraterística ontológica que lhe assiste é evidente: o fato é! Ou se verifica, ou não. O dever existir está afastado do campo dos factos, por ser pertinente ao dever ser ou à valoração que se faz do fato que existe ou não existe. Dito de outro modo: ou A fez ou não fez. Se não fez e devia ter feito, fato é que não fez e devia ter feito, e esta é a apreciação que podemos fazer sobre esse fato. Do mesmo modo, ou A sabia ou devia saber. Se sabia, é um fato; se não saia também é um fato; se devia saber, já pertence ao campo do dever ser e é, por isso, uma apreciação valorativa que pode ser jurídica ou não consoante a lei atribua ou não efeitos à ignorância.
Assim, quando a A. alega que os RR. sabiam ou deviam saber, o que se passa é o seguinte: não se trata de uma alegação de um fato, mas da invocação de uma hipótese que está destacada pela disjuntiva ou.
Na verdade, ou uma coisa ou outra: ou os RR. sabiam ou não sabiam (caso em que se diz, deviam saber).
A hipótese (ou suposição) que assim se coloca é convertida em fato real (sabiam?/não sabiam?) pela prova resultante da confissão ficta? Claro que não! O que nasce como hipótese não se torna num fato certo da vida real pelo silêncio de outrem.
É, assim, desprovida de sentido a alegação de recurso neste tocante.
Posto isto, resta apreciar o recurso quanto aos factos assentes.
*
No que respeita à pretendida alteração da matéria de fato dada como provada em primeira instância são apresentadas duas conclusões pela recorrente: as conclusões B e C.
A primeira (B) assenta sobre as razões pelas quais se pretende estejam demonstradas algumas das circunstâncias aludidas em C.
Diz-se que a sua não inclusão no rol dos factos assentes viola o disposto no art. 567.º CPC, norma que estatui sobre os efeitos da revelia.
Assim, vejamos, ponto por ponto, o que não consta da factualidade dada como assente na sentença de primeira instância e a A. entende tratar-se de factos com interesse para a decisão.
Na al. C) das conclusões diz-se serem factos a dar como provados os que estão descritos nas alegações de recurso sob a seguinte numeração: I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI e XVII.
É o seguinte o constante desses pontos que reproduz o que consta da petição inicial:
I - Os réus registaram a ação administrativa especial referida no facto provado n.º 1 supra, na Conservatória do Registo Predial.
Seria a alegação contida n art. 23.º da PI.
A pretensão da A. é, aqui, de improceder.
Não só porque a sentença deu como provado o fato - veja-se o ponto 19 dos factos assentes -, como, em boa verdade, tendo-o feito, violou o disposto no art. 558.º d) CPC: a prova do fato carecia da junção do documento extraído da Conservatória do Registo Predial e, na verdade, não se faz menção a tal elemento na motivação da decisão de fato, onde apenas se refere a confissão ficta e as decisões dos tribunais que constam a fls. 686 a 696, 727 a 753, 922 a 939 e 952 a 954.
Presume-se, pois, que o registo da ação tenha sido efetuado nos números 711.º e 712.º da Cons. do Reg. Predial do Porto, mas isso não foi demonstrado e o certo é que não vale a confissão efetuada.
II - Os réus sabiam que, registando a ação administrativa especial referida no facto provado n.º 1 supra, na Conservatória do Registo Predial, impediriam a autora de comercializar o edifício e agiram com o intuito deliberado de prejudicar a aqui autora impedindo-a de negociar as frações do edifício e dando causa a pedidos de resolução de contratos promessa de compra e venda (na medida em que, se não antes, pelo menos aquando da outorga de cada uma das escrituras, cada um dos adquirentes ou os respetivos bancos financiadores detetariam a pendência dessa ação e recusariam outorgar a escritura ou financiar a sua aquisição), numa atitude revanchista decorrente do insucesso do alegado pedido "indemnizatório" formulado em Outubro de 2007 e como forma de, sabendo do tempo de pendência e atrasos nos Tribunais Administrativos, pressionar a autora a ponderar os enormes prejuízos que a simples pendência da ação e seu registo lhe acarretam com o pagamento da "indemnização" a troco da desistência do pedido.
III – Como, aliás, veio a ocorrer.
Diz a A. tratar-se de matéria alegada nos artigos 23.º, 27.º, 39.º, 63.º, 97.º e 98.º da petição inicial.
O que se refere em II é desdobrável em diversas alegações:
a) Os réus sabiam que, registando a ação administrativa especial referida no facto provado n.º 1 supra, na Conservatória do Registo Predial, impediriam a autora de comercializar o edifício.
A alegação refere-se ao que os RR. saberiam ou não, quando propuseram a ação administrativa e quando registaram, no que toca aos efeitos daí decorrentes para os negócios da Ré.
A forma de o dizer, enfatizando um elemento cognitivo a cargo dos RR., importado do que é usual ver descrito nas imputações criminais e do que nelas se afirma ser a descrição do tipo subjetivo, não constitui um fato a se, sendo antes uma conclusão. Factos são recortes concretos, vividos, da vida real, o que pressupõe que, quando se alegam factos, os mesmos tenham ocorrido na história[3].
Ora, em janeiro de 2010, quando os RR. propuseram a ação administrativa, ainda a questão da dificuldade de venda se não punha. O que os RR. poderiam eventualmente ter antecipado (e não propriamente saber) é que da propositura da ação e do seu registo resultariam obstáculos para a A. no que tange à comercialização das frações.
Seja como for, é inequívoco – e isso resulta da apreciação da matéria de fato provada e sequer carece de alegação (é, por isso, um juízo e não um fato) - que os RR. estavam cientes de que a sua atuação poderia levantar dificuldades à A. na comercialização dos seus imóveis. É, com se referiu, uma conclusão que os factos permitem extrair e não um fato em si mesmo.
É também verdade que, de acordo com a própria alegação da A., esta não ficou impedida de comercializar o prédio, embora se tenha defrontado com inúmeras dificuldades que se ligam à atuação dos RR. e se acham devidamente retratadas.Com efeito, o que é necessário e suficiente é que se enuncie a situação verificada, descrevendo as diversas vicissitudes que resultaram para a A. da pendência da ação e do pretenso registo. E, neste tocante, o que pretende a A. está já perfeitamente exposto nos pontos provados da sentença, sob os números 24, 27, 30 a 34, 36, 37 e 38.
b) agiram com o intuito deliberado de prejudicar a aqui autora impedindo-a de negociar as frações do edifício e dando causa a pedidos de resolução de contratos promessa de compra e venda (na medida em que, se não antes, pelo menos aquando da outorga de cada uma das escrituras, cada um dos adquirentes ou os respetivos bancos financiadores detetariam a pendência dessa ação e recusariam outorgar a escritura ou financiar a sua aquisição.)
O agir com o intuito de prejudicar é, mais uma vez e desta feita no que tange ao elemento volitivo da atuação dos RR., o decalque de uma técnica jus-penalista que não ancora, sem si, a menção de factos jurídicos, eventos de uma concreta realidade histórica, mas conclusões que carecem de factos para serem retiradas.
Pense-se que, sem mais, se dá como provado que “os RR. agiram com o intuito deliberado de prejudicar a A.”. Estando em causa verificar se, dos factos concretos, da realidade da vida, resulta um uso abusivo do processo (quando o que se pretende é, em retas contas, aquilatar da figura do abuso de direito), a decisão judicial que assim desse como provada tal circunstância não carecia sequer de ser ponderada ou subsumida nos parâmetros do abuso de direito, mormente na perspetiva do ato emulativo. Com efeito, avaliar se os RR. agiram tão-só e apenas com o intuito de prejudicar a A. é algo que o juiz é convocado a avaliar de todos os factos e não de uma alegação conclusiva que, por sê-lo, não pode dar-se como provada.
c) dando causa a pedidos de resolução de contratos promessa de compra e venda (na medida em que, se não antes, pelo menos aquando da outorga de cada uma das escrituras, cada um dos adquirentes ou os respetivos bancos financiadores detetariam a pendência dessa ação e recusariam outorgar a escritura ou financiar a sua aquisição.)
Esta conclusão (não considerando já a referência ao conceito de direito resolução) resulta explicitada em factos provados que encerram esta alegação e absorvem, com a vantagem de descreverem (ainda que sem concretização minuciosa, como se impunha, de quem resolveu que contratos e em que circunstâncias) de forma mais exaustiva o que se passou. Assim, os pontos 27 a 30, 34, 36, 37, 38 a 40, 67 e 68.
d) numa atitude revanchista decorrente do insucesso do alegado pedido indemnizatório" formulado em Outubro de 2007 e como forma de, sabendo do tempo de pendência e atrasos nos Tribunais Administrativos, pressionar a autora a ponderar os enormes prejuízos que a simples pendência da acção e seu registo lhe acarretam com o pagamento da "indemnização" a troco da desistência do pedido
Mais uma vez aqui, e sem necessidade de maiores considerandos, cumpre referir que qualificar a atitude de outrem como revanchista está longe de encerrar um fato. A qualificação da atitude dos RR. é para ser feita à luz da boa ou má-fé no uso das garantias judiciárias e, para tanto, apenas carece o tribunal, neste caso, se saber qual o foi uso feito.
III - O que veio a acontecer está profusamente descrito na matéria de fato assente, sem necessidade de outras descrições para além das que aí já constam.
IV - Os pretensos prejuízos que os RR invocavam em 2007, decorriam, como é alegado na acção administrativa (arts 2. e 3.), da circunstância de ser a ré-mulher “(…) contitular, sem determinação de parte ou direito, da quota de 1/5 (!) do prédio que se situa na Rua ..., ..., descrito na Cons do Reg Predial do Porto – 1, sob o nº 45754 (…)” adjacente ao prédio objecto da acção administrativa!
Tratar-se-á de matéria alegada no artigo 24.º, 64.º e 65.º da petição inicial.
O que os RR. invocam, mormente na ação administrativa, está perfeitamente demonstrado por prova documental – a necessária – extraída do processo e constante do doc. 1 apresentado com a petição inicial.
Nessa peça lê-se (fls. 98): “a autora mulher é contitular, sem determinação de parte ou direito, da quota de 1/5 do prédio que se situa da Rua ..., n.º ... (…)”. É esta concretização que se afará aditar ao ponto 1 dos factos assentes, embora também já conste do ponto 7 dos factos provados.
V - Os réus propuseram a ação administrativa especial referida no facto provado n.º 1 supra visando apenas conseguirem, por essa via, o objetivo da carta de 18 de Outubro de 2007, referida no n.º 24, supra: um pagamento “indemnizatório” tendo como contrapartida o "compromisso" de não suscitarem a "nulidade" ou, tendo-a suscitado, desistirem do pedido.
A carta em apreço acha-se a fls. 259.
Apesar de se tratar de uma intenção dos RR. e, por via disso, de um fato do seu íntimo. Neste particular, trata-se de um recorte da realidade que lhes era cognoscível e pretendida na altura e, por via disso, de um fato que não resulta demonstrado mediante a arguição de outros (não é, por isso, uma conclusão), impondo-se um tratamento a se, com a sua inclusão no elenco dos factos assentes, mercê da confissão ficta que resulta do desentranhamento da contestação e do disposto no art. 567.º CPC.
De modo que, lançando mão do teor da carta para a qual a alegação remete, adita-se o seguinte ponto de fato:
«Os réus propuseram a ação administrativa especial referida no facto provado n.º 1 supra visando apenas conseguirem, por essa via, o objetivo da carta de 18 de Outubro de 2007, onde se lê, entre o mais, o seguinte: “Escrevo a V. Exªs na qualidade de advogado do epigrafado [D...]. Dono e legítimo co-proprietário do terreno sito no ..., Porto, contíguo ao objecto dos processos camarários em referência [PIP n.º 822, de 13.09.2001, proc. de licenciamento n.º 19348/05CMP]. (…). Não tendo neles sido obtidos pareceres obrigatórios, como o do Instituto da Água e do Instituto das Estradas. O que os fere de nulidade, invocável por qualquer um, a todo o tempo. Nem neles tendo sido apresentado estudo conjunto com os proprietários dos terrenos vizinhos para a execução de obras de urbanização. A execução daqueles processos, nestes termos, prejudica o meu Constituinte. Maxime por no terreno objecto dos mesmos poder vir a ser construída obra não autorizada pelo PDM em vigor. Condicionando os direitos de construção sobre o terreno de que aquele é comproprietário. Mas que, na procedência da nulidade acima referida, não poderia mais nele ser realizada. Assim sendo solicito a V. Ex.ªs que me informem se estão em condições de ressarcir os sobreditos prejuízos”».
VI - Os réus sabiam que, para os pedidos de cancelamento de registos prediais, o tribunal administrativo não era materialmente competente.
Esta alegação, partindo de um conhecimento dos RR., refere-se a uma circunstância que resultará (ou não) da lei aplicável aos tribunais. Que os tribunais administrativos não são competentes para ordenar o cancelamento de registos prediais na sequência de nulidade de ato administrativo que subjaz a este registo não é algo que possa afirmar-se como sendo uma verdade jurídica inabalável, como veremos infra na exposição dos motivos de direito. De modo que o conhecimento jurídicos dos RR. é inócuo nesta situação.
Não se adita, pois, esta circunstância ao elenco dos assentes.
VII - Os réus sabiam que o registo da ação seria inevitavelmente efetuado na Conservatória do Registo Predial, com base apenas na cópia certificada da petição inicial, porque ao Conservador não era legalmente possível apreciar ou opor a incompetência do Tribunal e/ou outros fundamentos (a não ser de carácter formal ou de técnica registral) só sindicáveis em sede judicial.
Desta alegação apenas a primeira parte (até “petição inicial) é um fato, sendo o restante uma explicação jurídica e espúria à matéria fatual.
Por isso, adita-se um novo número aos factos assentes com o conteúdo acima descrito até “petição inicial”.
VIII - Fizeram-no omitindo, designada e deliberadamente, que a autora tinha obtido o licenciamento à luz do PIP.
Não restam dúvidas de que esse fato está omitido na petição inicial apresentada na ação administrativa, mas trata-se de um fato e, apesar de inócuo, passará a contar do elenco dos provados.
IX - Os réus sabiam que a autora obtivera o licenciamento da construção, com base no conteúdo da informação prévia (PIP) mencionada, considerando que fora requerido no prazo de 1 (um) ano, à luz do disposto no art.º 17.º/1 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, e que a entrada em vigor do PDM do Município ..., de 2006, não afectou os direitos adquiridos pela autora, por actos administrativos anteriores (designadamente a aprovação do PIP).
Desta alegação, apenas a primeira parte (até “PIP”) constitui fato, sendo o restante alegação do direito aplicável, perfeitamente alcançável apenas com recurso ao fato puro e simples.
Razão porque se adita um novo item aos factos provados correspondente ao que ficou exposto e até “PIP”.
X - O parecer do Instituto da Água (INAG) foi solicitado pelo Município ... (processo n.º 15795/04), mas não obteve qualquer resposta deste Instituto Público, no prazo legal de 20 (vinte) dias.
O pedido de parecer ao INAG, a data deste e a data da sua resposta (se o prazo era legal, ou não, não constará obviamente do segmento da peça que apenas trata da matéria de fato) já consta descrito no acórdão do tribunal administrativo, de 12.7.2013. A descrição acha-se no ponto 3 dos factos assentes na sentença recorrida. E tanto basta para improceder o pretendido nesta parte.
XI - Nas citadas "Medidas Preventivas", ratificadas pela Resolução do Conselho de Ministros nº 125/2002, publicada no Diário da República n.º 238, I Série - B, de 15 de Outubro de 2002 (6767 e segs.) e, ulteriormente, no PDM, as zonas de máxima cheia não abrangiam a situação do edifício em causa, com implantação projectada e implantada fora da zona demarcada como inundável.
Matéria de direito. Indefere-se o requerido. A implantação do prédio dentro ou fora da zona inundável não é sequer passível de confissão, atenta a sua localização fora da vontade das partes. Não é pelo fato de as partes acordarem ou confessarem que um prédio tem, ou não, determinadas caraterísticas (as quais compete à autoridade administrativa sindicar) que a realidade do imóvel passa a ser uma ou outra.
XII - O conceito de arquitectura que presidiu à construção do edifício "E...", os materiais usados nos acabamentos e os equipamentos que foram instalados em cada uma das fracções, as próprias cores usadas, condições ambientais vão perdendo actualidade e o mercado, em permanente inovação, vai oferecendo, nessa área, novos produtos que condicionam a escolha do consumidor.
Alegação conclusiva. Factos seriam: que conceito de arquitetura presidiu à construção de modo que, avaliando-o, se possa concluir ir perdendo atualidade; que materiais usados; que equipamentos; que cores; que condições ambientais. Em todo o caso, a sentença já contemplou a ideia que aqui se transmite nos pontos 69 a 71.
Indefere-se, pois, o requerido.
XIII - O facto II acima indicado impediu a concretização da fundadamente previsível venda, no ano de 2010, de, pelo menos 28 das fracções autónomas do sobredito empreendimento.
Alegação já constante do ponto 27 dos factos assentes.
XIV - Efectuada a respectiva média, constata-se que das visitas realizadas (entre 2008 até Abril/2010) ao edifício aqui em causa, 4,73% foram bem-sucedidas, levando à realização de contratos promessas de compra e venda.
Tratando-se de uma alegação de fato, adita-se ao conjunto dos factos assentes.
XV - Ao saber pelo registo da ação da pendência do processo administrativo, os clientes da autora não aceitaram a realização da escritura ainda que com a garantia de devolução do preço por parte da Autora; bancos não aceitaram financiar a aquisição e outros exigindo a prestação de garantias bancárias (ou hipotecárias) por parte da Autora e que esta, pelos custos, financeiros e outros, associados às mesmas, recusou.
Factos que já constam, de forma dispersa, da factualidade assente (pontos 33 a 38 e 40), nada impondo a sua repetição.
XVI - Tendo em conta o histórico das vendas das frações no edifício nos anos seguintes, mas somando-lhe a acentuada quebra de mercado, as 35 (trinta e cinco) fracções restantes [de um total de 98 (noventa e oito)] teriam sido vendidas, na pior das hipóteses, até final de 2012.
Matéria que já consta enunciada no ponto 42, mas aqui invocada de forma distinta, pelo que se adita aos factos assentes.
XVII - Em consequência do registo da ação a autora, depois de meses a fio de insucesso, viu-se obrigada a aceitar a rescisão amigável das promessas de compra e venda de quatro fracções e a reduzir aos custos mínimos a manutenção do edifício e do investimento a ele inerente, durante o período em que se manteve pendente o registo da acção em causa.
Circunstâncias já descritas noutros factos provados (41, 43 a 51).
*
Matéria de fato provada (após conhecimento do recurso nesta parte):
1). Em Janeiro de 2010, os ora Réus instauraram, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP) ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo (Proc. n.º 165/10.BEPRT – Unidade Orgânica 2 do TAFP) contra o Município ..., pedindo que:
- fosse declarado nulo despacho proferido em 27/07/2006 pelo vereador do pelouro do urbanismo e da mobilidade do Município ... e pelo qual foi licenciada a construção de edifício, pertencente a «B... …», sito entre a Av ... e a Rua ..., descrito sob os números 711 e 712 da C. R. P. do Porto e inscrito na matriz da freguesia ... sob os artigos 4796.º e 5459.º;- fosse condenado o Município ... a praticar todos os atos e diligências necessários à demolição do edifício licenciado pelo ato impugnado; fosse ordenado o cancelamento de todas as descrições e inscrições prediais relativas à propriedade horizontal que vier a constituir-se sobre o edifício licenciado, incluindo as que dizem respeito às frações autónomas, construído no terreno descrito sob os números 711 e 712 na C. R. P. do Porto, ... e inscrito na matriz sob os artigos n.ºs.4796 e 5459 (…).
Nessa pi lê-se (fls. 98): “a autora mulher é contitular, sem determinação de parte ou direito, da quota de 1/5 do prédio que se situa da Rua ..., n.º ... (…)”.
2). Foi indicado como contrainteressado «B... …» - artigo 78.º, n.º 2, f), do então C. P. T. A. - que, citada para esse efeito, contestou alegando falta de interesse em agir, ineptidão da petição inicial e improcedência da ação.
3). Foi nessa ação proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções e ordenou a notificação das partes para apresentarem alegações escritas, tendo as partes assim feito.
Foi então proferido em 12/07/2013 Acórdão por aquele Tribunal Administrativo onde foram considerados provados os seguintes factos: 1) Em 26/11/1999, a contrainteressada requereu um pedido de informação prévia (o qual foi numerado como PIP n.º 31234/99) para construção de edifícios a levar a efeito no terreno entre a Avenida ... (a Sul), Rua ... (a Norte), ... e ... (a Nascente) e o ... (a Poente), prevendo na memória descritiva (datada de 17/11/1999) uma área útil de construção total de 22041,0 m2; 2). Em 09/01/2000, a contrainteressada apresentou um Aditamento ao PIP n.º 3234/99, ao qual foi atribuído o número de entrada 01904, apresentando novas peças desenhadas, dando sem efeito as anteriormente apresentadas; 3) No PIP n.º 31234/99, foi prestada uma informação pelo Gabinete de avaliação de projetos estratégicos (GAPE), com o seguinte teor: «Reunião - 5 de Setembro de 2000. Após análise do projeto o GAPE foi da opinião que a solução proposta não se integra convenientemente no espaço urbano envolvente, nomeadamente, na sua articulação com as construções a poente (...) e na solução viária definida. Assim, a DmEstU ficou de desenvolver um estudo urbanístico que abranja o terreno do requerente e os envolventes. Posteriormente deverá ser realizada uma reunião no GAPE»; 4). Em 03/05/2001, a contra-interessada anexa novos elementos ao PIP n.º 31234/99, com o Aditamento 1904/00, solicitando a sua aprovação, passando a ser numerado como PIP n.º 10252/01; 5) Em 13/09/2001, foi aprovado o Pedido de Informação Prévia (PIP) n.º 10252/01, com a capacidade edificatória total, de 18272,1 m2, nos termos do qual se previam os seguintes parâmetros urbanísticos: Área do terreno - 11378 m2; Área das faixas de terreno de 30m de profundidade - 6 024 m2; Área restante (além dos 30 m) - 5354 m2; Área de construção proposta acima do solo - 18132 m2; Área de garagens privadas 5693 m2; Área de implantação da construção - 6173 m2; 6) Em 30/04/2002, foi apresentado o projeto de arquitetura, que foi instruído pelo processo n.º 8085/2002, no qual se previa uma área total de construção acima do solo de 18102.06 m2 tendo sido aprovado em 23/02/2004; 7) Na sequência da manifestação pelo Município em ver concertada uma solução urbanística que contemplasse uma solução arquitetónica com menor relevância volumétrica na envolvente, a contrainteressada apresentou em 18/05/2004 novo Pedido de Informação Prévia, o qual foi instruído no processo com o n.º 15795/04, sendo aprovado cm 23/08/2004, e prevendo os seguintes parâmetros urbanísticos: a) Área total do terreno – 11378 m2; b) Área de implantação – 3582 m2; c) Área bruta de construção acima do solo – 17327 m2; 8) No seguimento da aprovação do PIP n.º 15795/04, foi apresentado novo projeto de arquitetura em 22/02/2005, no qual a requerente referiu o seguinte: «2. PEDIDO Vem requerer a V. EX.ª a aprovação do pedido de licenciamento de operação de obras de edificação, para o prédio abaixo identificado, em conformidade com o estabelecido na alínea c) do número 2 do artigo 4.º, do decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações Introduzidas pelo decreto-lei n.º 177/01, de 4 de Junho, e na Portaria n.º 1110/01 de 19 de Setembro. O presente projeto está conforme o podido de Informação prévia n.º 15795/04, deferido por despacho do Senhor Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade, de 23.08.2004, exarado sobre a Informação 10052/04/DMGU. Conforme foi exposto no requerimento do pedido de Informação prévia n.º 15795/04, para o terreno em causa foi aprovado em outubro de 2001 um primeiro pedido de informação prévia, ao abrigo do qual a ora requerente apresentou um projeto de arquitetura que foi objeto de aprovação em 23/02/2004 através do oficio DF/441/04/DMGU, sendo que ambas as aprovações constituem inequivocamente atos constitutivos de direitos da requerente. Foi neste pressuposto, e bem assim, em consequência da concertação de posições com a Câmara Municipal ..., que a requerente apresentou uma solução urbanística alternativa para o terreno em causa, nos termos e com os efeitos descritos no referido requerimento do pedido de Informação prévia. Nestes termos, o pedido de aprovação do projeto de arquitetura que ora se apresenta não traduz qualquer manifestação de vontade por parte da requerente em renunciar aos direitos adquiridos na sua esfera jurídica resultantes do aprovação do primeiro pedido de Informação prévia e da aprovação, em 23.02.2004, do respetivo projeto de arquitetura cujo processo de licenciamento - que corre termos sob o n.º 8085/02 - a ora requerente se compromete a desistir no momento em que o presente processo de licenciamento for objecto de uma decisão final de aprovação, nos termos e para os efeitos previstos no art. 23° do decreto-lei n.º 555/99, de 16 de dezembro; 9) Por Despacho de 22/03/2005, foi aprovado o projeto de arquitetura apresentado em 22/02/2005, onde na Memória Descritiva e Justificativa se previam os seguintes parâmetros urbanísticos: Área total do terreno - 11378 m2; Área de implantação - 3582 m2; Área de impermeabilização - 5 264 m2; Índice de impermeabilização - 0,46 m2/m2; Índice de construção - 1,52 m2/m2; Índice de implantação - 0,31 m2/m2; Área de intervenção no Domínio Público – 535 m2; Área total de intervenção - 11913 m2; Área de construção acima do solo (sem varandas) -17327 m2; Área de habitação – 16587 m2 n.º fogos – 98; Área de comércio – 192 m2 n.º comércios – 1; Área de serviços - 548 m2 n.º de escritórios – 4; Área de construção abaixo do solo - 6183 m2; Cave - 3145 m2, sendo 2772 m2 de estacionamento e 373 m2 de acessos verticais e espaços técnicos; Subcave - 3038 m2, sendo 2794 m2 de estacionamento e 244 m2 de acessos verticais e espaços técnicos; Área total de estacionamento - 5566 m2; Área total de acessos verticais e espaços técnicos – 617 m2; Área de intervenção no Domínio Público para infraestruturas urbanas (passeios, arruamento, estacionamentos e jardins) – 535 m2; Arruamento (área final) - 645 m2; Passeios (área final) – 495 m2; Estacionamentos - 38 lugares (área final) – 469 m2; Percurso pedonal (área final) 271 m2; Jardim (área final) – 1549 m2; Área para infraestruturas urbanas de utilização coletiva (privado); Espaço verde (no pátio interior) - 716 m2; Espaço verde (espaço verde de utilização coletiva) – 3 028 m2; Arruamento e acessos às garagens – 704 m2; Estacionamentos (34 lugares) - 425 m2; Passeios e rampas (acessos de peões e a deficientes motores) - 922 m2; 10) Para instrução do PIP n.º 15795/04, foi solicitado parecer à CCDRN, entidade que emitiu parecer favorável considerando que «a pretensão surge na sequência do Processo 8085/02, que mereceu parecer favorável em 2004.01/Ata n.º 20/2004), pelo que não se vê inconveniente na aceitação da proposta apresentada»; 11) Para instrução do PIP n.º 15795/04, foi solicitado, mediante ofício datado de 06/08/2004, parecer ao INAG, o qual mediante ofício datado de 01/09/2005 (e rececionado a 15/09/2005), emitiu parecer desfavorável, nos seguintes termos: «Relativamente ao assunto em epígrafe, e na sequência do vosso ofício em referência, informa-se: - Na Planta de Apresentação do Projeto encontra-se demarcada a linha de cota de máxima cheia; - De acordo com o referido no ponto 3 da memória descritiva do projeto, a nova construção localizar-se-á "(...) para além das linhas de respectivamente 10m à margem do ... e 50m à margem do Rio ..." e "(...) fora do espaço considerado inundável. No entanto, e no ponto 5 da mesma memória descritiva é referido que se encontra prevista a realização de sistemas de alarme que alertem os habitantes e ativem os sistemas de drenagem que aliviem os primeiros impactos de uma eventual cheia, e que toda a segunda cave será dimensionada, nos aspectos estruturais, de modo a permanecer estanque até ao limite próximo da cota referenciada como de máxima cheia. Fica assim por esclarecer o que é que, em termos do projeto, se entende por localização "(...) fora do espaço considerado inundável". De acordo com a informação prestada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte), o terreno em causa localiza-se em zona de expansão de cheias. Ao INAG compete a emissão de parecer para lá da margem dos cursos de água e em zona ameaçada por cheias. O terreno em causa encontrava-se anteriormente ocupado por "armazéns", que atualmente se encontram em estado de ruínas e que terão de ser completamente demolidos para dar lugar a este empreendimento completamente novo e sem qualquer relação com as pré-existências. Neste sentido, julga-se que o projeto apresentado não reúne condições para ser aprovado por prever a construção de novas edificações em áreas sujeitas a cheias, nomeadamente com a construção de caves. Considera-se ainda de referir que estando em causa a alteração do uso funcional anterior (comercial/industrial) para uso habitacional e tendo por base a informação da CCDRNorte de que se trata de uma zona ameaçada por cheias, considera-se que, e do ponto de vista da segurança de pessoas e bens, o uso atualmente proposto é mais gravoso que o anterior face ao risco naturalmente associado a estas áreas; 12) Em 22/02/2005, foi apresentado pedido de licenciamento, o qual foi instruído no processo de obras n.º 19348/05/CMP, tendo sido deferido o pedido de licenciamento de obra de edificação, bem como das obras de urbanização por Despacho proferido a 27/0712006 pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade (ato impugnado).
4). Por Acórdão do TAFP foi decidido julgar improcedente o pedido dos aqui Réus entendendo, em síntese, que:
Não houve violação do PDM de 2006 por o PIP n.º 10252/01 que foi aprovado em 13/09/2001 tinha um prazo de validade de um ano, tendo a contrainteressada aprovado um projeto de arquitetura em 30/04/2002 pelo que não caducou; assim adquiriu o direito a construir segundo o que foi aprovado no PIP de 2001 o que se sobrepõe ao artigo 67.º, do R. J. U. E. Isto é válido mesmo havendo um novo PIP em 2004, tendo o mesmo sido aprovado em 23/08/2004 e com novo projeto de arquitetura em 22/02/2005, adquiriu novo direito a edificação ao abrigo do artigo 17.º, do RJUE; o PDM não derroga os direitos conferidos por informações prévias favoráveis aprovadas em data anterior à sua vigência que ocorreu em 04/02/2006; assim, o licenciamento não tinha que cumprir o regime de edificação do P. D. M. de 2006. Quanto à falta de parecer do INAG, o mesmo foi solicitado; o que sucedeu é que não foi emitido e enviado dentro do prazo legal mas tendo sido aprovado o PIP e o projeto de arquitetura antes do parecer, obteve a contrainteressada o direito ao licenciamento conforme o deferimento e aprovação; O P. D. M. de 2006 não se aplica ao caso em concreto pelo que não havia necessidade de discussão pública do projeto a qual, mesmo que necessária, não existindo, não levaria a nulidade – fls. 686 a 696.
5). Foi interposto recurso desta decisão pelos aqui Réus, tendo o Tribunal Central Administrativo do Norte, julgado em 10/02/2017 improcedente, mencionando, em síntese, que:
o PDM de 2006 não derroga os efeitos conferidos por informações prévias favoráveis, a tal não obstando o disposto no artigo 67.º, do RJUE pois o PDM contém uma norma transitória que permite a emissão de licença tendo por base a informação prévia antes da entrada em vigor do PDM; a questão de colisão de direitos entre o direito a ambiente sadio e propriedade privada é uma questão nova que não pode ser apreciada – fls. 922 verso a 939.
6). Os aqui Réus interpuseram recurso da decisão do T. C. A. para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual não foi admitido – fls. 952 verso a 954 -, tendo sido apresentada reclamação que também foi indeferida – fls. 966 verso e 967 – sendo que a decisão do S. T. A. transitou em julgado em 12/10/2017 tendo dado entrada recurso para uniformização de jurisprudência – fls. 971.
7). Os Réus fundaram o seu interesse alegando, por um lado, a «(…) sua qualidade de munícipes ..., onde se acham recenseados, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos (…)» invocando «(…) específico interesse no objeto da presente acção uma vez que são comproprietários de um dos prédios adjacentes ao prédio da Ré contra-interessada (…)» considerando que a ora Ré-mulher é «(…) contitular, sem determinação de parte ou direito, da quota de 1/5 do prédio que se situa na Rua ..., ..., descrito na C. R. P do Porto 1, sob o nº 45754, no Livro nº 130, da freguesia ... (…)».
8). Com a instauração da referida ação administrativa, a Autora deu conta disso aos seus clientes, promitentes e/ou potenciais compradores das frações do sobredito prédio – conhecido como Edifício E..., designadamente publicitando na imprensa a inexistência de qualquer ilegalidade do ato de licenciamento e informando do propósito de adoção de todas as condutas necessárias à salvaguarda dos legítimos interesses dos seus clientes, conforme «Público» do dia 27/03/2010.
9). Em 26/11/1999 a Autora, sob a anterior denominação «F..., SA», submetera à C. M. ... um pedido de informação prévia (PIP) que, com aditamento registado sob o nº 10252/01, foi aprovado em 13/09/2001.
10). Os Réus ao consultarem o processo administrativo de licenciamento, com vista à propositura da ação administrativa citada, constataram o seguinte:
Em 30/04/2002, e na sequência do PIP nº 10252, a Autora requereu o projeto de arquitetura (Processo 8085/2002); Em 23/02/2004 foi aprovado o projeto de arquitetura no âmbito desse processo 8085/2002; A pedido do Município ..., a Autora acedeu à concertação duma solução urbanística diferente dos atos já entretanto emitidos - traduzida numa solução arquitetónica com menor relevância volumétrica na envolvente e na diminuição da área de construção global - e, sem prescindir dos direitos constituídos ao abrigo daqueles atos, apresentou um PIP (Processo 15795/04) ao mesmo tempo que requereu que, enquanto decorresse a apreciação deste (PIP), fosse suspenso o mencionado processo 8085/2002, como decorria da minuta do contrato de urbanização homologado pelo vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade, em 14/05/2004, que não chegou a ser assinado pelas partes; Solicitado parecer à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN), pronunciou-se esta favoravelmente considerando que «(…) a pretensão surge na sequência do processo 8085/02, que mereceu parecer favorável em 2004.01./Ata n.º 20/2004, pelo que não se vê inconveniente na aceitação da proposta ora apresentada». Em 06/08/2004, no âmbito da consulta às entidades externas e nos termos dos arts. 15.º e 19.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo citado DL 555/99 (RJUE), na redação então em vigor, a CMP dirigiu ao Instituto da Água (INAG) o pedido de parecer; Em 23/08/2004 foi aprovado o PIP nº 15795/04.
11). Em 22/02/2005, a Autora requer o licenciamento do edifício em causa (Proc n.º 19348/05), sem renúncia aos direitos adquiridos em virtude da aprovação do PIP 10252/01 e do projeto da arquitetura objeto do processo nº 8085/2002 e que, foi aprovado por despacho de 22/03/2005, do vereador do pelouro do Urbanismo, Mobilidade e Desenvolvimento Social do Município ....
12). O processo de licenciamento e assim todos os despachos, pareceres, informações, atos e demais expediente, eram conhecidos dos Réus à data da propositura da ação administrativa especial acima mencionada.
13). Em 05/07/2006, pelo ofício nº 5188, a CCDRN emitiu parecer favorável sobre a localização do edifício e sobre o respetivo projeto de arquitetura.
14). A Autora obteve alvará de licença de construção em 06/09/2007.
15). Em 18/10/2007, os Réus haviam comunicado à Autora, comunicação recebida em 26/10/2007, que tinham conhecimento do processo de licenciamento e do PIP então em curso e, alegando a nulidade dos respetivos atos administrativos e que a construção licenciada lhes iria causar prejuízos (que não especificaram), concluíram tal comunicação assim: «(…) assim sendo solicito a V Exas que me informem se estão em condições de ressarcir os sobreditos prejuízos (…).
16). Cerca de um ano depois, os Réus complementaram aquela carta, com o envio de outra, em 02/10/2008, identificando o prédio contíguo ao da Autora, assinalando-o e planta topográfica que anexaram.
17). Os Réus, nessa carta, fundamentam a indemnização que pedem alegando que o licenciamento é nulo, têm prejuízos e se não for paga essa indemnização arguirão a nulidade do licenciamento.
18). A Autora, à data da entrada da presente ação, tinha celebrado contratos de promessa de compra e venda relativos a cerca de 50% das frações autónomas, estando em vias de constituição a propriedade horizontal.
19). Os Réus registaram a ação na C. R. P..
20). A construção do edifício em questão representou um investimento financeiro de 23.674,649 EUR.
21). A Autora pagou o passivo bancário contraído para a execução do projeto que consiste na edificação do imóvel acima mencionado, obstando à possibilidade de o banco credor vir a executar hipoteca constituída para garantia do reembolso do seu crédito concedido para a realização deste empreendimento que onerava o imóvel.
22). Foi acordado entre Autora e entidade financiadora do projeto o reembolso do crédito a efetuar num prazo máximo/limite de cinquenta e nove meses, à medida que fosse sendo vendida cada uma das frações autónomas em que se compõe o imóvel.
23). Para cancelar a hipoteca incidente sobre cada uma dessas frações autónomas, na data da realização da escritura pública, o credor hipotecário receberia, conforme o acordado, uma quantia que se situava entre 81.500 EUR e 262.200 EUR conforme a tipologia e inerente valor de cada uma das frações por forma a que, no final da comercialização, alienadas que fossem todas as frações, o que, se previa que iria ocorrera até final de 2012.
24). Não fora a propositura da ação e o seu registo, a Autora venderia todas as frações que compõem o imóvel e recuperaria o investimento efetuado, até final de 2012, com uma margem de lucro não inferior 17%.
25). Sendo o imóvel constituído por noventa e oito frações destinadas a habitação, a Autora propunha-se vender a totalidade das frações, por um preço global de 29.032,900 EUR.
26). Sobre esse valor, a Autora faz incidir uma taxa de desconto médio de 4,353%, o que reduz esse preço global a 27.769,057 EUR.
27). Ao instaurarem a ação os Réus impediram a concretização da previsível venda, no ano de 2010, de, pelo menos vinte e oito das frações autónomas do empreendimento.
28). Até Abril de 2010, a Autora prometeu vender sete frações autónomas.
29). Em 2008, quando a construção do imóvel começou a tornar-se visível para o público e antes da campanha publicitária que levou a cabo, a Autora conseguira prometer vender sete frações.
30). Em 2009, com o imóvel na fase de acabamentos e na sequência de campanha publicitária que levou a cabo, conseguiu vender vinte e oito frações autónomas.
31). Para conseguir essas quarenta e quatro vendas (oito frações, em 2008, vinte e nove frações, em 2009, e sete frações, desde 01/01 a 31/03 de 2010) a Autora recebeu, no empreendimento, duzentas e sessenta e duas visitas de interessados, no ano de 2008, quinhentas e uma visitas, em 2009 e, até abril de 2010, cento e sessenta e sete visitas.
32). Caso se mantivesse, como era expectável, a média de vendas do ano de 2010, a Autora teria vendido, até final desse ano, mais vinte e uma frações.
33). A propositura da ação administrativa pelos aqui Réus mereceu tratamento noticioso em jornais de grande tiragem tendo a Autora, agindo na defesa do seu bom nome e para tranquilizar os seus clientes e quem nela confiara, divulgado um comunicado para a imprensa tendo passado a informar cada um dos interessados que visitavam o empreendimento e questionavam sobre as condições de venda e prazos de outorga da respetiva escritura de compra e venda, da pendência da ação em causa.
34). Uma vez proposta aquela ação pelos aqui Réus, a Autora conseguiu prometer vender uma fração e vendeu outra, com uma condição para a Autora que assumiu a obrigação de, se a Câmara Municipal ... não adotar qualquer medida com vista à reposição da legalidade urbanística da licença de construção do imóvel onde se integra a fração ora alienada, nos noventa dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença/acórdão que a venha a declarar nula, proferida no âmbito do referido processo nº 165/10.3 BEPRT, dar conhecimento ao segundo outorgante destes factos nos trinta dias seguintes ao termo daquele prazo. Se o segundo outorgante, nos trinta dias subsequentes ao termo do prazo indicado no número antecedente da presente cláusula, comunicar à representada da primeira outorgante «B..., S.A.»” que lhe pretende alienar a fração, esta obriga-se a comprá-la pelo preço constante da presente escritura, no prazo de sessenta dias a contar da data da receção da referida comunicação, suportando todos os custos com a realização da escritura, bem como com o pagamento do IS, IMT e os registos a que houver lugar. O segundo outorgante declara ainda que no caso de ser citado para a ação judicial referida no ponto um, aceita ser patrocinado em juízo pelos mandatários indicados pela sociedade representada pela primeira outorgante, que assumirá todos os encargos decorrentes desta acão judicial, designadamente com custas, honorários, e pareceres, comprometendo-se a restituir à referida sociedade qualquer quantia que lhe seja devolvida no âmbito daquele processo, e cujo pagamento antecipado tenha sido realizado por este.»
35). Para vender essas duas frações, a Autora recebeu no empreendimento duzentas e setenta e seis visitas, de abril de 2010 até final do ano, sendo que, durante o início de 2011, o empreendimento foi visitado por setenta e quatro interessados.
36). Mesmo pendente a ação interposta pelos aqui Réus, a Autora, visando minimizar os danos, não desistiu durante meses de procurar vender as restantes frações, propondo aos interessados e à imagem do que ocorreu com os dois negócios acabados de referir, a restituição do valor pago por eles se a ação viesse a proceder.
37). Só se conseguiu vender (ou prometer vender) mediante tais condicionalismos, essas duas frações, sendo que desde abril de 2010 até final desse ano a Autora aceitou a rescisão por mútuo acordo, de quatro contratos promessa de compra e venda sendo que a causa da rescisão foi uma única: os promitentes-compradores e os bancos que os financiavam não aceitavam outorgar a respetiva escritura de compra e venda e constituir hipoteca em garantia do crédito, enquanto a ação se mantivesse pendente e registada, tendo devolvido o sinal em singelo.
38). Todos os interessados na aquisição, ao serem informados da pendência da ação e registo da mesma desinteressaram-se de qualquer negócio, mesmo tendo a Autora prometido que, em caso de procedência da ação, lhe devolveria os valores investidos.
39). Com a extinção daqueles quatro contratos de promessa e a não realização da respetiva escritura pública, a Autora deixou de auferir, nesse ano de 2010, a quantia total de 630.360 EUR, valor que receberia aquando da outorga das respetivas escrituras que seriam realizadas no decorrer desse ano e teve de devolver sinais e reforços no montante de 551.640 EUR.
40). Em relação a contratos promessa pendentes, a Autora vê-se impedida de receber o preço ainda em dívida, no total de 2.427,234 EUR correspondente a treze frações na medida em que, sempre pelos mesmos motivos, os promitentes-compradores recusam outorgar a respetiva escritura e os bancos por eles escolhidos conceder o empréstimo, antes de terminada a ação proposta pelos Réus.
41). Por isso, a Autora acabou por retirar do local a equipa de vendas e aguarda que termine a ação para dar novo impulso e relançamento à comercialização do imóvel.
42). Não fora a pendência da ação e respetivo registo efetuado pelos aqui Réus, a Autora tinha expectativa de embolsar 5.383,797 EUR, tendo ainda previsão de vender as trinta e cinco frações remanescentes (de um total de noventa e oito até final de 2012).
43). A Autora mantém no empreendimento um zelador do edifício que vai abrindo as frações, vê o que necessita de limpeza, chama a atenção de uma ou outra anomalia, sendo o custo anual global para a Autora de 14.954 EUR (custo mensal de 1.246 EUR).
44). O gestor do empreendimento, responsável pela gestão operacional e comercial do mesmo, despende cerca de 25% do seu período com tarefas em estrita conexão com as frações, com contratos de promessa de compra e venda e não vendidas, das quais se destacam o acompanhamento de clientes (promitentes compradores) esclarecimento de reclamações, controlo técnico, financeiro, administrativo, cadastral das frações, visitas periódicas às mesmas, negociações com entidades externas, gestão de garantia e coordenação do zelador do edifício, sendo o custo anual global do trabalho desse de 12.850 EUR.
45). Tendo em conta a permilagem de cada uma das frações não vendidas e das que foram objeto de promessa de compra e venda, a Autora suporta, a título de despesas de condomínio, um custo anual de 80.284 EUR (custo mensal de 6.690 EUR).
46). De quinze em quinze, são efetuados em cada uma dessas mesmas frações – as que ainda não foram prometidas vender e as se encontram com contrato promessa de compra e venda - serviços de limpeza, para evitar a deterioração das mesmas, o que implica um custo anual, por fração, de 1.542 EUR, perfazendo o valor anual de 109.481 EUR e mensal de 9.123 EUR na totalidade das frações.
47). A manutenção do seguro multirriscos sobre cada uma das frações ainda não prometidas vender importa em 5.255 EUR/ano, enquanto o mesmo seguro das frações objeto de contrato promessa, importa em 1.042 EUR/ano, num custo mensal total de 525 EUR.
48). Apesar de fechadas, as frações em causa obrigam, ciclicamente, a trabalhos de manutenção e conservação - pinturas, reparação de pavimentos, manutenção de eletrodomésticos – para dessa forma as continuar a manter «como novas» -sendo que esses trabalhos previsivelmente não importarão em menos de 236.253 EUR/ano – 3.328
EUR/fração - o que perfaz um valor médio mensal para a totalidade dessas frações, de 19.688 EUR.
49). Apesar da suspensão dos serviços de comercialização durante a pendência da ação proposta pelos aqui Réus, a Autora mantém andar modelo o que em conservação dos móveis, plantas, limpeza, aluguer de parte dos componentes importa em não menos de 4.423 EUR/ano (custo médio mensal de 369 EUR).
50). A Autora mantém o stand de vendas, um edifício construído em pedra, metal e vidro e instalado sobre zona comum do condomínio, o qual só se se pode manter até final de 2011, data a partir da qual terá de ser demolido e substituído por um outro - móvel – a instalar nas proximidades em terreno que a Autora reservou já para esse efeito sendo que os custos com a amortização do respetivo investimento, com a limpeza, abastecimento de água, seguro e manutenção corrente do edifício atingem um montante não inferior a 81.442 EUR/ano.
51). Independentemente do atraso na comercialização provocado pela pendência e registo da ação proposta pelos aqui Réus, pelo menos no ano de 2012, esse stand sempre teria de ser demolido e substituído por outro, a «alugar» pela Autora a um terceiro pelo que aquele atraso terá como consequência necessária e direta a manutenção do aluguer do novo stand por um período igual àquele em que durar esse atraso, o que importa em 968 EUR/mês.
52). Também por causa do atraso na comercialização provocado pela pendência e registo da ação instaurada pelos Réus, a Autora, enquanto dona da obra, verá diminuído, em prazo idêntico, a duração das garantias de boa execução da obra, que pode exigir a cada um dos subempreiteiros que realizaram cada uma das artes sendo que a Autora adjudicou a execução da totalidade do edifício a subempreiteiros.
53). O prazo de garantia de boa execução da obra está a decorrer em relação a cada um dos subempreiteiros, enquanto, em relação à Autora, nas vestes de promotora e vendedora de cada uma das frações, o prazo de reclamação por defeitos, por parte de cada um dos futuros adquirentes, só ocorrerá a partir da respetiva alienação.
54). Quando a alienação ocorra, a pendência da ação proposta pelos Réus provoca um atraso na mesma, pelo que a Autora verá prolongada por um período de tempo pelo menos igual ao da duração dessa ação a sua responsabilidade pela boa execução da obra perante os adquirentes de cada uma das frações a vender, enquanto o prazo de garantia de boa execução da obra por parte de cada um dos subempreiteiros vai correndo, durante esse mesmo período.
55). Tal facto obrigará a Autora a suportar, pelo menos por um período acrescido igual ao desse atraso, os custos com a reparação dos defeitos que sejam reclamados por futuros adquirentes, sem que a Autora possa exigir a reparação aos mesmos subempreiteiros em valor não liquidado.
56). Por cada ano de atraso na comercialização das vendas das frações ainda não vendidas, a Autora terá de suportar Imposto Municipal Sobre Imóveis e, uma vez findo o respetivo período de isenção, um valor anual de 51.599 EUR, o que corresponde a um custo mensal médio de 4.300 EUR.
57). Por causa da paragem prolongada da comercialização, decorrente da pendência daquela ação, cria-se a circunstância de, passados vários anos após a sua conclusão, ainda estar à venda, num prédio de luxo, com uma localização excelente, um grande número de frações autónomas, vai ser necessária intensa publicidade, logo que se possa retomar a comercialização das frações, uma vez libertas do registo e pendência dessa ação.
58). Aquando do início da comercialização do mesmo, a Autora dotou o empreendimento, em marketing e publicidade, de valor superior a 838.000 EUR.
59). O relançamento da comercialização das frações ainda para venda e por forma a que essa comercialização atinja um ritmo e um sucesso pelo menos idênticos aos que se verificavam antes da pendência da ação, vai implicar a nova publicidade idêntica à que foi feita, com lugar de grande destaque na TV, em outdoors, em jornais diários e de grande tiragem e jornais e revistas semanais destinados a uma clientela de classe média e superior, em eventos desportivos (futebol e automobilismo, por exemplo), em segways (ações em centros comerciais, na baixa etc…), o que importará em não menos de 601.739 EUR, custos que a Autora não teria de despender se a comercialização não tivesse de ser interrompida por causa da pendência da ação instaurada pelos Réus.
60). A construção do empreendimento ora em causa foi financiada com recurso a crédito bancário cujo reembolso foi garantido por hipoteca, incidente sobre o imóvel.
61). O termo de vigência do respetivo empréstimo ocorre em 2013, com reembolso gradual, à medida que as frações fossem sendo vendidas, obrigando-se a Autora a afetar parte do preço ao pagamento do empréstimo, contra a entrega pelo Banco, na data da outorga da respetiva escritura, do documento bastante para cancelamento da hipoteca incidente sobre a fração a vender.
62). Logo que tomou conhecimento da pendência da ação e do registo da mesma sobre o imóvel que garantia o reembolso do seu capital, o Banco começou a pressionar a Autora para que liquidasse esse empréstimo, ainda que com recurso a um outro tipo de financiamento.
63). Uma vez que à Autora interessava manter um bom relacionamento com esse parceiro comercial e porque estava a negociar um outro tipo de financiamento, com outra finalidade, a Autora acabou por ceder à pretensão do banco e, assim, o financiamento ainda em dívida a esse banco, no montante de 14.061.300 EUR foi liquidado em 22/12/2010 com parte do produto da emissão de papel comercial (com maturidade prevista para dezembro de 2015).
64). Ao ter de liquidar aquele financiamento com uma nova operação, a Autora teve de suportar já na proporção correspondente ao valor daquela emissão que afetou ao pagamento desse empréstimo os custos com a comissão de liderança cobrada pelo banco, no montante de 36.881 EUR como também suportou a parte proporcional (ao valor do novo financiamento que afetou à liquidação do anterior empréstimo) do custo com a comissão trimestral e que é de 84.827 EUR, no valor mensal de 28.276 EUR, tendo de pagar juros ao Banco, sendo os custos desses juros, calculados à taxa com variação trimestral actualmente em vigor de 3,672%, no montante de 43.958 EUR/mês e anual de 527.498 EUR.
65). A pendência da ação proposta pelos Réus força o retardamento, por um período temporal pelo menos igual ao período em que se manterá o registo, do recebimento da margem de lucro líquida que a Autora previsivelmente iria auferir com a venda das restantes frações, bem como do recebimento dos montantes em dívida relativos aos contratos-promessa celebrados.
66). A venda daquelas frações e o recebimento dos montantes em dívida relativos aos contratos-promessa celebrados sem escritura, proporcionaria à Autora uma vantagem líquida de 6.554.141 EUR o que, calculado a uma taxa de 4% ao ano, perfaz um valor anual de 262.166 EUR e mensal de 21.847 EUR.
67). À data da propositura da ação, a Autora tinha pendentes três situações de pré-contencioso relativamente a contratos-promessa vigentes, correndo o risco de outros promitentes-compradores se impacientarem com o tempo de espera da resolução da ação em causa e exigirem a devolução do sinal em dobro, uma vez que até à resolução dessa ação, a Autora se vê impossibilitada de alienar o imóvel sem aquele registo da ação em causa.
68). Tal, a ocorrer, é consequência da existência da ação proposta pelos Réus.
69). O edifício em causa vai-se desvalorizando gradualmente à medida que o tempo vai passando, quer em face da natural evolução da arquitetura, de novos conceitos, novas ideias que vão surgindo nessa área, quer com a evolução nos materiais utilizados, design, tecnologia em termos ambientais e de sustentabilidade (energia, aquecimento de águas, etc…).
70). Com o decurso do tempo a imagem do edifício vai-se degradando.
71). Nos cinco 5 anos a contar da data da apresentação da petição inicial, o edifício sofrerá uma desvalorização gradual que no final desse período se cifrará em não menos de 35% do seu valor o que, reportada às cinquenta e oito frações, atingirá o valor de 509.270 EUR (2010), 636.587 EUR (2011), 891.222 EUR (2012), 1.273.174 EUR (2013), 1.464.151 EUR (2014) e 1.591.468 EUR (2015), sendo que, à data da apresentação da petição inicial, a desvalorização do imóvel por causa da paralisação na comercialização não é inferior a 509.270 EUR.
72). Na área de construção civil o público em geral associa a marca «B1...» à construção de empreendimento de qualidade, em locais criteriosamente escolhidos, destinada a uma gama média/alta de “consumidores” que confiam e acreditam nessa qualidade de construção, na longevidade da mesma, nas garantias oferecidas, na colaboração de «B...» na fase pós venda, designadamente atendendo prontamente a todo o tipo de reclamações que possam ser feitas.
73). A propositura da ação pelos Réus fez com a Autora passasse a ser vista como a criadora de um «elefante branco», um empreendimento que, apesar de declaradamente de luxo e situado num local excelente da cidade do Porto, com umas vistas magníficas para o Rio ..., para a margem esquerda, para a G... está parado há anos, sem ser vendido, a «envelhecer» e sem que a situação se resolva.
74). Situação essa que grande parte dos consumidores podem ver e verão como uma consequência de um comportamento prepotente da Autora que se quis colocar acima da lei e conluiada com a autarquia local, construir mais do que lhe permitia a lei.
75). Os réus propuseram a ação administrativa especial referida no facto provado n.º 1 supra visando apenas conseguirem, por essa via, o objetivo da carta de 18 de Outubro de 2007, onde se lê, entre o mais, o seguinte: “Escrevo a V. Exªs na qualidade de advogado do epigrafado [B...]. Dono e legítimo co-proprietário do terreno sito no ..., Porto, contíguo ao objecto dos processos camarários em referência [PIP n.º 822, de 13.09.2001, proc. de licenciamento n.º 19348/05CMP]. (…). Não tendo neles sido obtidos pareceres obrigatórios, como o do Instituto da Água e do Instituto das Estradas. O que os fere de nulidade, invocável por qualquer um, a todo o tempo. Nem neles tendo sido apresentado estudo conjunto com os proprietários dos terrenos vizinhos para a execução de obras de urbanização. A execução daqueles processos, nestes termos, prejudica o meu Constituinte. Maxime por no terreno objecto dos mesmos poder vir a ser construída obra não autorizada pelo PDM em vigor. Condicionando os direitos de construção sobre o terreno de que aquele é co-proprietário. Mas que, na procedência da nulidade acima referida, não poderia mais nele ser realizada. Assim sendo solicito a V. Ex.ªs que me informem se estão em condições de ressarcir os sobreditos prejuízos”
76). Os réus sabiam que o registo da ação seria inevitavelmente efetuado na Conservatória do Registo Predial, com base apenas na cópia certificada da petição inicial.
77). Fizeram-no omitindo, designada e deliberadamente, que a autora tinha obtido o licenciamento à luz do PIP.
78). Os réus sabiam que a autora obtivera o licenciamento da construção com base no conteúdo da informação prévia (PIP).
79). Efetuada a respetiva média, constata-se que das visitas realizadas (entre 2008 até Abril/2010) ao edifício aqui em causa, 4,73% foram bem-sucedidas, levando à realização de contratos promessas de compra e venda.
80). Tendo em conta o histórico das vendas das frações no edifício nos anos seguintes, mas somando-lhe a acentuada quebra de mercado, as 35 (trinta e cinco) frações restantes [de um total de 98 (noventa e oito)] teriam sido vendidas, na pior das hipóteses, até final de 2012.

DE DIREITO

A primeira consideração a fazer prende-se com a garantia constitucional de acesso ao direito e à tutela judiciária.
A presente ação não poderia soçobrar – e não soçobrou em primeira instância (apenas) por tal fundamento – pela consideração do argumento extraído do art. 20.º CRPort., relativo à tutela judicial efetiva e acesso dos cidadãos aos tribunais.
Esse direito potestativo é inegável. Trata-se do direito de ação judicial[4] que, no caso dos tribunais administrativos está previsto no art. 268.º, n.ºs e ss. da Const., sendo reafirmado no art. 2.º, n.º 1CPTA.
Mas o certo é que “o direito de ação não é absoluto. Uma ação pode ser intentada dolosamente, sem quaisquer fundamentos ou com alegações falsas, apenas para incomodar ou causar danos”[5].
Assim, diz-se que a boa-fé civil não tem apenas efeitos no campo substantivo, mas também no campo processual e, aqui, convoca-se o instituto do abuso de direito[6].
O abuso de direito acha-se assinalado no art. 334.º CC que dispõe: É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Delineemos em primeiro lugar o espetro do instituto para depois sindicar da sua pertinência normativo-reguladora dos interesses em causa, i.é, a sua concretização quanto ao direito de ação judicial.
Qualquer direito subjetivo – e também o de exercício da tutela judicial - não poderá ser exercido sem a observância de regras de utilização que constituem simultaneamente os seus limites de imanência interna e que os relativizam reconvertendo-os ao sentido global de racionalidade de todo o sistema jurídico.
É o que sucede com o chamado abuso de direito, princípio que hoje já não se confunde com a ancestral teoria dos atos emulativos, segundo a qual seria ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular apenas visasse lesar interesses de outrem, e passou a exprimir-se pela ideia de que cada direito só é elaborado ou tutelado pela ordem jurídica para certo interesse (v.g. Santoro-Passarelli), ou para certo fim socialmente relevante (v.g. Josserand), ou de há-de obedecer, no seu exercício, a uma norma implícita ou explícita de correcção, de lealdade, de moralidade, a uma lei acima da lei (...entre nós Vaz Serra e Manuel de Andrade...), ou ainda de que ele é "uma intenção normativa que apenas subsiste na sua validade jurídica enquanto cumpre concretamente o fundamento axiológico-normativo que a constitui[7].
O controlo do exercício da autodeterminação do direito subjetivo não se esgota no jogo do abuso de direito, mas faz apelo a outras "normas em branco", como sejam a boa-fé e os bons costumes, princípios cogentes que, contudo, se fazem entrar geralmente na definição do que é abuso de direito, caracterizando-se este como "o exercício do poder formal realmente conferido pela ordem jurídica a certa pessoa, mas em aberta contradição, seja como o fim (económico ou social a que esse poder se encontra adstrito), seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa-fé, bons costumes) que, em cada época histórica, envolve o seu reconhecimento"[8]. É, aliás, esse o conteúdo que lhe é reconhecido no mencionado art. 334.º C.C.
Densificando um pouco mais o conceito de abuso de direito, veremos que ele se concretiza, em regra, em três situações diferentes.
1. A primeira respeita às situações de clássica atuação emulativa, o exercício gratuito do direito com o único e manifesto propósito de negar interesses dos outros, revelando-se, em contrapartida uma falta de interesse objetivo para o exercente.
2. A segunda quando o exercente visa a afirmação de interesses próprios mas em que se patenteia uma lesão ponderosa (mas de todo escusada) de interesse alheio (ainda que não dolosa).
3. Por último, conclui-se existir abuso de direito sempre que se atuam direitos aos quais não está associada qualquer vantagem real para o seu titular mas em que a atuação se projeta externamente constituindo (ainda que não intencionalmente) desvantagem para outrem[9].
Destarte, o que há que averiguar, em cada caso concreto, é se a prossecução do direito subjetivo há-de ser indiferente aos prejuízos que resultem para terceiros e se o agente pode prosseguir tal móbil impunemente por tais prejuízos laterais. Isto sem curar de averiguar se o prejuízo se verifica efetivamente, bastando a previsibilidade da sua ocorrência e relevando a efetiva produção do bem apenas em sede de indemnização, que não é, como é consabido, a sanção primordial do exercício abusivo do direito. Essa sanção é, pura e simplesmente a ilegitimidade do direito e seu o não reconhecimento pela ordem jurídica na parte em que se revele ilegítimo[10].
Esta é, classicamente, a configuração do abuso de direito[11].
Claro está que, dando origem a uma ação autónoma, o abuso de direito em matéria processual pode ter como efeito a indemnização dos prejuízos causados[12].
A doutrina alemã[13] agrupa em quatro os casos de aplicação da boa-fé no processo:
- proibição de consubstanciar dolosamente posições processuais (situações de tu quoque, por exemplo, a parte não pode beneficiar de um não decurso de um prazo quando impediu dolosamente a notificação que interrompia o prazo);
- proibição de venire contra factum proprium;
- proibição de abuso de poderes processuais (caso da chincana e arrastamento injustificado do processo);
- supressio (ex., o interessado faz valer uma queixa muito depois de verificados os factos pertinentes).

Enquanto a litigância de má-fé tem de ser considerada intra-processualmente, no processo onde ocorre, o abuso de direito é fundamento de uma ação própria e, substancialmente, apresenta especificidades relativamente à má-fé processual:
- vale qualquer violação de boa-fé;
- dolosa, negligente ou, até, puramente objectiva[14];
- exigem-se danos, atuais, futuros ou eventuais;
- qualquer pessoa é responsabilizável, incluindo as coletivas;
- todos os danos são considerados[15].
Explicitando o que pode entender-se por abuso de direito no campo processual, Marta Borges[16] propõe uma classificação que considere o “abuso macroscópico” e o “abuso microscópico”[17], ou seja, a circunstância em que se abusa do processo globalmente considerado, em que a própria propositura da ação ou a defesa se encontram ab initio viciadas, dos casos em que se abusa de instrumentos processuais específicos (como incidentes processuais ou recursos), sendo o abuso macroscópico do processo o abuso do direito de ação, isto é, aqueles casos em que o sujeito propõe a ação funcionalizando-a a interesses ou escopos distintos daqueles que justificaram a concessão do direito. Como casos mais flagrantes podemos destacar aqueles em que o autor intenta a ação com o único propósito de “perturbar” a contraparte (lesando-lhe o crédito ou o bom nome e causando-lhe danos não patrimoniais), prejudicar terceiros mediante a simulação da existência de um litígio, ou ainda defraudar a lei para a alcançar de um objetivo ilegal (art. 612º CPC).
A autora acaba por definir o abuso de direito processual como o exercício do direito desviado do interesse que lhe é imanente e que justificou a sua atribuição, sendo abusiva qualquer situação subjetiva processual que se desvie manifestamente desse interesse, independentemente da consideração de fins internos ou externos ao processo. Assim, no abuso macroscópico curar-se-á de saber se a concreta atuação dos litigantes se desvia do escopo do processo globalmente considerado – cuja finalidade é a justa resolução do litígio e a pacificação social.
Assim considerado, o abuso de direito que integra a culpa in agendo, no que à responsabilidade aquiliana concerne (a responsabilidade contratual está afastada in casu), acabará por verificar-se se estiverem verificados os pressuspostos dos arts. 498.º e ss. CC, onde avulta, desde logo, o fato ilícito e culposo (doloso ou negligente).
A ilicitude pode revestir uma de duas formas: violação de direitos de outrem ou violação de normas que visam proteger esses direitos.
Na definição de ilicitude, o desfecho da ação proposta, maxime a improcedência, não envolve necessariamente uso ilegítimo da tutela jurisdicional. Em caso de improcedência, apenas se poderá concluir que o direito não existia, mas isso não obsta a que o autor tivesse, de facto, o direito à discussão judicial mas, esse direito não é infinito: haverá que conjugá-lo, à luz das regras sobre colisão de direitos – artigo 335.º do Código Civil – com o direito de fundo da outra parte (…) de modo que, a atuação levada a cabo ao abrigo de um direito e que cause danos a outrem, atingindo os direitos do lesado ou normas destinadas a proteger interesses alheios, não fica, automaticamente, justificada: depende da ponderação dos direitos em presença[18].
Em concretização desta noção geral, surgem várias situações, a primeira das quais respeita à culpa por danos patrimoniais prolongados, com as quais se abrangem “todas as situações nas quais as iniciativas processuais do agente tenham efetivas consequências no património do lesado”, como sucede quando “o agente por má vontade ou para pressionar o lesado, intente uma ação sem fundamento relativa a um imóvel e proceda ao registo. Com isso, pode impedir a comercialização do imóvel, causando danos em cadeia”[19].
Um exemplo destes casos encontra-se no art. 374.º/1 CPC: Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal.

Assim configurado, o abuso de direito acaba por ser o fundamento ilícito que poderá estar na origem da obrigação de indemnizar a cargo do lesante, a ser ponderada nos quadros da responsabilidade civil extracontratual[20].
A figura é tratada no direito anglosaxónico como vexatious action and abuse of regulatory procedure[21].
O próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem conhece a figura que consta no art. 35, par. 3 a), relativo às condições de admissibilidade de uma ação naquele tribunal: O Tribunal declarará a inadmissibilidade de qualquer petição individual formulada nos termos do artigo 34° sempre que considerar que: a) A petição é incompatível com o disposto na Convenção ou nos seus Protocolos, é manifestamente mal fundada ou tem caráter abusivo, definindo a falta de fundamento e o caráter abusivo do modo seguinte:
«O conceito de “abuso”, na aceção do artigo 35.º, n.º 3, alínea a), deve ser entendido no seu sentido comum de acordo com a teoria jurídica geral, ou seja, o exercício prejudicial de um direito para fins diferentes daqueles para os quais foi concebido. Assim, qualquer conduta de um recorrente que seja manifestamente contrária à finalidade do direito de ação individual, tal como previsto no Convenção e impede o bom funcionamento do Tribunal ou o bom funcionamento do processo constitui um abuso do direito de ação».[22]
Densificando o conceito, o tribunal tipifica o abuso de direito de ação em cinco categorias: uso de informação enganosa; uso de linguagem ofensiva; violação da obrigação de manter confidenciais os procedimentos de resolução amigável; pedido manifestamente vexatório ou desprovido de qualquer propósito real; e todos os outros casos que não podem ser listados exaustivamente.
No direito francês, a procédure abusive au tribunal tem sido objeto de vasto tratamento doutrinário. No tratado de responsabilidade civil, Baudouin considera que a primeira situação de abuso de ação surge quando agente, de má-fé, e ciente do fato de que não tem o direito de pleitear, usa a justiça como se realmente possuísse tal direito. Utiliza os meios judiciários sem causa razoável ou provável[23].
Ilustrando as aplicações jurisprudenciais mais frequentes, refere a denúncia caluniosa, o uso de procedimentos com propósito dilatório, a vingança e a pura finalidade de prejudicar terceiros.
De todo o conjunto de asserções relativas ao abuso de direito de ação que acabamos de expor resultam os seguintes pontos comuns que tomamos como enunciados gerais de um tabestand não escrito do que seja o abuso de direito de ação:
- o exercício gratuito do direito com o único e manifesto propósito de negar interesses dos outros, revelando-se, em contrapartida uma falta de interesse objetivo para o exercente (ex. a vingança e a pura finalidade de prejudicar terceiros);
- a afirmação de interesses próprios mas em que se patenteia uma lesão ponderosa (mas de todo escusada) de interesse alheio (ainda que não dolosa);
- o exercício do direito desviado do interesse que lhe é imanente e que justificou a sua atribuição, sendo abusiva qualquer situação subjetiva processual que se desvie manifestamente desse interesse;
- ação por má vontade ou para pressionar o lesado (ex., a ação sem fundamento relativa a um imóvel e registo da mesma, com isso podendo impedir a comercialização do imóvel, causando danos em cadeia);
- pedido manifestamente vexatório ou desprovido de qualquer propósito real;
- a parte que lançou mão da tutela judiciária viu denegada a sua pretensão;
- a improcedência de uma qualquer pretensão exercida através dos mecanismos judiciários não significa, necessariamente, que o pedido era infundado.
*
Na situação que nos ocupa e que, na ótica da A., se situaria no campo do abuso macroscópico de ação, a ação administrativa que é fundamento da presente foi proposta contra o Município .... A aqui A. surgiu ali na veste de contrainteressada, isto é, de terceira que é também destinatária imediata da decisão judicial (figura prevista nos artigos 57.º e 68.º n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA[24]).
Já os ora RR. tinham a sua legitimidade ativa assegurada pelo art. 55.º CPTA que, na redação então vigente, tinha já um alcance claramente objetivista, conferindo legitimidade para impugnar atos administrativos aos titulares de meros interesses de facto. De modo que, no âmbito da ação particular, era já reconhecida legitimidade a quem fosse titular de um interesse direto e pessoal na impugnação, designadamente (mas não necessariamente) quando alegasse uma lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos – isto é, a quem retirasse imediatamente (diretamente) da anulação ou declaração de nulidade um benefício específico para a sua esfera jurídica (pessoal), mesmo que não invocasse a titularidade de uma posição jurídica subjetiva lesada.
É também pertinente a Lei da Participação Procedimental e da Ação Popular (L 83/95, de 31.8 - LAP) cujo art. 2.º/1 já previa são titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de ação popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis. E, no n.º 2: São igualmente titulares dos direitos referidos no número anterior as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respetiva circunscrição.
A ação popular local é uma espécie qualificada das impugnações de atos administrativos. Corresponde a um puro e simples alargamento da legitimidade impugnatória, visto que a dimensão comunitária típica da ação popular não se manifesta necessariamente nos valores ou interesses defendidos, bastando-se com o vínculo de pertença à autarquia local.
A admissibilidade da ação não depende apenas da legitimidade, mas também do interesse em agir próprio de cada figura: os cidadãos podem defender quaisquer interesses (incluindo interesses individualizados).
O regime estabelecido no CPTA e sobretudo na LAP não pode ser aplicado indiferenciadamente, devendo ter em conta os bens jurídicos tutelados. Assim, por exemplo, no que respeita à aplicação do regime estabelecido na LAP, é importante saber se está em causa uma posição jurídica subjetiva do autor ou um mero interesse difuso - por exemplo -, pois só esses titulares podem pretender obter uma indemnização pessoal pelos danos causados (arts.22º e 23º).
Assim vistas as coisas e, pelo menos formalmente, assistia aos aqui RR. (ali AA.) legitimidade e interesse em agir na propositura de ação administrativa contra o Município quando estava em causa a legalidade de um licenciamento de construção a favor da contrainteressada em terreno contíguo a terreno em parte pertencente à ali A.
E a ação tinha fundamento?
Recorde-se que os argumentos dos então AA. para considerarem que a licença de construção concedida à ora A. por despacho camarário de 27.7.2006 têm a haver com considerações ligadas à aplicação dos instrumentos de gestão urbanística que aqueles entendiam contemplar a situação. Na sua ótica, tais instrumentos achavam-se vigentes ao tempo do licenciamento e, mercê da regra tempus regit actus, impediriam o volume de construção licenciado, obstariam à construção em si mesma porque sita em leito de cheias (ou, pelo menos, imporiam a obtenção tomada em consideração de parederes de entidades públicas) e exigiriam a discussão uma conjunta com os proprietários de terrenos vizinhos quanto a de obras de urbanização, o que não sucedeu.
É esta a posição de particulares titulares de prédio que, sendo contíguo àquele que obteve determinado volume de construção e em determinadas circunstâncias, poderão ver-se em situação de desigualdade perante a Administração Local se a mesma lhes impuser tratamento distinto, mormente não permitindo construção, ou não a permitindo com a mesma volumetria. Trata-se de um caso denominado de vizinhança urbanística e de relações administrativas multipolares ou poligonais[25]. A proteção de terceiros, no quadro das relações jurídicas poligonais, ganha um reforço especial no que toca ao acesso a uma tutela judicial efetiva em matéria administrativa e, dentro desta, no campo do urbanismo: “a tutela judicial efectiva em matéria administrativa não se refere apenas aos direitos dos cidadãos na sequência da previsão constitucional (…)” estende-se “à protecção do interesse público e dos valores colectivos, designadamente daqueles valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do domínio público”. [26]
Prejuízo seria, assim, o risco de dualidade de critérios e a desproporção entre o que poderia construir-se num imóvel e noutro[27].
Teriam os então AA. fundamento para recear uma situação de potencial desfavor do imóvel que titulavam parcialmente face ao imóvel onde foi licenciada a construção do empreendimento denominado E...?
O que resultou demonstrado no acórdão do TAFP de 12.7.2013 espelha um processo administrativo complexo que teve em vista a construção do imóvel da ora A., o qual se iniciou em novembro de 1999, com o pedido de informação prévia (PIP) 31234, prevendo uma área útil de construção de 22.041 m2.
Em janeiro do ano seguinte, neste PIP, é lançada a informação de que deverá ser desenvolvido um estudo urbanístico que abrangesse o terreno da requerente e dos envolventes (no qual se integrará o dos aqui RR.), o que nunca foi efetuado.
Em maio de 2001, o mesmo PIP passaria a ter o número 10252, em consequência de novos elementos juntos pela sociedade requerente e este PIP foi aprovado em setembro desse ano para 18.272, 1 m2 de construção (aqui previa-se construção também em 30 metros de profundidade).
Em abril de 2002, a requerente, aqui A., apresentou novo projeto de arquitetura, originando o processo administrativo n.º 8085, com área de construção acima do solo de 18.102, 06 m2, o qual foi aprovado em fevereiro de 2004.
Em maio de 2004, a requerente apresenta novo PIP que recebe o número 15795, que aprovou uma área bruta de construção acima do solo de 17.327 m2, em agosto seguinte. Nessa sequência, foi apresentado novo projeto de arquitetura em fevereiro de 2005, o qual não constituiria renúncia da requerente aos direitos que adquirira com a aprovação do PIP anterior e do projeto de arquitetura aprovado em fevereiro de 2004. O projeto de arquitetura foi aprovado no mês de março de 2005 com um índice de construção de 1, 52/m2.
Para instrução do PIP 15795 foi solicitado parecer ao INAG (por ofício de 6.8.04). O INAG respondeu a 1.9.05, considerando não estar esclarecido na memória descritiva do projeto o que se entende por “localização fora do espaço considerado inundável”, já que a CCDR-Norte havia considerado estar o terreno em causa localizado em zona de expansão de cheias, mais considerando não reunir o projeto condições para ser aprovado por prever a construção de novas edificações em áreas sujeitas a cheias, nomeadamente a construção de caves, e acrescentando que, do ponto de vista da segurança de pessoas e bens, o uso actualmente proposto [habitação] é mais gravoso do que o anterior [armazéns].
O pedido de licenciamento foi apresentado em fevereiro de 2005 e deferido por despacho de 27.7.06. É este o despacho que foi objeto da ação administrativa proposta pelos aqui RR.
Apesar dos argumentos apresentados pelos ora RR. na ação de impugnação do ato administrativo, considerou-se ser este válido porque se não lhe aplicaria o PDM vigente em 2006. Não se aplicaria por ter a requerente (aqui A.) adquirido os seus direitos a partir do PIP aprovado em setembro de 2001, altura em que o PDM não vigorava, o que se sobrepõe ao art. 67.º do RJUE (aprovado pelo DL 555/99, de 16.12).
O art. 67.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação dispõe: A validade das licenças ou das autorizações de utilização depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática, sem prejuízo do disposto no artigo 60.
O normativo exigiria que o licenciamento de 2006 estivesse em conformidade com as normas legais e regulamentares em vigor nessa data.
O argumento segundo o qual o ato administrativo impugnado é válido por verificação de uma situação que se sobrepõe àquele normativo acaba por deixar implícita a conclusão de que o ato em apreço teria violado as regras vigentes naquela data. O que conferiu um manto de legitimidade ao ato não é a sua bondade intrínseca mas a assunção de que a Administração se vinculou previamente a uma solução favorável perante o administrado assim fazendo nascer na esfera jurídica deste determinados direitos. Apelou-se ao disposto no art. 17.º/1 RJEU: A informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento e no controlo sucessivo de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia.
Esta situação concreta teria ficado salvaguardada por normas transitórias do PDM.
Do exposto deflui uma conclusão imediata: a ação administrativa fez naufragar a pretensão dos aí AA. não porque o ato impugnado não sofresse de que qualquer ilegalidade, mas porque a mesma, a verificar-se, teria ficado sanada com a existência de um comportamento administrativo prévio que vinculou a edilidade a um compromisso perante a requerente administrativa.
Esta conclusão (e não considerando por ora a questão do registo da ação) seria suficiente para considerar terem os AA. fundamentos para crer que o ato administrativo não respeitou as normas legais e regulamentares aplicáveis. O tribunal administrativo considerou implicitamente que tais normas foram postergadas em nome do princípio da confiança que a lei também fixa na relação entre particulares e administração pública por via do pedido de informação prévia.
Contudo, a natureza constitutiva de direitos do pedido de informação prévia, quando favorável à pretensão do requerente não foi sempre aceite sem dúvidas.
António Duarte de Almeida afirmava, a propósito da informação prévia prevista pelo DL n.º 445/91, tratar-se, apenas, de uma expectativa juridicamente tutelada, uma vez que não criava na esfera jurídica do requerente o direito a construir, por não lhe conferir o direito à emissão de uma licença de construção[28].
Mais recentemente, para Fernanda Paula Oliveira[29], a informação prévia favorável não atribui direitos de edificabilidade ou a uma determinada edificabilidade ao seu destinatário, tendo apenas este, por força da informação prévia, direito ao licenciamento (ou, atualmente, à admissão da comunicação prévia) de um certo projeto, direito que está dependente da verificação de três pressupostos: - que o projeto apresentado para licenciamento seja conforme aos elementos apreciados no âmbito da informação prévia; que o beneficiário da informação prévia tenha legitimidade, ou a adquira entretanto, para requerer o licenciamento, face à legitimidade alargada admitida pela atual legislação para formular o pedido de informação prévia; - que o pedido de licenciamento seja formulado no prazo de um ano a contar da comunicação da informação prévia – artigo 17.º, n.º 2 do RJUE.
Assim, a pretensão dos AA. na ação administrativa não é, à partida, um mero exercício sem fundamento e despido de juridicidade. Mesmo sabendo que o licenciamento fora obtido com base no PIP, essa situação não impedia que fosse questionada a aplicabilidade do PDM e das regras transitórias deste, tendo em conta a grandeza de interesses em causa, espelhada sobretudo na significativa volumetria da construção aprovada e no fato que de seguida se refere.
Com efeito, é referida a circunstância de o licenciamento ter sido concedido para construção em terreno que o INAG considerou (ainda que fora de prazo) sito em zona de cheias.
Também neste particular a decisão administrativa não se debruçou sobre o fundo da questão, reforçando apenas a legalidade da forma, baseando-se na existência de um ou vários procedimentos (pedidos de informação prévia e aprovação do projeto de arquitetura) que foram realizados e criaram na esfera jurídica da requerente o direito a ver concretizado o ato administrativo atacado.
Não resulta daí ser ilegítima a atuação do dono (de parte) do terreno que questiona a validade do ato de licenciamento camarário para prédio contíguo ao seu e relativamente ao qual o Instituto da Água considerou estar localizado em zona de expansão de cheias, mais considerando não reunir o projeto condições para ser aprovado por prever a construção de novas edificações em áreas sujeitas a cheias, nomeadamente a construção de caves, e acrescentando que, do ponto de vista da segurança de pessoas e bens, o uso actualmente proposto [habitação] é mais gravoso do que o anterior [armazéns].
Finalmente, mesmo considerando o PIP iniciado em 1999, também é certo que nele foi lançada a informação administrativa da necessidade de ser realizado um estudo urbanístico que envolvesse não apenas os terrenos da requerente mas igualmente os circundantes.
A não realização desse estudo, em tempos considerado necessário pela Câmara, coloca ao particular que tem interesses naquela área a dúvida sobre se a omissão deste passo constituirá fundamento de invalidade do ato administrativo, sobretudo quando se verifica a complexidade do procedimento administrativo global que culminou no licenciamento: vários anos de requerimento e informações que deram origens a processos com números distintos, mais do que um pedido de informação prévia para o mesmo empreendimento, mais do que um projeto de arquitetura, dois licenciamentos…
Toda esta envolvente faz com que a ação administrativa se funde numa causa de pedir razoável (na aceção francesa a que aludimos), não surgindo a posição dos então AA., questionando o ato administrativo, como sendo contrária ao direito de ação individual. A ação não se fundou em falsas alegações, até porque os factos em que se baseia são documentais, emergem do procedimento administrativo de licenciamento e é deste que parte. Faz apelo a uma subsunção jurídica que o tribunal não reconheceu mas que, em si e tendo em presença o que consta do processo administrativo, não surge como manifestamente irrazoável, infundada, ilegal ou não séria.
De resto – recorde-se – o art. 68.º do RJEU dispunha já que: São nulas as licenças, a admissão de comunicações prévias ou as autorizações de utilização previstas no presente diploma que:
a) Violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença de loteamento em vigor;
(…)
c) Não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações.
É verdade terem os réus proposto a ação administrativa visando conseguir, por essa via, o objetivo da carta de 18 de Outubro de 2007, surgindo a reposição da legalidade administrativa como um meio de obter tal desiderato.
Naquela carta, o mandatário do R., aludindo à situação de compropriedade relativamente ao prédio contíguo ao empreendimento da A., refere-se ao procedimento administrativo, mencionando a omissão de pareceres que considerou obrigatórios, como o do Instituto da Água e do Instituto das Estradas; a falta de estudo conjunto com os proprietários dos terrenos vizinhos para a execução de obras de urbanização; o prejuízo que para o seu constituinte decorreria por nos terrenos da A. poder vir a ser construída obra não autorizada pelo PDM em vigor, condicionando os direitos de construção sobre o terreno de que era comproprietário.
Pretende, por isso, ser ressarcido desses prejuízos.
A A. não acedeu a qualquer composição extrajudicial e considera a propositura da ação administrativa uma atitude de desagravo (revanchismo).
Cabe questionar se o interesse dos ali AA. em obter, ao fim e ao cabo, uma compensação patrimonial pelo que entendem ser desvalorização de um prédio determina a impossibilidade, por ilegítima e abusiva, de recurso à ação administrativa.
A intenção de se verem ressarcidos de prejuízos – e já referimos quais os danos em presença – espelha um interesse patrimonial dos AA. que, na sua ótica, surge ao lado do interesse na reposição da legalidade. Certo é que os RR., ou a Ré, seriam titulares de parte do imóvel vizinho e que este veria o seu valor diminuído por uma atuação da edilidade no licenciamento da obra da A. Ora, como em todas as situações de dominialidade, o interesse preponderante que subjaz às pretensões das partes é o interesse patrimonial, cifrado na tentativa de alcançar uma vantagem ou de evitar uma perda.
Assim, o particular que se vê afetado por uma decisão administrativa que pensa ser favorável a outro administrado em detrimento da sua própria posição, não está impedido de se dirigir a este e de pretender diminuir o prejuízo que pensa estar a ocorrer para si.
Caso este último entenda, como entendeu a A., nada dever compensar, está o particular impedido de agir judicialmente para evitar a consumação ou continuação da situação da qual cuida derivar o seu prejuízo?
A resposta a esta questão não pode ser senão negativa. É que a alternativa seria a completa inação ou a passiva aceitação do que se pensou ser uma atuação ilegal que potenciaria uma situação de desfavor.
Certo poder questionar-se o tempo de exercício da posição do particular face ao processo administrativo e à própria situação concreta entretanto criada à luz do ato impugnado, no caso, a construção[30]. Pensamos que também dessa circunstância não resultam argumentos que imponham a conclusão pela ilegitimidade do recurso à ação. Desde logo, face ao que pode ser reconhecido como sendo a natureza do PIP e à sua impugnabilidade por terceiros, mormente em situações de vizinhança urbanística. Poderia questionar-se se os ora RR. não deveriam ter impugnado o PIP, mas nem essa omissão os impede de atacar o ato de licenciamento, nem o processo administrativo se revela tão linear que, desde logo, se individualizasse o ato gerador de direitos na esfera jurídica da A. Depois, os aqui RR. expuseram perante a A. a sua pretensão de dela obter indemnização e fizeram-no mais do que uma vez, espaçadamente no tempo, nada impondo que de imediato e na ausência de acordo com aquela, viessem a impugnar o ato de licenciamento.
Entre a segunda carta que dirigem à A. (outubro de 2008) e a data da impugnação judicial (janeiro de 2010), medeia pouco mais de um ano, período de tempo semelhante ao que mediou entre a primeira (outubro de 2007) e a segunda carta dos RR. à A., e o certo é que não consta que a A. tenha apresentado aos RR. qualquer tipo de explicação sobre a sua discordância relativamente ao que lhe era solicitado.
De modo que a propositura da ação administrativa em 2010, quando os então AA. se achavam prejudicados, não se desvia do escopo globalmente considerado: a reposição do statu quo ante (ou a indemnização sucedânea que é atribuída quando aquele não pode ser alcançado, máxime quando é demasiado oneroso para o obrigado).
Abuso de ação existiria se a parte, ao propor a ação, pretendesse (direta ou indiretamente) algo que se desviasse excessivamente da finalidade dessa ação e da justa composição do litígio. Não sucede assim quando se verifica que o particular se vê afetado por um ato de licenciamento de uma construção manifestamente volumosa que considera ser ilegal, tendo previamente falhado na tentativa de compor extrajudicialmente os seus interesses.
Mesmo da ponderação da colisão dos direitos em presença – o dos RR. a verem reposta a situação anterior ou a obter um ressarcimento, e a da A. a levar por diante a construção do seu empreendimento e a comercializá-lo sem entraves de qualquer espécie – não resultaria a obrigação de os aqui RR. calarem em definitivo o que consideravam ser uma afronta aos seus direitos.
É que a aplicação criteriosa do art. 335.º CC (colisão de direitos) implica que a ponderação se faça de modo a satisfazer o máximo dos interesses em presença.
Na ótica da A., essa ponderação imporia a obnubilação integral e completa da posição jurídico-subjetiva e patrimonial dos ou da titular de 1/5 do prédio confinante face àqueles seus dois terrenos para onde viu ser aprovado área de construção superior a 18.000 m2. Para a demandante, pugnar pela ilegalidade do ato administrativo que aprovou tal volume de construção, no circunstancionalismo que descrevemos, seria, assim, uma ousadia.
Mas esta posição da recorrente não pode acolher-se, por muito que o que se pretendesse fosse, em retas contas, tornar indemne o que se considerou ser um prejuízo, ainda que de pouca monta quando comparado com o valor do empreendimento que se erige ou erigiu à luz daquele ato administrativo.
Assim, neste caso de ponderação dos interesses em conflito, há um elemento que avulta: a significativa diferença entre o particular que é titular de 1/5 de um terreno sito nas imediações de outros terrenos para onde o respetivo proprietário obtém autorização de construção em volume da ordem de grandeza da que vimos.
Nas relações de vizinhança urbanística, este promotor imobiliário não surge em situação de paridade com o particular comum, pelo que impedir este último de aceder à ação de impugnação administrativa para evitar a criação de entraves na comercialização de 18.000 m2, ou mais, de área, isso sim, seria um abuso.
A igualdade jurídica visa tanto quanto possível a igualdade real em detrimento da igualdade formal. Quando se sancionam situações de exercício irregular de liberdades, poderes, posições contratuais e direitos subjetivos, ainda que se adote uma conceção objetiva do abuso de direito (afastando conceções subjetivas baseadas na malícia e na culpa), deve atender-se às finalidades sociais e económicas das pretensões exercitadas como baliza da licitude e da ilicitude. Uma situação de significativo desequilíbrio entre as partes (um particular comum de um lado, o município e uma grande empresa do setor imobiliário, do outro) impõe que na concretização do que seja abuso de direito se considere o fim económico e social do direito exercido, visando restabelecer um certo equilíbrio de posições, tanto quanto possível, à semelhança do que ocorre, por exemplo, quando se reconhece a vulnerabilidade do consumidor[31].
Veja-se, ainda, que os danos patrimoniais prolongados ou a projeção na espera patrimonial da A. da ação proposta pelos RR., não serão propriamente o resultado da pendência da ação em si mesma, mas do que nela se discute, mormente quanto à violação do PDM em vigor à data do licenciamento, a referência à construção em zona de cheias embora também, claro, o pedido de demolição. A ação não teve em vista impedir a comercialização das frações e nem sequer as delongas do processo administrativo estão na origem da pretensão da aqui A. porquanto esta visou obter ressarcimento dos RR. por alegado abuso do direito da ação logo em julho de 2011. Já então, pouco tempo depois de a ação administrativa ter sido instaurada, mesmo antes do desfecho desta em primeira instância, se achava a A. no direito de obter indemnização dos RR. por abuso de ação. Pelo que os sucessivos recursos e delongas no tempo, que são afinal consequência do direito de ação inicial, sequer integraram a causa de pedir.
Por último cabe verificar o que é alegado quanto ao registo da ação, admitindo que este foi efetuado, não obstante não se vislumbrar documento que o certifique, pelo que se ignoram os exatos termos do registo, sobre que imóveis, se a propriedade horizontal estava já constituída, se recaiu sobre as frações, etc…
Alega a recorrente que o registo não era obrigatório e que o pedido não poderia ser formulado na ação administrativa, tendo sido efetuado apenas com o escopo de dar a conhecer a terceiros a situação do imóvel da A. e, deste jeito, dificultar o seu comércio.
A A. invoca os arts. 2.º e 3.º do CRPred., afirmando que não estava em causa a constituição, modificação ou extinção de factos sujeitos a registo e que, de acordo com os arts. 1.º e 2.º do ETAF, o conhecimento de tal pedido exorbita da competência dos Tribunais Administrativos.
O pedido formulado dirige-se ao cancelamento do registo relativo à propriedade horizontal que viesse a ser constituída sobre o prédio da A., em consequência da nulidade de ato administrativo que licenciou a construção, com o consequente pedido de demolição[32] sendo que, neste caso, se imporia sempre a consideração de um princípio da proporcionalidade em sentido geral (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito[33]).
Da aplicação do regime geral da nulidade previsto no CPA, teríamos que se aquele ato fosse nulo, não produziria qualquer efeito jurídico, não obstante ser visível a ocorrência de efeitos materiais. A verificação de uma causa de nulidade levaria a que o órgão competente tivesse de declarar a nulidade do ato, ou que esta declaração fosse peticionada junto das instâncias administrativas, como fizeram os ora RR. E assim, a consequência seria a necessidade de destruição dos efeitos materiais que aquele ato produziu. Pelo que a reintegração, no caso de atos de gestão urbanística, passaria em primeira linha pela demolição das operações urbanísticas realizadas a coberto do ato nulo, embora a doutrina tenha defendido, em momento anterior ao da vigência do D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro, a necessidade de conservar a operação urbanística consolidada, ou seja, apelando a um regime de invalidade que permita introduzir notas de certeza e segurança jurídica nestas matérias[34].
Enquanto o n.º 1 do art. 134.º do CPA afirma a impossibilidade de produção de efeitos jurídicos, o n.º 3 do mesmo normativo assume a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de fato consolidadas. É o próprio legislador que reconhece que os atos nulos poderão produzir efeitos os quais poderão ser merecedores de tutela jurídica.
Por isso se costuma falar da distinção entre ato administrativo inexistente e ato administrativo nulo. O primeiro não produz nenhuns efeitos e o segundo pode produzi-los. Mas o ato de gestão urbanística, como é a licença de construção, só produz efeitos se o tribunal o declarar.
Ora, a ação de anulação de ato administrativo subjacente à constituição de direitos reais ou à transferência de um direito de propriedade sobre imóvel encontra-se sujeito a registo. Isso mesmo é afirmado no Parecer do Conselho Técnico, Proc. 78/87[35].
A inscrição da ação é provisória por natureza (art. 92.º, n.º 1 al,. a) CodRP) e efetua-se com base em certidão do teor do articulado ou em duplicado deste, acompanhado de prova da sua apresentação em juízo, ou com base em comunicação efetuada pelo tribunal, acompanhada de articulado (art. 53.º). A conversão em definitivo apenas se efetua em face de certidão da sentença, transitada em julgado, que julgue procedente o pedido (art. 101.º, n.º 2 al. c)
Sobre o ato administrativo nulo e o registo predial é interessante o estudo de Fernanda Paula[36], onde a autora destaca as seguintes ideias basilares:
- o registo destina-se a publicitar situações jurídicas e a torná-las oponíveis “erga omnes”;
- com base nessa publicitação e nela confiados, terceiros praticam actos e celebram negócios que, posteriormente, devem merecer na Ordem Jurídica a devida salvaguarda;
- qualquer registo, ainda que nulo, publica — faz presumir — a existência de determinadas situações jurídicas;
- a hipótese (do cancelamento) ocorre quando os direitos inscritos se extinguem, ou então se existe uma decisão judicial transitada em julgado que o ordena motivando que seja lavrado o “averbamento de cancelamento” (cf. artigos 13.º e 101.°, n.° 2 alínea f), do C.R.P.);
Ora, o ato de licenciamento é condição da constituição da propriedade horizontal e esta está sujeito a registo, estando sujeitos a registo os factos que determinem a constituição ou modificação da propriedade horizontal (art. 2.º, n. 1 b) CRPred.).
A descrição predial deve conter a indicação de elementos que resultam da licença de construção – veja-se a conjugação do art. 90.º-A (anotações especiais à descrição), que alude à licença de utilização (n.º 1 al. a), e o art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de julho, que estabelece que não podem ser realizados atos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de frações autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que autenticar o documento particular, sendo que a licença de utilização pode, em certos casos, ser substituída pela exibição do alvará de construção (art. 2.º).
A própria comercialização das frações exige a exibição da licença da construção (art. 1.º do DL 281/99, de 26.7), de modo que estando tal licença em causa em ação em que se pede a nulidade do correspondente ato administrativo, justifica-se o registo.
Tanto basta para considerar que o registo da ação não foi abusivo. Diga-se, aliás, que abusivo, para efeitos de indemnização, haveria de ser a propositura da ação em si mesma e não o ato acessório do registo. O registo seria um fato a mais, adensador da responsabilidade indemnizatório, caso a ação fosse em si infundada e não apenas o fosse o registo.
Finalmente, não se diga que o tribunal administrativo não era competente para este pedido (o que, em si, não constituiria qualquer indício de abuso de direito de ação), uma vez que o art. 4.º do CPTA (após a reforma de 2002), relativo à cumulação de pedidos, contém uma ampla abertura à cumulação de pedidos de modo a conferir aos particulares uma tutela efetiva e em tempo útil. De tal modo assim é que bem pode afirmar-se com Vieira de Andrade[37] que a cumulação de pedidos foi a alteração mais significativa de 2002, visando “assegurar um acesso efetivo dos particulares à justiça administrativa”.
Do exposto deflui a impropriedade das alegações de recurso para alterar o sentido da decisão final proferida em primeira instância.
*
Finalmente, cabe apreciar a parte do recurso que sindica a decisão em matéria de custas.
Entende a recorrente que a decisão proferida é nula por violação do princípio consagrado no artigo 3.º, n.º 3, e artigo 615.º, n.º 1, aliena d) parte final, do Código de Processo Civil (conheceu duma questão que não podia ter conhecido sem antes ouvir as partes).
A causa de nulidade invoca radica na omissão de pronúncia.
Pesamos, todavia, que o tribunal a quo se pronunciou, como devia, quanto à dispensa do pagamento.
O art. 6.º, n.º 7 do RegCP estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta, a final. Não o será se o juiz, de forma fundada, dispensar o seu pagamento. Esse fundamento pauta-se por critérios ligados à especificidade da situação, à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
O normativo tem em vista “atenuar antes do termo da causa a obrigação de pagamento da taxa de justiça nas ações de maior valor”[38].
Não se trata, in casu, da condenação da A. ao pagamento de 65% da taxa de justiça remanescente.
O que se passa é que a norma se relaciona com o fim da Tabela I, de modo que, além dos € 250.000,00, ao valor da taxa de justiça acrescem, a final, por cada € 25.000,00 ou fração, três unidades de conta (coluna A), uma e meia (coluna B) e quatro e meia (coluna C). É o valor correspondente à diferença entre € 250.000,00, e valor efetivo da causa para efeitos de determinação da taxa que deve ser considerado na conta final, a não ser que o juiz o dispense.
Ora, “a lei não faz depender de requerimento das partes a intervenção do juiz” pelo que “ele o pode fazer a título oficioso, na sentença ou no despacho final”[39].
Quer isto dizer que a intervenção oficiosa do juiz, neste tocante, sem cumprimento do contraditório, resulta da lei.
É, pois, improcedente o que se pretende quanto à nulidade da condenação em custas.
Já quanto à bondade intrínseca da decisão que dispensa apenas de 35%, vejam-se os critérios da lei:
especificidade da situação;
complexidade da causa e
conduta processual das partes
A complexidade da causa acha-se definida no n.º 7 do art. 530º CPC que, para efeitos de taxa de justiça, considera de especial complexidade as ações que:
(b)- digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso.
Não pode deixar de se considerar de especial complexidade uma ação de natureza cível cuja finalidade é verificar se os pedidos e causa de pedir apresentados perante a jurisdição administrativa comportam abuso de direito de ação quando tal ponderação implica análise dos articulados apresentados naquela jurisdição, das decisões proferidas em primeira e segunda instâncias, Supremo Tribunal Administrativo e, também, Tribunal Constitucional (vejam-se as certidões juntas aos autos pela A.), além da verificação dos institutos jurídicos convocados naquela ação de natureza administrativa.
Não diminui a extensão deste labor técnico-jurídico a circunstância de não ter sido produzida prova testemunhal (a documental é, em si, já extensa), sendo também irrelevante nesta avaliação da complexidade o comportamento processual das partes.
Não se verifica, assim, qualquer violação dos artigos 3.º, n.º 3, 567.º, n.º 1, 615, n.º 1, alínea d) parte final, do código de Processo Civil, ou do artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.

III – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, manter a sentença recorrida, sem prejuízo da alteração efetuada à matéria fatual.
Custas pela Recorrente, pois que ficou vencida – art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Porto, 22.10.2018
Fernanda Almeida
António Eleutério
Isabel São Pedro Soeiro
_______________
[1] A solução do nosso sistema jurídico, comum à do direito alemão, não é a acolhida, por ex., na Itália, Espanha e França, onde o silêncio do réu opera como oposição ou contestação tácita – vide Miguel Mesquita, A revelia no processo ordinário, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, p. 1093-
[2] Bedaque, citado por Miguel Mesquita, cit., p. 1096.
[3] Facto jurídico é, antes do mais, um evento da vida, Diana Nunes, A ESSENCIALIDADE DOS FACTOS E O PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO NO NOVO PROCESSO CIVIL, p. 15, tese disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/22099/1/Texto%20final%20da%20Disserta%C3%A7%C3%A3o%20-%20Diana%20Salvado%20Nunes.pdf.
[4] Salvo casos excecionais, sendo o direito de ação inerente ao Estado de direito e um veículo para a discussão do direito material subjetivo, não é por se decidir na ação que este direito afinal não existe que deixa de se reconhecer que o direito de ação foi plena e corretamente exercido. Situações excecionais, justificativas de responsabilidade, são aquelas em que o direito de ação é exercido com abuso de direito, de que é afloramento a litigância de má fé, e as que caraterizam a culpa in agendo.- Ac. RP, de 24.11.2016, Proc. 982/14.5T8PRT.P1.
[5] Menezes Cordeiro, Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa “In Agendo”, 2016, p. 38.
[6] O princípio da boa-fé não é exclusivo do direito substantivo, também pode ser violado numa perspectiva da actuação processual, mormente, pelo recurso a juízo através de acções ou procedimentos cautelares abusivos. – Ac. STJ, de 4.11.2008, Proc. 08A3127. Entre nós, a cláusula geral da boa-fé processual vem a ser consagrada expressamente pela reforma operada pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, passando o Código de Processo Civil a dispor no aditado art. 266º-A que “as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação” [cfr. atualmente art. 8.º].
[7] Castanheira Neves, Questão de facto-questão de direito, I, Coimbra, 1967, p. 523.
[8] A. Varela, RLJ, 114, 72 e ss.
[9] Vide, quanto a esta tripla distinção, Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, Almedina, 1983, págs. 44-45.
[10] Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1981, p. 36.
[11] Os casos concretos viriam, posteriormente, a permitir o desdobramento do conceito em venire contra factum proprium, inalegabilidade formal, suppressio, tu quoque e desequilíbrio no exercício. Todos eles traduzem concretizações de uma ideia tradicional: a da proibição do abuso do direito, apelando ao adensamento de um princípio clássico: a boa-fé – M. Cordeiro, Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, disponível em https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/
[12] Assim, Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual por Litigância de Má-Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo, p. 2006, p. 152.
[13] Descrita por M. Cordeiro, cit, p. 141 e ss. No campo legal, apenas o CPC francês contém, norma relativa ao abuso de ação. O art. 32.º-1 do Code de Procedure Civile dispõe: Celui qui agit en justice de manière dilatoire ou abusive peut être condamné à une amende civile d'un maximum de 10.000 euros, sans préjudice des dommages-intérêts qui seraient réclamés.
[14] Na litigância de má-fé não é assim: antes da reforma processual introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, era entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que o art.º 456º do Cód. de Proc. apenas sancionava as condutas dolosas. Após a revisão processual de 1995, o quadro normativo em matéria de litigância de má-fé passou a ser bem mais exigente, impondo a repressão e punição não só de condutas dolosas, mas também as gravemente negligentes (anterior art.º 456º, n.º 2, e actual 542º, n.º 2, do CPC) – Ac. STJ, de 2.6.2016, Proc. 1116/11.3TBVVD.G2.S1.
[15] M. Cordeiro, ibidem, p. 146.
[16] Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, Dissertação de Mestrado, na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas, com Menção em Direito Processual Civil, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2014, p. 31 e ss.
[17] A autora segue de perto o ensinamento de Helena Najjar Abdo, O Abuso do Processo, Revista dos Tribunais, 2007.
[18] M. Cordeiro, Litigância…, p. 200.
[19] Ibidem, p. 201.
[20] No ac. RP, de 24.11.2016, Proc. 982/14.5T8PRT.P1, distinguiu-se o abuso de direito da responsabilidade civil: a) O exercício abusivo dentro dos contornos da cláusula geral do abuso de direito (art.º 334º do Código Civil) -- é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito --- de que a litigância de má fé é um afloramento; e b) Responsabilidade civil nos termos gerais, no âmbito da denominada culpa in agendo, pressupondo que a atuação processual ilícita sancionada tenha efeitos que transcendam os autos em que o problema se coloque, destacando-se a culpa por danos patrimoniais prolongados (de que é exemplo o art.º 374º, nº 1), por danos morais e por atuações processuais complexas ou com intervenção de terceiros. No processo que deu origem a este acórdão debatia-se a questão da propriedade, o registo da propriedade e os efeitos deste registo relativamente ao R. Aí escreveu-se, entre o mais, o seguinte: Nestas circunstâncias e tendo o direito de ação a autonomia a que já nos referimos relativamente ao direito subjetivo que através dela se defende ou se pretende ver reconhecido, seria um absurdo jurídico limitar o exercício da ação à certeza deste direito. Já ensinava Alberto dos Reis que o litigante pode até ignorar se tem ou não o direito que, pela ação ou recurso pretende exercer. Na verdade, o vencimento ou perda das causas depende às vezes de bem pouco; quantas a omissão duma formalidade ou diligência judicial; ou o não ter sido satisfeita no prazo legal, fazem perder uma causa fundada na mais evidente e clara justiça? Quantos pontos de direito há opinativos, que nem a lei, nem a prática de julgar têm fixado?
[21] Aí se incluindo, por exemplo, o uso do processo como forma de coerção ou de obtenção de uma vantagem colateral não relacionada com o processo – assim, decisão do tribunal de Arizona, de 8.7.1982, em Nienstedt v. Wetzel, 133 Ariz. 348 (Ariz. Ct. App. 1982), decisão disponível em https://www.courtlistener.com/opinion/1165424/nienstedt-v-wetzel/
Nesta decisão, o tribunal apelou a um princípio geral segundo o qual "One who uses a legal process, whether criminal or civil, against another primarily to accomplish a purpose for which it is not designed, is subject to liability to the other for harm caused by the abuse of process." De acordo com este princípio, para estabelecer responsabilidade por abuso de processo deve haver uma demonstração de que o réu (1) usou um processo legal contra o demandante; (2) principalmente para realizar uma finalidade para a qual o processo não foi projetado; e, (3) o dano foi causado ao autor por tal uso indevido do processo.
[22] Tradução nossa. Original: The concept of “abuse” within the meaning of Article 35 § 3 (a) must be understood in its ordinary sense according to general legal theory – namely, the harmful exercise of a right for purposes other than those for which it is designed. Accordingly, any conduct of an applicant that is manifestly contrary to the purpose of the right of individual application as provided for in the Convention and impedes the proper functioning of the Court or the proper conduct of the proceedings before it constitutes an abuse of the right of application, in Guia Prático dos Critérios de Admissiblidade, 28 de fevereiro de 2017, p. 37, em https://www.echr.coe.int/Documents/Admissibility_guide_ENG.pdf
[23] J.L. Baudouin et P. Deslauriers, La responsabilité civile, 5 e éd., Cowansville (Qc), Yvon Blais, 1998, p. 138.
[24] O pressuposto processual da legitimidade passiva vem previsto genericamente no art.º 10, nº 1 do CPTA, que estabelece como regra que tem legitimidade passiva quem, na configuração que o autor apresenta na petição inicial, corresponde à contraparte na relação material controvertida. O preceito, na sua parte final, estabelece ainda uma extensão desta regra, dotando de legitimidade passiva também aqueles «titulares de interesses contrapostos ao autor», considerando-se prevista nesta parte final do preceito, em sede de legitimidade passiva, a figura dos contrainteressados.
[25] Como expõe Catarina Botelho: A questão dos efeitos dos actos administrativos de gestão urbanística em relação a terceiros vem sendo desde há muito discutida pela doutrina e jurisprudência no que aos actos permissivos (de licenciamento e de autorização) diz respeito, debate construído, designadamente, em torno dos conceitos de vizinhança urbanística como critério de legitimidade, procedimental e processual, de terceiros, e de relações administrativas multipolares ou poligonais (e actos administrativos com efeitos duplos ou em relação a terceiros, emitidos no seu âmbito) como esquema dogmático idóneo ao enquadramento da intervenção/ reacção de tais sujeitos nesses procedimentos ou contra esses actos de gestão urbanística, pelo que o conceito de vizinho urbanístico recorrendo a três elementos: - Elemento pessoal: um conjunto de pessoas diferente da colectividade em geral; - Elemento espacial: um círculo de pessoas cuja localização espacial é abrangida pela norma ou normas reguladoras do acto autorizativo, designadamente instrumento de planeamento que o regula; - Elemento temporal: pessoas que, na qualidade de proprietários, trabalhadores, inquilinos, têm permanência no local e estreitas relações com o mesmo no plano da existência físico-espiritual, in A INFORMAÇÃO PRÉVIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO-URBANÍSTICO PORTUGUÊS, Dissertação de Mestrado apresentada em março de 2010 à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 63
[26] José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Lições, 16.º Ed., p. 155 -157.
[27] Situação semelhante foi decidida no Ac. STA, em 24.9.03, Proc. 0749/03, onde o Tribunal sustenta que sendo recorríveis os atos que, em concreto, atendendo aos direitos e interesses invocados pelo recorrente, se apresentam com autonomia funcional e com eficácia lesiva imediata daqueles (citando Gomes Canotilho), nos termos do artigo 268.º, n.º 4 da CRP - critério da recorribilidade dos atos administrativos pela sua idoneidade para produzirem efeitos imediatamente lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos - a simples possibilidade de, no prazo de um ano, vir a ser construída no prédio contíguo uma estrutura metálica de grandes dimensões para albergar autocarros afetará, desde logo, negativamente, o valor comercial do prédio da recorrente, tendo, igualmente, influência nas marcações de estadias no solar pelos turistas interessados em visitar a região.
[28] Apud Botelho, cit., p. 44. Vejam-se, ainda, Fernando Alves Correia, i
Manual de Direito do Urbanismo, Volume III, Almedina, 2010 p. 197; concordando com a vinculatividade da informação prévia, ainda que desfavorável, Raquel Carvalho, in A informação administrativa vinculativa. Em direito do urbanismo, direito do ambiente e direito fiscal, nos Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Volume III, p. 713 e 714, Almedina, 2013.
[29] Anotação ao Acórdão do STA de 20/06/ 2002, in Revista do CEDOUA, n.º 10, Ano V, 2.2002, pp. 97-117.
[30] O atual art. 69.º/4 prevê um prazo de 10 anos para caducidade do direito de propor a ação de nulidade, prazo esse que não foi ultrapassado pelos aqui RR. e ali AA. Trata-se aqui de um prazo de caducidade preclusiva, conforme salienta Ágata do Carmo Fernandes Leite, in A declaração de nulidade no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação: Digressão sobre o artigo 69.º., Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Direito Administrativo, Universidade Católica Portuguesa Escola de Direito, Maio de 2014, p. 40, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16341/1/TESE.pdf
[31] A proteção dos consumidores na União Europeia assenta na consideração de que o objetivo prosseguido pelo legislador da União no quadro da Diretiva 93/13 consiste em restabelecer o equilíbrio entre as partes.
Ac. TJUE de 15.3.2012, Proc. C-453/10, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62010CJ0453
[32] Em consequência do art. 106.º do RJEU
1 - O presidente da câmara municipal pode igualmente, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito.
2 - A demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração.
3 - A ordem de demolição ou de reposição a que se refere o n.º 1 é antecedida de audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma.
4 - Decorrido o prazo referido no n.º 1 sem que a ordem de demolição da obra ou de reposição do terreno se mostre cumprida, o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infrator.
[33] Ac. TCA Norte, de 27.5.11, Proc. 0516-A/03 Coimbra: A demolição de obras realizadas ao abrigo de licenciamento nulo só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível decorrentes do princípio da proporcionalidade.
[34] Fernanda Paula Oliveira e Pedro Gonçalves, O Regime da Nulidade dos Actos Administrativos de Gestão Urbanística que Investem o Particular no Poder de Realizar Operações Urbanísticas, Revista CEDOUA, Ano II 2.99, págs. 15 e ss.
[35] Pareceres do CT, Vol. 1.º, p. 261.
[36] Em Anotação ao Parecer n.º 1/96 R.P.4, da Direcção-Geral de Registos e Notariado, Revista do CEDOUA, 2.2000, ps. 111-121, disponível em URI: http://hdl.handle.net/10316.2/6160
[37] Cit., p. 170.
[38] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 2013, p. 200.
[39] Ibidem, p. 201.