Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0311081
Nº Convencional: JTRP00038691
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: TRANSCRIÇÃO
BURLA
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RP200601180311081
Data do Acordão: 01/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I- A transcrição da prova só pode ter lugar depois de interposto o recurso, e se este visar a decisão proferida sobre matéria de facto.
II- O crime de burla exige um duplo nexo de causalidade: o erro ou engano da vítima tem de ser causado pela astúcia do agente e os actos prejudiciais têm que ser determinados pelo erro ou engano.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1.Relatório
Nos autos de processo comum colectivo (n.º ..../01.0TBOAZ) do ..º Juízo Criminal de Oliveira de Azeméis, foram pronunciados os arguidos:
1º - B........, casado, antiquário, filho de C....... e de D......, nascido a 16.04.40, em Massarelos, Porto e residente na Rua ....., ..., ...º ...., no Porto; e
2º - E......., casada, decoradora, filha de F...... e G......., nascida a 08.04.40, em Oliveira de Azeméis e residente na ...... n.º .... – .... ..., Edifício ...., ...., Vila Nova de Gaia,
pela prática, em co-autoria material e concurso efectivo, de um crime de burla qualificada, p. e p., à data dos factos, pelos arts. 313º e 314º, al. c), do Código Penal de 1982; e actualmente p. e p. pelos arts. 217º e 218º, n.º 1, do Código Penal em vigor; e de um crime continuado de burla qualificada, p. e p., à data dos factos, pelos art.ºs 313º e 314º, al. c), do Código Penal de 1982; e actualmente p. p. pelos arts. 217º e 218º, n.º 2, al. a), 30º, n.º 2, e 79º, todos do Código Penal vigente.

O assistente deduziu pedido de indemnização cível contra ambos os arguidos e ainda contra a “H........., Lda.”, no sentido de obter a condenação solidária dos mesmos na restituição do capital pago na compra de cada uma das peças em causa, no valor total de Esc. 85.596.000$00, juros respectivos desde cada um dos factos delituosos e ainda, por danos não patrimoniais a quantia de Esc. 10.000.000$00, acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal, até integral pagamento.

Antes da decisão final foram interpostos diversos recursos interlocutórios, a saber:

- Por despacho de 11 de Fevereiro de 1999, proferido a fls. 188, foi admitido a intervir como assistente I....... . No início da audiência de discussão e julgamento (fls. 1018), o arguido B........ requereu a reapreciação desse despacho. Por despacho datado de 02/05/2001 (fls. 1071), foi indeferido tal requerimento, “por falta de fundamento de facto e de direito e ainda porque extemporâneo”.

A fls. 1290 o arguido interpôs recurso do dito despacho, que motivou, tendo sido apresentadas respostas do Ministério Público e do assistente.

- A fls. 2583, na 35ª Sessão da audiência de discussão e julgamento, o Ex.mo Presidente do Tribunal Colectivo proferiu o seguinte despacho:
“De entre alguns depoimentos prestados até ao momento nesta audiência de julgamento, nomeadamente por parte de D. J......., seus filhos e sua irmã, resulta matéria de facto nova não constante da pronúncia que, a ser considerada provada, poderá ter relevância para a boa decisão da causa.
Assim, nos termos do art. 358º, n.º 1 do C. P. Penal, o tribunal comunica, nomeadamente aos arguidos, que levará tal alteração em conta para efeitos de prova, para o que se deverão passar a considerar os seguintes factos novos:
«Os arguidos sabiam que a D. J...... e sua família pretendiam adquirir peças de grande qualidade e valor, designadamente antiguidades e que, em qualquer caso, tais aquisições constituíssem um bom investimento»”.

De tal despacho foi interposto recurso, motivado a fls. 2657, ao qual respondeu o M.º P.º.

- Na 37ª sessão da audiência de discussão e julgamento (fls. 2685), o Ex.mo Presidente do Tribunal Colectivo proferiu o seguinte despacho:
“Como resulta dos autos e, em especial das actas de audiência de julgamento, sobre a natureza, qualidades e características, o valor e outros elementos a que se reporta o relatório pericial subscrito por L......., referiram-se também os consultores técnicos do assistente e das defesas e, bem assim, a pedido dos sujeitos processuais, algumas testemunhas oferecidas pelas acusações e pelas defesas em função dos seus especiais conhecimentos na identificação e caracterização de peças antigas, ou réplicas ou cópias novas das mesmas.
A apreciação crítica e contraditada de cada uma das peças pelos ditos intervenientes, perito, consultores técnicos e algumas testemunhas, e da discussão que a mesma proporcionou, caso a caso, resultou da indispensável necessidade de obter um juízo total ou parcialmente seguro sobre cada uma delas (identificação, características e valor), que não obteríamos de outro modo face às contradições manifestadas e encontradas entre o relatório pericial e os comentários escritos dos consultores.
Por conseguinte, dado o relevo que esta matéria tem para a boa decisão da causa, nos termos do art. 358º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o tribunal comunica aos arguidos que, como é de esperar, levará, fundamentalmente, em consideração as referências probatórias efectuadas - conhecidas de todos os intervenientes e essencialmente descrita nos comentários escritos e juntos aos autos pelos consultores técnicos – que o colectivo julgar credíveis quanto a cada uma das peças em causa, designadamente quanto ao seu valor real (no que o Sr. Perito foi omisso) ainda que isso implique alteração da descrição escrita efectuada pelo perito nomeado, sendo certo que ele próprio corrigiu em audiência algumas descrições feitas no relatório”.

Deste despacho interpôs recurso o arguido, que motivou (fls. 2792), e ao qual respondeu o M.º P.º

Finalmente, foi proferido acórdão, que julgou a pronúncia parcialmente procedente e, em consequência:

1. Absolveu a arguida E....... da prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts 313º e 314º, al. c), do Código Penal de 1982 (versão originária) e de um crime continuado de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 30º, n.º 2, 79º, 217º e 218º n.º 2, al. a), do Código Penal;

2. Absolveu o arguido B....... da prática de um crime de burla qualificada, p. e p. nos arts 313º e 314º, al. c) do Código Penal de 1982 (versão originária);

3. Condenou este arguido pela prática, em autoria material, de um crime continuado de burla qualificada, previsto e punido pelos arts 30º, n.º 2, 79º, 217º e 218º n.º2, al. a), do Código Penal de 1995, na pena de 3 anos de prisão, que declarou suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, sob condição;

4. Julgou o pedido de indemnização parcialmente procedente e, em consequência, absolveu a arguida/requerida daquele pedido. Mas condenou solidariamente os requeridos B......... e a sociedade “H.........., Lda.”da forma seguinte:

a) A restituir ao requerente civil todas as quantias que dele (e da esposa) receberam em pagamento de todos os móveis e outros objectos identificados nos factos provados - com excepção do preço da peça n.º 18 – no montante já líquido de €306.117,26 (Esc. 61.371.000$00) e no que se liquidar em execução de sentença relativamente ao que aqueles pagaram por conta dos preços das peças nas 1, 3, 24, 25, 27, 28, 29, 32, 34 e 35, valores a que acrescem os respectivos juros de mora, à taxa legal em cada momento em vigor desde 11 de Maio de 1998, então e até 16/4/1999, à taxa de 10% ao ano (Portaria na 1171/95, de 25 de Setembro) e de 7% desde 17 de Abril de 1999 (Portaria na 264/99, de 12 de Abril); e

b) A pagar ao requerente civil e esposa, a título de indemnização por danos não patrimoniais por eles sofridos em consequência do crime pelo qual o arguido vai condenado, a quantia de €10.000,00 (Esc. 2.004.820$00) e respectivos juros de mora, à taxa legal anual, vencidos em 2/2/2001 (data da notificação dos requeridos para responderem ao pedido de indemnização civil), actualmente e desde então de 7% (Portaria na 264/99, de 12 de Abril) e àquela que em cada momento vigorar até integral pagamento.

Inconformados, os arguidos B....... e “H......., Lda.” interpuseram recurso, que motivaram a fls. 2806 e segs.

São as seguintes as conclusões dos recursos oportunamente interpostos pelos arguidos:

Recurso interlocutório interposto a fls. 1290:

O despacho de fls. 188, proferido na fase do inquérito, que admitiu I....... a intervir como assistente não faz caso julgado formal.
Do despacho de pronúncia e da análise de cada uma das facturas para que remete, decorre que nenhuma das peças compradas o foi pelo I........
O pagamento pode ser efectuado por qualquer terceiro, o que não lhe confere a qualidade de comprador.
“Ofendido” não é qualquer pessoa prejudicada com a comissão do crime, mas unicamente o titular do interesse que constitui o objecto imediato do crime.
Suscitada a presente questão na contestação ao despacho de pronúncia, mereceu a decisão proferida a fls.… em 2/5/01 a qual, salvo o devido respeito e na medida em que não revogou o despacho de fls. 188, violou o disposto no art. 68 do CPP.

O Tribunal a quo entendeu que a questão havia já sido resolvida e nessa medida já transitado em julgado, quando é certo que tal matéria, pela sua natureza, carece de ser reapreciada sempre que dos factos carreados para os autos decorra a conclusão de que o admitido, afinal, não é ofendido. Nesta medida, e por força daquele entendimento, foi violado o art. 68 do CPP, ao ser proferido o despacho de fls. datado de 2/5/01.

Recurso interlocutório interposto a fls. 2657 e segs., do despacho do M.º Juiz proferido na acta da audiência de julgamento, de 24/09/02:
1ª Questão
Os factos aditados não são novos, porquanto estão descritos quer na denúncia, quer nas declarações de J..... e família, seja no inquérito, seja na instrução;
E, apesar de deles ter tido conhecimento, não foram valorados como relevantes e, por essa razão, não integraram nem a acusação, nem o despacho de pronúncia;
Só são considerados novos se, em nenhum momento houve deles anterior conhecimento no processo, quer pelo MP no inquérito, quer pelo JIC na instrução;
Não podem, por isso, ser tidos como factos novos em audiência de julgamento, sob pena de se alterar o objecto do processo e com isso fazer-se menos correcta aplicação do disposto no n.º 4 do art. 339 do CPP, enquanto norma que veio definir o objecto do processo.
2ª Questão
Ainda que os factos ora aditados fossem novos (e não são) a sua inclusão consubstancia “alteração substancial dos factos” porquanto tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso;
É que, por “crime diverso” não pode entender-se tipo de crime diverso.
A qualificação jurídica constante da pronúncia até pode ser alterada, o que nunca pode ser alterada é a factualidade que lhe serve de fundamento.
O despacho recorrido ao aditar os factos aqui em crise vem imputar ao arguido um crime diverso, na medida em que altera a base de facto trazida a julgamento pela pronúncia.
É que não releva a qualificação jurídica constante da pronúncia (burla), mas a factualidade de suporte.
Esta factualidade não pode ser alterada se trouxer algo de novo susceptível de preencher os elementos do tipo legal do crime.
Só dos factos vertidos na pronúncia cabe ao arguido defender-se e, por isso, o aditamento de factos relevantes para o preenchimento do tipo e que não constavam da pronúncia consubstanciam a noção de crime diverso.
Com os factos ora aditados está-se, ex novo, a integrar um elemento essencial do tipo legal de crime por que o arguido vem acusado.
Só será “alteração não substancial” quando apenas são acrescentadas circunstâncias explicativas, que nada de novo trazem à estrutura do crime.
O despacho em apreço (aditando os facto dele constantes) fez incorrecta aplicação do disposto no art. 358 do CPP.
3ª Questão
Ainda que de mera “alteração não substancial” se tratasse, nunca poderiam ser os factos constantes do despacho aditados no momento em que o foram, sob pena de violação flagrante das garantias de defesa do arguido, consagradas no art. 32 da CRP.
Ainda que se tenha invocado incorrectamente o disposto no art. 358 do CPP, nunca haveria condições de facto para “… conceder a arguido o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa”.
No final de toda a produção de prova que se estendeu ao longo de 34 sessões de julgamento, não é possível exercer o contraditório relativamente a factos surpreendentemente aditados, a não ser com outra estratégia de defesa: nova contestação, renovação de toda a prova, isto é, repetição do julgamento.
O fundamento do aditamento de 24/9/02 suporta-se em declarações de J....... e filhos que foram prestadas havia mais de um ano (no início da audiência, em Maio de 2001).
O direito de defesa do arguido, face aos factos só agora aditados, não ficaria assegurado com a faculdade prevista no n.º 1 do art. 358CPP.
Finalmente, se dúvidas existirem na definição dos limites dos conceitos de “alteração substancial” e “alteração não substancial”, sempre haveria que lançar mão do princípio “in dubio pro reo” e não aditar tais factos no processo.

Recurso interlocutório interposto a fls. 2687 (original a fls. 2797 e segs.), do despacho proferido na acta da audiência de julgamento 24/10/02:
- O despacho em apreço não altera – seja substancialmente ou não – os factos constantes da pronúncia e, nessa medida, é inócuo e até irrecorrível.
- Porque não é aqui aplicável, foi feita menos correcta aplicação do disposto no art. 358º, 1 do CPP.
- O despacho recorrido, na medida em que afirma que irá ter em conta “as referências probatórias efectuadas”… “essencialmente descritas nos comentários escritos e juntos aos autos”…” sendo certo que ele próprio (perito nomeado) corrigiu em audiência algumas descrições feitas no relatório” está a violar o disposto nos arts. 157 e 163 do CPP
- Isto porque a perícia encontra-se regulada no art. 157 do CPP e nenhum outro tipo de depoimento pode ser havido como meio de prova pericial, como parece entender o despacho em apreço.

Recurso da decisão final (fls. 3353)
a) Os arguidos mantêm interesse nos recursos oportunamente interpostos, o que afirmam no cumprimento do disposto no art. 412, 5 do CPP;

b) No momento da leitura do acórdão a prova não se encontrava transcrita e competia ao tribunal a transcrição; a sua falta, antes da leitura do acórdão, impede a realização dos direitos de defesa do arguido, na medida em que inviabiliza o seu direito de recorrer em matéria de facto, violando-se, assim, o art. 32 da CRP;

c) O Tribunal violou o art. 68 do CPP ao admitir I........ a intervir como assistente, quando resulta inequivocamente dos autos que foi a D. J........ quem procedeu às negociações e transacções, escolhendo e concluindo as compras e procedendo aos pagamentos (facturas juntas aos autos, sem qualquer documento em sentido contrário, designadamente emitidos em nome do assistente ou subscritos por ele – cheques, letras ou recibos), como o demonstra o ponto 51 e facturas juntas, o que impõe a anulação de todo o processado a partir da respectiva admissão;

d) Não havendo fundamentação da perícia tão pouco pôde o Tribunal fundamentar a sua decisão, com o que se violaram as normas contidas nos artigos 157 e 163 e, por consequência, o n.º 2 do art. 374 do CPP, constituindo a nulidade prevista no art. 379º, 1, a) do CPP;

e) Haverá consequentemente de repetir a prova da perícia – c) do n.º 3 do art. 412 – porquanto, além do mais, esta falta constitui insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que se invoca para os efeitos do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 410º do CPP;

f) Os pontos de facto que se considera incorrectamente julgados indicados nas 11ª a 47ª conclusões constituem erro notório na apreciação da prova previsto como fundamento de recurso na al. c) do n.º 2 do art. 410º do CPP;

g) Os mesmos pontos de facto, na medida em que alteram a pronúncia – e todos eles a alteram – violam as normas contidas nos artigos 358 e 359, causando a nulidade de sentença tal como vem definido na al. b) do n.º 1 do art. 379 do CPP;

h) Nas conclusões 48ª a 63ª demonstrou-se que na motivação se argumentou com factos não provados apreciando-se questões de que o Tribunal não podia tomar conhecimento uma vez que não eram “factos provados” nem “factos não provados” constituindo nulidade de sentença que haverá que declarar nos termos do disposto na c) do n.º 1 do art. 379º do CPP;

i) Na apreciação da matéria de facto, violou o disposto nos artigos 358º, 359º, 32º da Constituição, o que constitui nulidade de sentença que deve ser declarada nos termos da citada alínea c) do n.º 1 do art. 379º do C.Penal;

j) Ao dar como preenchidos os elementos do tipo legal do crime de burla o Tribunal violou as normas dos artigos 217 e 218 do C.Penal, porquanto não foram apurados factos passíveis de integrar os conceitos que definem os elementos objectivo e subjectivo do tipo legal;

k) Ao deferir o pedido de indemnização civil, o Tribunal violou o disposto nos artigos 197, 3 do C. Sociedades Comerciais, o art. 165º e 500º do C.Civil, o art. 496º do C.Civil e ainda os artigos 408º, 947 e 917 do C.Civil;

l) Ao suspender a execução da pena sob condição, nos termos em que o fez, o Tribunal violou o disposto no art. 51º do C. Penal, uma vez que se impõem obrigações ao arguido cujo cumprimento não se lhe pode exigir com razoabilidade;

m) Ao declarar perdidas a favor do Estado as peças objecto dos autos, o tribunal violou o disposto no art. 109º do C.Penal dado que não se verificam os pressupostos da respectiva aplicação.

Pede ainda seja julgada procedente a excepção da litispendência deduzida na contestação ao pedido cível e aqui, de novo, suscitada, face à decisão do acórdão.

O M.P. e o assistente responderam à motivação do recurso, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

O Ex.º Procurador-geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso.

Por Acórdão desta Relação, de 21-05-03, foi rejeitado o recurso da decisão final e considerados prejudicados os recursos interlocutórios. Porém, por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Janeiro de 2004, foi revogado o Acórdão desta Relação, ordenando-se a baixa dos autos para que “se conheça do mérito dos recursos interpostos pelos arguidos B...... e H..... Lda.

O processo foi redistribuído, por transferência do Relator, colheram-se novos vistos e procedeu-se à audiência de julgamento.

2.1 Fundamentação
2.2 Matéria de facto
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1- O arguido exerce há mais de trinta anos a actividade de antiquário que, desde há cerca de 15 ou 20 anos, passou a desenvolver estabelecido, ultimamente numa loja de antiquário sita na ....., no Porto, pertencente à sociedade "H......, Lda.", de que o arguido é sócio-gerente;
2- A arguida exerce a actividade de decoradora e era amiga da família do assistente, I........, há cerca de 15 ou 20 anos, e visita assídua da casa deste e da esposa;
3- Tendo a arguida, E......, apresentado o arguido, seu genro, há mais de doze anos, ao assistente e à família deste, passou aquele, desde então, a beneficiar da confiança e convívio destes e tornando-se visita da casa daquela família especialmente em ocasiões festivas;
4- Em data indeterminada anterior a 13 de Novembro de 1991 a arguida foi contactada pelo assistente e esposa J....... para proceder à redecoração parcial da casa deles, sita na ....., Lugar ...., em ....., Oliveira de Azeméis, o que veio a fazer utilizando para o efeito peças fornecidas pelo arguido;
5- Mais tarde foi também incumbida de decorar o apartamento de habitação da filha do assistente, N......., sita na Av. ...., ..., em S. João da Madeira, o que também fez lançando mão de peças fornecidas pelo arguido;
6- Na sequência daquele pedido de decoração da casa do assistente, o arguido B......., decidiu fornecer ao assistente e esposa, para decoração da casa deste e, mais tarde, para decoração do apartamento da sua filha N.......... supra referido e para o apartamento do seu filho M........ também situado na ....., n.º ...., em S. João da Madeira, diversas peças como sendo antiguidades genuínas, ou peças de grande valia e qualidade, não restauradas ou com as características mencionadas nas facturas em que eram descritas, peças que não tinham aquelas qualidades ou estas características, mas que o ofendido recebeu e pagou como se tivessem;
7 - Com efeito tais peças ou não eram genuínas pois que referidas a determinada época ou século eram apenas ao estilo dessa época ou século mas de fabrico mais recente, ou não eram antiguidades mas vulgares peças novas, ou eram peças restauradas e por isso de valor muito inferior ao que teriam se não fossem peças restauradas, sem que essa característica de "restaurada" fosse comunicada ao assistente, esposa ou filhos ou constasse dos documentos tipo factura (que não eram verdadeiras facturas) em que eram mencionadas, ou eram de características diferentes das mencionadas nas "facturas" ou ainda eram identificadas como “catalogadas”, criando no assistente e esposa a convicção de que por estarem catalogadas e serem vendidas por antiquário se tratava de antiguidades genuínas e valiosas;
8- Em 13.11.91, a coberto da factura sem número com a mesma data, emitida em nome de D. J......, constante de fls. 95, a arguida, através do arguido B...... vendeu o que este denominou "1 Contador Indo-Português Capela", propriedade daquela arguida, pelo preço de esc.2.950.000$OO que o assistente e esposa pagaram e que se revelou tratar de um contador estilo indo-português, fabricado no Século XIX ou no Século XX, o que significa que é uma imitação do indo-português do Séc. XVII, mal restaurado, com o valor de cerca de esc.l.000.000$00 (peça n.º 18);
9- Ciente de que o assistente e a sua família confiavam nele e em especial na arguida E...... e não tinham conhecimentos técnicos e artísticos para descobrirem que as peças não eram antiguidades genuínas, ou restauradas, ou com características diferentes das que lhes anunciavam ou constavam das facturas, o arguido B......., fez, entre outras vendas, múltiplas vendas ao assistente e esposa de peças da propriedade da sociedade "H......., Lda." nas condições referidas em 6 e 7, no período de 12.5.94 a 21.2.97;
10- Assim, em 12.5.94, pelo preço global de esc.6.550.000$00:
A) A coberto do documento tipo factura 1662 com a mesma data, emitida em nome de D. J......, constante de fls. 98, o arguido B........ vendeu uma terrina descrita como "Terrina da Companhia das Índias brasonada com um cabelo e catalogada", pelo preço de esc.l.450.000$00 que o assistente e esposa pagaram e que se constata estar bem descrita pelo arguido, com excepção da referência a brasão (não o tem) e aos restauros, sendo uma terrina em porcelana da China, Companhia das Índias, com monograma, sem travessa, mas com restauros nas cabeças de javali; porém, de valor não superior a esc.300.000$00 ou esc.400.000$00 principalmente em virtude dos seus restauros (peça n.º 19);
B) A coberto da factura n.º 1663 com a mesma data de 12.5.94, emitida em nome de D. J......., constante de fls. 99, o arguido B....... vendeu uma terrina descrita como "Terrina Companhia das Índias do Século XVIII", pelo preço de esc.l.350.000$00 que o assistente e esposa pagaram e que se apurou ter cabelo no corpo (defeito), faltando a travessa respectiva, tendo sido vendida pelo preço de peça perfeita, e sendo o seu valor de aproximadamente esc.400.000$00 (peça n.º 20);
C) A coberto da factura sem número, da mesma data de 12.5.94, emitida em nome de D. J......., constante de fls. 100, o arguido B..... vendeu o que descreveu como "dois espelhos em pau-santo e embutidos de pau rosa, catalogados" e duas “1/2 comodazinhas de barriga em pau santo e embutidos em pau rosa (catalogados)”, pelo preço de esc.3.750.000$00 que o assistente e esposa pagaram, tratando-se realmente de um par de meias cómodas novas, da segunda metade do séc. XX, de estilo Luís XV, folheadas a pau santo e com embutidos de madeira mais clara e um par de espelhos a condizer, sendo o seu valor total não superior a esc.600.000$00 (peça n.º 23);
11- Em 19.12.94, a coberto da factura n.º 1684 com a mesma data, emitida em nome de D. J......, constante de fls. 101, o arguido B....... vendeu o que descreveu como "Travessa Companhia das Índias Século XVIII Folha Tabaco (catalogada) ", pelo preço de esc.l.800.000$00 que assistente e esposa pagaram e que se apurou tratar-se de uma peça muito restaurada em diversas partes, mesmo com restauros aparentes, o que reduz consideravelmente o seu valor para não mais de esc.200.000$OO (peça n.º 31);
12- Em 2.6.95 o arguido B...... vendeu, pelo preço global de esc.13.245.000$00:
A) A coberto da factura n.º 1701 com a mesma data, emitida em nome de D. J......., constante de fls.102:
1) Um móvel descrito como "um Contador Japonês em Pau-Rosa do séc. XIX, catalogado", pelo preço de esc.l.350.000$00 que assistente e esposa pagaram e que, na realidade, sendo um móvel oriental, é também do séc. XX, novo, e não é pau-rosa, no valor de cerca de esc.300.000$00 ou esc.400.000$00 (peça n.º 10);
2) Outro móvel descrito como "um Contador Japonês em Pau-Rosa, baixinho, do Século XIX, catalogado", por igual preço de esc.l.350.000$00 que assistente e esposa pagaram e que, na realidade, sendo um móvel oriental, é também do séc. XX, novo, e não é pau-rosa, no valor de cerca de esc.300.000$00 ou esc.400.000$00 (peça n.º 11);
3) Um sofá descrito como "um sofá de três lugares D. João V/D. José, em castanho, catalogado", pelo preço de esc.550.000$00 que assistente e esposa pagaram e revelou tratar-se de uma canapé de estilo D. João V, em castanho, novo, do séc. XX, no valor de cerca de esc.200.000$00 ou esc.250.000$00 (peça n.º 13);
B) A coberto da factura sem número com a mesma data de 2.6.95, emitida em nome de D. J......., constante de fls. 103:
1) Dois jarrões descritos como "jarrões Japoneses em porcelana, do Séc. XIX, catalogados, grandes", pelo preço de esc.2.890.000$00 que assistente e esposa pagaram e que são jarrões novos, da China, de decoração Japão, do séc. XX, feitos em Macau, cujo valor total é de cerca de esc.150.000$00 (peças n.º 5);
2) Um contador descrito como "excepcional contador Japonês em laca Século XVIII, catalogado, está um no Palácio da Ajuda, em Lisboa", pelo preço de esc.6.850.000$00 que assistente e esposa pagaram e que, na realidade revelou tratar-se de um contador pintado assentando em base do Séc. XIX redourada recentemente, sendo o contador do Séc. XIX mas muito restaurado com partes de decoração refeita e repintes efectuados no Séc. XX e parte das ferragens novas, no valor de cerca de esc.1.000.000$00, no máximo esc.1.500.000$00 (peça n.º 6);
3) Um quadro descrito como "quadro Japonês em marfim e madrepérola e pau-santo, do Séc. XVIII", pelo preço de esc.255.000$00 que assistente e esposa pagaram e que, na realidade é um trabalho japonês com defeitos, do Séc. XIX ou XX que se define como placa em madeira lacada que não é pau-santo, com aplicação de madeiras e pássaro em placas de madrepérola e moldura de madeira oriental, no valor de cerca de esc.40.000$00 ou esc.50.000$00 (peça n.º 8);
13- Em 21.6.95, a coberto da factura n.º 1708 com a mesma data, emitida em nome de D. J......, constante de fls. 104, o arguido B..... vendeu pelo preço global de esc.l.720.000$00;
A) Duas cómodas descritas como "cómodas miniatura em mogno, Inglesas, 30x21x23, catalogadas", pelo preço de esc.750.000$00 que assistente e esposa pagaram e que se constata tratar-se de um par de cómodas em mogno, inglesas, velhas (não antigas), no valor de cerca de esc. 150.000$00 ou esc.200.000$00, no máximo, o par (peça n.º 12);
B) Uma peça descrita como "caixa escritório contador Indo-Inglês com embutidos de marfim, com portinhas e gavetas, catalogado", pelo preço de esc.970.000$00 que assistente e esposa pagaram e que revelou tratar-se de um pequeno móvel bonito e com qualidade, em ébano com embutidos de marfim, da Índia, Ceilão ou mesmo de origem africana, do Séc. XIX, mas no valor de cerca de esc.500.000$00 (peça n.º 15);
14- Em 26.6.95 o arguido B......, pelo preço global de 24.050.000$00 vendeu:
A) A coberto da factura sem número com a mesma data, emitida em nome de D. J......, constante de fls. 106:
1) Uma peça descrita como sendo "meia cómoda D. José Século XVIII, com 2 gavetas e 2 gavetões", pelo preço de esc.2.850.000$00 que assistente e esposa pagaram e que se apurou ser uma meia cómoda estilo D. João V, nova, com tampo em pau-santo e interiores feitos em madeiras de pinho muito velhas, no valor de esc.esc.400.000$OO ou esc.500.000$OO, no máximo (peça n.º 38);
2) Uma terrina descrita como "terrina muito grande da Companhia das Índias, brasonada e catalogada", pelo preço de esc.l.850.000$OO que assistente e esposa pagaram e que apresenta grande restauro no corpo da terrina junto a uma das asas e defeito na base; tem brasão inglês, sendo o seu valor de cerca de esc.300.000$OO ou 400.000$00 (peça n.º 51);
B) A coberto da factura n.º 1709, com a mesma data, emitida em nome de D. J......, constante de fls. 107:
1) Um espelho descrito como sendo um "espelho Inglês George III com águia dourada 1,07 X 56, catalogado", pelo preço de esc.680.000$00 que assistente e esposa pagaram e que, na realidade, é um espelho tardio, estilo Jorge III, em carvalho capeado a mogno, de fraca qualidade e com restauros e danificado, do séc. XIX, no valor de cerca de esc.l00.000$00 a esc.180.000$00 (peça n.º 56);
2) Um tabuleiro descrito como "Tabuleiro em prata de gradinha Porto Coroa 60,6 cm, com 2,060 kg, catalogado", pelo preço de esc.650.000$00 que assistente e esposa pagaram, mas que se trata de um tabuleiro de fraca qualidade, com péssimo cinzel, em prata brasileira com pseudo contraste brasileiro, imitando o punção Porto Coroa (portanto, falso) do Séc. XIX, sendo, por isso, uma peça falsa, no valor de cerca de esc. 160.000$00 a esc.200.000$00 (peça n.º 53);
3) Uma cómoda descrita como "cómoda de barriga Inglesa com gavetões em mogno, catalogada", pelo preço de esc.l.350.000$00 que assistente e esposa pagaram e que revelou tratar-se de uma cómoda inglesa ou americana, em mogno, nova e construída segundo técnica moderna, com ar antigo, de valor não superior a esc.200.000$00 (peça n.º 55);
4) Uma secretária descrita como "secretária/coifeuse tampo em couro, Inglesa, forma de feijão, catalogada", pelo preço de esc.590.000$00 que o assistente pagou, mas que revelou tratar-se de um móvel novo, bem executado, do século XX, em forma de feijão com madeira folheada a pau-rosa, no valor de cerca de esc.200,000$00 a esc.300.000$00 (peça n.º 57);
C) A coberto da factura n.º 1711, com a mesma data de 26.6.95, emitida em nome de D. J....., constante de fls. 108, vendeu aquele arguido aos assistente e esposa:
1) Um contador descrito como "contador Indo-Português XIX da caixa e tampo raro por ser pequeno 56 X 36 X 72, catalogado", pelo preço de esc.4.600.000$00 que aqueles compradores pagaram, tratando-se, porém, de um contador novo, falso, de estilo Indo-português com interiores em pinho, construído em Portugal, com decoração de círculos, novo e de má qualidade, no valor de esc.500.000$00 a esc.600.000$00 (peça n.º 42);
2) Um espelho descrito como "espelho em prata batida cinzelada, oval, 96 cm x 70 cm, catalogado", pelo preço de esc.l.550.000$00 que assistente e esposa pagaram e que, na realidade, embora decorativo e bonito, é um espelho novo, de estilo, a imitar o antigo de época, com moldura em prata sul-americana, cinzelada, no valor de cerca de esc.300.000$00 ou esc.400.000$00 (peça n.º 37);
D) A coberto da factura sem número com a mesma data de 26.6.95, emitida em nome de D. J......, constante de fls. 109, o arguido vendeu aos assistente e esposa:
1) Dois contadores que descreveu como "contadores do Século XVII, catalogados, com embutidos, um deles com gavetinhas (o que existe de melhor e muito raro)”, pelo preço de esc.6.700.000$00 que aqueles compradores pagaram e que revelaram tratar-se de dois contadores com bases, estilo Séc. XVII, fabricado no final do século XIX ou no século XX, à maneira do século XVII, holandeses, com restauros, em nogueira com embutidos de outras madeiras, sem a raridade e a qualidade invocadas pelo arguido, os dois no valor de esc.l.200.000$00 a esc.l.500.000$00 (peça n.º 45);
2) Uma mesa descrita como "mesa em mogno grande, inglesa, catalogada (monta-se de 5 maneiras diferentes) em mogno e pau-rosa", pelo preço de esc.2.850.000$00 que assistente e esposa pagaram e que revela ser uma mesa inglesa de casa de jantar, nova, fabricada no estilo inglês Jorge III, capeada a mogno, com interior em tabopan (e não "em mogno") com embutidos de madeira mais clara, fabrico de série, no valor de cerca de esc.500.000$00 (peça n.º 48);
E) A coberto da factura sem número com a data de 26.6.95, emitida em nome de D. J......, te de fls. 105, uma salva descrita como "salva de prata gravada de gradinha Porto Coroa XIX, 1,030 kg, catalogada", pelo preço de esc.380.000$00 que assistente e esposa pagaram e que revelou tratar-se de salva em prata brasileira, mal cinzelada e de má qualidade, com punção falso (de imitação), do Séc. XX, no valor de cerca de 150.000$00 a esc.200.000$00 (peça n.º 39);
15- Em 2.5.96, a coberto da factura n.º 1751 com a mesma data, emitida em nome de D. J......, constante de fls. 110, o arguido vendeu pelo preço de esc.1.886.000$00 que assistente e esposa pagaram, um par de candelabros descrito como "par de candelabros em prata Século XIX de três braços, que se transformam em castiçais normais, com o peso de 3,759 kg", que revelou tratar-se de um par de serpentinas novas ou quase novas, do século XX, ao estilo do século XVIII/princípios do séc. XIX, de prata norte-americana, com enchimento, com quase 4 quilos de peso total (prata e enchimento, sendo este da ordem dos 80% ou 90% do peso) com marca incisa "Sterling", construídos em folha de prata fina, decorativos, comerciais e sem valor artístico, sendo o preço praticado o de peças de época (Séc. XVIII) (peça n.º 30)
16- Em 17.5.96 o mesmo arguido vendeu ao assistente e pelo preço global de esc.10.885.000$00:
A) A coberto da factura n.º 1763, com a mesma data, embora emitida em nome de M......., constante 111:
1) Uma peça descrita como "Coafeuse D. Maria Século XVIII, com embutidos e trabalho marqueterie em pau-santo e pau-rosa, catalogada", pelo preço de esc.2.950.000$00 e que revelou tratar-se de coifeuse de estilo D. Maria em pau-santo com embutidos em espinheiro, do Séc. XX, com partes em contraplacado, mas de boa qualidade geral, no valor de cerca de esc.500.000$00 a esc. 700.000$00 (peça n.º 3);
2) Um par de saboneteiras descritas como "saboneteiras Companhia das Índias, China", pelo preço de esc.170.000$00 e que revelaram tratar-se de um par de saboneteiras em porcelana da China, do final do Seco XIX, não consideradas Companhia das Índias, no valor total compreendido entre 10 e 20 contos (peça n.º 32);
B) A coberto da factura n.º 1764, com a mesma data de 17.5.96, emitida em nome de M....., constante de fls. 112, o arguido B....... vendeu também aos assistente e esposa:
1) Uma mesa descrita como "mesa D. Maria, Século XVIII, em pau-santo e pau- rosa com embutidos (...) e gaveta, catalogada" "pelo preço de esc.780.000$00 e que revelou tratar-se de mesa estilo D. Maria em mogno e nogueira, com embutidos em bucho ou espinheiro e outras madeiras, do Séc. XIX, transformada a partir de mesa de jogo que foi, e com grandes restauros, designadamente no tampo e com ferragens do séc. XX, no valor de cerca de esc.250.000$00 (peça n.º 28);
2) Uma cómoda descrita como "cómoda Império com pedra mármore, puxadores dourados, em raiz de nogueira, século XIX", pelo preço de 3.250.000$00 e que revelou tratar-se de cómoda estilo Império, decorativa, mas pobre de acabamentos, de meados/finais do Séc. XIX, com gavetas em pinho, folheada a raiz de mogno ou raiz de nogueira, com restauros e com puxadores novos em latão dourado, no valor esc.400.000$00 a esc.600.000$00 (peça n.º 34);
3) Um espelho descrito como "espelho Império George III, em pau-santo com águia dourada", pelo preço de esc.820.000$00 que revelou tratar-se de espelho estilo George III, do Seco XIX/XX, em mogno, com restauros visíveis e de má qualidade em várias partes, no valor de cerca de esc.70.000$00 a 150.000$00 (peça n.º 35);
4) Duas mesas descritas como "mesas de apoio inglesas em mogno, com travessas e (...), século XIX", pelo preço de 785.000$00 que são um par de mesas de apoio que não são em mogno maciço, são novas, no valor conjunto de esc.60.000$00 a esc.80.000$00 (peça n.º 29);
5) Um espelho descrito como "espelho grande em prata cinzelada à mão com uma Coroa Real, com 3,200 kg, catalogado", pelo preço de esc.2.130.000$00 que é um espelho novo em madeira revestida a prata repuxada com técnica antiga, muito decorativo, com menos de 1 quilo de prata e com coroa estilizada, não Real, de fabrico sul-americano, no valor de cerca de esc.250.000$00 a esc.350.000$00 (peça n.º 27);
17- Em 4.11.96, a coberto da factura n.º 1775 com a mesma data, emitida em nome de D. J......., constante de fls. 113, o arguido B...... vendeu àquela e marido um par de mesas descritas como "mesas inglesas em mogno, do século XIX, com tampo em couro gravado, uma gaveta e uma prateleira", pelo preço de esc.720.000$00 que aqueles compradores pagaram e que revelaram tratar-se de um par de mesas de apoio de escritório, de fabrico em série, novas, estampilhadas com estampilhas de fabricante americano datadas de 1954, sem qualquer valor artístico, no valor de esc. 100.000$00 a esc.150.000$00 o par (peça n.º 17);
18- Em 15.11.96, a coberto da factura n.º 1776 com a mesma data, emitida em nome de M......, constante de fls. 114, o arguido B...... vendeu ao assistente e à esposa uma mesa descrita como "mesa sala jantar Especial de três pés, cinco tábuas sendo três grandes e três pequenas, em mogno e dois embutidos em pau- rosa a toda a volta, Século XIX (restaurada pelo melhor restaurador Inglês)”, pelo preço de esc.3.680.000$00 que revelou tratar-se de uma mesa inglesa ou feita ao gosto inglês, bonita e bem executada, moderna, estilo George III, capeada a palma de mogno com tampo em MDF e embutido de espinheiro ou outra madeira clara, a toda a volta do tampo, nova, no valor de cerca de esc.600.000$00 a esc.700.000$00 (peça n.º 24);
19- Em 27.11.96, a coberto da factura n.º 1777 com a mesma data, emitida em nome de D. J......, constante de fls. 115, ainda o arguido B...... vendeu uma peça que descreveu como "Papeleira Indo-Portuguesa em teca e embutidos de marfim (catalogada em Leilão Inglês, Casa e Jardim e Casa e Decoração), peça muito rara por ser pequena e em feitio de papeleira", pelo preço de esc.6.800.000$00, efectuado que foi o que chamou "especialíssimo desconto" que assistente e esposa pagaram e que revelou tratar-se de secretária indo-inglesa multi-usos, num estilo híbrido e bonito, bem adaptada (mas adaptação sem mais-valia), ao gosto "indo-português de influência mogol", do Séc. XIX, de valor compreendido entre esc.l.000.000$00 e esc.l.500.000$00, ou menos (peça n.º 44);
20- Em data indeterminada de Novembro de 1996 a coberto da factura n.º 1779, datada de Novembro de 1996, emitida em nome de M........, constante de fls. 116, o arguido B...... vendeu ao assistente e esposa J....... um par de castiçais que descreveu como "Par de grandes candelabros em prata inglesa estilo Império, com + ou - 3,7 kg", pelo preço de esc.l.850.000$00 que revelaram tratar-se de um par de castiçais, base de candeeiros, em casquinha inglesa (não são de prata, mas apenas com banho de prata, numa fina película de prata), com enchimento, antigos, não de época, mas estilo Império, do final do século XIX, modelo neo-clássico no valor compreendido entre esc.200.000$00 e esc.300.000$00 (peça n.º 25);
21- Em 11.12.96, a coberto da factura n.º 1780, com a mesma data, emitida em nome de D. J......e filha, constante de fls. 117, o arguido B....... vendeu um par de apliques descritos como "par de apliques de prata, com dois (...) cinzelada, batida, repuxada à mão (catalogados), com 2,500 kg", pelo preço de esc.l.650.000$00 que assistente e esposa pagaram e que revelaram tratar-se de um par de apliques novos em prata sul-americana, batida e cinzelada (não repuxada), a imitar modelo setecentista, no valor de cerca esc.300.000$00 ou esc.400.000$00 (peça n.º 46);
22- Em 21.2.97, a coberto da factura n.º 1788 com a mesma data, emitida em nome de M......., constante de fls. 119, o arguido B...... vendeu aos assistente e esposa uma papeleira descrita como "papeleira Holandesa de dois corpos com espelho na parte superior, e no tampo com (...) gravada a ouro, toda ela com embutidos de matérias florais", pelo preço de esc.7.800.0000$00 que revelou tratar-se de uma papeleira com alçado, estilo século XVII Holandês, moderna, folheada a raiz e com embutidos de outras madeiras mais claras, sendo a estrutura de pinho e não apresentando malhetes na construção das gavetas, tratando-se de peça nova, de série, fabricada e patinada para passar por Séc. XVIII (peça falsa, portanto), sem vestígios de alguma parte antiga ou de restauro, com ferragens novas e sem vestígios de ferragens anteriores, decorativa e com alguma qualidade de embutidos, mas com péssima estrutura em pinho, no valor de esc.500.000$00 a esc.l.000.000$00 (peça n.º 1).
23- Os arguido, aproveitando-se da confiança e respeito que astuciosamente obteve do assistente e da família deste e que sabia gozar ainda mais a arguida E....... da qual se serviu também, e que as suas qualidades e habilitações de antiquário e de decorador lhe conferiam, logrou convencer o assistente e a esposa de que eram verdadeiras as características das peças descritas nas facturas e a pagar-lhes os preços correspondentes nelas indicados;
24- Bem sabendo pelo menos o arguido B....... que as peças referidas não tinham as características, nem valiam os preços que lhes eram atribuídos nas facturas e que os assistente e esposa não as comprariam se soubessem que não possuíam tais características e valores;
25- Pelo menos o arguido B....... teve o propósito de obter para si um enriquecimento ilegítimo com a venda das peças propriedade da "H......., Lda.", bem sabendo que causaria aos assistente e esposa, como causou, prejuízos patrimoniais no mínimo correspondentes aos valores por ele pagos pelas referidas peças;
26- O arguido B...... agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que tais condutas lhe não eram permitidas por lei.
27- Algumas das referidas peças foram integralmente pagas pelo assistente e esposa J........ (os compradores de todas elas), num total de esc.61.371.000$00, e os preços das outras (peças n.ºs 3, 32, 28, 34, 35, 29, 27, 24, 25 e 1) estavam a ser liquidados em sucessivas prestações, encontrando-se em falta o pagamento de milhares de contos que os compradores suspenderam quando passaram a suspeitar da falta de genuinidade e qualidade das peças adquiridas;
28- O B....... e a E...... estavam cientes de que o assistente, a esposa e os dois filhos, apenas queriam adquirir peças que constituíssem um bom investimento, nomeadamente antiguidades, e de que nenhum deles possuía informação suficiente ou minimamente formada em matéria de antiguidades, principalmente o assistente, a esposa e a filha;
29- Através da entrega de cópias de páginas de catálogo alusivas a algumas das peças e omitindo outras explicações identificativas das peças que não fossem as descrições que fazia nos documentos tipo factura que entregava à J......, o arguido B....... quis convencer a família I1....... de que muitas das peças eram de época e que todas elas constituíam um bom investimento;
30- Além do comércio de antiguidades, o arguido B...... faz também alguma decoração, agindo em nome da sociedade de que ele e a esposa são únicos sócios - a "H........., Lda.", vendendo também algumas peças novas;
31- Considera-se e é esclarecido e experiente na sua actividade, e adquire em Inglaterra algumas das peças que vende e faz publicitar em revistas de decoração;
32- Vendeu, no período de tempo em causa, muitas outras peças que não estão aqui em causa;
33- A arguida E....... exerce a actividade de decoradora há muitos anos, tendo apresentado o arguido B...... à família I1....... há cerca de 12 ou 13 anos;
34- A peça n.º 18 era propriedade da E....... que a mantinha na loja do B....... para venda à consignação quando foi vendida à família I1......;
35- O assistente e a esposa era os melhores clientes do arguido B...... enquanto lhe adquiriram peças do seu comércio;
36- Os arguidos são pessoas de um estrato social e económico elevado, conhecem-se há cerca de 40 anos, sendo ele proprietário nomeadamente de uma quinta de grande dimensão e coleccionador de automóveis antigos que vai vendendo e trocando, alguns deles de marca "Rolls Royce" e "Ferrari";
37- O requerido B...... actuou em representação da requerida “H......., Lda.” em todas as vendas que efectuou dos móveis e outras peças ao casal I1..... (com excepção da peça 18 que era propriedade da arguida-requerida);
38- A H....... Lda. foi constituída em Abril de 1984 e a suas quotas foram posteriormente adquiridas pelo arguido e, depois, pela sua esposa, O......., por escrituras de Março de 1988 e Abril de1993, respectivamente, sendo eles, desde então, os seus únicos sócios;
39- O arguido é associado da “Associação Portuguesa de Antiquários”, com sede em Lisboa e da “Associação de Antiquários do Norte de Portugal", com sede na cidade do Porto.
40- Se o assistente e a esposa J....... soubessem que as peças que estavam adquirir para si e para os filhos M...... e N...... não tinham a qualidade que pretendiam e que lhes era anunciada e não constituíam um bom investimento, com valorização crescente, não as teriam comprado;
41- De entre as peças adquiridas ao arguido, acima discriminadas, requerente e esposa pagaram, pela totalidade, parte delas e encontravam-se a pagar, em prestações sucessivas, outros lotes das mesmas peças;
42- Os preços estabelecidos para as peças dos autos formam um total de esc. 85.586.000$00, que o arguido cobrou na sua maior parte, pelos preços facturados, assim, relativamente a todas as peças, com excepção das peças nos 3, 32, 28, 34, 35, 29, 27, 24, 25 e 1, no valor de esc.24.215.000$00, que estavam a ser pagas em prestações quando foram interrompidos os pagamentos;
43- Com excepção do que prestaram por conta das referidas dez peças não totalmente liquidadas, assistente e esposa pagaram as restantes, num total de preços de esc.61.371.000$00;
44- Algumas das peças foram pagas a pronto em cada uma das datas em que foram apresentadas as facturas respectivas, outras foram pagas em prestações sucessivas, de valor e em datas não apurados;
45- O demandante e família habitam numa pequena localidade na qual grande parte dos moradores e conhece;
46- Tanto os vizinhos do requerente e família, como os amigos e outros conhecidos souberam do sucedido com as peças adquiridas ao arguido
47- Como consequência necessária de tal conhecimento, foi posta a nu a ignorância do requerente e de sua família no que respeita ao mercado de antiguidades;
48- O que constituiu alvo de troça de muitas pessoas no seu elevado nível social que, pelo sucedido, deixaram o demandante prejudicado;
49- Sentindo este vergonha e descrédito;
50- A arguida pertence também a um estrato social elevado, habitando numa das melhores zonas do Grande Porto;
51- As negociações das peças adquiridas pelo assistente e esposa ao arguido B....... decorriam entre este e a D. J......, normalmente na residência do casal;
52- As peças eram entregues anteriormente ou, pelo menos, nas datas da respectiva factura, conforme data nestas constantes;
53- As peças pagas foram-no a pronto e a prestações, conforme os casos, em diversas datas, até momento anterior a 11 de Maio de 1998, data da interposição da acção declarativa ordinária n.º 578/98 pela "H......., Lda." contra o ora assistente, nas varas cíveis do Porto, a partir da qual não houve mais pagamentos;
54- Não foi o arguido-requerido quem tornou públicos os factos relacionados com os objectos em causa nos autos;
55- Como decoradora, nada consta no meio que a desabone a arguida E....... que, antes é tida como profissional de requintado e excepcional bom gosto;
56- Basicamente, o seu trabalho consiste, com criatividade, na escolha harmoniosa de tecidos, revestimentos, objectos de decoração e acessórios de decoração para o lar, harmonizando estilos e visando obter um conjunto decorativo harmonioso;
57- Competia-lhe ainda aconselhar os seus clientes quanto àqueles materiais ou peças decorativas, considerando também o gosto dos mesmos clientes;
58- A arguida conheceu o assistente e a esposa há cerca de 15 ou 20 anos e com eles manteve fortes relações de amizade, tendo prestado aos mesmos, com diligência, alguns serviços de decoração em ocasiões festivas, nomeadamente na ornamentação da mesa onde eram servidos jantares de Natal, Páscoa, aniversários e outras efemérides;
59- Para além daqueles serviços, a arguida foi incumbida de redecorar a residência do assistente e mais tarde, também a residência da filha N..........;
60- A arguida, no âmbito da sua actividade de decoradora, emitia parecer sobre os objectos adquiridos ou a adquirir pela família I1....., e o local apropriado para a sua colocação, com vista a obter uma decoração harmoniosa;
61- A arguida nunca aprofundou ou estudou antiguidades e faz decorações também em estilos modernos;
62- Quando as preferências dos seus clientes são por objectos antigos, remete-os para comerciantes de antiguidades;
63- Das peças constantes da pronúncia a arguida vendeu apenas a peça n.º 18 que era sua propriedade e integrava a decoração da sua residência;
64- Entregara-a à consignação ao seu genro B........ para que a expusesse e vendesse no seu reputado estabelecimento;
65- Tal peça foi totalmente paga, em prestações sucessivas;
66- A arguida E....... apresentou o arguido B........ à família I1........, como antiquário de grande reputação na cidade do Porto, então, com cerca de 20 anos de experiência;
67- As condições e preços cobrados ou a cobrar em prestações pelo B........ na vendas das peças dos autos nunca foram negociadas com a arguida E...... (com excepção da peça nº 18), que se limitava a dizer que se tratava de peças boas e bonitas, que se harmonizam bem neste ou naquele espaço, com este ou aquele enquadramento;
68- Muitas vezes era a E....... que levava da família cheques para entregar ao arguido em pagamento das peças;
69- Nunca a arguida se arrogou conhecimentos de antiguidades perante qualquer elemento da família I1........ e não tomou parte na decoração da residência de M......., que foi levada a efeito sob a orientação da decoradora P........;
70- O arguido facultava à família I1........ a possibilidade de terem em casa por alguns dias, por vezes mais de uma semana, as diversas peças para apreciação e decisão de compra ou devolução;
71- Os móveis e outros objectos foram adquiridos pelo assistente por decisão sua e de sua esposa J......;
72- O arguido B........ entregou à D. J...... cópias de catálogo respeitantes a algumas das peças;
73- O arguido tem no seu estabelecimento principalmente peças antigas, com e sem restauros, mas também tem e vende peças novas;
74- Os elementos da "família I1........" adquiriram as peças de que mais gostaram e acharam mais adequadas aos diversos espaços da sua residência, também influenciados pela decoradora E....... (com excepção de M........ relativamente à residência deste);
75- O arguido B....... é casado e vivem em família, tendo um filho nascido em 20 de Junho de 1989;
76- Sobre pelo menos a maior parte das peças que se destinaram à decoração da residência de M......, filho do assistente e esposa, a arguida E....... não foi ouvida;
77 - A demandada "H......., Lda." é uma sociedade por quotas, registada e matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o nº 38923, de que é sócio-gerente o arguido B........ .

Factos não provados
a) - Que a peça nº 18 tenha sido construída na Índia Portuguesa;
b) - Que os arguidos ou algum deles conhecesse o preço de aquisição desta peça n.º18, dominasse as suas características e estivesse seguro do valor real e efectivo da mesma no mercado, designadamente que não podia razoavelmente atingir o valor de esc.2.950.000$00 cobrado pela arguida ao assistente a título de preço e ainda que, com esta peça e atento o preço cobrado, algum deles tivesse intenção ou admitisse a possibilidade de estar a enganar os compradores;
c) - A favor de quem foi emitido o cheque para pagamento da peça nº 18;
d) - Quem fez o preço da peça nº 18, se foi a E...... ou o B....... e se aquela foi adquirida pela arguida já classificada nos termos em que a vendeu;
e) - Que a peça n.º 20 seja do séc. XIX;
f) - Que os embutidos das peças nº 23 sejam em pau rosa;
g) - Que as peças nºs 10 e 11 sejam contadores japoneses;
h) - Que a peça nº 6, descrita como excepcional o seja pela sua qualidade ou raridade;
i) - Que a peça nº 44 é muito rara e mais valiosa por ser pequena;
j) - Que todas as peças adquiridas pela família I1........ tivessem sido pagas pela totalidade dos preços respectivos;
1) - Se a E....... agiu em união e conjugação de esforços com o B....... nas vendas das peças à família I1........ e se recebia daquele qualquer vantagem patrimonial ou participação, a qualquer título, nos lucros do arguido;
m) - O nível de conhecimentos da E....... em matéria de antiguidades, nomeadamente se as sabe distinguir por épocas, se as identifica e distingue das réplicas, se as sabe definir, classificar e avaliar;
n) - Se a E....... estava bem informada acerca das peças aqui em causa, se conhecia ou suspeitava dos lucros do seu genro e que as peças nem sempre correspondiam à descrição que aquele efectuava no documento tipo factura nem ao preço praticado em cada uma delas;
o) - Em que momentos o B....... entregava as fotocópias de catálogos à esposa do assistente, nomeadamente se o fazia no acto da entrega das peças respectivas ou em que momentos posteriores;
p) - Se os documentos de fls. 94 a 119 (documentos tipo factura) acompanhavam as peças em cada acto de venda ou se eram entregues mais tarde e em que momento;
q) - Que o arguido B....... gozasse de tanta amizade como a sua sogra E....... nas relações que mantinha com a família I1........, designadamente com o assistente e esposa;
r) - Que a arguida agiu de comum acordo e em conjugação de esforços com o arguido no fornecimento das peças para as três residências da família I1........ (do assistente e esposa e de cada um os filhos), conhecendo aquela as características e qualidades de cada uma das peças e sabendo que não correspondiam a antiguidades ou ao padrão de elevada qualidade pretendidos pelo assistente e esposa;
s) - Que a arguida nunca agiu de comum acordo e em conjugação de esforços com o B....... no sentido de enganar o assistente e família;
t) - Que os preços em matéria de antiguidades são sempre muito incertos, aleatórios e sem limitações;
u) - O dia em que o assistente e a esposa deixaram de fazer pagamentos das prestações das peças que, como tal, estavam a ser liquidadas.
v) - Que nunca se estabeleceu qualquer relação de amizade ou confiança entre o arguido B....... e os elementos da família I1........;
x) - Que não é verdade que o arguido tenha decidido vender aos "I1........" artigos de decoração "como sendo antiguidades genuínas, não restauradas";
z) - Que as características das peças adquiridas pelos clientes eram escritas nas respectivas facturas de acordo com a firme convicção do arguido acerca das qualidades de cada uma delas;
aa) - Que a entrega do catálogo acompanhasse a entrega de cada uma das peças a que respeitava;
bb) - Que os elementos da "família I1........" não pediram ao arguido B......., nunca, que lhes fornecesse antiguidades;
cc) - Que os catálogos entregues pelo arguido representassem um modo sério de informar os elementos da "família I1........";
dd) - Que nada foi encoberto àquela família e que o arguido não se aproveitou da confiança nem do respeito dos clientes em causa, nem usou de astúcia;
ee) - Que o M...... tinha conhecimentos em matéria de antiguidades, nomeadamente em identificação e classificação de peças antigas ou na sua destrinça relativamente às réplicas ou peças de estilo;
ff) - Que qualquer das peças vendidas pelo arguido, nomeadamente as que apelidou de "catalogadas" têm exactamente o valor, qualidades e características que o arguido, de acordo com os seus conhecimentos e convicção, lhes atribuiu na época em que vendeu cada uma delas;
gg) - Que a arguida estava convencida da genuinidade do contador (peça nº 18), por o ter adquirido naquelas mesmas condições de qualidade anunciadas pelo vendedor, sempre desconheceu o século a que pertence e foi o próprio genro que o considerou uma peça de valor e de bastante procura;
hh) - Que as qualidades inscritas nas facturas do arguido são aquelas que ainda hoje atribui às peças e os preços dali constantes são aqueles que razoavelmente lhes atribuiu na época, dentro de amplitude resultante das características de bens desta natureza;
ii) - Que os clientes compraram os objectos com toda a liberdade de decisão quer quanto às qualidades do objecto quer quanto ao preço;
jj) - Que o arguido é pessoa honesta e que vive apenas com um rendimento médio mensal, ainda que aproximado, de esc.250.000$OO;
ll) - Qual o montante total que o assistente entregou ao arguido B....... para pagamento das peças em causa nestes autos;
mm) - Que as peças nºs 3, 32, 28, 34, 35, 29, 27, 24, 25 e 1, tenham sido pagas na totalidade e em que medida foram pagas;
nn) - Qual o preço ou parte dele que se encontra em falta relativamente a cada uma das referidas dez peças;
oo)- Que as quantias entregues pelo assistente e esposa ao arguido o foram no valor de esc.85.596.000$00;
pp) - As datas em que foi efectuado cada pagamento ou prestação, e as que coincidiam e em que medida com as datas de apresentação das facturas ao casal I1........;
qq) - Que os prejuízos causados ao demandante com os comentários tecidos por pessoas do seu meio social tivessem sido muito graves ou de grande gravidade;
rr) - Que o requerente civil se vê impedido de "fazer hoje a vida que dantes fazia", nomeadamente de frequentar cafés e restaurantes perto da sua residência;
ss) Que a “H.......” ou/e o requerido B....... não celebraram como requerente qualquer negócio;
tt) - Que tenha havido alguma peça negociada pelo arguido B....... com M........ (filho do assistente e esposa);
uu)- Se os bens vendidos pelo B....... o foram em nome pessoal (não em representação da "H......., Lda.");
vv) - Que o requerido não causou ao requerente civil qualquer prejuízo e que o património deste não tenha sofrido qualquer empobrecimento por causa da actuação do demandado;
xx) - Que o património do arguido-requerido não tenha sofrido qualquer enriquecimento;
zz) Que, para a redecoração da sua residência, J...... tenha visitado com a arguida E....... diversos antiquários;
aaa) Que a arguida nunca se pronunciou sobre a qualidade de qualquer peça considerada antiga;
bbb)- Que a arguida tenha bons conhecimentos de antiguidades, ou que os seus conhecimentos não sejam os próprios de qualquer cidadão com mediana educação em matéria de mobiliário doméstico, um pouco melhorado em função da sua actividade de decoradora.;
ccc) - Que a arguida soubesse, nomeadamente, distinguir uma peça antiga de uma sua cópia moderna;
ddd) - Que a arguida nunca teve qualquer intervenção ou defendeu interesses próprios ou alheios na aquisição pelo denunciante dos bens constantes da acusação (com excepção da peça nº 18);
eee) - Que a arguida estava convencida que o contador identificado como peça nº 18 era indo-português ou de que não o fosse e se sabia qual era a sua idade ou mesmo o século, mesmo que aproximadamente;
fft) - Que a arguida dispunha de conhecimentos que lhe permitissem caracterizar ou avaliar a peça nº 18, designadamente como antiguidade;
ggg) - Que as transformações e percursos efectuados pela peças ao longo de séculos tomam qualquer apreciação e classificação altamente incerta;
hhh)- Que a arguida teve, ou não teve nunca a intenção de obter um enriquecimento ilegítimo, para si ou para o seu genro, com a venda das peças, designadamente com a peça nº 18, que provocou, ou não provocou astuciosamente erro ou engano no denunciante ou esposa sobre as características de tais objectos, que tivesse determinado, ou nem determinou àqueles prejuízo patrimonial;
iii)- Que os preços das peças antigas são sempre aleatórios e incertos e que não existem limitações ao nível de margem de comercialização;
jjj) - Que, além do arguido B......., a arguida E....... tivesse apresentado à família I1........ outros antiquários;
lll) - Que o denunciante obteve do B....... vantagens de pagamento excepcionais na aquisição das peças pretendidas, tão boas que seriam recusadas por outros antiquários;
mmm) - Que a arguida beneficiou ou nunca beneficiou de qualquer vantagem patrimonial ilegítima pela vendas das peças adquiridas ao B.......;
nnn) - Se quando a arguida se referia às características de cada peça, nomeadamente à sua época ou estilo, o fazia por ter conhecimento adequado e estruturado quanto ao que afirmava, ou se o fazia baseando-se nas descrições do B....... ou em catálogos, confiando neles;
ooo) - Que a arguida tinha consciência de que as peças que o arguido B....... estava a vender ao assistente não tinham a classificação, características ou não eram antigas, em conformidade com aquilo que ele anunciava ou fazia anunciar ou com o preço que cobrava por cada uma delas;
ppp) - Que alguma vez a arguida tivesse admitido sequer a possibilidade de o arguido estar a enganar a família I1........, ou tivesse razões para desconfiar da correcção e exactidão das informações e descrições que eram fornecidas pelo B....... ou pelos documentos que ele entregava aos "I1........";
qqq) - Que alguma vez a arguida tivesse intenção de induzir qualquer elemento da família I1........ em erro ou engano sobre a características ou valores das peças;
rrr) - Que em algum momento a arguida se haja conluiado com o arguido seu genro no sentido de enganar o denunciante e família nomeadamente utilizando falsas qualificações relativamente aos objectos vendidos;
sss) - Qualquer outra matéria que esteja em contradição com os factos provados, seja das referidas peças processuais, seja da discussão da causa.
MOTIVAÇÃO
A - Os factos Provados
O Tribunal Colectivo formou a sua convicção com base no conjunto das provas produzidas em audiência de julgamento, sendo elas, de um modo geral, as declarações do arguido B........ - a arguida recusou-se a prestá-las - as declarações do Sr. perito L......., com cerca de 20 anos de experiência, e de consultores técnicos indicados pelos sujeitos processuais, no esclarecimento e desenvolvimento dos comentários que cada um deles subscreveu e fez juntar aos autos a propósito de cada uma das peças ou objectos a que se refere o despacho de pronúncia, ainda a partir dos depoimentos testemunhais dos inquiridos e análise dos relatórios, comentários e documentos vários que, sucessivamente, se juntaram ao processo mesmo já em fase de audiência de julgamento.
Todas as provas foram criticamente conjugadas entre si.
Quanto à matéria da pronúncia e, em especial, no que respeita à análise ou estudo da natureza, identificação, caracterização e qualificação das 38 peças em causa, destacaram-se, além das declarações do arguido --- que as prestou no início da audiência, remetendo-se posteriormente ao silêncio --- as declarações periciais do Sr. L......., os depoimentos dos Srs. consultores técnicos Q...... (do assistente) e R......., além do comentário de S....... (dos arguidos), e das testemunhas T......, U......, V......, X...... e Y....... Perito, consultores e referidas testemunhas foram inquiridos, peça a peça, pela necessidade que houve de remover dúvidas e abalar fundamentadamente as profundas contradições e discrepâncias existentes entre os comentários escritos e assinados pelos Srs. perito e consultores relativamente a cada uma delas, mormente no que concerne à caracterização e avaliação respectivas. As ditas testemunhas acresceram na prova em causa por terem revelado longa experiência em matéria de antiguidades, sua qualificação e avaliação (Srs. T....., U..... e Y.....), em restauros e identificação de madeiras (Sr. X......) e em preço de construção moderna de réplicas de móveis antigos (Sr. V......), assim podendo contribuir com a sua presumível isenção para melhor esclarecimento dos factos e boa decisão da causa. Com todos eles, o tribunal visou uma discussão contida, profícua e fundamentada acerca de cada uma das peças, em que se pudessem esgrimir argumentos e razões, sem a qual dificilmente chegaria a um veredicto rigoroso, seguro e verdadeiro sobre cada um dos objectos e mesmo sobre a avaliação da relação psicológica entre os arguidos, mormente o arguido B......., e os factos.
E foi assim que no desenrolar de sucessivas e aturadas sessões de audiência o tribunal pôde apreciar a experiência, grau de conhecimentos, isenção e desinteresse de cada um dos depoentes referidos, relativamente à causa, permitindo-se, com a segurança necessária, de entre todos, valorar mais uns depoimentos do que outros, acreditar nuns depoentes e não noutros, ou mais em alguns deles, quanto a cada uma das peças ou matérias em cada momento discutidas, cumprindo assim também uma necessidade que a própria defesa do arguido B....... considerou de grande importância para a descoberta da verdade, como está bem patente na sua contestação criminal junta aos autos ao requerer nova prova pericial. É, pois, altura de dizer que a maior credibilidade reverteu a favor do Sr. perito, nomeado pelo tribunal, com cerca de 20 anos de experiência, do Sr. consultor técnico do assistente, cuja prestação em muito se aproximou e ultrapassou em muitos aspectos a daquele na maioria das peças analisadas, do Sr. U....., do Sr. V....... e do Sr. X......, quer pela isenção, quer pelo nível de conhecimentos demonstrados, sendo que nesta matéria dominou o Sr. consultor Q....... como facilmente todos constataram ao longo do minucioso e prolongado exame dos diversos objectos, fossem eles peças de mobiliário, porcelanas ou mesmo pratas. Na verdade, o Sr. Q...... revelou-se o melhor expert em antiguidades, na sua definição e classificação e também na avaliação que fez de forma exímia. Tem a experiência de vender na prestigiada leiloeira de que é Presidente do Conselho de Administração ("Palácio Correio Velho") cerca de 40 a 50 mil peças por ano, ao longo de muitos anos.
Sempre que se justificou, os depoentes iam sendo confrontados com as fotocópias de catálogos ou de revistas ("Casa e Decoração" e "Casa e Jardim") juntas aos autos, a propósito de cada peça, conjugando a descrição aí feita sobre cada objecto com aquela que o arguido B....... efectuou nos documentos tipo factura que elaborava e entregava à esposa do assistente relativamente a cada venda ou grupo de vendas. Foi notado, nomeadamente, que em muitas dessas descrições fotocopiadas de catálogo, além da utilização de língua inglesa que o casal I1........ não domina e até não conhece --- se fez ablação da palavra estilo ou do preço de saída (ou preço base) de venda na leiloeira onde foram vendidas antes de entrarem na posse e propriedade do arguido B......., não permitindo assim aos menos entendidos, e designadamente aos assistente e esposa, avaliar em função da alegada descrição de catálogo, de que pudesse estar em causa uma peça de estilo, uma réplica, em lugar de uma antiguidade ou de uma peça de época (a peça de estilo corresponde a uma imitação tardia (fora da época) --- cfr. nomeadamente fls. 1151, 1154, 1177, 1184, 1199, 1214, 1223, 1230, 1273. Se a ablação do preço de saída se compreende, o mesmo não acontece com a muito relevante referência à classificação de estilo. Quanto ao alegados catálogos cujas cópias se juntaram aos autos, alguns não passam de cópias de revistas e outros de descrições mais ou menos rigorosas, conforme os casos, das peças neles fotografadas, tendo o Sr. perito L...... e outros esclarecido que a utilização da expressão "peça catalogada" nas facturas é abusiva. Deveria apenas ser ali empregada quando a descrição da peça está contida em documento de carácter técnico-científico ou certificado e não em revistas ou referências escritas de leilão. Não há um único caso em que se justificasse aquela referência.
É por todos aceite que o objecto, para se considerar antigo, tem que ter mais de 100 anos; caso contrário, é velho (usado) ou novo, de valor muitíssimo inferior ao de peça idêntica de época ou antiga. Outro elemento importante, mas não decisivo, foi a análise minuciosa da agenda apreendida ao arguido B....... no decurso da audiência, depois do mesmo, a custo, ter decifrado a sigla EDGARlNHOS (= 1 2 3 4 5 6 7 8 9 O) com que agia no seu comércio, sob a qual ali e nos documentos tipo factura que entregava aos assistentes, descrevia valores pecuniários diversos, designadamente preços que poderão ser de restauro, transporte, aquisição e venda de cada peça em causa. Apenas o arguido conhecia a sua sigla, decisiva na manutenção do segredo dos preços do seu comércio. É de salientar que foi precisamente no âmbito da discussão dos valores inscritos na agenda e nos referidos papéis que entregava à esposa do assistente e onde descrevia a peça e utilizava a sigla, que declarou não desejar prestar mais declarações em audiência, depois de confusamente tentar negar (invocando comissões) que valores determinados ali constantes em sigla não correspondem ao preço de custo, para ele, de cada uma das peças que vendeu aos assistentes. Embora não possamos concluir que o arguido adulterou a agenda quando, em audiência, após o despacho que determinou a sua apreensão e antes da apreensão efectiva, se autorizou o pedido de consulta da agenda pela defesa para retirar alguns elementos relativos a outros actos do seu comércio (que aqui não se discutem), certo é que a mesma se encontra muito rasurada nas siglas utilizadas. A título meramente ilustrativo: --- Quanto à peça nº 12, na agenda consta "S.ANHIOS" (isto é, 04.786.690$00) e, no documento tipo factura consta "NHIOS" (isto é, 78.690$00). Na agenda, claramente, o S passou a A (no lugar do A passou a estar um S) e foi acrescentado um novo S à esquerda. Assim, o preço de compra da peça pode ter sido de esc.78.690$00. --- Quanto à peça nº 51, na agenda consta "SEGHR.SSS" (isto é, 01.385.000$00 e, no documento tipo factura consta "GHR.SSS" (isto é, 385.000$00). Na agenda foi claramente acrescentada a letra E. Assim, o preço de compra da peça pode ter sido de esc.385.000$00. --- Quanto à peça nº 57, na agenda consta "S.IOR.SSS" (isto é, 0695.000$00) e, no documento tipo factura consta "ORSSS" (isto é, 95.000$00). Na agenda foi claramente acrescentada a letra I. Assim, o preço de compra da peça pode ter sido de esc.95.000$00. --- Quanto à peça nº 42, na agenda consta "S.GRHS.GDS" (isto é, 0.3.580.320$00) e, no documento tipo factura consta "ROSGDS" (isto é, 590.320$00). Na agenda pode ter sido acrescentada a letra G. Onde está o G estava um S que foi acrescentado também atrás do G. Assim, o preço de compra da peça pode ter sido "RHS.GDS", ou seja de esc.580.320$00. --- Quanto à peça no 37, na agenda consta "SOGR.OIH" (isto é, 0935.968$00) e, no documento tipo factura consta "DGIOIH" (isto é, 236.968$00). Na agenda o primeiro O era um D. Assim, o preço de compra da peça pode ter sido de esc.235.968$00. --- Quanto às duas peças nº 45, na agenda consta duas vezes "S.D.IAS.SSS" (isto é, duas vezes 2.640.000$00) e, no documento tipo factura consta uma vez "E.GRR.SSS" (isto é, uma vez 1.355.000$00). Na agenda houve rasura. O D foi acrescentado sobre o S à esquerda. Assim, o preço de compra de cada uma das peças pode ter sido "S.IAS.SSS" ou seja, o total de esc.l.280.000$00. --- Quanto à peça nº 28, na agenda consta "SEHOGIS" (isto é, 0189.360$00) e, no documento tipo factura consta "SHOGIS" (isto é, 089.360$00). Na agenda há rasuras. Onde está o E pode ser um G. Neste caso seria 389.360$00. Porém, na agenda, no lugar do E ou G havia um S e foi acrescentado um S à esquerda. Logo, o valor da agenda seria de "SHOGIS" (89.360$00), o mesmo valor que consta da cópia. --- Quanto à peça nº 27, imediatamente antes da descrição do espelho, está descrição muito idêntica, curiosamente com o mesmo número de peça (805). Foram ali rasuradas a medida do espelho e o seu peso. Onde estava 93x67 passou a estar 98x87 e onde estava o peso de3,200 kg passou a estar 2,200 kg. Aquelas medidas e peso correspondem a este espelho. Logo, o registo inferior pode ser falso. Ao registo anterior, possivelmente o real, corresponde a sigla "DSI.HDS", semelhante ao do documento tipo factura, ou sejam, esc.260. 820$00. --- Quanto à peça nº 17, na agenda consta "SRSR.SSS" (isto é, 0505.000$00) e, no documento tipo factura consta "ESRSSS" (isto é, 105.000$00). Na agenda há rasuras fortes. Na realidade, tudo indica que o que lá está poderia ser o valor da factura (ESR.SSS). --- Quanto à peça nº 20, na agenda consta "S.ORS.SSS" (isto é, 950.000$00) e, no documento tipo factura consta "ARS.SSS" (isto é, 450.000$00). Na agenda há rasura. Na realidade, tudo indica que onde está o O estava um A, podendo o preço de custo ter sido de esc.450.000$00. --- Quanto à peça nº 31, na agenda consta "SEISS.SSS" (isto é, 1.600.000$00) e no documento tipo factura consta "SISS.SSS" (isto é, 600.000$00). Na agenda há rasura. Na realidade, tudo indica que O e foi acrescentado na agenda. --- Quanto à peça nº 31, na agenda consta "SEISS.SSS" (isto é, 1.600.000$00) e, no documento tipo factura consta "SISS.SSS" (isto é, 600.000$00). Na agenda há rasura. Na realidade, tudo indica que O e foi acrescentado na agenda. --- Quanto à peça nº 11, na agenda consta "SONI.SSS" (isto é, 976.000$00) e, no documento tipo factura consta "EHE.SSS" (isto é, 181.000$00). Na agenda há rasura. Na realidade, tudo indica que onde está o O havia letra diferente. Talvez um E; se assim fosse, o preço seria de esc.176.000$00. --- Quanto à peça nº 8, na agenda consta "SEOS.SSS" (isto é, 190.000$00) e, no documento tipo factura consta "GS.SSS" (isto é, 30.000$00). Na agenda, o O está rasurado. Se no lugar do O tivesse existido um G e tivessem sido acrescentados o S e o E à esquerda, o preço teria sido de esc.30.000$00. --- Quanto à peça nº 6, na agenda consta "AAES.IHE" (isto é, 4.460.681 $00) e, no documento tipo factura consta "IES.IHE" (isto é, 610.681$00). Na agenda, o primeiro A terá sido acrescentado e o segundo A terá sido um I, como aparenta ter sido. Assim, tudo seria igual ao que consta naquele documento factura. No que concerne às peças de prata 39 e 53, resulta agora claro das folhas de catálogo juntas e informação prestada directamente pela leiloeira "Z......, Lda." já em sede de audiência que foram ali adquiridas directamente pela "H.......", assim, pela mão do arguido B......., por preços que se situam muito aquém dos praticados na venda pelo mesmo arguido, muito próximos daqueles que terão sido alterados na agenda e que foram inscritos sob a respectiva sigla nos próprios "documentos tipo factura" entregues a J....... Ainda a propósito destas peças e daqui extrapolando para um apreciação global do desempenho do Sr. Perito Judicial e de todos os que, consultores técnico ou não, se pronunciaram peça a peça, como especialistas em antiguidades, é de salientar que foi o Sr. Q.... e o Eng. U...... (também o Perito do Tribunal mas já na audiência, alterando o seu prévio comentário escrito quanto à avaliação) que mais se aproximaram da realidade na avaliação destas peças (curiosamente, indo nalguns casos até um valor ligeiramente acima do suposto custo das mesmas), sendo de desvalorizar principalmente os comentários do Sr. R......, S....., Y....., T..... pela grande discrepância na avaliação). Tais elementos de prova da agenda não foram --- como referimos --- decisivos na fixação da matéria de facto provada. À mesma matéria de facto assente se chegaria sem a consideração da prova emergente da análise e exame crítico da agenda. No entanto, não deixa de ser curioso notar que os valores que emergem do dito exame da agenda se situam muito próximo daqueles que foram indicados em audiência pelo Sr. perito do tribunal, pelo consultor técnico do assistente e pela testemunha Eng. U......, precisamente aqueles que, por outras e diversas razões, já apontadas, nos mereceram melhor credibilidade, deixando prejudicadas outras apreciações da especialidade, em larga medida prestadas principalmente pelo Sr. R....., mas também pelo consultor técnico S...... (no seu comentário escrito), seu pai Sr. T...... e, nalguns casos, mais raros de peças, pelo Sr. Y...... Quanto à expressão "catalogado" nas antiguidades, não quer dizer mais do que a peça respectiva saiu num leilão que a publicitou ou anunciou num catálogo nos termos que dele constam. Não é sinónimo de grande qualidade nem de valorização, havendo leiloeiras mais e menos exigentes, mais e menos rigorosas ou completas na descrição relativamente às peças que colocam à venda, sendo obrigação de todas e de cada uma ser o mais rigoroso possível na identificação e descrições dos objectos. Neste ponto concordou a generalidade dos antiquários inquiridos. Nenhum dos depoentes credíveis se referiu a qualquer das aquisições de peças como tendo sido um bom investimento. Pelo contrário, foram para a generalidade dos mesmos um péssimo investimento em função da sua falta de qualidade e do preço praticado. Outro testemunho importante foi prestado pela mulher do assistente, J....... Referiu-se às circunstâncias em que conheceu o arguido B....... e a arguida E......., aos laços de amizade que com eles estabeleceu e aprofundou, principalmente com a E....... (que conhece há cerca de 20 anos e com a qual mantinha relações de grande intimidade), às conversas que com eles mantinha, impressões e influências que deles colhia no âmbito das aquisições das peças em causa e outras que também comprou ao B....... no mesmo período de tempo. Era também ela que, com a anuência do marido e ora assistente, I........, recebia os documentos tipo factura, as fotocópias de catálogos (quase sempre em inglês ou em castelhano, línguas que desconhecia, apresentados como se fossem um certificado especial de garantia e qualidade) e revistas e os preços das peças do arguido, efectuava os pagamentos dos mesmos por meio de cheques sacados sobre conta de que o marido também era titular, muitas vezes com entregas parciais e sucessivas de valores pecuniários, a qualquer dos arguidos, encarregando-se a arguida E....... de os entregar ao B........ Mostrou a sua ignorância e da família em matéria de antiguidades e que disso estavam os arguidos perfeitamente cientes. Acrescentou que foi influenciada pela E....... no sentido de que era bom investir em antiguidades e que o B....... era um dos poucos antiquários em que poderia confiar na aquisição de peças antigas, sendo o melhor antiquário do norte do país. Demonstrou que tinha uma confiança cega na arguida que lhe ia dizendo que as peças eram boas e, por via desta e da amizade, também grande confiança na pessoa do B....... que nada lhe acrescentava de concreto quanto à classificação das peças para além do que fazia constar das facturas senão que eram "boas" e "bonitas" e outras expressões conclusivas. A primeira abordagem que teve com a maioria de cada uma das peças foi na sua própria residência, onde o arguido as colocava para escolha tendo ido à loja apenas três ou quatro vezes. Em tudo o seu depoimento se mostrou com sentido lógico e verdadeiro apesar de ser igualmente prejudicada, juntamente como seu marido, assistente. Por seu turno o I......... prestou também declarações, mas não só revelou a sua ignorância em matéria de antiguidades, como mostrou bem claro que, sendo ele quem, através da sua empresa obteve todos os meios de pagamento das peças adquiridas, delegou na esposa e nela confiou a escolha das peças, a decoração da casa, os pagamentos dos preços, confiando também que em função das relações que mantinham com os arguidos, estaria a fazer um bom negócio e que a J...... não seria enganada. Nunca contactou com a E....... ou com o B....... a propósito das peças que ia adquirindo com a esposa, para a sua residência e para a residência dos dois filhos (N...... e M........). Desconhece quanto pagaram ao arguido B....... e que valores de preços deixaram de pagar por parte das peças fornecidas pelo arguido. Referiu-se à forma como começaram a suspeitar que os móveis e outras peças não correspondiam ao que quiseram adquirir e que o arguido dizia estar a vender.
N..... e M......, filhos do assistente e da esposa, foram também destinatários de partes das peças em causa, pagas e oferecidas pelos pais (apesar de alguns documentos tipo factura se encontrarem em nome do M......) e colocadas nas suas residências pelo arguido B......., entre outras que, a seu tempo, rejeitaram por delas não gostarem. Confirmaram as relações que mantinham com os arguidos e aquelas que existiam entre os pais e os mesmos arguidos ao longo de muitos anos. A E....... decorou também a residência da N...... mas não a residência do irmão, na qual interveio a decoradora P....... Confirmaram a grande influência que a arguida E....... exercia sobre a mãe no sentido de adquirirem peças ao genro. Os seus depoimentos em tudo se mostraram rigorosos e isentos, sendo desconhecedores dos preços que os pais estavam a pagar pelas peças, incluindo aquelas de que beneficiaram. Referiram-se ao papel da E....... como decoradora, não a associando ao arguido nas vendas dos objectos, mas também à confiança que ela lhes inspirava pelos fortes laços de amizade que a ligava aos pais. Confirmaram que os arguidos sabiam bem que a família I1........ queria comprar antiguidades e revelaram a pressão do arguido para que adquirissem determinadas peças que ia colocando nas suas residência, para escolha. Não tinham a noção dos valores e dos preços que as peças valiam e que os pais estavam a pagar. Tal como mãe o fizera ao longo do seu depoimento, referiram-se particularmente a algumas das peças em causa, as que melhor conhecem e às circunstâncias em que sugiram dúvidas sobre os mesmos objectos. Nenhuma documentação lhes era entregue pelo arguido que se limitava a uma pequena, conclusiva e elogiosa explicação, sobre cada móvel ou outras peças que vendeu para as residências dos filhos do assistente de modo a convencê-los a ficarem com elas. Admitiram que a E....... não soubesse distinguir uma peça antiga ou de época de uma sua réplica embora fosse mais entendida do que eles próprios e os seus pais. Foi ela que criou e desenvolveu neles e, em especial na mãe, o gosto pelas antiguidades. Pronunciaram-se sobre cada uma das peças que foram vendidas para as suas residências referindo, tanto quanto se recordaram, dos contactos com os arguidos a propósito de cada uma delas. Conheceram melhor o B....... por ocasião dos casamentos deles, para os quais aquele foi convidado. A testemunha P......, decoradora há mais de 30 anos, actualmente famosa, interveniente na decoração da casa do Dr. M........., sabia que o seu cliente queria móveis antigos e bons e viu as várias peças do B......., deu a sua opinião estética sobre os mesmos, na altura e em audiência, teceu considerações gerais sobre decoração no sentido de ajudar a compreender o papel da E......., mas não percebe de antiguidades. K...... é empregada doméstica da D. J...... desde há cerca de 16 anos. Referiu-se à remodelação da casa da sua empregadora com os móveis em causa, entre outros, sabia que era vontade da D. J......ter peças de antiguidade e fazer um bom investimento. Definiu a relação daquela com a arguida E....... (de grande amizade e intimidade) e com o arguido B......., assim como o aparente desinteresse e ausência do assistente, na fábrica da família, que confiava na esposa. Foi também assistindo e mais se referiu à reacção do assistente e da esposa quando foram informados e se foram convencendo de que os móveis não correspondiam ao que pretendiam. Contudo não se ingeria nos assuntos da família nem assistia às conversas do B....... com a D. J..... .
A BA...... é amiga da D. J......sendo esta sua cliente há cerca de 22 anos. Conhece também a arguida E........ Referiu-se às conversas que ia mantendo com a D. J......que se lhe referia com alegria e satisfação a cada uma das peças que ia comprando convencida da sua grande qualidade e antiguidade. Mais ouviu os desabafos dela e viu o seu mal-estar psicológico quando se apercebeu de que as peças não correspondiam às características e qualidade que almejava e que convencidamente adquirira. Exerce a sua actividade nas proximidades do estabelecimento do arguido B....... e sempre esteve convencida que ele é comerciante de antiguidades, desconhecendo que ele se dedique à decoração. BB....... é cabeleireiro, marido da testemunha anterior, conhece a D. J......., do seu salão, há mais de 10 anos. Sendo marido da testemunha anterior, depôs em sentido e com conhecimento semelhante ao dela, embora menos pormenorizado por não ter uma relação tão próxima com ela. Chegou a apreciar o "à vontade" com que a arguida E....... se movimentava na residência da D. J......, sabendo que aquela estava ligada à decoração de interiores. Mostrou conhecer muito bem o arguido desde há muitos anos tendo-o inquestionavelmente como antiquário. A testemunha BC...... é comerciante de antiguidades e é o presidente da Associação de Antiquários do Norte. Não conhece as peças em causa mas conhece o arguido B....... que tem como antiquário, sendo, aliás, sócio da mesma associação. Referiu-se aos princípios deontológicos a seguir pelos antiquários no exercício da sua actividade, sob pena de expulsão da associação. BD...... é professor universitário e antiquário no Porto, especialista em porcelanas. É conhecedor do arguido B....... há mais de 20 anos, da sua loja há cerca de 6 anos e tem-no como decorador e antiquário. Referiu-se sobretudo aos princípios deontológicos a que deve obedecer a actividade de antiquário, não hesitando em referir que não vende peças sobre as quais possa ter dúvidas e que os antiquários devem informar os clientes sobre todas as características das peças que lhes vendem e que o arguido, pela sua experiência, não pode deixar de conhecer as peças que está a vender. À deontologia do antiquário e comerciante de antiguidades se referiu também a generalidade dos antiquários inquiridos, incluindo o Sr. perito e os consultores técnicos, e, bem assim a testemunha Y...... em especial no final do seu depoimento, em sentido essencialmente coincidente com o da testemunha BD....... Em são critério cada factura deve conter referência expressa a "nova" sempre que o antiquário venda peça nova e deve interrogar-se expressamente qualquer dúvida na sua classificação. Foi claro, o Sr. Perito, ao referir que se surgem por vezes peças raras e de difícil avaliação e que não foi o que aconteceu, seguramente, com nenhuma das peças dos autos. Esclareceram os especialistas que se referiram às peças, uma a uma, que os valores que estavam a dar são os valores actuais das mesmas, sendo eles ligeiramente inferiores nas datas das respectivas vendas em função da desvalorização monetária. BE......, irmã de J...... referiu-se às relações entre elas existente e delas com a arguida E....... e com o arguido B......., pois também esta testemunha lhe adquiriu muitas peças alegadamente antigas e valiosas em circunstâncias semelhantes às da irmã. Também era amiga da E....... há mais de 20 anos, sabendo esta e o B....... perfeitamente o que a família I1........ pretendia adquirir (antiguidades). O arguido B......., numa postura inicial aparentemente colaborante, aceitou as vendas das peças em causa alegando o seu convencimento de que se tratava de peças de excelente qualidade, na sua maior parte antigas e de época, tendo-as adquirido como tal. Mais declarou sobre a sua situação económica e social que considerou boas, confirmando a seu direito de propriedade sobre uma valiosa quinta rural e uma excelente colecção de mais de 20 automóveis antigos que vai trocando, adquirindo e vendendo, de que fazem parte, entre outras, veículos das marcas Ferrari e Rolls Royce, ilustradas com a sua intensa actividade como antiquário e decorador há cerca de 30 anos, 15 deles (os últimos) estabelecido. Referiu conhecer a E....... há cerca de 40 anos e referiu-se a ela como a decoradora da casa do casal I1........ e da casa da filha destes, ter por função estética adequar o mobiliário aos diversos espaços, escolher tecidos e afinar pormenores relativos aos sofás, cortinados, etc. Negou o envolvimento da mesma no negócio das peças aqui em causa, nomeadamente que conhecesse os preços praticados e a classificação das mesmas. Reconheceu que a família I1........ era o seu melhor cliente da época e que cada vez desejavam mais que as peças fossem raras e especiais. Tentou, com apelo à sua grande experiência no mercado de antiguidades, convencer o Tribunal de que as peças que vendeu ao assistente valem os preços que cobrou ou visava cobrar e têm as características que para elas apontou. Porém, remeteu-se ao silêncio quando, por força da decifração da sigla "EDGARINHOS" e das de mais provas produzidas, se apercebeu da fragilidade da sua defesa, passando, desde então, a tentar demonstrar que aquela experiência era relativa à actividade de decoração e não ao mercado de antiguidades. Contudo, também esta nova e contraditória postura não vingou perante a evidência de várias prestações testemunhais que foram claras, precisas e explicadas no sentido de que era larga a experiência do arguido no mercado de antiguidades, com grande volume de negócio, bem patente na ocupação dos melhores pavilhões das diversas e melhores feiras de antiguidades nas quais manifestava gosto e experiência, não constando nunca a rejeição, pela direcção das exposições, de qualquer peça destinada a expor, por falta de qualidade ou antiguidade. Por outro lado o arguido era associado de duas associações nacionais de antiquários (não de decoradores), quais sejam, a "APA" (Associação Portuguesa de Antiquários) e a "ADANP" (Associação dos Antiquários do Norte de Portugal)." Também dos sucessivos números da revista "Casa e Jardim" juntos aos autos, onde o arguido anunciava o seu comércio de antiguidades e decoração com periodicidade, resulta bem a sua larga experiência em antiguidades, experiência essa que, em termos objectivos, é manifestamente incompatível com o desconhecimento das principais características, qualidades e idades aproximadas das peças que vendeu ao assistente, designadamente se eram novas ou antigas, de época ou de fora de época e respectivos valores. BF...... é comerciante de antiguidades, no Porto, referiu-se às relações comerciais que o seu pai, também antiquário, já mantinha com o arguido, chegando mesmo a dizer que este já tem loja há mais de 30 anos. Referiu-se, assim, à larga experiência do B....... e também aos princípios deontológicos do antiquário e ao seu dever de informação dos clientes sobre o que tem à venda. BG...... é também comerciante de antiguidades no Porto e conhece o arguido há cerca de 30 anos, quer como antiquário, quer como decorador. Conhece também a E......., como decoradora. BH...... é ourives no Porto e mostrou conhecer o arguido e a E......., mas nunca esteve na loja daquele. Teceu considerações relevantes sobre a identificação e classificação das pratas. BI........ é empresário da comunicação social, sócio-gerente e maioritário da sociedade proprietária da revista "Casa e Jardim", teceu considerações relevantes sobre a actividade de comércio de antiguidades do arguido e o seu relacionamento com a revista, como cliente de publicidade desde há muitos anos. Referiu, à semelhança de outras testemunhas que o arguido, prestigiado antiquário, levou sempre para as mais importantes feiras de antiguidades apenas peças antigas de grande valor e qualidade, de onde também resulta a sua experiência e capacidade de classificação e avaliação das peças antigas. BJ......, cunhado da E....... e tio por afinidade do arguido, referiu-se à grande competência do B....... como antiquário --- "talvez o melhor do país", sic --- e actividades de decoração da arguida. O seu depoimento valeu na medida em que se mostrou isento, também quanto à capacidade económica e financeira do arguido, e não colidiu com o conjunto dos factos demonstrados por outros melhores meios de prova. BL........, mostrou conhecer a arguida desde há 18 ou 20 anos e, também a família I1........ há alguns anos. Refere a E....... como decoradora à qual recorre para decorar, encaminhando-a designadamente para as amigas. BM...... é também amiga da arguida E....... há alguns anos, que é decoradora, estabelecida com loja aberta no Porto. Pensa que os seus conhecimentos de antiguidades sejam meramente superficiais. A situação económica da E....... é, em seu critério, boa, vive bem e é decoradora muito competente. Por último BN......., arquitecto e amigo pessoal do B....... desde há mais de 20 anos. Frequenta a loja dele mas nunca trabalhou com ele, apenas o indicando como decorador a diversas pessoas. Referiu-se ainda à situação familiar e social do arguido.
De todo o vasto conjunto de factos objectivos se extraiu facilmente a conclusão de que agiu com forte intenção de enganar a família I1........ e de enriquecer à custa do seu património, nomeadamente fazendo passar por antigo o que sabia não o ser.
Como resulta do exposto, foram ponderados os documentos juntos aos autos e examinados em audiência, nomeadamente os de fls. 80 a 93, 94 a 119, 120 a 130, 131 a 184, 220 a 222, 231 a 256, 262 a 366, 485 a 494, 499 a 518 (comentário do consultor R.......), 520 a 529 (relatório do consultor BO.....), 543 e 544 (certificados de registo criminal dos arguidos), 645, 646 a 654, 655 e segs., 843 e segs., 1108 a 1277 nas partes correspondentes a fotografias de peças, descrições de revistas ou catálogos, facturas e traduções, 1454 a 1468, 1475 a 1486, 1509 a 1511, 1518 a 1529, 1578 a 1581 (bem revelador da boa fé e qualidade da avaliação efectuada pelo Sr. consultor Q....... e do demérito dos demais consultores, atento os valores encontrados, em especial em matéria de pratas), 1615 a 1619 (pese embora a sua falta de interesse), 1657, 1736 a 2117 (este com especial importância no apuramento das peças pagas e não pagas), 2122 a 2129 (sem especial relevância por se tratar de peças que não estão em causa nos autos; aliás, à semelhança de outros), 2175 e segs., 2258, 2406, 2464 a 2476 (fotografias ilustrativas da grande amizade, convívio e confiança existentes ao longo de grande período de tempo entre a família I1........, a arguida E....... e também com o arguido B......., este desde tempos mais recentes), 2487 e certidão de fls. 2610 (que constituindo também um relatório de classificação de peças elaborado noutros autos, refere-se a algumas delas aqui também em causa e acentua bem o demérito de algumas das pessoas inquiridas na audiência, em especial o Sr. R......... e do Sr. T......). Foi, nos termos referidos, examinada a agenda do arguido B......., apreendida em audiência e integralmente fotocopiada em volume apenso. Todos os que depuseram com conhecimento da relação de amizade e confiança entre a arguida E....... e a J...... foram peremptórios em demonstrar que se tratava de uma relação antiga e muito sólida e íntima, dando-se elas como irmãs. A arguida tinha, contudo, um inegável ascendente de influência sobre J......, dado o seu especial sentido estético e o interesse e admiração que despertava nela. Foi a E....... que promoveu e desenvolveu na família I1........ o gosto pelas antiguidades. Todas as testemunhas e o próprio assistente depuseram de modo que se mostrou isento e verdadeiro, convergindo os seus depoimentos nas matérias essenciais, com excepção dos comentários e depoimentos prestados em audiência pelos consultores R...... e S...... e pelas testemunhas T...... e, por vezes, também Y......., relativamente aos quais foi notório o sentido de defesa dos interesses do arguido e de branqueamento da sua conduta. Em síntese, a convicção do Tribunal Colectivo baseou-se no conjunto das provas produzidas em audiência – documental, pericial e testemunhal, não esquecendo as declarações do arguido enquanto as desejou prestar – na medida em que formou um todo lógico e coerente de verdade a partir da conjugação crítica daquelas provas, expurgando o que se referiu e foi definitivamente abalado por melhor (mais sólida, explicada, fundamentada, e confirmada) prova.

2.2. Matéria de direito
Para julgamento nesta Relação, estão interpostos 4 recursos: (i) do despacho de fls. 1018, que indeferiu um pedido de reapreciação da constituição de assistente; (ii) do despacho de fls. 2583, que comunicou ao arguido a eventual alteração da matéria de facto constante da pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 358º, 1 do C. P. Penal; (iii) do despacho de fls. 2685, que comunicou ao arguido a eventual alteração da matéria de facto constante da pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 358º, 1 do C. P. Penal e (iv) da decisão final.

Apreciaremos os recursos, pela respectiva ordem de interposição.

(i) Recurso do despacho de fls. 1018, que indeferiu um pedido de reapreciação da constituição de assistente.

Por despacho de 11 de Fevereiro de 1999, proferido a fls. 188, foi admitido a intervir como assistente I.......... .

No início da audiência de discussão e julgamento (fls. 1018), o arguido B.......requereu a reapreciação desse despacho. Por despacho datado de 02/05/2001 (fls. 1071), foi indeferido tal requerimento, “por falta de fundamento de facto e de direito e ainda porque extemporâneo”.

Na motivação do recurso, argumenta o arguido que “o despacho de fls. 188, proferido na fase de inquérito, que admitiu I....... a intervir como assistente, não faz caso julgado formal. Do despacho de pronúncia e da análise de cada uma das facturas para que remete decorre que nenhuma das peças compradas o foi pelo I........ O pagamento pode ser efectuado por qualquer terceiro, o que não lhe confere a qualidade de comprador. “Ofendido” não é qualquer pessoa prejudicada com a comissão do crime, mas unicamente o titular do interesse que constitui o objecto imediato do crime.”.

Julgamos que o recurso deve ser julgado improcedente, uma vez que o referido I........ é marido de J......., sendo esta a pessoa que adquiriu as peças em causa nos autos, para decoração da casa de ambos, ou de uma filha também de ambos.

O requerente aparece, neste caso, não como um qualquer terceiro a pagar dívidas de outrem, mas a pagar em nome próprio peças destinadas ao uso pessoal do casal ou da filha. Se as peças não tinham o valor efectivamente pago, foi ele também (juntamente com sua mulher e filha) o prejudicado.

Tem por isso, e de forma manifesta, legitimidade para intervir nos autos como assistente, uma vez que é titular do património prejudicado com o comportamento ilícito do arguido – cfr. art. 68º, 1, al. a) do C.P.Penal.

(ii) Recurso do despacho de fls. 2583, que comunicou ao arguido a eventual alteração da matéria de facto constante da pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 358º, 1 do C. P. Penal;
Neste recurso, o arguido levanta, três questões:
“1ª Questão
1. Os factos aditados não são novos, porquanto estão descritos quer na denúncia, quer nas declarações de J...... e família, seja no inquérito, seja na instrução;
2. E, apesar de deles ter tido conhecimento, não foram valorados como relevantes e, por essa razão, não integraram nem a acusação, nem o despacho de pronúncia;
3. Só são considerados novos se, em nenhum momento houve deles anterior conhecimento no processo, quer pelo MP no inquérito, quer pelo JIC na instrução;
4. Não podem, por isso, ser tidos como factos novos em audiência de julgamento, sob pena de se alterar o objecto do processo e com isso fazer-se menos correcta aplicação do disposto no n.º 4 do art. 339 do CPP, enquanto norma que veio definir o objecto do processo.
2ª Questão
5. Ainda que os factos ora aditados fossem novos (e não são) a sua inclusão consubstancia “alteração substancial dos factos” porquanto tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso;
6. É que, por “crime diverso” não pode entender-se tipo de crime diverso.
7. A qualificação jurídica constante da pronúncia até pode ser alterada, o que nunca pode ser alterada é a factualidade que lhe serve de fundamento.
8. O despacho recorrido ao aditar os factos aqui em crise vem imputar ao arguido um crime diverso, na medida em que altera a base de facto trazida a julgamento pela pronúncia.
9. É que não releva a qualificação jurídica constante da pronúncia (burla), mas a factualidade de suporte.
10. Esta factualidade não pode ser alterada se trouxer algo de novo susceptível de preencher os elementos do tipo legal do crime.
11. Só dos factos vertidos na pronúncia cabe ao arguido defender-se e, por isso, o aditamento de factos relevantes para o preenchimento do tipo e que não constavam da pronúncia consubstanciam a noção de crime diverso.
12. Com os factos ora aditados está-se, ex novo, a integrar um elemento essencial do tipo legal de crime por que o arguido vem acusado.
13. Só será “alteração não substancial” quando apenas são acrescentadas circunstâncias explicativas, que nada de novo trazem à estrutura do crime.
14. O despacho em apreço (aditando os facto dele constantes) fez incorrecta aplicação do disposto no art. 358 do CPP.
3ª Questão
15. Ainda que de mera “alteração não substancial” se tratasse, nunca poderiam ser os factos constantes do despacho aditados no momento em que o foram, sob pena de violação flagrante das garantias de defesa do arguido, consagradas no art. 32 da CRP.
16. Ainda que se tenha invocado incorrectamente o disposto no art. 358 do CPP, nunca haveria condições de facto para “… conceder a arguido o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa”.
17. No final de toda a produção de prova que se estendeu ao longo de 34 sessões de julgamento, não é possível exercer o contraditório relativamente a factos surpreendentemente aditados, a não ser com outra estratégia de defesa: nova contestação, renovação de toda a prova, isto é, repetição do julgamento.
18. O fundamento do aditamento de 24/9/02 suporta-se em declarações de J...... e filhos que foram prestadas havia mais de um ano (no início da audiência, em Maio de 2001).
19. O direito de defesa do arguido, face aos factos só agora aditados, não ficaria assegurado com a faculdade prevista no n.º 1 do art. 358 CPP.
20. Finalmente, se dúvidas existirem na definição dos limites dos conceitos de “alteração substancial” e “alteração não substancial”, sempre haveria que lançar mão do princípio “in dubio pro reo” e não aditar tais factos no processo.”

O despacho recorrido é do seguinte teor:
“De entre alguns depoimentos prestados até ao momento nesta audiência de julgamento, nomeadamente por parte de D. J......, seus filhos e sua irmã, resulta matéria de facto nova não constante da pronúncia que, a ser considerada provada, poderá ter relevância para a boa decisão da causa.
Assim, nos termos do art. 358º, n.º 1 do C. P. Penal, o tribunal comunica, nomeadamente aos arguidos, que levará tal alteração em conta para efeitos de prova, para o que se deverão passar a considerar os seguintes factos novos:
«Os arguidos sabiam que a D. J...... e sua família pretendiam adquirir peças de grande qualidade e valor, designadamente antiguidades e que, em qualquer caso, tais aquisições constituíssem um bom investimento»”.

O facto em causa, a nosso ver, não configura uma alteração substancial dos factos, perante a respectiva definição legal. Na verdade, considera-se “alteração substancial dos factos, aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” - cfr. art. 1º, al. f) do CPP. Ora, o conhecimento dos arguidos relativamente à intenção da D. J...... (e família), quanto à compra de antiguidades, não altera o enquadramento jurídico dos factos imputados ao arguido, nem se repercute sobre os respectivos limites mínimos e máximos. Trata-se, sim, de um facto instrumental que pode ajudar a explicar um dos elementos do tipo, “o engano fraudulento”, já todo ele descrito nos autos, relativamente ao crime de burla imputado na acusação.

Não sendo uma alteração substancial de factos, o facto aditado ao “tema do processo” deve ser qualificado como uma “alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia” (art. 358º do CPP).
Assim, para que tal facto pudesse ser atendido, o juiz devia comunicar a referida alteração ao arguido e conceder-lhe, se ele o tivesse requerido, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa – art. 358º, 1 do CPP.
Foi o que fez o Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, pelo que nada há a apontar ao procedimento tomado, para que o facto pudesse ser objecto de prova.

Quanto à oportunidade do despacho recorrido, também nada há a censurar. Do art. 358º, 1 do CPP decorre claramente a possibilidade de ser desencadeada a alteração do objecto do processo “no decurso da audiência”. Ora, o despacho recorrido foi proferido no decurso da audiência, pelo que é evidente que o foi tempestivamente.

Este regime não compromete irremediavelmente as garantias de defesa, sendo pelo contrário um meio de as garantir. Se o facto implicasse – como abstractamente alega o arguido – uma alteração da estratégia de defesa, o arguido podia requerer o tempo estritamente necessário para a preparação da mesma (ou seja, o tempo adequado à prova requerida), perante tal alteração.
Dado que o arguido não requereu a produção de qualquer meio de prova, perante o novo facto, não tem sentido argumentar que a defesa foi prejudicada.

Improcede assim, de forma aliás óbvia, o presente recurso.

(iii) Recurso do despacho de fls. 2685, que comunicou ao arguido a eventual alteração da matéria de facto constante da pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 358º, 1 do C.P.Penal.
Neste recurso, alega o arguido:
“ - O despacho em apreço não altera – seja substancialmente ou não – os factos constantes da pronúncia e, nessa medida, é inócuo e até irrecorrível.
- Porque não é aqui aplicável, foi feita menos correcta aplicação do disposto no art. 358º, 1 do CPP.
- O despacho recorrido, na medida em que afirma que irá ter em conta “as referências probatórias efectuadas”… “essencialmente descritas nos comentários escritos e juntos aos autos”…” sendo certo que ele próprio (perito nomeado) corrigiu em audiência algumas descrições feitas no relatório” está a violar o disposto nos arts. 157 e 163 do CPP
- Isto porque a perícia encontra-se regulada no art. 157 do CPP e nenhum outro tipo de depoimento pode ser havido como meio de prova pericial, como parece entender o despacho em apreço.”

O despacho recorrido é do seguinte teor:

“Como resulta dos autos e, em especial das actas de audiência de julgamento, sobre a natureza, qualidades e características, o valor e outros elementos a que se reporta o relatório pericial subscrito por L......, referiram-se também os consultores técnicos do assistente e das defesas e, bem assim, a pedido dos sujeitos processuais, algumas testemunhas oferecidas pelas acusações e pelas defesas em função dos seus especiais conhecimentos na identificação e caracterização de peças antigas, ou réplicas ou cópias novas das mesmas. A apreciação crítica e contraditada acerca de cada uma das peças pelos ditos intervenientes, perito, consultores técnicos e algumas testemunhas, e da discussão que a mesma proporcionou, caso a caso, resultou da indispensável necessidade de obter um juízo total ou parcialmente seguro sobre cada uma delas (identificação, características e valor), que não obteríamos de outro modo face às contradições manifestadas encontradas entre o relatório pericial e os comentários escritos dos consultores. Por conseguinte, dado o relevo que esta matéria tem para a boa decisão da causa, nos termos do art. 358º, 1 do C.P.Penal, o Tribunal comunica aos arguidos que, como é de esperar, levará, fundamentalmente, em consideração, as referências probatórias efectuadas – conhecidas de todos os intervenientes e essencialmente descritas e juntos aos autos pelos consultores técnicos – que o colectivo julgar credíveis quanto a cada uma das peças em causa, designadamente quanto ao seu valor real (no que o Sr. Perito foi omisso) ainda que isso implique alteração da descrição escrita efectuada pelo perito nomeado, sendo que ele próprio corrigiu em audiência alguma descrições feitas no relatório”.

Este recurso do arguido não tem razão de ser, o que se depreende desde logo da sua conclusão primeira, quando afirma que o despacho é inócuo, uma vez que o mesmo não altera os factos constantes da pronúncia. Tal entendimento fora desde logo expresso pelo arguido na audiência de discussão julgamento, nos seguintes termos: “ (…) Neste contexto parece-nos que o teor do despacho ora proferido é inócuo… (…)”. Apenas para o caso de se entender que o Tribunal Colectivo acrescentará factos novos, “então desde já se interpõe o competente recurso…” – fls. 2687.

A nosso ver o despacho é efectivamente inócuo, não contendo qualquer ilegalidade, nem lesando os interesses de qualquer sujeito processual. Mesmo que o referido despacho pretendesse ser uma comunicação de “alteração não substancial de factos”, só a decisão que efectivamente modificasse os factos da pronúncia poderia conter qualquer nulidade. Visto o despacho em causa como uma declaração de intenção sobre o modo de apreciar a prova, também só o juízo efectivamente feito, considerando provados ou não provados os factos pertinentes, é que pode ser legal ou ilegal. Daí que, também nesta vertente, o despacho seja totalmente inócuo.

Assim e em nosso entender, o despacho de fls. 2687 é irrecorrível, na medida em que não define qualquer situação processual lesiva dos interesses do recorrente, uma vez que não contém qualquer decisão.

(iv) recurso da sentença final.
Os recorrentes levantam inúmeras questões no recurso da decisão final, pelo que seguiremos, na sua apreciação, a ordem das respectivas conclusões, por si resumidas:

Na conclusão a), o recorrente limita-se a afirmar o seu interesse na apreciação dos recursos interlocutórios, o que foi feito nos pontos anteriores.

Na conclusão b), afirma o recorrente que “no momento da leitura do acórdão a prova não se encontrava transcrita e competia ao tribunal a transcrição; a sua falta, antes da leitura do acórdão impede a realização dos direitos de defesa do arguido, na medida em que inviabiliza o seu direito de recorrer em matéria de facto, violando-se, assim, o art. 32 da CRP”.

A transcrição da prova gravada no decurso da audiência de discussão e julgamento não tem que estar feita no momento da leitura do acórdão. O art. 412º, 4 do C.P.Penal diz-nos que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior (provas que impõem decisão diversa da recorrida e as que devem ser renovadas) fazem-se por referência aos suportes magnéticos, havendo lugar a transcrição. Assim, só haverá lugar a transcrição no caso de o recorrente fazer referência, na sua motivação, aos suportes magnéticos donde constam as “provas” que impõem decisão diversa da recorrida e/ou devem ser renovadas. Antes de interposto o recurso, não faz sentido proceder à transcrição da prova gravada, uma vez que pode não chegar a haver recurso, ou o mesmo pode não implicar a transcrição, v.g. por não impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, reportando-se apenas a matéria de direito.
Este regime não viola as garantias de defesa do arguido. Na verdade, se o arguido não pretender recorrer da matéria de facto, não se torna necessário proceder à transcrição da prova. Se o pretender fazer, tem que especificar, por referência aos suportes magnéticos, as “provas que impõem decisão diversa da recorrida”. A inexistência de transcrição, antes desta fase, não impede pois o acesso dos interessados à documentação da prova, permitindo que a mesma seja analisada e ponderada no seu conjunto.
Daí que a falta de transcrição da prova, no momento da leitura do acórdão, não seja ilegal, nem viole o art. 32º, 1 da CRP.

Na conclusão c), o arguido entende que “o Tribunal violou o art. 68 do CPP ao admitir I....... a intervir como assistente, quando resulta inequivocamente dos autos que foi a D. J...... quem procedeu às negociações e transacções, escolhendo e concluindo as compras e procedendo aos pagamentos (facturas juntas aos autos, sem qualquer documento em sentido contrário, designadamente emitidos em nome do assistente ou subscritos por ele – cheques, letras ou recibos), como o demonstra o ponto 51 e facturas juntas, o que impõe a anulação de todo o processado a partir da respectiva admissão”.
Na apreciação do respectivo recurso interlocutório já conhecemos da questão, julgando que o citado I...... tinha legitimidade para se constituir assistente nos autos.

Na conclusão d), diz o arguido: “Não havendo fundamentação da perícia, tão pouco pôde o Tribunal fundamentar a sua decisão, com o que se violaram as normas contidas nos artigos 157 e 163 e, por consequência, o n.º 2 do art. 374 do CPP, constituindo a nulidade prevista no art. 379º, 1, a) do CPP”.

O arguido não tem razão. Da articulação dos arts. 127º (princípio da livre apreciação da prova), 157º e 163º do CPP (prova pericial e seu valor probatório) resulta que a convicção do julgador se sobrepõe à dos peritos. O juiz é o “perito dos peritos”. Apenas se lhe impõe o dever de fundamentar a divergência, sempre que não acolha o juízo pericial (art. 163º, 2 do CPP). Ora, não estando fundamentado o juízo pericial, basta ao juiz fundamentar a sua própria convicção, mesmo que esta seja divergente da pericial.
Tendo o Colectivo fundamentado a sua convicção, nos termos constantes do Acórdão recorrido, não se verifica qualquer nulidade, por violação do art. 163º, 2 do CPP.

Na alínea e), e no seguimento do anteriormente alegado, diz o arguido que “Haverá consequentemente de repetir a prova da perícia – c) do n.º 3 do art. 412 – porquanto, além do mais, esta falta constitui insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que se invoca para os efeitos do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 410º do CPP”.
Esta conclusão fica prejudicada pela inexistência de qualquer nulidade no julgamento dos factos que tinham sido objecto de prova pericial. Por outro lado, não faz sentido a alegada “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício que não ocorre no momento da apreciação da prova, mas no da aplicação do direito aos factos.

Na alínea f), diz o recorrente: “Os pontos de facto que se considera incorrectamente julgados indicados nas 11ª a 47ª conclusões constituem erro notório na apreciação da prova previsto como fundamento de recurso na al. c) do n.º 2 do art. 410º do CPP”.

O arguido/recorrente invoca o erro notório na apreciação da prova, considerando que os pontos de facto incorrectamente julgados decorrem inelutavelmente da prova documental (facturas e folhas de catálogo), que impunha decisão diversa da recorrida, desprezando a prova pericial e entendendo que a prova testemunhal “não releva, nem constitui meio de prova de carácter técnico” (fls. 3360).

O arguido desconsiderou a prova testemunhal, considerando que a mesma não podia ser valorada, ou seja, não podia relevar como meio de prova. E, com este argumento, considerou a matéria de facto incorrectamente julgada. Mas neste aspecto reside, afinal, o seu erro. É que, nos termos do art. 127º do CPP vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo admissível qualquer meio não proibido. A prova testemunhal não era, no caso, proibida. O Tribunal colectivo atendeu não só aos documentos juntos, mas também à prova testemunhal, até para completo esclarecimento da documentação analisada.
Na verdade, logo no início da fundamentação da convicção sobre a matéria de facto, o tribunal esclareceu que “O Tribunal Colectivo formou a sua convicção com base no conjunto das provas produzidas em audiência de julgamento, sendo elas, de um modo geral, as declarações do arguido B........ - a arguida recusou-se a prestá-las - as declarações do Sr. perito L......., com cerca de 20 anos de experiência, e de consultores técnicos indicados pelos sujeitos processuais, no esclarecimento e desenvolvimento dos comentários que cada um deles subscreveu e fez juntar aos autos a propósito de cada uma das peças ou objectos a que se refere o despacho de pronúncia, ainda a partir dos depoimentos testemunhais dos inquiridos e análise dos relatórios, comentários e documentos vários que, sucessivamente, se juntaram ao processo mesmo já em fase de audiência de julgamento.”
Seguiu-se uma pormenorizada explicitação da forma como os diversos meios de prova foram articulados entre si.
“ (…) Quanto à matéria da pronúncia e, em especial, no que respeita à análise ou estudo da natureza, identificação, caracterização e qualificação das 38 peças em causa, destacaram-se, além das declarações do arguido --- que as prestou no início da audiência, remetendo-se posteriormente ao silêncio --- as declarações periciais do Sr. L......, os depoimentos dos Srs. consultores técnicos Q....... (do assistente) e R....., além do comentário de S....... (dos arguidos), e das testemunhas T......., U......, V......, X....... e Y........ Perito, consultores e referidas testemunhas foram inquiridos, peça a peça, pela necessidade que houve de remover dúvidas e abalar fundamentadamente as profundas contradições e discrepâncias existentes entre os comentários escritos e assinados pelos Srs. perito e consultores relativamente a cada uma delas, mormente no que concerne à caracterização e avaliação respectivas. As ditas testemunhas acresceram na prova em causa por terem revelado longa experiência em matéria de antiguidades, sua qualificação e avaliação (Srs. T......, U...... e Y.......), em restauros e identificação de madeiras (Sr. X.......) e em preço de construção moderna de réplicas de móveis antigos (Sr. V......), assim podendo contribuir com a sua presumível isenção para melhor esclarecimento dos factos e boa decisão da causa. Com todos eles, o tribunal visou uma discussão contida, profícua e fundamentada acerca de cada uma das peças, em que se pudessem esgrimir argumentos e razões, sem a qual dificilmente chegaria a um veredicto rigoroso, seguro e verdadeiro sobre cada um dos objectos e mesmo sobre a avaliação da relação psicológica entre os arguidos, mormente o arguido B......., e os factos.
E foi assim que no desenrolar de sucessivas e aturadas sessões de audiência o tribunal pôde apreciar a experiência, grau de conhecimentos, isenção e desinteresse de cada um dos depoentes referidos, relativamente à causa, permitindo-se, com a segurança necessária, de entre todos, valorar mais uns depoimentos do que outros, acreditar nuns depoentes e não noutros, ou mais em alguns deles, quanto a cada uma das peças ou matérias em cada momento discutidas, cumprindo assim também uma necessidade que a própria defesa do arguido B....... considerou de grande importância para a descoberta da verdade, como está bem patente na sua contestação criminal junta aos autos ao requerer nova prova pericial. É, pois, altura de dizer que a maior credibilidade reverteu a favor do Sr. perito, nomeado pelo tribunal, com cerca de 20 anos de experiência, do Sr. consultor técnico do assistente, cuja prestação em muito se aproximou e ultrapassou em muitos aspectos a daquele na maioria das peças analisadas, do Sr. U......, do Sr. V....... e do Sr. X......., quer pela isenção, quer pelo nível de conhecimentos demonstrados, sendo que nesta matéria dominou o Sr. consultor Q........ como facilmente todos constataram ao longo do minucioso e prolongado exame dos diversos objectos, fossem eles peças de mobiliário, porcelanas ou mesmo pratas. Na verdade, o Sr. Q....... revelou-se o melhor expert em antiguidades, na sua definição e classificação e também na avaliação que fez de forma exímia. Tem a experiência de vender na prestigiada leiloeira de que é Presidente do Conselho de Administração ("Palácio Correio Velho") cerca de 40 a 50 mil peças por ano, ao longo de muitos anos.
Sempre que se justificou, os depoentes iam sendo confrontados com as fotocópias de catálogos ou de revistas ("Casa e Decoração" e "Casa e Jardim") juntas aos autos, a propósito de cada peça, conjugando a descrição aí feita sobre cada objecto com aquela que o arguido B....... efectuou nos documentos tipo factura que elaborava e entregava à esposa do assistente relativamente a cada venda ou grupo de vendas. Foi notado, nomeadamente, que em muitas dessas descrições fotocopiadas de catálogo, além da utilização de língua inglesa que o casal I1........ não domina e até não conhece --- se fez ablação da palavra estilo ou do preço de saída (ou preço base) de venda na leiloeira onde foram vendidas antes de entrarem na posse e propriedade do arguido B......., não permitindo assim aos menos entendidos, e designadamente aos assistente e esposa, avaliar em função da alegada descrição de catálogo, de que pudesse estar em causa uma peça de estilo, uma réplica, em lugar de uma antiguidade ou de uma peça de época (a peça de estilo corresponde a uma imitação tardia (fora da época) --- cfr. nomeadamente fls. 1151, 1154, 1177, 1184, 1199, 1214, 1223, 1230, 1273. Se a ablação do preço de saída se compreende, o mesmo não acontece com a muito relevante referência à classificação de estilo. Quanto ao alegados catálogos cujas cópias se juntaram aos autos, alguns não passam de cópias de revistas e outros de descrições mais ou menos rigorosas, conforme os casos, das peças neles fotografadas, tendo o Sr. perito L...... e outros esclarecido que a utilização da expressão "peça catalogada" nas facturas é abusiva. Deveria apenas ser ali empregada quando a descrição da peça está contida em documento de carácter técnico-científico ou certificado e não em revistas ou referências escritas de leilão. Não há um único caso em que se justificasse aquela referência.
É por todos aceite que o objecto, para se considerar antigo, tem que ter mais de 100 anos; caso contrário, é velho (usado) ou novo, de valor muitíssimo inferior ao de peça idêntica de época ou antiga. Outro elemento importante, mas não decisivo, foi a análise minuciosa da agenda apreendida ao arguido B....... no decurso da audiência, depois do mesmo, a custo, ter decifrado a sigla EDGARlNHOS (= 1 2 3 4 5 6 7 8 9 0) com que agia no seu comércio, sob a qual ali e nos documentos tipo factura que entregava aos assistentes, descrevia valores pecuniários diversos, designadamente preços que poderão ser de restauro, transporte, aquisição e venda de cada peça em causa. Apenas o arguido conhecia a sua sigla, decisiva na manutenção do segredo dos preços do seu comércio. É de salientar que foi precisamente no âmbito da discussão dos valores inscritos na agenda e nos referidos papéis que entregava à esposa do assistente e onde descrevia a peça e utilizava a sigla, que declarou não desejar prestar mais declarações em audiência, depois de confusamente tentar negar (invocando comissões) que valores determinados ali constantes em sigla não correspondem ao preço de custo, para ele, de cada uma das peças que vendeu aos assistentes. Embora não possamos concluir que o arguido adulterou a agenda quando, em audiência, após o despacho que determinou a sua apreensão e antes da apreensão efectiva, se autorizou o pedido de consulta da agenda pela defesa para retirar alguns elementos relativos a outros actos do seu comércio (que aqui não se discutem), certo é que a mesma se encontra muito rasurada nas siglas utilizadas. A título meramente ilustrativo: --- Quanto à peça nº 12, na agenda consta "S.ANHIOS" (isto é, 04.786.690$00) e, no documento tipo factura consta "NHIOS" (isto é, 78.690$00). Na agenda, claramente, o S passou a A (no lugar do A passou a estar um S) e foi acrescentado um novo S à esquerda. Assim, o preço de compra da peça pode ter sido de esc.78.690$00. --- Quanto à peça nº 51, na agenda consta "SEGHR.SSS" (isto é, 01.385.000$00 e, no documento tipo factura consta "GHR.SSS" (isto é, 385.000$00). Na agenda foi claramente acrescentada a letra E. Assim, o preço de compra da peça pode ter sido de esc.385.000$00. --- Quanto à peça nº 57, na agenda consta "S.IOR.SSS" (isto é, 0695.000$00) e, no documento tipo factura consta "ORSSS" (isto é, 95.000$00). Na agenda foi claramente acrescentada a letra I. Assim, o preço de compra da peça pode ter sido de esc.95.000$00. --- Quanto à peça nº 42, na agenda consta "S.GRHS.GDS" (isto é, 0.3.580.320$00) e, no documento tipo factura consta "ROSGDS" (isto é, 590.320$00). Na agenda pode ter sido acrescentada a letra G. Onde está o G estava um S que foi acrescentado também atrás do G. Assim, o preço de compra da peça pode ter sido "RHS.GDS", ou seja de esc.580.320$00. --- Quanto à peça no 37, na agenda consta "SOGR.OIH" (isto é, 0935.968$00) e, no documento tipo factura consta "DGIOIH" (isto é, 236.968$00). Na agenda o primeiro O era um D. Assim, o preço de compra da peça pode ter sido de esc.235.968$00. --- Quanto às duas peças nº 45, na agenda consta duas vezes "S.D.IAS.SSS" (isto é, duas vezes 2.640.000$00) e, no documento tipo factura consta uma vez "E.GRR.SSS" (isto é, uma vez 1.355.000$00). Na agenda houve rasura. O D foi acrescentado sobre o S à esquerda. Assim, o preço de compra de cada uma das peças pode ter sido "S.IAS.SSS" ou seja, o total de esc.l.280.000$00. --- Quanto à peça nº 28, na agenda consta "SEHOGIS" (isto é, 0189.360$00) e, no documento tipo factura consta "SHOGIS" (isto é, 089.360$00). Na agenda há rasuras. Onde está o E pode ser um G. Neste caso seria 389.360$00. Porém, na agenda, no lugar do E ou G havia um S e foi acrescentado um S à esquerda. Logo, o valor da agenda seria de "SHOGIS" (89.360$00), o mesmo valor que consta da cópia. --- Quanto à peça nº 27, imediatamente antes da descrição do espelho, está descrição muito idêntica, curiosamente com o mesmo número de peça (805). Foram ali rasuradas a medida do espelho e o seu peso. Onde estava 93x67 passou a estar 98x87 e onde estava o peso de3,200 kg passou a estar 2,200 kg. Aquelas medidas e peso correspondem a este espelho. Logo, o registo inferior pode ser falso. Ao registo anterior, possivelmente o real, corresponde a sigla "DSI.HDS", semelhante ao do documento tipo factura, ou sejam, esc.260. 820$00. --- Quanto à peça nº 17, na agenda consta "SRSR.SSS" (isto é, 0505.000$00) e, no documento tipo factura consta "ESRSSS" (isto é, 105.000$00). Na agenda há rasuras fortes. Na realidade, tudo indica que o que lá está poderia ser o valor da factura (ESR.SSS). --- Quanto à peça nº 20, na agenda consta "S.ORS.SSS" (isto é, 950.000$00) e, no documento tipo factura consta "ARS.SSS" (isto é, 450.000$00). Na agenda há rasura. Na realidade, tudo indica que onde está o O estava um A, podendo o preço de custo ter sido de esc.450.000$00. --- Quanto à peça nº 31, na agenda consta "SEISS.SSS" (isto é, 1.600.000$00) e no documento tipo factura consta "SISS.SSS" (isto é, 600.000$00). Na agenda há rasura. Na realidade, tudo indica que O e foi acrescentado na agenda. --- Quanto à peça nº 31, na agenda consta "SEISS.SSS" (isto é, 1.600.000$00) e, no documento tipo factura consta "SISS.SSS" (isto é, 600.000$00). Na agenda há rasura. Na realidade, tudo indica que O e foi acrescentado na agenda. --- Quanto à peça nº 11, na agenda consta "SONI.SSS" (isto é, 976.000$00) e, no documento tipo factura consta "EHE.SSS" (isto é, 181.000$00). Na agenda há rasura. Na realidade, tudo indica que onde está o O havia letra diferente. Talvez um E; se assim fosse, o preço seria de esc.176.000$00. --- Quanto à peça nº 8, na agenda consta "SEOS.SSS" (isto é, 190.000$00) e, no documento tipo factura consta "GS.SSS" (isto é, 30.000$00). Na agenda, o O está rasurado. Se no lugar do O tivesse existido um G e tivessem sido acrescentados o S e o E à esquerda, o preço teria sido de esc.30.000$00. --- Quanto à peça nº 6, na agenda consta "AAES.IHE" (isto é, 4.460.681 $00) e, no documento tipo factura consta "IES.IHE" (isto é, 610.681$00). Na agenda, o primeiro A terá sido acrescentado e o segundo A terá sido um I, como aparenta ter sido. Assim, tudo seria igual ao que consta naquele documento factura. No que concerne às peças de prata 39 e 53, resulta agora claro das folhas de catálogo juntas e informação prestada directamente pela leiloeira "Z......, Lda." já em sede de audiência que foram ali adquiridas directamente pela "H.......”, assim, pela mão do arguido B......., por preços que se situam muito aquém dos praticados na venda pelo mesmo arguido, muito próximos daqueles que terão sido alterados na agenda e que foram inscritos sob a respectiva sigla nos próprios "documentos tipo factura" entregues a J....... Ainda a propósito destas peças e daqui extrapolando para um apreciação global do desempenho do Sr. Perito Judicial e de todos os que, consultores técnico ou não, se pronunciaram peça a peça, como especialistas em antiguidades, é de salientar que foi o Sr. Q....... e o Eng. U...... (também o Perito do Tribunal mas já na audiência, alterando o seu prévio comentário escrito quanto à avaliação) que mais se aproximaram da realidade na avaliação destas peças (curiosamente, indo nalguns casos até um valor ligeiramente acima do suposto custo das mesmas), sendo de desvalorizar principalmente os comentários do Sr. R......, S......., Y......, T....... pela grande discrepância na avaliação). Tais elementos de prova da agenda não foram --- como referimos --- decisivos na fixação da matéria de facto provada. À mesma matéria de facto assente se chegaria sem a consideração da prova emergente da análise e exame crítico da agenda. No entanto, não deixa de ser curioso notar que os valores que emergem do dito exame da agenda se situam muito próximo daqueles que foram indicados em audiência pelo Sr. perito do tribunal, pelo consultor técnico do assistente e pela testemunha Eng. U....., precisamente aqueles que, por outras e diversas razões, já apontadas, nos mereceram melhor credibilidade, deixando prejudicadas outras apreciações da especialidade, em larga medida prestadas principalmente pelo Sr. R......, mas também pelo consultor técnico S...... (no seu comentário escrito), seu pai Sr. T....... e, nalguns casos, mais raros de peças, pelo Sr. Y....... Quanto à expressão "catalogado" nas antiguidades, não quer dizer mais do que a peça respectiva saiu num leilão que a publicitou ou anunciou num catálogo nos termos que dele constam. Não é sinónimo de grande qualidade nem de valorização, havendo leiloeiras mais e menos exigentes, mais e menos rigorosas ou completas na descrição relativamente às peças que colocam à venda, sendo obrigação de todas e de cada uma ser o mais rigoroso possível na identificação e descrições dos objectos. Neste ponto concordou a generalidade dos antiquários inquiridos. Nenhum dos depoentes credíveis se referiu a qualquer das aquisições de peças como tendo sido um bom investimento. Pelo contrário, foram para a generalidade dos mesmos um péssimo investimento em função da sua falta de qualidade e do preço praticado. Outro testemunho importante foi prestado pela mulher do assistente, J....... Referiu-se às circunstâncias em que conheceu o arguido B....... e a arguida E......., aos laços de amizade que com eles estabeleceu e aprofundou, principalmente com a E....... (que conhece há cerca de 20 anos e com a qual mantinha relações de grande intimidade), às conversas que com eles mantinha, impressões e influências que deles colhia no âmbito das aquisições das peças em causa e outras que também comprou ao B....... no mesmo período de tempo. Era também ela que, com a anuência do marido e ora assistente, I......., recebia os documentos tipo factura, as fotocópias de catálogos (quase sempre em inglês ou em castelhano, línguas que desconhecia, apresentados como se fossem um certificado especial de garantia e qualidade) e revistas e os preços das peças do arguido, efectuava os pagamentos dos mesmos por meio de cheques sacados sobre conta de que o marido também era titular, muitas vezes com entregas parciais e sucessivas de valores pecuniários, a qualquer dos arguidos, encarregando-se a arguida E....... de os entregar ao B........ Mostrou a sua ignorância e da família em matéria de antiguidades e que disso estavam os arguidos perfeitamente cientes. Acrescentou que foi influenciada pela E....... no sentido de que era bom investir em antiguidades e que o B....... era um dos poucos antiquários em que poderia confiar na aquisição de peças antigas, sendo o melhor antiquário do norte do país. Demonstrou que tinha uma confiança cega na arguida que lhe ia dizendo que as peças eram boas e, por via desta e da amizade, também grande confiança na pessoa do B....... que nada lhe acrescentava de concreto quanto à classificação das peças para além do que fazia constar das facturas senão que eram "boas" e "bonitas" e outras expressões conclusivas. A primeira abordagem que teve com a maioria de cada uma das peças foi na sua própria residência, onde o arguido as colocava para escolha tendo ido à loja apenas três ou quatro vezes. Em tudo o seu depoimento se mostrou com sentido lógico e verdadeiro apesar de ser igualmente prejudicada, juntamente como seu marido, assistente. Por seu turno o I....... prestou também declarações, mas não só revelou a sua ignorância em matéria de antiguidades, como mostrou bem claro que, sendo ele quem, através da sua empresa obteve todos os meios de pagamento das peças adquiridas, delegou na esposa e nela confiou a escolha das peças, a decoração da casa, os pagamentos dos preços, confiando também que em função das relações que mantinham com os arguidos, estaria a fazer um bom negócio e que a J...... não seria enganada. Nunca contactou com a E....... ou com o B....... a propósito das peças que ia adquirindo com a esposa, para a sua residência e para a residência dos dois filhos (N...... e M........). Desconhece quanto pagaram ao arguido B....... e que valores de preços deixaram de pagar por parte das peças fornecidas pelo arguido. Referiu-se à forma como começaram a suspeitar que os móveis e outras peças não correspondiam ao que quiseram adquirir e que o arguido dizia estar a vender.
N...... e M......, filhos do assistente e da esposa, foram também destinatários de partes das peças em causa, pagas e oferecidas pelos pais (apesar de alguns documentos tipo factura se encontrarem em nome do M......) e colocadas nas suas residências pelo arguido B......., entre outras que, a seu tempo, rejeitaram por delas não gostarem. Confirmaram as relações que mantinham com os arguidos e aquelas que existiam entre os pais e os mesmos arguidos ao longo de muitos anos. A E....... decorou também a residência da N...... mas não a residência do irmão, na qual interveio a decoradora P........ Confirmaram a grande influência que a arguida E....... exercia sobre a mãe no sentido de adquirirem peças ao genro. Os seus depoimentos em tudo se mostraram rigorosos e isentos, sendo desconhecedores dos preços que os pais estavam a pagar pelas peças, incluindo aquelas de que beneficiaram. Referiram-se ao papel da E....... como decoradora, não a associando ao arguido nas vendas dos objectos, mas também à confiança que ela lhes inspirava pelos fortes laços de amizade que a ligava aos pais. Confirmaram que os arguidos sabiam bem que a família I1........ queria comprar antiguidades e revelaram a pressão do arguido para que adquirissem determinadas peças que ia colocando nas suas residência, para escolha. Não tinham a noção dos valores e dos preços que as peças valiam e que os pais estavam a pagar. Tal como mãe o fizera ao longo do seu depoimento, referiram-se particularmente a algumas das peças em causa, as que melhor conhecem e às circunstâncias em que sugiram dúvidas sobre os mesmos objectos. Nenhuma documentação lhes era entregue pelo arguido que se limitava a uma pequena, conclusiva e elogiosa explicação, sobre cada móvel ou outras peças que vendeu para as residências dos filhos do assistente de modo a convencê-los a ficarem com elas. Admitiram que a E....... não soubesse distinguir uma peça antiga ou de época de uma sua réplica embora fosse mais entendida do que eles próprios e os seus pais. Foi ela que criou e desenvolveu neles e, em especial na mãe, o gosto pelas antiguidades. Pronunciaram-se sobre cada uma das peças que foram vendidas para as suas residências referindo, tanto quanto se recordaram, dos contactos com os arguidos a propósito de cada uma delas. Conheceram melhor o B....... por ocasião dos casamentos deles, para os quais aquele foi convidado. A testemunha P......., decoradora há mais de 30 anos, actualmente famosa, interveniente na decoração da casa do Dr. M......, sabia que o seu cliente queria móveis antigos e bons e viu as várias peças do B......., deu a sua opinião estética sobre os mesmos, na altura e em audiência, teceu considerações gerais sobre decoração no sentido de ajudar a compreender o papel da E......., mas não percebe de antiguidades. K....... é empregada doméstica da D. J...... desde há cerca de 16 anos. Referiu-se à remodelação da casa da sua empregadora com os móveis em causa, entre outros, sabia que era vontade da D. J......ter peças de antiguidade e fazer um bom investimento. Definiu a relação daquela com a arguida E....... (de grande amizade e intimidade) e com o arguido B......., assim como o aparente desinteresse e ausência do assistente, na fábrica da família, que confiava na esposa. Foi também assistindo e mais se referiu à reacção do assistente e da esposa quando foram informados e se foram convencendo de que os móveis não correspondiam ao que pretendiam. Contudo não se ingeria nos assuntos da família nem assistia às conversas do B....... com a D. J..... .
A BA...... é amiga da D. J......sendo esta sua cliente há cerca de 22 anos. Conhece também a arguida E........ Referiu-se às conversas que ia mantendo com a D. J......que se lhe referia com alegria e satisfação a cada uma das peças que ia comprando convencida da sua grande qualidade e antiguidade. Mais ouviu os desabafos dela e viu o seu mal-estar psicológico quando se apercebeu de que as peças não correspondiam às características e qualidade que almejava e que convencidamente adquirira. Exerce a sua actividade nas proximidades do estabelecimento do arguido B....... e sempre esteve convencida que ele é comerciante de antiguidades, desconhecendo que ele se dedique à decoração. BB....... é cabeleireiro, marido da testemunha anterior, conhece a D. J........., do seu salão, há mais de 10 anos. Sendo marido da testemunha anterior, depôs em sentido e com conhecimento semelhante ao dela, embora menos pormenorizado por não ter uma relação tão próxima com ela. Chegou a apreciar o "à vontade" com que a arguida E....... se movimentava na residência da D. J......., sabendo que aquela estava ligada à decoração de interiores. Mostrou conhecer muito bem o arguido desde há muitos anos tendo-o inquestionavelmente como antiquário. A testemunha BC...... é comerciante de antiguidades e é o presidente da Associação de Antiquários do Norte. Não conhece as peças em causa mas conhece o arguido B....... que tem como antiquário, sendo, aliás, sócio da mesma associação. Referiu-se aos princípios deontológicos a seguir pelos antiquários no exercício da sua actividade, sob pena de expulsão da associação. BD...... é professor universitário e antiquário no Porto, especialista em porcelanas. É conhecedor do arguido B....... há mais de 20 anos, da sua loja há cerca de 6 anos e tem-no como decorador e antiquário. Referiu-se sobretudo aos princípios deontológicos a que deve obedecer a actividade de antiquário, não hesitando em referir que não vende peças sobre as quais possa ter dúvidas e que os antiquários devem informar os clientes sobre todas as características das peças que lhes vendem e que o arguido, pela sua experiência, não pode deixar de conhecer as peças que está a vender. À deontologia do antiquário e comerciante de antiguidades se referiu também a generalidade dos antiquários inquiridos, incluindo o Sr. perito e os consultores técnicos, e, bem assim a testemunha Y...... em especial no final do seu depoimento, em sentido essencialmente coincidente com o da testemunha BD....... Em são critério cada factura deve conter referência expressa a "nova" sempre que o antiquário venda peça nova e deve interrogar-se expressamente qualquer dúvida na sua classificação. Foi claro, o Sr. Perito, ao referir que se surgem por vezes peças raras e de difícil avaliação e que não foi o que aconteceu, seguramente, com nenhuma das peças dos autos. Esclareceram os especialistas que se referiram às peças, uma a uma, que os valores que estavam a dar são os valores actuais das mesmas, sendo eles ligeiramente inferiores nas datas das respectivas vendas em função da desvalorização monetária. BE......, irmã de J...... referiu-se às relações entre elas existente e delas com a arguida E....... e com o arguido B......., pois também esta testemunha lhe adquiriu muitas peças alegadamente antigas e valiosas em circunstâncias semelhantes às da irmã. Também era amiga da E....... há mais de 20 anos, sabendo esta e o B....... perfeitamente o que a família I1........ pretendia adquirir (antiguidades). O arguido B......., numa postura inicial aparentemente colaborante, aceitou as vendas das peças em causa alegando o seu convencimento de que se tratava de peças de excelente qualidade, na sua maior parte antigas e de época, tendo-as adquirido como tal. Mais declarou sobre a sua situação económica e social que considerou boas, confirmando a seu direito de propriedade sobre uma valiosa quinta rural e uma excelente colecção de mais de 20 automóveis antigos que vai trocando, adquirindo e vendendo, de que fazem parte, entre outras, veículos das marcas Ferrari e Rolls Royce, ilustradas com a sua intensa actividade como antiquário e decorador há cerca de 30 anos, 15 deles (os últimos) estabelecido. Referiu conhecer a E....... há cerca de 40 anos e referiu-se a ela como a decoradora da casa do casal I1........ e da casa da filha destes, ter por função estética adequar o mobiliário aos diversos espaços, escolher tecidos e afinar pormenores relativos aos sofás, cortinados, etc. Negou o envolvimento da mesma no negócio das peças aqui em causa, nomeadamente que conhecesse os preços praticados e a classificação das mesmas. Reconheceu que a família I1........ era o seu melhor cliente da época e que cada vez desejava mais que as peças fossem raras e especiais. Tentou, com apelo à sua grande experiência no mercado de antiguidades, convencer o Tribunal de que as peças que vendeu ao assistente valem os preços que cobrou ou visava cobrar e têm as características que para elas apontou. Porém, remeteu-se ao silêncio quando, por força da decifração da sigla "EDGARINHOS" e das de mais provas produzidas, se apercebeu da fragilidade da sua defesa, passando, desde então, a tentar demonstrar que aquela experiência era relativa à actividade de decoração e não ao mercado de antiguidades. Contudo, também esta nova e contraditória postura não vingou perante a evidência de várias prestações testemunhais que foram claras, precisas e explicadas no sentido de que era larga a experiência do arguido no mercado de antiguidades, com grande volume de negócio, bem patente na ocupação dos melhores pavilhões das diversas e melhores feiras de antiguidades nas quais manifestava gosto e experiência, não constando nunca a rejeição, pela direcção das exposições, de qualquer peça destinada a expor, por falta de qualidade ou antiguidade. Por outro lado o arguido era associado de duas associações nacionais de antiquários (não de decoradores), quais sejam, a "APA" (Associação Portuguesa de Antiquários) e a "ADANP" (Associação dos Antiquários do Norte de Portugal)." Também dos sucessivos números da revista "Casa e Jardim" juntos aos autos, onde o arguido anunciava o seu comércio de antiguidades e decoração com periodicidade, resulta bem a sua larga experiência em antiguidades, experiência essa que, em termos objectivos, é manifestamente incompatível com o desconhecimento das principais características, qualidades e idades aproximadas das peças que vendeu ao assistente, designadamente se eram novas ou antigas, de época ou de fora de época e respectivos valores. BF...... é comerciante de antiguidades, no Porto, referiu-se às relações comerciais que o seu pai, também antiquário, já mantinha com o arguido, chegando mesmo a dizer que este já tem loja há mais de 30 anos. Referiu-se, assim, à larga experiência do B....... e também aos princípios deontológicos do antiquário e ao seu dever de informação dos clientes sobre o que tem à venda. BG...... é também comerciante de antiguidades no Porto e conhece o arguido há cerca de 30 anos, quer como antiquário, quer como decorador. Conhece também a E......., como decoradora. BH...... é ourives no Porto e mostrou conhecer o arguido e a E......., mas nunca esteve na loja daquele. Teceu considerações relevantes sobre a identificação e classificação das pratas. BI...... é empresário da comunicação social, sócio-gerente e maioritário da sociedade proprietária da revista "Casa e Jardim", teceu considerações relevantes sobre a actividade de comércio de antiguidades do arguido e o seu relacionamento com a revista, como cliente de publicidade desde há muitos anos. Referiu, à semelhança de outras testemunhas que o arguido, prestigiado antiquário, levou sempre para as mais importantes feiras de antiguidades apenas peças antigas de grande valor e qualidade, de onde também resulta a sua experiência e capacidade de classificação e avaliação das peças antigas. BJ....., cunhado da E....... e tio por afinidade do arguido, referiu-se à grande competência do B....... como antiquário --- "talvez o melhor do país", sic --- e actividades de decoração da arguida. O seu depoimento valeu na medida em que se mostrou isento, também quanto à capacidade económica e financeira do arguido, e não colidiu com o conjunto dos factos demonstrados por outros melhores meios de prova. BL....., mostrou conhecer a arguida desde há 18 ou 20 anos e, também a família I1........ há alguns anos. Refere a E....... como decoradora à qual recorre para decorar, encaminhando-a designadamente para as amigas. BM..... é também amiga da arguida E....... há alguns anos, que é decoradora, estabelecida com loja aberta no Porto. Pensa que os seus conhecimentos de antiguidades sejam meramente superficiais. A situação económica da E....... é, em seu critério, boa, vive bem e é decoradora muito competente. Por último BN......, arquitecto e amigo pessoal do B....... desde há mais de 20 anos. Frequenta a loja dele mas nunca trabalhou com ele, apenas o indicando como decorador a diversas pessoas. Referiu-se ainda à situação familiar e social do arguido.
De todo o vasto conjunto de factos objectivos se extraiu facilmente a conclusão de que agiu com forte intenção de enganar a família I1........ e de enriquecer à custa do seu património, nomeadamente fazendo passar por antigo o que sabia não o ser.
Como resulta do exposto, foram ponderados os documentos juntos aos autos e examinados em audiência, nomeadamente os de fls. 80 a93, 94 a 119,120 a 130, 131 a 184, 220 a 222, 231 a 256, 262 a 366, 485 a 494, 499 a 518 (comentário do consultor R.....), 520 a 529 (relatório do consultor BO......), 543 e 544 (certificados de registo criminal dos arguidos), 645, 646 a 654, 655 e segs., 843 e segs., 1108 a 1277 nas partes correspondentes a fotografias de peças, descrições de revistas ou catálogos, facturas e traduções, 1454 a 1468, 1475 a 1486, 1509 a 1511, 1518 a 1529, 1578 a 1581 (bem revelador da boa fé e qualidade da avaliação efectuada pelo Sr. consultor Q...... e do demérito dos demais consultores, atento os valores encontrados, em especial em matéria de pratas), 1615 a 1619 (pese embora a sua falta de interesse), 1657, 1736 a 2117 (este com especial importância no apuramento das peças pagas e não pagas), 2122 a 2129 (sem especial relevância por se tratar de peças que não estão em causa nos autos; aliás, à semelhança de outros), 2175 e segs., 2258, 2406, 2464 a 2476 (fotografias ilustrativas da grande amizade, convívio e confiança existentes ao longo de grande período de tempo entre a família I1........, a arguida E....... e também com o arguido B......., este desde tempos mais recentes), 2487 e certidão de fls. 2610 (que constituindo também um relatório de classificação de peças elaborado noutros autos, refere-se a algumas delas aqui também em causa e acentua bem o demérito de algumas das pessoas inquiridas na audiência, em especial o Sr. R..... e do Sr. T......). Foi, nos termos referidos, examinada a agenda do arguido B......., apreendida em audiência e integralmente fotocopiada em volume apenso. Todos os que depuseram com conhecimento da relação de amizade e confiança entre a arguida E....... e a J...... foram peremptórios em demonstrar que se tratava de uma relação antiga e muito sólida e íntima, dando-se elas como irmãs. A arguida tinha, contudo, um inegável ascendente de influência sobre J......, dado o seu especial sentido estético e o interesse e admiração que despertava nela. Foi a E....... que promoveu e desenvolveu na família I1........ o gosto pelas antiguidades. Todas as testemunhas e o próprio assistente depuseram de modo que se mostrou isento e verdadeiro, convergindo os seus depoimentos nas matérias essenciais, com excepção dos comentários e depoimentos prestados em audiência pelos consultores R...... e S..... e pelas testemunhas T...... e, por vezes, também Y......., relativamente aos quais foi notório o sentido de defesa dos interesses do arguido e de branqueamento da sua conduta. Em síntese, a convicção do Tribunal Colectivo baseou-se no conjunto das provas produzidas em audiência – documental, pericial e testemunhal, não esquecendo as declarações do arguido enquanto as desejou prestar – na medida em que formou um todo lógico e coerente de verdade a partir da conjugação crítica daquelas provas, expurgando o que se referiu e foi definitivamente abalado por melhor (mais sólida, explicada, fundamentada, e confirmada) prova.”

Como se vê, decorre da fundamentação da matéria de facto que foi feita uma análise cuidada e exaustiva de todos os meios de prova.
A tese do arguido, segundo a qual a prova testemunhal não pode relevar, não tem sentido nem apoio legal. O Tribunal apreciou criticamente todos os meios de prova que foram produzidos em audiência e julgou com base nos mesmos e segundo a sua livre convicção.
Daí que se considere improcedente toda a crítica feita ao julgamento da matéria de facto, uma vez que a mesma radicava, no essencial, num pressuposto errado: o da irrelevância da prova testemunhal.

Continua o arguido a sua crítica ao acórdão recorrido, dizendo na al. g) que “os mesmos pontos de facto, na medida em que alteram a pronúncia – e todos eles a alteram – violam as normas contidas nos artigos 358 e 359, causando a nulidade de sentença tal como vem definido na al. b) do n.º 1 do art. 379 do CPP”.
Neste ponto, os recorrentes não concretizam a nulidade arguida. Referem apenas que os pontos de facto (que consideram) incorrectamente julgados (indicados nas conclusões 11ª a 47ª) “na medida em que alteram a pronúncia – e todos eles a alteram – violam os artigos 358º e 359º causando a nulidade da sentença”.
Na apreciação do recurso interlocutório do despacho de fls. 2583, relativo ao facto aditado ao “tema do processo”, de que “os arguidos sabiam que a D. J...... e sua família pretendiam adquirir peças de grande qualidade e valor, designadamente antiguidades e que, em qualquer caso, tais aquisições constituíssem um bom investimento”, já vimos que o memo devia ser qualificado como uma “alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia” (art. 358º do CPP) e não tinha havido, relativamente a tal alteração, qualquer nulidade.
Nenhum outro facto concreto foi invocado pelos recorrentes como tendo sido alterado e, do confronto genérico da matéria dada como provada, com a pronúncia (para além da acima referida), julgamos não ter havido qualquer alteração susceptível de invalidar a decisão.

Na conclusão h), dizem os recorrentes: “Nas conclusões 48ª a 63ª demonstrou-se que na motivação se argumentou com factos não provados apreciando-se questões de que o Tribunal não podia tomar conhecimento uma vez que não eram “factos provados” nem “factos não provados” constituindo nulidade de sentença que haverá que declarar nos termos do disposto na c) do n.º 1 do art. 379º do CPP”.
Os recorrentes insurgem-se aqui contra a “motivação” da decisão proferida sobre matéria de facto. Defendem que, nesta parte da decisão, foram feitas insinuações e imputações que não é justo nem adequado invocar, porque não constam dos factos dados como provados. Em concreto, o arguido insurge-se contra o facto de terem sido tecidos comentários sobre a expressão “catalogada”, uma vez que não se provou que cada peça vendida como “catalogada” não correspondesse à referenciada na respectiva folha de catálogo, não sendo por isso legítimas considerações a esse respeito.
É no entanto evidente que não é assim. A expressão “catalogada” pode ser utilizada num contexto de “boa fé”, nomeadamente quando a tal expressão se dá o devido e real relevo, ou seja, quando se diz que a obra está catalogada, porque faz parte de um catálogo e se explicita que catálogo é esse. Pode ser um catálogo de um leilão, de um coleccionador ou de uma série de obras especiais. A questão não está pois no facto de determinada peça estar ou não catalogada e de esse facto ser ou não verdadeiro, mas na conotação com que tal referência é usada e no valor que se pode associar a essa referência, perante um comprador incauto ou desconhecedor da matéria. Por isso, neste campo, compreendem-se as considerações que o Tribunal colectivo teve por bem fazer, sobre a “boa” ou “má fé” do uso de tal expressão. Também não constitui qualquer injustiça o facto de se ter dito que o arguido (B......) decifrou “a custo” a sigla da agenda aprendida, nem tal comentário tem qualquer relevo na apreciação da causa.

No que se concerne à caracterização e avaliação das peças vendidas, diz o recorrente que as contradições ressaltam por todo o acórdão e ilustram a dúvida que perpassa por todo o texto, designadamente quando o Tribunal refere, na motivação dos factos provados que “… houve de remover dúvidas e abalar fundadamente as profundas contradições e discrepâncias existentes entre os comentários escritos e assinados pelos Srs. Peritos e consultores …”.
Ora, o reconhecimento pelo Tribunal de “profundas contradições e discrepâncias existentes entre os comentários escritos e assinados pelos Srs. Peritos e consultores” não obsta a que o Tribunal tenha acolhido a versão que entendeu provada. Para afastar a convicção do Tribunal, neste particular, seria necessário demonstrar - especificando a prova que impunha decisão diversa - que a mesma não era possível nem plausível, o que o arguido não fez.

Relativamente ao comentário feito no ponto 61 das conclusões (fls.3363), considerando não adequada a reflexão do Tribunal perante a mudança de atitude do arguido, antes e depois de ter sido decifrada a sigla (constante da agenda apreendida) sobre os preços das peças vendidas, pensamos que o mesmo é que é manifestamente inadequado. Na verdade, também constitui “meio de prova” a coerência dos depoimentos, quando prestados livremente. Tentar convencer o Tribunal de que as peças que vendeu ao assistente valiam os preços que cobrou ou visava cobrar e tinham as características que para elas apontou, quando o tribunal não tinha ainda decifrado uma sigla sobre a indicação do valor das peças e remeter-se ao silêncio quando tal sigla foi decifrada (como o fez o arguido), pode ser invocado como mais um meio relevante na formação da convicção.

Na alínea i) do resumo das suas conclusões diz o arguido que, “na apreciação da matéria de facto, ao proceder ao aditamento de factos, violou o disposto nos artigos 358º, 359º, 32º da Constituição, o que constitui nulidade de sentença que deve ser declarada nos termos da citada alínea c) do n.º 1 do art. 379º do C.Penal”.
Já acima vimos que não houve tal violação e, consequentemente, não ocorreu qualquer nulidade.

Na alínea j) defende ainda o arguido que, “ao dar como preenchidos os elementos do tipo legal do crime de burla, o Tribunal violou as normas dos artigos 217 e 218 do C.Penal, porquanto não foram apurados factos passíveis de integrar os conceitos que definem os elementos objectivo e subjectivo do tipo legal”.

Para analisar este ponto, teremos em especial atenção, para além das alegações do arguido, um parecer do Prof. BP......... que o mesmo juntou (fls. 3375 a 3444) defendendo que, no caso dos autos, o arguido B.......... não cometeu o crime de burla por que foi condenado.

Concordamos com o citado parecer (fls. 3437) quando defende que o crime de burla, previsto no art. 217º do Cód. Penal, pode decompor-se nos seguintes elementos:
a) Intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo;
b) Induzindo astuciosamente o ofendido em erro ou engano sobre factos;
c) Determinando, deste modo, o agente passivo à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial.

Também concordamos com a posição aí assumida quanto à necessidade i) de o sujeito passivo ser induzido em erro, astuciosamente provocado e ii) de dolo específico, exigindo a lei uma especial forma de intenção, ou seja, a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.

E também concordamos que para o preenchimento do tipo legal de burla se exige um duplo nexo de causalidade. O erro ou engano da vítima há-de ser causado pela astúcia do burlão (1ª causalidade) e, em virtude desse erro ou engano, a vítima pratica os autos prejudiciais (2ª causalidade).

Finalmente, também concordamos que, para que o crime de burla se verifique, o prejuízo no património do ofendido (ou de terceiro) deve efectivamente verificar-se.

A complexidade do caso dos autos resulta de estarmos num tipo de contratos onde o valor das peças transaccionadas não é fixo, podendo depender até de aspectos subjectivos e puramente afectivos, sendo difícil traçar a fronteira entre um bom negócio e uma burla.

Cientes desta dificuldade, importa recortar com nitidez quais os elementos que, no presente caso, levaram o Tribunal recorrido a considerar que não estava perante uma série de bons negócios do arguido, mas sim perante uma burla.

O Tribunal entendeu verificados os elementos do tipo legal da burla, considerando que “o arguido vendeu vários lotes de peças de mobiliário, pratas, espelhos e porcelanas (…) peças essas falsas por serem imitação de peças antigas, feitas para passar por elas, ou simples imitações novas ou antigas das mesmas, estas tardias ou de fora de época. Tais vendas foram efectuadas apesar do arguido saber que nenhuma destas peças interessava à família I1........ que queria apenas comprar peças de grande valor ou raridade, que constituíssem bom investimento”.
“ (…) O arguido não deu satisfação a este elemento essencial do contrato. Para o efeito enganou, ludibriou a família I1........ com descrições incorrectas, incompletas ou mesmo falsas, inscritas em documentos que apelidou de facturas que não são em boa verdade, catálogos, aproveitando-se da ignorância desta família em matéria de antiguidades (…).”
“Entregava-lhes o que chamava de catálogos de peças como se fossem elementos certificadores de qualidade quando o não eram, catálogos esses dos quais, em muitos casos, fora retirada a palavra “estilo” que distingue a peça de imitação da peça de época e que o arguido assim usou dolosamente para melhor enganar quem ele já sabia desconhecer o mercado de antiguidades e os respectivos preços. Além disso os catálogos eram quase sempre em língua estrangeira, principalmente em inglês, entregues à D. J......, como bem resulta dos autos e que ela não dominava, nem o marido.”
“ (…) O arguido ficava-se pelas meias palavras das facturas, pelo “bom” e “bonito” que alimentava com a influência da arguida, omitindo o dever de informar com correcção que é dever deontológico do antiquário (…) cobrando os preços próprios de peças antigas, ou mesmo superiores, explorando a inocência da família que bem conhecia e onde era estimado, assim enriquecendo abusivamente à sua custa e à medida que lhe iam pagando, vendendo gato por lebre (…)”
“(...) Ainda assim, na sua arte de convencer ainda utilizava referência a expressões como “desconto” ou “especialíssimo desconto” ou “peça rara” quando a raridade a existir era pela negativa e, se desconto havia, o preço praticado era muito superior ao valor da peça vendida, antes semelhante à peça imitada ou descrita, por isso, indiciador de peça valiosa ou antiga aos olhos dos compradores (…)”.

O discurso fundamentador da sentença recorrida está, a nosso ver, correcto. Os factos dados como “provados”, no que agora interessa, mostram uma enorme divergência entre o preço praticado e o valor real dos objectos vendidos. Veja-se a matéria constante dos pontos 8 a 22 (inclusive) dos factos provados, donde resulta, à saciedade, a referida divergência. Assim:
- no ponto 8 (factos provados) foi vendida uma peça pelo preço de Esc. 2.950.000$00, com o valor de cerca de Esc. 1.000.000$00;
- no ponto 10 foi vendida uma peça pelo preço de Es.1.450.000$00, de valor não superior a Esc.300.000$00 ou Esc.400.000$00; pelo preço de Esc.1.350.000$00 foi vendida uma outra peça, sendo o seu valor aproximadamente de Esc.400.000$00; foram ainda vendidas peças pelo preço de Esc. 3.750.000$00, cujo valor não era superior a Esc. 600.000$00;
- no ponto 11 foi vendida, pelo preço de Esc.1.800.000$00, uma peça no valor de Esc.200.000$00;
- no ponto 12 foram vendidas peças pelo preço de Esc.1.350.000$00, com o valor máximo de 400.000$00; pelo preço de 1.350.000$00, com o valor máximo de 400.000$00; pelo preço de Esc.550.000$00, no valor máximo de 250.000$00; pelo preço de Esc. 2.890.000$00, no valor de Esc. 150.000$00; pelo preço de Esc.6.850.000$00, no valor Esc.1.500.000$00; pelo preço de Es.225.000$00, no valor máximo de 50.000$00.
- no ponto 13 foram vendidas duas cómodas pelo preço de Esc.750.000$00, no valor máximo de Esc.200.000$00 o par; foi ainda vendida uma peça pelo preço de Esc.970.000$00, no valor de cerca de Esc. 500.000$00.
- no ponto 14 foi vendida uma peça pelo preço de Esc.2.850.000$00, com o valor máximo de Esc.500.000$00; uma peça pelo preço de Esc. 1.850.0000$00, com valor máximo de 400.000$00; um espelho pelo preço de Esc.680.000$00, com o valor máximo de 180.000$00; um tabuleiro em prata, pelo preço de Esc.650.000$00, com o valor máximo de Esc.200.000$00; uma cómoda, pelo preço de Esc.1.350.000$00, com o valor não superior a Esc.200.000$00; uma secretária, pelo preço de Esc.590.000$00, com o valor máximo de 300.000$00; um contador pelo preço de Esc.4.600.000$00, com o valor máximo de Esc.600.000$00; um espelho pelo preço de Esc.1.550.000$00, com o valor máximo de Esc.400.000$00; dois contadores pelo preço de Esc.6.700.000$00, com o valor máximo de Esc.1.500.000$00; uma mesa pelo preço de Esc.2.850.000$00, com o valor de cerca de Esc.500.000$00; uma salva de prata pelo preço de Esc. 380.000$00, com o valor máximo de 200.000$00.
- no ponto 15 foi vendido um par de candelabros pelo preço de Esc.1.886.000$00, com o valor de peças novas (sendo o preço praticado o de peças de época);
- no ponto 16 foi vendida uma peça pelo preço Esc. de 2.950.000$00, cujo valor máximo é de Esc.700.000$00; um par de saboneteiras por Esc.170.000$00, cujo valor oscila entre 10 e 20 contos; uma mesa pelo preço de Esc.780.000$00, no valor de cerca de Esc.250.000$00; uma cómoda pelo preço de Esc.3.250.000$00, no valor máximo de Esc.600.000$00; um espelho pelo preço de Esc.820.000$00, no valor máximo de Esc.150.000$00; duas mesas pelo preço de Esc.785.000$00, no valor máximo de Esc.80.000$00; um espelho pelo preço de Esc.2.310.000$00, no valor máximo de Esc.350.000$00.
- no ponto 17 foi vendido um par de mesas pelo preço de Esc.720.000$00, no valor máximo de Esc.150.000$00;
- no ponto 18 foi vendida uma mesa pelo preço de Esc.3.680.000$00, no valor máximo de Esc.700.000$00;
- no ponto 19 foi vendida uma “papeleirinha” pelo preço de Esc.6.800.000$00, no valor máximo de Esc.1.500.000$00;
- no ponto 20 foi vendido um par de castiçais pelo preço de Esc.1.850.000$00, no valor máximo de Esc.300.000$00;
- no ponto 21 foi vendido um par de apliques pelo preço de Esc.1.650.000$00, no valor máximo de Esc.400.000$00;
- no ponto 22 foi vendida uma papeleira pelo preço de Esc.7.800.000$00, no valor máximo de Esc.1.000.000$00.

Verifica-se deste modo que o arguido vendeu à mulher do assistente uma grande quantidade de peças, por um preço muito superior ao respectivo valor. E tudo isto foi possível, como se deu como provado no ponto 23, porque os arguidos se aproveitaram da confiança que neles depositavam os ofendidos e utilizavam, nas respectivas “facturas”, uma descrição das peças que não correspondia à realidade, de que se destacam os seguintes exemplos:
- no ponto 8 da matéria de facto refere-se que o arguido vendeu o que denominou ser “1 Contador Indo-Português Capela”, sendo antes um contador “estilo indo-português”, ou seja, uma imitação;
- no ponto 10, b) foi vendida uma “Terrina Companhia das Índias do Século XVIII”, pelo preço de peça perfeita, mas a que faltava a travessa respectiva e com defeito (cabelo no corpo).
- no ponto 12, A 1) é referida a venda de um “Contador Japonês em Pau Rosa do séc. XIX”, e que na realidade é um móvel oriental do séc. XX, novo e não é pau-rosa, o mesmo se passando com a peça referida no mesmo ponto 12, A 2).
- no ponto 12-A, 3) é descrita a venda de “um sofá de três lugares D. João V/D. José, em castanho catalogado”, sendo um canapé de estilo D. João V, em castanho, novo, do séc. XX.
- no ponto 12, 2 é referido um “excepcional contador Japonês em laca Século XVIII, catalogado, está um no Palácio da Ajuda, em Lisboa”, quando na realidade se tratava de um contador pintado assentando em base do séc. XIX, redourada recentemente, sendo o contador do séc. XIX mas muito restaurado.
- no ponto 14-A) 1 é descrita uma peça como sendo “meia cómoda D. José Século XVIII, com 2 gavetas e 2 gavetões”, que se apurou ser uma meia cómoda estilo D. João V, nova, com tampo em pau santo e interiores feitos em madeiras de pinho muito velhas.
- no ponto 20 é descrito um “Par de grandes candelabros em prata inglesa estilo Império com + ou – 3,7 kg” que revelaram tratar-se de um par de castiçais, base de candeeiros, em casquinha inglesa (não são de prata, mas apenas com banho de prata, numa fina película de prata) com enchimento, antigos, não de época, mas estilo Império do final do séc. XIX, modelo neo-clássico de fundição sem cinzel.

O arguido/recorrente B....... sabia – tal como se provou no ponto 24 – que as peças referidas não tinham as características, nem valiam os preços que lhes eram atribuídos nas facturas e que os assistentes e esposa não as comprariam se soubessem que não possuíam tais características e valores”.

Este conjunto de factos demonstra com toda a clareza que foi através de engano astuciosamente provocado que os compradores (assistente e esposa) formaram a sua vontade de contratar. Tendo aqui presentes os elementos (acima referidos) do tipo legal da burla, temos o artifício, a relação causal entre o artifício e o engano (erro) e o nexo causal entre o engano e o prejuízo.

Julgamos assim que o Acórdão recorrido integrou bem o acervo de factos provados no tipo de ilícito da burla.

A crítica ao acórdão, feita no parecer do Prof. BP...... é, salvo o devido respeito, desfocada, pois não atenta na estrutura argumentativa global, mas num esquema da decisão a nosso ver incorrecto. Para o aludido autor, a astúcia do arguido, segundo a sentença, revela-se através de três grupos de factos: a) a supressão da palavra “estilo” dos catálogos; b) a entrega de documentos tipo factura com conteúdo comunicacional não transparente e c) a existência e permanência das peças, por um período de dias, em casa dos compradores.

Vejamos em que termos a crítica feita no aludido parecer procede, analisando os termos em que cada um dos três aspectos focados é criticada.

a) A supressão da palavra “estilo” dos catálogos não consta do elenco dos factos provados, pelo que não poderia ser utilizado tal “facto” na argumentação da decisão, o que implicaria “erro notório na apreciação da prova”.
É patente o equívoco. Se o juiz, na subsunção, usa factos não provados, não há “erro na apreciação da prova”, mas sim um “erro de subsunção”. A diferença é enorme: o “erro notório na apreciação da prova” implica o reenvio do processo para julgamento ou a renovação da prova e o “erro de subsunção” implica apenas a desconsideração do argumento. Assim, não constando da matéria de facto provada que a palavra “estilo” foi suprimida dos catálogos, a consequência é apenas a de não poder usar-se tal facto na subsunção. Isto não quer dizer que não haja engano astucioso. Tal engano astucioso resulta (como acima vimos) dos factos dados como provados e oportunamente analisados: venda por um preço muito mais elevado, simulando características inexistentes, com conhecimento de que só com tal descrição errada o comprador se determinava a negociar. A primeira crítica feita à subsunção é assim, a nosso ver, inconcludente.

b) A entrega de documentos com conteúdo comunicacional não transparente (dizeres do parecer) é posta em causa no referido parecer, por o Tribunal também ter considerado “não provado” em que momentos o arguido B....... entregava as fotocópias de catálogos à esposa do assistente, nomeadamente se o fazia no momento da entrega das respectivas peças ou em momentos posteriores, o mesmo se passando com o documentos tipo factura.
Contudo, o Tribunal deu também como provado que “pelo menos o arguido B....... bem sabia que as peças referidas não tinham as características, nem valiam os preços que lhes eram atribuídos nas facturas e que os assistente e esposa não as comprariam se soubessem que não possuíam tais características e valores – ponto 24 dos factos provados. Este facto ajuda a interpretar o sentido dos factos “não provados” sob as alíneas o) e p), destacados no parecer. Da leitura conjugada dos factos provados e dos referidos não provados resulta que, mesmo sem se ter provado que os catálogos e as facturas eram entregues antes da “venda”, os dizeres aí referidos sobre as características e valor das peças foram determinantes do erro e da deslocação patrimonial. O que releva, para a decisão recorrida, é o significado de tais dizeres sobre as características das peças e não o momento em que o documento com os referidos dizeres era entregue aos compradores. Se estivesse em causa apenas um negócio, entre pessoas desconhecidas, a entrega do documento descritivo das peças poderia ser relevante na ponderação do interessado na compra. Numa relação longa de amizade e confiança, o momento da entrega dos meios comprovativos das características das peças não é relevante. Relevante foi o clima de confiança que permitiu ao arguido convencer os compradores das referidas características e consequente valor das peças. Os documentos respectivos, quer tenham sido entregues antes, quer depois de cada transacção, eram meios de aparente certificação das características das peças. Para a construção do “engano astucioso” não é necessário que a entrega dos documentos seja anterior à determinação negocial. Para haver engano, basta que o enganado esteja convencido das características que o vendedor lhe afirma que o bem possui… Ainda que o vendedor só certifique tais características depois da compra.
Assim, também neste aspecto, nos parece inconcludente a crítica feita à decisão recorrida, no aludido parecer.

c) Finalmente, refere o parecer que “a existência e permanência das peças, por um período de dias, em casa dos compradores” é irrelevante para caracterizar a burla.
Salvo o devido respeito, não é bem assim. Permitir que alguém tenha em sua casa um bem (antiguidade) para se decidir à compra é, de facto, penalmente inócuo. Contudo, a astúcia, neste caso, consistia em criar na vítima um elevado grau de confiança (proporcionando que as peças estivessem em casa dos compradores, “sem compromisso”), pois só através dela era possível convencer o comprador das características e valor das peças. O “desprendimento” do vendedor, permitindo a detenção das peças em casa, é normalmente interpretado também como a exteriorização de “boa fé” e confiança recíproca. Por isso, no caso dos autos, o referido elemento contribuiu, no contexto, para a formação de um estado de espírito receptício ao engano.

Julgamos assim que a subsunção dos factos dados como provados, no tipo de crime da burla, não merece censura.

Diz ainda o arguido - conclusão k) - que “ao deferir o pedido de indemnização civil, o Tribunal violou o disposto nos artigos 197, 3 do C. Sociedades Comerciais, o art. 165º e 500º do C.Civil, o art. 496º do C.Civil e ainda os artigos 408º, 947 e 917 do C.Civil”.
O recorrente B....... diz ter agido como representante da sociedade e, por isso, o pedido cível não podia proceder contra ele. O acórdão recorrido baseou-se nos artigos 165º e 500º do C.Civil, artigos que não são aplicáveis, uma vez que respeitam à responsabilidade pelo risco.
Há nesta alegação um evidente lapso.
O acórdão invocou os artigos 165º e 500º do C. Civil para justificar a responsabilidade civil da sociedade e não do arguido, pelo que não tem sentido a crítica feita. O arguido foi condenado civilmente por ter sido autor de um facto ilícito, nos termos do art. 483º do C. Civil (fls. 2765 dos autos). A sociedade de que era legal representante respondeu, nos termos do art. 500, por força do art. 165º do C. Civil. Ambos foram condenados: o arguido, a título de responsabilidade subjectiva e a sociedade responde “nos mesmos termos”, por força da remissão do art. 165º do C.Civil para o art. 500º do C.Civil. É verdade que a sociedade tem um património autónomo afecto a determinadas dívidas, pelas quais responde só ele. Mas também é verdade que, no caso, o arguido foi condenado a título individual. A condenação é solidária (art. 497º, 1 do C. Civil), com um especial regime de direito de regresso (art. 500º, 2 do C.Civil), podendo a sociedade (caso satisfaça a indemnização) exigir o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte.
Não tem portanto razão de ser a crítica feita ao Acórdão recorrido. A condenação do arguido decorreu da prática, por este, de actos que são simultaneamente ilícito criminal e civil, causadores de dano e, por isso, geradores de responsabilidade civil subjectiva, nos termos do art. 483º do C.Civil.

O recorrente refere também - conclusão l) - que, “ao suspender a execução da pena sob condição, nos termos em que o fez, o Tribunal violou o disposto no art. 51º do C. Penal, uma vez que se impõem obrigações ao arguido cujo cumprimento não se lhe pode exigir com razoabilidade”.
A nosso ver a crítica é infundada.
A obrigação imposta ao arguido traduz-se em pagar aquilo que recebeu dos lesados. Tal obrigação é razoavelmente de exigir. O que não seria razoável era uma solução que não compelisse o arguido à satisfação do prejuízo patrimonial causado. Se é compreensível, neste caso, a suspensão da execução da pena, dado que a mesma permitirá uma plena reintegração social do arguido, sem ter de passar pela prisão, tal compreensão só existe se a vítima for totalmente indemnizada. Trata-se de um crime contra o património e, por isso, o ressarcimento do dano é muito relevante. A ordem jurídica só é plenamente reintegrada com o cumprimento da pena e a satisfação do interesse da vítima.
Daí que, também nesta parte, o recurso não mereça provimento.

Finalmente, diz o arguido - conclusão m) – que, “ao declarar perdidas a favor do Estado as peças objecto dos autos, o tribunal violou o disposto no art. 109º do C.Penal dado que não se verificam os pressupostos da respectiva aplicação”.

Julgamos que o arguido não tem razão.

As peças vendidas aos ofendidos foram determinantes do engano astuciosamente provocado. A astúcia consistiu em fazer crer que tais peças tinham características diferentes. Existe assim o perigo de as mesmas serem de novo utilizadas na prática de crimes de burla.

O art. 109º,1 do C.Penal permite a perda dos objectos “que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico (…) quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso (…) oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.
Tendo em atenção o disposto no citado art. 109º,1 CP, bem andou a decisão recorrida, considerando que as peças apreendidas nos autos (37 peças, com excepção da peça n.º18) “deverão ser declaradas perdidas a favor do Estado, por haverem constituído objecto do crime e, pela sua natureza, sem dúvida oferecerem sérios riscos de serem utilizadas para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.

Entendemos, assim, que o presente recurso é totalmente improcedente.

3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto acordam negar provimento aos recursos interlocutórios e da decisão final, interpostos por B....... e “H......., Lda.” e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Condenar o arguido nas custas crime (em função do seu decaimento), em 3UC por cada um dos recursos interlocutórios e 5UC pelo recurso da decisão final e, ainda, nas custas cíveis.

Porto, 18 de Janeiro de 2006
Èlia Costa de Mendonça São Pedro
António Augusto de Carvalho
António Guerra Banha
José Manuel Baião Papão