Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
549/13.5TBGDM-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
DEPOIMENTO DE PARTE
PROVA PERICIAL
CLÁUSULA CAD
LEGITIMIDADE
RESPONSABILIDADE DO AVALISTA
NULIDADE DO AVAL
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP20170605549/13.5TBGDM-B.P1
Data do Acordão: 06/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 652, FLS.322-348)
Área Temática: .
Sumário: I - O depoimento de parte não pode ser valorado em sede de prova, quando não resulta do mesmo a confissão dos factos, nem o depoente admite factos desfavoráveis à sua pretensão e por isso, não pode constituir um meio de criar a dúvida sobre o valor da prova pericial.
II - No exame pericial em que estava em causa aferir da genuinidade da assinatura aposta no documento o tribunal não pode afastar-se do parecer dos peritos, quando os peritos tenham analisado os mesmos factos que cumpre ao juiz apreciar e porque os demais elementos úteis de prova existentes nos autos não invalidam o laudo dos peritos.
III - Não admitindo o embargante a sua intervenção na relação imediata e situando-se a sua obrigação no estrito domínio da relação cambiária entre avalista e portador do título apenas poderia defender-se invocando o pagamento ou um qualquer vício de natureza formal.
IV - Inserido o aval completo no verso das livranças, a situação não se configura como nulidade daquela garantia porque as assinaturas dos avalistas foram encimadas pela expressão «dou o meu aval à subscritora».
V - Ocorrendo a respetiva interpelação por parte do beneficiário da livrança, quanto à data aposta para pagamento da livrança, são devidos os juros a contar da data de vencimento por se tratar de obrigação com prazo certo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Emb Exec-Liv-549/13.5TBGDM-B
Comarca do Porto
Porto - Inst. Central - 1ª Secção de Execução - J3
Proc. 549/13.5TBGDM-B
Recorrente: C…, SA
Recorrido: D…
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório
Por apenso à execução comum que o “ Banco B…, SA” com sede na Avenida …, …, …. - … Lisboa e com a atual denominação de “C…, S.A.” lhe moveu, veio o executado, D…, residente na Rua …, …, …, …. - … Maia, apresentar oposição à execução mediante os presentes embargos de executado, pedindo a procedência dos embargos e a suspensão dos termos da execução e em consequência:
- que se declare extinta a execução por insuficiência/falta de título executivo;
- que se declare que a livrança junta com o requerimento de execução não consubstancia título executivo contra o embargante, porquanto inexiste qualquer aval, ou, caso assim não se entenda, que o aval alegado pelo exequente seja declarado nulo pelo facto da alegada assinatura do executado se encontrar despida de qualquer menção, importando a nulidade do título que serve de base à execução, ao abrigo do disposto no art.º 2.º da L.U.L.L..; não obstante,
- se declare inexigíveis os juros peticionados, improcedendo o pedido nessa parte.
Para fundamentar a sua pretensão, o executado impugna os factos alegados no requerimento executivo e todos os elementos inscritos no requerimento executivo, por desconhecimento; a expressão caução aposta no rosto da livrança, que a exequente seja o legitimo portador e que a livrança tenha sido apresentada a pagamento, não se mostrando cumpridas as obrigações fiscais, pelo que não são devidos os juros de mora peticionados.
Alega, ainda, que não foi interpelado pelo Banco em momento anterior ao da propositura da ação para pagamento da livrança e o exequente recusou-se a fornecer cópia do contrato.
Impugna, por ser falsa, a assinatura constante no verso da livrança dada à execução, porque a mesma não foi feita pelo punho do embargante.
Invoca, ainda, a falta de título executivo e a nulidade do aval.
Alega que a obrigação consubstanciada no título não é certa, liquida e exigível, porque não se mostram alegados os fundamentos da alegada caução. Mais refere que a mera assinatura no verso da livrança, sem estar acompanhada de qualquer declaração, não constitui um “aval”, invocando a nulidade do aval, por vício de forma.
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Admitidos liminarmente os embargos, foi o exequente notificado para se pronunciar sobre a suspensão dos termos da execução, ao abrigo do disposto no art. 733º CPC.
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O exequente veio opor-se à suspensão, por entender que a cópia do cartão de cidadão não constituía princípio de prova e ainda que assim não se entendesse, considera que tal meio de prova se mostra insuficiente para demonstrar a falsidade da assinatura.
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Na contestação aos embargos, a exequente impugna a matéria dos embargos e mantém a posição expressa no requerimento de execução.
Alega para o efeito que a livrança foi subscrita pela executada E… e avalizada, entre outros, pelo embargante, em branco, como caução do contrato de crédito com o número …, celebrado entre a referida executada e o Banco embargado, em 14/04/2008.
O contrato em causa foi assinado pelo executado, a quem foi entregue cópia e a livrança foi preenchida em observância do ali estabelecido e com autorização do executado. Mais refere que perante a situação de incumprimento do contrato o banco enviou uma carta ao executado. Nenhum dos executados cumpriu o contrato pelo que o banco preencheu a livrança e instaurou a execução, com vista a obter o pagamento da quantia objeto de financiamento e acréscimos contratados.
Mais refere que a obrigação do avalista se vence independentemente de interpelação ou protesto para pagamento, sendo certo que o exequente comunicou ao avalista e demais obrigados a situação de vencimento da obrigação.
Alega, ainda, que a falta de indicação no título do lugar de pagamento não lhe retira valor como tal, aplicando-se subsidiariamente o critério da lei, pelo que o local do pagamento corresponde ao local onde foi emitido.
Alega, por fim, que o executado é responsável pelo pagamento da livrança na qualidade de avalista, constando a sua assinatura no verso da livrança e apesar da lei impor que o aval se exprima pelas palavras “bom para aval” ou qualquer fórmula equivalente, seguida da assinatura do dador do aval, não determina que tal expressão tenha que ser individualizada para cada um dos dadores de aval,
quando existam mais do que um, como é o caso. O preceito não inibe a possibilidade de tal expressão ser redigida uma única vez, seguida das assinaturas de todos os dadores de aval, que assim a aproveitam, sem necessidade de a estar a repetir previamente a cada assinatura.
Conclui pela improcedência dos embargos.
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Proferiu-se despacho que indeferiu a suspensão da instância.
Em sede de saneador julgaram-se improcedentes as exceções por falta de título executivo (que se enquadrou como ineptidão do requerimento de execução) e falta de protesto.
Fixou-se o objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova, sem ter sido apresentada qualquer reclamação.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, com a observância do formalismo legal.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“ Pelo exposto, decido julgar os presentes embargos de executado, totalmente procedentes, por provados, em consequência do que determino a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso relativamente ao embargante/executado, D…; prosseguindo a execução contra a co-executada, E….
Custas a cargo da embargada/exequente (vide art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil )”.
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O exequente veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
I .Tendo o Embargante/Recorrido impugnado a genuinidade da assinatura cuja autoria lhe é atribuída pelo exequente na livrança exequenda, no espaço reservado aos avalistas, sem mais, isto é, sem alegar quaisquer factos instrumentais que permitissem aferir ou inferir a genuinidade da mesma, a instrução dos autos subsumia-se a apurar se tal assinatura tinha ou não sido feita pelo punho do recorrido.
II. Cabia portanto ao Recorrente, a prova de que a assinatura impugnada constante da livrança dada à execução havia sido feita pelo punho do recorrido D…, daí que tenha requerido a realização de exame pericial à assinatura deste.
III. Após análise das caraterísticas da escrita contestada no confronto com as assinaturas recolhidas ao Recorrido e depois de procederem a um exame comparativo (de ordem geral e de pormenor) entre a escrita da assinatura contestada e a das genuínas e verificadas as semelhanças descritas nos autos, os peritos que subscrevem o relatório concluíram como provável que tivesse sido o Recorrido o autor da assinatura suspeita.
IV. O perito é um auxiliar do juiz, convocado para dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação.
V. O que se esperava é que o perito, com base na comparação, emitisse um juízo sobre a probabilidade de a escrita suspeita pertencer àquele a quem é atribuída, que seria tanto mais seguro quanto maior for a quantidade de escrita genuína que for posta em comparação com a escrita suspeita e foi isso que aconteceu: o exame pericial concluiu ser provável que a assinatura em causa seja do punho do Recorrido.
VI. Resultado esse que adveio da apreciação científica e objetiva produzida pelo laboratório incumbido da perícia e que, forçosamente, deverá prevalecer sobre qualquer outra prova que não demonstre ter a capacidade de a refutar, sem qualquer margem para dúvidas.
VII. Na sentença recorrida não vem explicitada qualquer outra prova que sustente, sem margem para dúvidas, a não imputação ao Recorrido dos factos contestados.
VIII. Em primeiro lugar porque, ao contrário do que refere a sentença recorrida, não resulta dos autos qualquer limitação séria ou fragilidade, que tenha impedido a realização do exame pericial, muito pelo contrário: o relatório do exame é conclusivo e aponta no sentido da assinatura em causa ser do punho do embargante.
IX. Por outro lado, o Banco recorrente não pode aceitar que o depoimento de parte prestado pelo Embargante e valorado pelo Tribunal se possa sobrepor a toda a demais prova produzida nos autos, designadamente à referida prova pericial.
X. Na verdade, apesar de ser admitido o depoimento de parte e de se aceitar que o Juiz possa apreciar livremente tal depoimento, salvo se o mesmo consistir em confissão, tal apreciação desta prova só deve ser valorada quando analisada em conjunto com as demais provas e, apenas, se houver um mínimo de corroboração com essas outras provas, não se sobrepondo às mesmas.
XI. Para que o Tribunal “a quo” pudesse fundamentar a sua decisão quanto à matéria de facto dada como provada no ponto 2 da sentença recorrida, era necessário que o depoimento de parte com que se serviu para a sustentação da respetiva fundamentação fosse corroborado por algum outro elemento de prova, pois a prova dos factos favoráveis à parte depoente não se pode sustentar apenas na mera declaração da mesma, como sucedeu in casu.
XII. Já que resulta do exame pericial, em contraponto com o valor probatório do depoimento prestado pelo Embargante, uma solução sustentada, credível e cientificamente demonstrada, que confirma a posição sustentada pelo Recorrente na execução e na sua contestação aos embargos.
XIII. Acresce, ainda, que, através do depoimento da testemunha F… foi possível aferir o que esteve na origem da celebração do contrato de financiamento caucionado pela livrança dos autos (Doc. 1 da contestação, que se dá por reproduzido) e quais os procedimentos habitualmente efetuados para a formalização e recolha das assinaturas desse contrato e da referida livrança.
XIV. Assim reforçando a probabilidade apontada pelo relatório pericial da assinatura em discussão ser da autoria do embargante.
XV. Inexistindo qualquer “fragilidade” nesse seu testemunho, pois que o mesmo reúne informações importantes para a contextualização dos factos trazidos a juízo que, alicerçados pela demais prova produzida, sobretudo no que respeita ao relatório pericial e pelos motivos supra expostos, teria de ser valorado para efeitos da descoberta da verdade material, corroborando-se a posição assumida pelo Recorrente e, bem assim, julgando-se provado o quesito referente à autoria da assinatura imputada ao Recorrido no título exequendo.
XVI. Impondo-se, assim, a correção do ponto 2 da matéria de facto dada como provada, por forma a que passe a constar como provado que “a assinatura que consta do verso da livrança referida em 1, com os dizeres D…, foi feita pelo punho do aqui embargante”, em resultado do alegado nos arts. 10º e 11º da contestação e demonstrado em juízo.
XVII. Alterando-se também o ponto 5 dos factos provados para: «5. Factos alegados nos artigos 5º e 6º da contestação: Provado, apenas, que a livrança dada à execução e referida em 1 foi subscrita pela executada E… e avalizada, entre outros, pelo embargante, em branco, como caução do contrato de crédito com o número …, celebrado entre a referida executada e o banco embargado, em 14-04-2008, sendo que através desse contrato foi concedido à executada E… um financiamento no montante de €9.570,00, pelo prazo de 24 meses, não reutilizável, com uma taxa de juro correspondente à média mensal Euribor a um mês, acrescida de cinco pontos percentuais, a que correspondia uma taxa anual efectiva de 10,12887% (vide ainda doc. de fls. 40 a 44 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).»
XVIII. Sem prescindir, tendo o Recorrido assinado o referido contrato de mútuo, apesar de o ter feito apenas na qualidade de avalista de uma livrança que garante tal contrato, é inequívoco que passou a existir entre o Recorrente e o Recorrido uma relação causal, por via da qual se determinou um acordo de preenchimento desse título.
XIX. O que equivale a dizer que se está no domínio das relações imediatas, mesmo no que concerne ao embargante avalista.
XX. No entanto, mesmo sobrando a posição jurídica do embargante como mero avalista, tal aval assume a sua plena autonomia, «na pureza da obrigação cambiária fora das relações imediatas», sendo certo que nem a eventual exclusão das cláusulas relativas ao preenchimento elimina o aval que o embargante prestou.
XXI. Ao dar o seu aval à subscritora da livrança, em branco, o Recorrido ficou adstrito ao direito potestativo do Banco recorrente poder preencher nos termos do acordo de preenchimento, assumindo, inclusive, o risco de tal acordo poder estar ferido de nulidade, tendo assim de responder pela obrigação constante do título tal como ela está efetivamente configurada.
XXII. Sendo que, ao obrigar-se ao pagamento da livrança à data do respetivo vencimento, atribuiu ao Recorrente o direito de exigir-lhe o seu pagamento, acionando-o individual ou coletivamente, pois os obrigados cambiários são todos solidariamente responsáveis para com ele (artigos. 43º, 47º e 48º da LULL).
XXIII. A obrigação titulada numa livrança, tem assim natureza abstrata, emerge do simples facto de a mesma se encontrar assinada por quem aí figure como devedor, destacando-se pois tal relação cartular, da obrigação subjacente à sua emissão.
XXIV. Caberia pois ao embargante alegar factos concretos, que eventualmente conduzissem à não exigibilidade do seu pagamento, como por exemplo, que a dívida já tivesse sido paga, ou que o seu montante era exagerado, ou invocado eventuais vícios de forma, o que não fez.
XXV. Razão pela qual constam do processo meios de prova plena que, só por si, implicariam decisão diversa da proferida.
XXVI. A sentença recorrida deve pois ser revogada e substituída por outra que corrija o ponto 2 da matéria de facto dada como provada, por forma a que passe a constar como provado que “a assinatura que consta do verso da livrança referida em 1, com os dizeres D…, foi feita pelo punho do aqui embargante”, em resultado do alegado nos arts. 10º e 11º da contestação e demonstrado em juízo.
XXVII. Alterando-se também o ponto 5 dos factos provados para: «5. Factos alegados nos artigos 5º e 6º da contestação: Provado, apenas, que a livrança dada à execução e referida em 1 foi subscrita pela executada E… e avalizada, entre outros, pelo embargante, em branco, como caução do contrato de crédito com o número …, celebrado entre a referida executada e o banco embargado, em 14-04-2008, sendo que através desse contrato foi concedido à executada E… um financiamento no montante de €9.570,00, pelo prazo de 24 meses, não reutilizável, com uma taxa de juro correspondente à média mensal Euribor a um mês, acrescida de cinco pontos percentuais, a que correspondia uma taxa anual efetiva de 10,12887% (vide ainda doc. de fls. 40 a 44 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).»
XXVIII. Julgando-se, em consequência, improcedentes os embargos.
Termina por pedir que se julgue procedente a apelação revogando-se a decisão recorrida e julgando-se a oposição à execução improcedente, por não provada, ordenando-se o prosseguimento da execução contra o opoente.
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O executado veio apresentar resposta ao recurso, onde formula as seguintes conclusões:
1. Apesar da Recorrente alegar que pretende a correção dos pontos 2 e 5 da matéria de facto dada como provada, a verdade é que tais alegações não deverão prosperar.
2. Pelo que, confirmando-se os factos julgados como provados e não provados pelo Tribunal a quo, não deve o Tribunal ad quem revogar a sentença recorrida, substituindo-a por outra.
3. Por outro lado, a Recorrente só impugnou os pontos 2 e 5 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.
4. Ora, nos termos do art.º 640.º, n.º 1, al. a) do CPC, a reapreciação da matéria de facto só pode incidir sobre os concretos pontos de facto especificados.
5. Em consequência, os pontos de facto não especificados pela Recorrente devem considerar-se corretamente julgados.
6. Pelo que, a sentença recorrida nunca poderá ser substituída por outra que julgue totalmente procedente o pedido da Recorrente e improcedentes as exceções deduzidas pela ora Recorrida.
7. Além disso, ficou demonstrado que a Recorrente não logrou provar que a assinatura imputada ao aqui Recorrido, nomeadamente na livrança dada à execução, tenha sido efetuada pelo punho deste, conforme decorre dos factos provados e não provados.
8. Com efeito, atendo ao conjunto de elementos probatórios produzidos, quer pelo relatório pericial, quer pelos depoimentos prestados em audiência de julgamento, dúvidas não restam que a assinatura que consta do verso da livrança em causa, com os dizeres “D…”, não foi feita pelo punho do aqui Recorrido.
9. Nunca é demais realçar, que o Tribunal a quo formou a sua convicção com base em todos os meios de prova refletidos no caso sub judice.
10. Jamais poderá um Tribunal cingir a sua convicção em um único meio de prova, quando foram vários os meios de prova apresentados e valorados.
11. Que, apesar do relatório pericial apresentar limitações, este meio de prova foi valorado pelo Tribunal a quo.
12. Acontece que, uma sentença não se cinge, única e exclusivamente, a uma prova pericial.
13. Principalmente quando esta perícia é limitada e reflete uma mera probabilidade.
14. Ao contrário do que pretende a Recorrente.
15. Não pode o Tribunal a quo fomentar a sua convicção com base em um relatório imperfeito, fraco, deficiente.
16. E, é lícito o douto julgador divergir do resultado que adveio do exame pericial, uma vez que tal prova é dúbia.
17. A perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a perceção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível.
18. O perito é um auxiliar do Juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação.
19. Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito.
20. Em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente informativos, de modo que, do ponto de vista da juriscidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas.
21. O exame pericial tornou-se dúbio, não só pelas suas limitações, mas também com o depoimento de parte prestado pelo Recorrido e pelos depoimentos testemunhais, mormente os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Recorrente.
22. Ficou demonstrado que as Testemunhas arroladas pela Recorrente não se recordam dos factos em apreço, nomeadamente no que toca à aposição das assinaturas na livrança e no contrato em apreço.
23. Ficou provado, através do depoimento de F…, que esta apenas conhece a Executada E…, não conhecendo o Recorrido.
24. Ora, ficou mais do que provado, que o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão não apenas com o relatório pericial, como na apreciação global e crítica de TODA A PROVA PRODUZIDA, nomeadamente o teor de documentos, o depoimento de parte prestado pelo Recorrido e os depoimentos testemunhais produzidos em Audiência de Julgamento.
25. Por mais que a Recorrente alegue o contrário, dizendo também que o depoimento de parte prestado pelo Recorrido se sobrepôs ao relatório pericial, tal facto não corresponde com a verdade.
26. O Tribunal a quo apreciou o depoimento de parte, analisando em conjunto com as demais provas.
27. Mais, o Tribunal a quo teve o cuidado de especificar as folhas do processo em que tais elementos probatórios se encontram.
28. Porém, mesmo com as passagens do depoimento que a Recorrente transcreveu, o Tribunal a quo nunca poderia ter dado como provado que a assinatura que consta no verso da livrança foi feita pelo punho do Recorrido.
29. A prova testemunhal arrolada pela Recorrente, e sendo esta a parte a quem compete o ónus de provar de que a assinatura impugnada constante na livrança dada à execução havia sido feita pelo punho do Recorrido, é frágil, fraca.
30. Só contribuiu para intensificar o estado de dúvida do tribunal.
31. E, em consequência, bem andou o Tribunal a quo quando julgou totalmente procedentes, por provados, os Embargos de Executado, e em consequência determinou a extinção da execução relativamente ao aqui Recorrido.
32. Ainda que se assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio aqui se admite, a verdade é que nunca o sentido da decisão recorrida poderia ser diverso.
33. Ora, perante as evidências reveladas na prova pericial, documental e testemunhal, dúvidas não restam de que o Tribunal a quo decidiu bem quando deu como provada a factualidade contida no ponto 2 e 5.
34. Não pode ser imputada qualquer responsabilidade ao aqui Recorrido, por algo que ele não assinou, que não consentiu.
35. Ficou provado, e bem, que o Recorrido é parte ilegítima para a execução, visto que não figura no título executivo como devedor.
36. Por conseguinte, a Sentença recorrida julgou bem a matéria de facto, não merecendo, por isso, qualquer reparo.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
A questão a decidir:
- reapreciação da decisão de facto, quanto à concreta matéria dos pontos 2 e 5 dos factos provados;
- responsabilidade do executado na qualidade de avalista;
- nulidade do aval;
- inexigibilidade dos juros de mora.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1. A exequente apresentou à execução em causa o documento junto a fls. 5 e 6 dos autos de execução de que estes autos constituem um apenso, denominado “ livrança”, contendo, além do mais, os seguintes dizeres:
- Importância – 15.056,28€;
- Vencimento – 2013/02/08;
- Local e Data de Emissão – Maia – 08.04.14;
- Valor – Caução;
- Assinatura(s) do(s) Subscritor(es): contém uma assinatura aposta pela co-executada, E…;
- No verso, consta aposta a expressão manuscrita, “Dou o meu aval à subscritora”, seguido de duas assinaturas, sendo uma delas com os seguintes dizeres “D…” (cfr. doc. de fls. 5 e 6 dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido e artigos 1º, 33º, 34º e 35º da petição inicial e 31º, 43º e 44º da contestação).
2. Facto alegado nos artigos 13º e 15º da petição inicial: Provado, apenas, que a assinatura que consta do verso da livrança referida em 1, com os dizeres “D…”, não foi feita pelo punho do aqui embargante.
4. Facto alegado no artigo 17º da petição inicial: Provado, apenas, que o embargante nunca manteve qualquer tipo de relação comercial com o exequente.
5. Factos alegados nos artigos 5º e 6º da contestação: Provado, apenas, que a livrança dada à execução e referida em 1 foi subscrita pela executada E…, em branco, como caução do contrato de crédito com o número …, celebrado entre a referida executada e o banco embargado, em 14-04-2008, sendo que através desse contrato foi concedido à executada E… um financiamento no montante de €9.570,00, pelo prazo de 24 meses, não reutilizável, com uma taxa de juro correspondente à média mensal Euribor a um mês, acrescida de cinco pontos percentuais, a que correspondia uma taxa anual efetiva de 10,12887% (vide ainda doc. de fls. 40 a 44 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
6. Factos alegados nos artigos 8º e 42º da contestação: Provado, apenas, que ficou estipulado no contrato aludido em 5, para além do mais, que:
“1. O B… poderá acionar ou descontar a livrança que lhe é entregue pelo Cliente no caso de incumprimento das obrigações assumidas no Contrato. 2. O B… fica autorizado pelo Cliente e pelo(s) avalista(s), caso existam, a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o Cliente lhe deva ao abrigo do Contrato” (vide ainda doc. de fls. 40 a 44 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
7. Factos alegados no artigo 12º da contestação: Provado, apenas, que a livrança referida em 1 foi preenchida posteriormente pelo banco embargado, no que se refere à data e valor, em virtude do incumprimento do contrato.
8. Atento o incumprimento das obrigações que foram assumidas através da celebração do contrato em apreço, o embargado viu-se no direito de denunciar o contrato e de preencher a livrança que estava na sua posse, tudo em conformidade com o estipulado no contrato (vide art. 13º da contestação).
9. O preenchimento da livrança foi comunicado por cartas enviadas aos executados em 16.01.2013, incluindo ao embargante, sendo que a quantia aposta na livrança é a quantia devida em virtude do aludido contrato de crédito, corresponde a 9.450,00 de capital vencido e não pago, €5.606,28 de juros de mora vencidos na pendência do contrato (vide arts. 14º e 17º da contestação e doc. de fls. 45 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
10. Factos alegados no artigo 16º da contestação: Provado, apenas, que persistindo no incumprimento das suas obrigações contratuais, a coexecutada E… não liquidou a quantia aposta no título
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B- Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos, para além ou em contrário dos anteriormente referidos, designadamente:
- Que o embargante tenha assinado, pelo seu punho, o verso da livrança referida em 1 dos factos provados, no local destinado aos avalistas, sendo do seu punho a assinatura que aí consta com os dizeres “D…” (vide arts. 7º, 10º, 11º e 44º da contestação);
- Que o embargante tenha sido interveniente no contrato aludido em 5 dos factos provados e que tenha assinado esse contrato (vide arts. 7º e 8º da contestação);
- Que o embargante tenha autorizado expressamente o preenchimento da livrança referida em 1 dos factos provados, no contrato aludido em 5 dos factos provados e que tenha garantido o cumprimento desse mesmo contrato (vide art. 12º da contestação);
- Que o embargante tenha persistido no incumprimento desse mesmo contrato (vide art. 16º da contestação).
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Relativamente aos restantes artigos da petição inicial e da contestação, o tribunal não respondeu aos mesmos por conterem matéria conclusiva, de direito e/ou irrelevante para o mérito da presente causa.
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Consigna-se: a decisão da matéria de facto em 1ª instância não contempla o número 3 nos factos provados, passando do ponto 2 para o ponto 4. Não se verifica a omissão de factos, mas a indevida numeração do enunciado dos factos provados. Não se procede à retificação da numeração, porque é com base em tal enunciação dos factos que se requereu a reapreciação da decisão de facto, sendo certo que a indevida numeração não interfere com a apreciação do mérito do recurso.
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3. O direito
- Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso sob os pontos 1 a 17 o apelante C…, SA veio requerer a reapreciação da decisão de facto, quanto aos pontos 2 e 5 dos factos provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.
O apelado considera que a reapreciação da decisão está circunscrita aos factos indicados por constituírem esses o objeto da impugnação, não podendo o tribunal de recurso reapreciar a decisão de outros factos.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“ 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na despectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[2].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - , motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto – fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
O apelante impugnou a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto – pontos 2 e 5 dos factos provados -, a prova a reapreciar e ainda, a decisão alternativa que deve ser proferida.
No caso concreto, a matéria de facto a reapreciar engloba, ainda, o primeiro parágrafo dos factos não provados, porque o apelante pretende com a reapreciação da decisão do ponto 2, que se julgue provado a matéria que ali ficou consignada.
A matéria em causa:
- “que o embargante tenha assinado, pelo seu punho, o verso da livrança referida em 1 dos factos provados, no local destinado aos avalistas, sendo do seu punho a assinatura que aí consta com os dizeres “D…” (vide arts. 7º, 10º, 11º e 44º da contestação)”.
Constituíam temas de prova:
- Da assinatura aposta na livrança dada à execução e imputada ao aqui embargante/executado;
- Do propósito da aposição dessa assinatura imputada ao aqui embargante/executado na livrança exequenda ( no seu verso ).
Estando em causa apurar da genuinidade da assinatura aposta no verso da livrança e recaindo sobre o apelante-exequente o ónus da prova de tal matéria, por ser quem apresentou o documento (art. 374º/2 CC), o único facto a apurar consiste em saber se o embargante pelo seu punho apôs a assinatura que consta no verso da livrança.
Dispõe o artigo 374.º, n.º 2, CC., que se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.
Como referem PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA[3], “[a]o contrário do que sucede com os documentos autênticos, os documentos particulares não provam, por si sós, a genuinidade da sua (aparente) proveniência. A letra e assinatura, ou a assinatura, só se consideram, neste caso, como verdadeiras, se forem expressa ou tacitamente reconhecidas pela parte contra quem o documento é exibido ou se legal ou judicialmente forem havidas como tais. Havendo impugnação, é ao apresentante do documento que incumbe provar a autoria contestada; e terá de fazê-lo, mesmo que o impugnante tenha arguido a falsidade do texto e assinatura, ou só da assinatura”.
Segundo estes AUTORES[4] “[o] significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar como deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do facto”.
Trata-se, pois, de saber quem suportará as consequências negativas da falta de prova de determinando facto.
Assim, se o executado impugnar a autoria da assinatura que lhe é imputada, constante do título executivo, cabe ao exequente provar que aquela é efetivamente da sua autoria.
Neste sentido, entre outros, podem consultar-se Ac. Rel Porto 15 de novembro de 2011, Proc. 6322/08.5YYPRT-A.P1 (www.dgsi.pt.), Ac. STJ 09 de fevereiro de 2011, Proc. proc. 2971/07.7TBAGD, Ac. STJ 16 de junho de 2005, Proc. 04B660, (ambos em www.dgsi.pt.) e Ac. Rel. Porto 28 de setembro de 2006, Proc. 0634730 e Ac. Rel. Lisboa, de 29 de junho de 2004, Proc. 2205/2003 (ambos em www.dgsi.pt).
A formulação pela negativa e pela positiva da mesma questão não obedecerá à regra do ónus da prova e uma vez que o apelante expressamente indica a alteração que sugere, em obediência à matéria por si alegada e que corresponde ao parágrafo primeiro dos factos não provados, na reapreciação da decisão terá que ser considerada apenas tal matéria.
Por outro lado, ao abrigo do disposto no art. 662º/1/2 c) CPC e com vista a obstar a contradições na decisão de facto, constando dos autos todos os elementos de prova, sempre cumpriria ao Tribunal da Relação, oficiosamente, proceder à reapreciação da matéria de facto, ponderando o parágrafo primeiro dos factos não provados.
Consideram-se, assim, preenchidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto, que compreende não só os pontos 2 e 5 dos factos provados, como o parágrafo primeiro dos factos não provados.
*
Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“ […]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[5].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[6].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “ […] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[7].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados ( art. 607º/4 CPC ).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria d de facto que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[8].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[9].
Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova – pericial, documental, testemunhal -, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto.
A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os seguintes factos:
- Factos provados -
2. Facto alegado nos artigos 13º e 15º da petição inicial: Provado, apenas, que a assinatura que consta do verso da livrança referida em 1, com os dizeres “D…”, não foi feita pelo punho do aqui embargante.
5. Factos alegados nos artigos 5º e 6º da contestação: Provado, apenas, que a livrança dada à execução e referida em 1 foi subscrita pela executada E…, em branco, como caução do contrato de crédito com o número …, celebrado entre a referida executada e o banco embargado, em 14-04-2008, sendo que através desse contrato foi concedido à executada E… um financiamento no montante de €9.570,00, pelo prazo de 24 meses, não reutilizável, com uma taxa de juro correspondente à média mensal Euribor a um mês, acrescida de cinco pontos percentuais, a que correspondia uma taxa anual efetiva de 10,12887% (vide ainda doc. de fls. 40 a 44 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
Parágrafo primeiro dos factos não provados:
- Que o embargante tenha assinado, pelo seu punho, o verso da livrança referida em 1 dos factos provados, no local destinado aos avalistas, sendo do seu punho a assinatura que aí consta com os dizeres “D…” (vide arts. 7º, 10º, 11º e 44º da contestação).
Na fundamentação da decisão, ponderaram-se os seguintes meios de prova:
“A convicção formada acerca da factualidade dada como provada e como não provada fundou-se na apreciação global e crítica de toda a prova produzida, nomeadamente da conjugação entre o teor dos documentos de fls. 5 e 6 dos autos de execução (a livrança exequenda); de fls. 40 a 44 destes autos (o contrato que esteve na génese da emissão da dita livrança); fls. 45 destes autos (carta de denúncia do contrato em apreço enviada pela exequente ao embargante, onde também lhe comunica o
preenchimento da livrança e o respetivo montante nela aposto); e o relatório pericial de fls. 153 e seguintes (sobretudo este por respeitar à assinatura questionada nos autos e alegadamente aposta pelo embargante como avalista, já que o outro relatório pericial versa sobre uma outra livrança que não a dada à execução e ligada ao contrato celebrado em 2005) e de fls. 214 e seguintes destes autos.
Estes documentos foram conjugados com o depoimento de parte prestado pelo embargante e com os depoimentos testemunhais produzidos em audiência de julgamento.
No que tange ao facto nuclear e que constitui a magna questão a decidir nos mesmos - saber se a livrança aposta no verso da livrança exequenda, na pretensa pele de avalista, que lhe é imputada, foi feita pelo punho do embargante ou não - o tribunal formou a sua convicção com base no estado de dúvida em que ficou sobre essa matéria em função da produção de prova realizada nos autos.
Assim sendo, apesar do teor do relatório pericial referido apontar no sentido de ser “provável” que tal assinatura tenha sido aposta pelo embargante, essa conclusão, ponderada a escala utilizada pela entidade pericial, por si só - desacompanhada de qualquer outro meio de prova -, não nos permite formar a convicção segura no sentido de ter sido efetivamente o embargante a apor, pelo seu punho, a assinatura questionada.
Com efeito, mesmo esse relatório pericial enuncia que o exame pericial foi feito com “limitações, uma vez que apenas dispomos de duas assinaturas de comparação totalmente comparáveis”(sic). Ou seja, é a própria entidade pericial a reconhecer que a perícia foi efetuada com “limitações”. O que aliás volta a reforçar no relatório pericial de fls. 214 e seguintes, atinente à livrança cuja cópia foi junta a fls. 204 destes autos.
Perante esta fragilidade da prova pericial, o tribunal não conseguiu superar o estado de dúvida referido que o levou a dar como não provado ter sido o embargante a apor a sua assinatura como avalista na livrança exequenda (sendo certo ainda que também não se descortina qualquer meio de prova que o tribunal pudesse ordenar oficiosamente em virtude de já ter sido realizada a perícia nos autos; e não olvidando, por outro lado, que o ónus da prova em causa compete à exequente).
Na verdade, a própria forma como o embargante prestou o seu depoimento de parte em audiência - apesar de negar a autoria da assinatura que lhe vem imputada -, que nos pareceu autêntica e sincera, levou a que o tribunal o tivesse considerado, à luz da livre convicção do tribunal. Nesse sentido, o tribunal observou a forma impressiva e que nos pareceu coerente como o embargante relatou a relação desavinda que tem com a sua mãe (e que já data de, pelo menos, 2008), que leva até a que os seus filhos (netos da mãe do embargante e aqui coexecutada E…) nem sequer mantenham contactos com a avó paterna. Ora, este facto, analisado à luz do padrão do cidadão médio nacional, certamente que é, no mínimo, confrangedor e difícil de admitir – mais a mais num ambiente solene de tribunal.
Este quadro de má relação entre o embargante e a sua mãe, a par do pormenor relatado por aquele no sentido da mesma ter acesso aos seus documentos, bem como o facto do embargante não ter qualquer relação comercial com o banco exequente e nem sequer ser titular de alguma conta nessa instituição bancária, fez com que o tribunal reforçasse o seu estado de dúvida.
Por outro lado, a restante prova testemunhal, mormente os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo banco exequente, nenhuma luz vieram trazer a esta matéria.
Na verdade, as testemunhas G… e F…, ambos funcionários do banco exequente há vários (tendo a segunda testemunha chegado a exercer o cargo de gerente da sucursal do banco exequente na Zona Industrial da Maia), não se recordam dos factos em apreço, mormente no que tange à aposição das assinaturas na livrança e no contrato em apreço.
Enquanto a primeira testemunha referiu mesmo não ter assistido a tais factos, a segunda testemunha relatou apenas conhecer a mãe do embargante (não conhecendo, pois, o embargante nem a outra coexecutada) mas já não se recorda da situação em concreto; mesmo perante o próprio embargante, em audiência, afirmou perentoriamente não se recordar do mesmo.
Perante esta fragilidade da prova testemunhal arrolada pela exequente, tendo presente que é a parte a quem compete o ónus da prova em apreço, a par das considerações acima tecidas, reveladoras do estado de dúvida do tribunal, a resposta não podia deixar de ser negativa no que tange à autoria da assinatura imputada ao aqui embargante – quer na livrança, quer no contrato em questão.
Das testemunhas arroladas pelo embargante apenas foi atendido o depoimento da testemunha I…, advogado e colega de escritório do embargante, que contribuiu para o referido estado de dúvida do tribunal ao referir, de forma que nos pareceu serena e coerente, o estado de surpresa e até de revolta em que ficou o embargante quando foi citado para esta execução. Esse estado é revelador da surpresa em que ficou o embargante quando confrontado com a presente execução por negar a autoria da assinatura que lhe é imputada na livrança exequenda.
A outra testemunha arrolada pelo embargante, tia deste, tornou-se irrelevante por desconhecer os factos em causa nestes autos, embora confirmasse a má relação que o mesmo tem com a sua mãe.
Os factos dados como provados basearam-se, pois, no teor dos documentos acima referidos, conjugados entre si e com as regras da experiência aplicáveis à situação concreta que os autos nos apresentam – tendo presente o quadro de mau relacionamento entre o embargante e a sua mãe (aqui coexecutada)”.
O apelante insurge-se contra a relevância atribuída ao depoimento de parte e depoimento das testemunhas indicadas pelo embargante e a forma como foi preterida a prova pericial. Considera que a prova pericial em confronto com o depoimento das testemunhas indicadas pelo embargado justificam a alteração da decisão, sugerindo que se julgue provado:
- “a assinatura que consta do verso da livrança referida em 1, com os dizeres D…, foi feita pelo punho do aqui embargante”;
- A livrança dada à execução e referida em 1 foi subscrita pela executada E… e avalizada, entre outros, pelo embargante, em branco, como caução do contrato de crédito com o número …, celebrado entre a referida executada e o banco embargado, em 14-04-2008, sendo que através desse contrato foi concedido à executada E… um financiamento no montante de €9.570,00, pelo prazo de 24 meses, não reutilizável, com uma taxa de juro correspondente à média mensal Euribor a um mês, acrescida de cinco pontos percentuais, a que correspondia uma taxa anual efetiva de 10,12887%.
O apelado considera que a decisão não merece censura respeitando o princípio da livre apreciação da prova.
Na matéria de facto a reapreciar está em causa apurar da genuinidade da assinatura aposta no verso da livrança e da qualidade em que foi aposta a assinatura no verso da livrança.
Os factos em análise reportam-se a abril de 2008, data em que supostamente o embargante apôs a assinatura no verso da livrança.
Na apreciação da prova o juiz do tribunal “a quo”, na dúvida e com fundamento no art. 414º CPC, julgou não provada a matéria alegada pela apelante e provado que a assinatura não foi aposta pelo punho do embargante.
Quanto à relevância da prova pericial referiu: “[…]do relatório pericial referido apontar no sentido de ser “provável” que tal assinatura tenha sido aposta pelo embargante, essa conclusão, ponderada a escala utilizada pela entidade pericial, por si só - desacompanhada de qualquer outro meio de prova -, não nos permite formar a convicção segura no sentido de ter sido efetivamente o embargante a apor, pelo seu punho, a assinatura questionada.
Com efeito, mesmo esse relatório pericial enuncia que o exame pericial foi feito com “limitações, uma vez que apenas dispomos de duas assinaturas de comparação totalmente comparáveis”(sic). Ou seja, é a própria entidade pericial a reconhecer que a perícia foi efetuada com “limitações”. O que aliás volta a reforçar no relatório pericial de fls. 214 e seguintes, atinente à livrança cuja cópia foi junta a fls. 204 destes autos.
Perante esta fragilidade da prova pericial, o tribunal não conseguiu superar o estado de dúvida referido que o levou a dar como não provado ter sido o embargante a apor a sua assinatura como avalista na livrança exequenda (sendo certo ainda que também não se descortina qualquer meio de prova que o tribunal pudesse ordenar oficiosamente em virtude de já ter sido realizada a perícia nos autos; e não olvidando, por outro lado, que o ónus da prova em causa compete à exequente)”.
De acordo com o art. 388º CC:
“ A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.”
Como refere ANTUNES VARELA: “[…] a nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspetiva de factos, mas pode trazer também a apreciação ou valoração de factos, ou apenas esta.
[…] Essencial, em princípio, para que haja perícia, é que a perceção desses factos assente sobre conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, seja qual for a natureza (científica, técnica, artística, profissional ou de mera experiência) desses conhecimentos“[10].
O art. 389º CC estatui a força probatória, nos seguintes termos:
“ A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”.
Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos.
Como referem PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA:”[o] tribunal pode afastar-se livremente do parecer dos peritos, sem necessidade de justificar o seu ponto de vista, quer porque tenha partido de factos diferentes dos que aceitou o perito, quer porque discorde das conclusões dele ou dos raciocínios em que elas se apoiam, quer porque os demais elementos úteis de prova existentes nos autos invalidem, a seu ver, o laudo dos peritos”[11].
Atenta a matéria a apreciar que se prendia com a genuinidade de uma assinatura, a prova pericial merece no caso concreto uma particular relevância, dada a natureza técnica da questão a analisar em que estava em causa comparar duas assinaturas e se as mesmas seriam da autoria da mesma pessoa. A perceção desses factos assenta em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem dada a natureza científica e técnica dos conhecimentos em causa.
O facto do juiz do tribunal “a quo” não atribuir particular relevo a este meio de prova não merece censura, porque o mesmo é apreciado livremente pelo tribunal. Contudo, os motivos que indica para não dar relevância a este meio de prova não têm apoio na prova produzida, porque a mesma não pode ser valorada com o sentido que foi atribuído.
O exame pericial foi elaborado pelo Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e os peritos - “Mestres” - declararam realizar o exame sob compromisso de honra.
Efetivamente, em sede de “análise dos resultados” observa-se:”[…]a escrita da assinatura contestada de D… apresenta o mesmo grau de legibilidade das assinaturas genuínas apostas nos referidos pedidos de Bilhete de Identidade. Por esse facto, este exame apresenta limitações, uma vez que apenas dispomos de duas assinaturas de comparação totalmente comparáveis”.
Contudo, tal limitação não constituiu obstáculo à realização do exame.
Para esse efeito, os peritos tiveram acesso ao documento contestado e a documentos apresentados como genuínos para comparação: procuração que consta dos autos, fotocópia do cartão de cidadão do embargante, recolha de autógrafos efetuada em 16 de março de 2015 e fotocópias dos pedidos de cartão de cidadão e bilhete de identidade do embargante que se reportam a 2010, 2005, 2000, 1994 dos quais consta a escrita de assinatura do embargante reproduzida em fotocópia.
Para realizar o exame os peritos utilizaram o microscópio estereoscópico com ampliações de 8x a 64x e com várias intensidades de luz e o documento contestado foi observado utilizando equipamento específico adequado, a vários comprimentos de onda, do ultravioleta ao infravermelho e também utilizando métodos de deteção de marcas de escrita.
Na análise dos resultados obtidos os peritos consideraram que a observação da escrita da assinatura contestada no seu aspeto geral, por si só, não revelava qualquer indício de falsificação grosseira.
No exame comparativo entre a escrita da assinatura contestada e das genuínas, partindo dos elementos gerais para os de pormenor anotaram-se as seguintes semelhanças nos elementos gerais: no grau de evolução, na fluência e velocidade de escrita, no espaçamento, no grau e tipo de conexão, na dimensão relativa de escrita, nos levantamentos de pena, no grau de angulosidade e curvatura decorrente do tipo de escrita.
Na análise de pormenor anotaram-se as seguintes semelhanças:
- desenho da letra “i” em D1…, D2… e D3…;
- desenho da letra “a” em D4… e em D3…;
- desenho da letra “l” em D4…;
- desenho da letra “o” em D2…;
- desenho da letra “h” em D2…;
- desenho da letra “ e” em D5… e em D3…;
- desenho da letra “s” em D5…;
- desenho da letra “F” em D3….
Juntou-se um quadro com a demonstração e anotação de todas as semelhanças apontadas.
Conclui o exame:
“ Do exposto, consideradas todas as limitações que este exame apresenta, já referidas anteriormente, somos levados a concluir que as características exibidas por D…, na escrita das assinaturas genuínas, se encontram na da assinatura contestada, pelo que se considera como provável (1) a verificação da hipótese de a escrita da assinatura contestada ser do punho de D…”.
Em sede de “ Conclusão” refere:
“ 1.Considera-se como provável (1) a verificação da hipótese de a escrita da assinatura contestada de D…, aposta no documento identificado como C1, ser do seu punho”.
Na tabela de significância a expressão ”provável” situa-se entre “pode ter sido” e “ muito provável”. Abaixo de “pode ter sido” por ordem decrescente fica: “Não é possível formular conclusão”, “Pode não ter sido”, “Provável não”, “Muito Provável não”, “Muitíssimo Provável não”, “Probabilidade próxima da certeza científica não”. No topo da tabela fica “Muitíssimo provável” e “Probabilidade próxima da certeza científica”.
O exame analisou a letra que consta dos autos e estão em causa os mesmos factos que ao juiz cumpre apreciar. A conclusão que considerou “provável ser do punho ” do embargante a escrita da assinatura contestada aposta no documento assenta em elementos objetivos de semelhança que estão devidamente comprovados. Na tabela de significância a consideração de “provável” situa-se mais próximo da “ probabilidade próxima da certeza científica” do que “Probabilidade próxima da certeza científica não”.
Analisando comparativamente a assinatura aposta na livrança e as assinaturas que constam das fotocópias dos requerimentos de bilhete de identidade de 2000 e de 2005, juntos aos autos, verifica-se uma grande semelhança entre as assinaturas, quando é certo que as assinaturas recolhidas em tais documentos encontram-se temporalmente mais próximas da data em que ocorreram os factos (abril de 2008). De todo o modo, mesmo fazendo uma análise comparativa com as assinaturas recolhidas em 2015, anotam-se na análise de pormenor semelhanças em várias letras que compõem a assinatura do embargante, para além de se verificarem nos elementos gerais semelhanças no grau de evolução, na fluência e velocidade de escrita, no espaçamento, no grau e tipo de conexão, na dimensão relativa de escrita, nos levantamentos de pena, no grau de angulosidade e curvatura decorrente do tipo de escrita.
Entendemos, assim, que o facto dos peritos apenas disporem de duas assinaturas de comparação totalmente comparáveis não retira valor probatório à perícia, face á análise realizada e conclusões que se extraíram.
Nenhum outro elemento de prova foi produzido que invalide o resultado da perícia.
Acresce que a restante prova produzida pelo embargado reforça as conclusões a que chegou a perícia e o depoimento de parte do embargante D… e depoimento das testemunhas indicadas pelo embargante não merecem qualquer relevo probatório.
Considerou-se na sentença recorrida a propósito do depoimento de parte:”Na verdade, a própria forma como o embargante prestou o seu depoimento de parte em audiência - apesar de negar a
autoria da assinatura que lhe vem imputada -, que nos pareceu autêntica e sincera, levou a que o tribunal o tivesse considerado, à luz da livre convicção do tribunal. Nesse sentido, o tribunal observou a forma impressiva e que nos pareceu coerente como o embargante relatou a relação desavinda que tem com a sua mãe (e que já data de, pelo menos, 2008), que leva até a que os seus filhos (netos da mãe do embargante e aqui coexecutada E…) nem sequer mantenham contactos com a avó paterna. Ora, este facto, analisado à luz do padrão do cidadão médio nacional, certamente que é, no mínimo, confrangedor e difícil de admitir – mais a mais num ambiente solene de tribunal.
Este quadro de má relação entre o embargante e a sua mãe, a par do pormenor relatado por aquele no sentido da mesma ter acesso aos seus documentos, bem como o facto do embargante não ter qualquer relação comercial com o banco exequente e nem sequer ser titular de alguma conta nessa instituição bancária, fez com que o tribunal reforçasse o seu estado de dúvida”.
Contudo, o depoente referiu, ainda, que os pais se divorciaram quando tinha 4 anos e o depoente e a irmã ficaram a residir com a mãe, seguindo-se um processo judicial de grande conflito entre os pais. Viveu até aos 18 anos na companhia da mãe sem manter qualquer contato com o pai. Referiu que quando atingiu a idade de 18 anos o pai procurou-o e a partir dessa data passou a ter contato com a família alargada do pai. Considerou que a mãe lhe tinha criado uma realidade que não correspondia à verdade, mas nada mais adiantou.
Disse, também, que a mãe sempre trabalhou “ligada à informação médica” e quando cessou essa atividade, por efeito de reestruturação da empresa onde trabalhava, recebeu uma indemnização. Em 2002-2003 abriu um restaurante em regime de take away, ao abrigo de um programa de incentivo a novos investidores.
Referiu, que em 2005 residia na casa da mãe e que no ano de 2008 já não residia na casa da mãe, para além de estar incompatibilizado com a mãe. Disse também que no 2º ou 3º ano da faculdade deixou de residir com a mãe (entrou para a faculdade com 18 anos).
Não reconhece como sua a assinatura aposta na livrança, nem a rubrica que consta no canto superior direito das folhas do contrato, por não assinar o nome completo e não usar a rubrica que consta do contrato. Admitiu a semelhança da assinatura aposta no documento contestado com a anterior assinatura que escrevia nos documentos.
Confrontado com as assinaturas que constam dos requerimentos de bilhete de identidade, que foram analisados no relatório de peritagem, admitiu que em 2005 a assinatura era completa. Contudo, depois refere que a morada indicada não corresponde ao seu endereço.
Se num primeiro momento refere que o B… não lhe deu qualquer explicação sobre o motivo da execução, refere depois que após muitas exigências o banco elucidou-o que era avalista e o depoente confrontou a mãe que não lhe deu qualquer explicação.
Anota-se no depoimento do embargante que dificilmente respondia diretamente às perguntas que lhe eram colocadas, por se prender sempre com uma explicação lateral fugindo à questão colocada, o que dificulta a análise do seu depoimento.
O depoimento prestado não pode ser valorado em sede de prova, porque não resulta do mesmo a confissão dos factos, nem o depoente admite factos desfavoráveis à sua pretensão, porque acaba sempre por atribuir uma justificação favorável à sua pretensão e por isso, não podem constituir um meio de criar a dúvida sobre o valor da prova pericial.
Com efeito, o depoimento de parte é a declaração solene prestada sob compromisso de honra por qualquer das partes sobre os factos da causa – art. 552º CPC.
O depoimento de parte não se confunde com a confissão e como refere o Professor ANTUNES VARELA: “constitui uma das vias processuais através das quais se pode obter a confissão”[12].
LEBRE DE FREITAS refere, aliás, que “o depoimento de parte constitui um meio de provocar a confissão”[13].
O depoimento de parte pode levar o juiz à convicção da realidade de um facto desfavorável ao depoente, mas sem que a declaração por ele prestada tenha revestido a forma de uma declaração confessória.
A confissão, conforme resulta da definição contida no art. 352º CC, consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Como refere LEBRE DE FREITAS, a confissão consiste no reconhecimento “de um facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse“[14].
O valor probatório atribuído à confissão, assenta na regra de experiência segundo a qual ninguém mente contrariamente ao seu interesse[15].
A declaração de ciência constitui presunção da realidade do facto (desfavorável ao confitente) ou, ao invés, da inocorrência do facto (favorável ao confitente) que dela é objecto[16].
A força probatória da confissão judicial (única que para o caso nos interessa) depende da forma que ela revista.
Determina o art. 358º/1 CC que a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente.
Não sendo reduzida a escrito, a confissão feita no depoimento de parte ficará sujeita à regra da livre apreciação da prova pelo tribunal, conforme determina o art. 358º/4 CC.
Podemos, assim, concluir que o depoimento de parte tem diferente valor probatório consoante estamos perante uma confissão ou apenas perante a afirmação de factos desfavoráveis ao depoente.
Daqui resulta que o depoimento de parte quando não obedece aos requisitos exigidos para que tenha eficácia probatória plena, a declaração de reconhecimento de factos desfavoráveis pode constituir meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (art. 361º CC).
As declarações do depoente podem ainda ser objeto de livre valoração pelo tribunal quando falte algum dos pressupostos do art. 353º CC, quando a confissão não seja escrita ou reduzida a escrito e quando falte o requisito da direcção à parte contrária (art. 358º/ nº3 e 4 CC) e também, quando a confissão conste duma declaração complexa, nos termos do art. 360º CC, e a parte contrária não se queira dela prevalecer como meio de prova plena.
Nestas circunstâncias as declarações prestadas pelo depoente com valor de prova livre constituem um ato distinto do da confissão com valor de prova plena, que tem requisitos de forma e pressupostos, necessários à sua validade, mais amplos do que os daquela. A sua eficácia probatória exige que o juiz a confronte com todos os outros elementos de prova produzidos sobre o facto confessado para que tire a sua conclusão sobre se este se verificou ou não[17].
Analisado o depoimento prestado pelo embargante verifica-se que não confessou os factos, porque negou ter assinado a livrança em causa, ou que a assinatura ali aposta o foi pelo seu punho. Depôs sobre um conjunto de circunstâncias a respeito da sua relação pessoal com os seus progenitores, mas não alegou factos desfavoráveis à sua pretensão, sendo certo que as circunstâncias que enunciou a propósito da sua relação com a mãe, a coexecutada E…, e às quais se faz referência na fundamentação da decisão de facto, não constituem factos desfavoráveis e não resultaram demonstradas por qualquer outro elemento de prova.
As testemunhas indicadas pelo embargante não revelaram ter conhecimento das circunstâncias em que foi emitida a livrança, quando foi aposta a assinatura e quem preencheu o título e o restante depoimento não tem qualquer valor probatório por se tratar de um depoimento indireto, em que a única fonte do conhecimento assenta nas informações prestadas pelo próprio embargante.
A testemunha J…, irmã da atual mulher do pai do embargante, referiu desconhecer as circunstâncias em que foi emitida a livrança. Referiu que há cerca de 2 ou 3 anos o embargante comentou que foi notificado para um processo por causa de uma assinatura que não era sua. “Lembrava-se do processo, que tinha sido a mãe, mas não foi o D… que assinou”. Disse que o embargante não se entende bem com a mãe, mas não conseguiu explicar a causa do desentendimento e que em 2008 terminou a licenciatura e saiu de casa. A respeito da coexecutada E… disse não a conhecer bem; “tinha um take-away e ouviu dizer que tinha problemas financeiros e vive acima das suas posses”.
A testemunha apenas revelou ter conhecimento da pendência do processo e da causa da emissão da livrança através das informações prestadas pelo próprio embargante, não revelando conhecer a coexecutada E…, nem ter qualquer conhecimento da relação entre mãe e filho.
A testemunha I…, advogado e colega de trabalho do embargante, referiu não conhecer a mãe do embargante e ter conhecimento que sempre existiu “algum desconforto na relação com a mãe”. Referiu que o embargante saiu de casa em 2008 quando terminou o curso. Há cerca de 3 anos o embargante falou no processo, quando citado e nessa altura reagiu com surpresa, porque não teve intervenção na celebração do contrato. Disse, ainda, que o executado não se referiu às circunstâncias em que foi celebrado o contrato e nunca o executado comentou que auxiliou a mãe com a celebração do contrato. Referiu, ainda, que o executado recusava a assinatura e não tinha qualquer contato com o contrato e com a livrança e que se chegou a levantar a possibilidade de falsificação da assinatura.
A testemunha revelou ter conhecimento da reação do embargante quando foi citado para os termos da ação.
Quanto à natureza da relação que se estabeleceu entre mãe e filho reproduz o que lhe foi transmitido pelo embargante.
A testemunha narra ao tribunal factos passados de que teve perceção.
Os depoimentos indiretos ou de ouvir dizer por não corresponderem a relatos de factos diretamente percecionados pelo depoente, ainda que não sejam expressamente proibidos ou condicionados no seu valor probatório, como ocorre no domínio do processo penal, constituem um meio de prova frágil, porque existe um desfasamento entre a fonte probatória e o meio de prova apresentado. Por isso, quando não são acompanhados de qualquer outro meio de prova não merecem qualquer relevo para a prova dos factos.
No caso concreto não existe qualquer outro elemento de prova que confirme os factos descritos pelo depoente a respeito da relação com a mãe e a causa do desentendimento entre ambos, na versão do embargante e a data em que deixou de residir na casa da mãe.
Por outro lado, o depoente foi confrontado com as fotocópias dos requerimentos dos bilhetes de identidade, elemento presente na realização da prova pericial e acabou por admitir que tal como consta do requerimento do bilhete de identidade apresentado em 2005, a sua assinatura era escrita com o nome completo, como consta na livrança.
Uma das assinaturas genuínas que serviram para confrontar a assinatura contestada correspondia à forma como em 2005 o embargante assinava o seu nome. Desta forma, tal elemento merece particular relevo no contexto do exame pericial e reforça o relevo que tal meio de prova merece, quando o próprio depoente admite o carácter genuíno dessa assinatura.
Ponderando o depoimento das testemunhas arroladas pelo embargado referiu-se na fundamentação da decisão: ”Por outro lado, a restante prova testemunhal, mormente os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo banco exequente, nenhuma luz vieram trazer a esta matéria.
Na verdade, as testemunhas G… e F…, ambos funcionários do banco exequente há vários (tendo a segunda testemunha chegado a exercer o cargo de gerente da sucursal do banco exequente na Zona Industrial da …), não se recordam dos factos em apreço, mormente no que tange à aposição das assinaturas na livrança e no contrato em apreço.
Enquanto a primeira testemunha referiu mesmo não ter assistido a tais factos, a segunda testemunha relatou apenas conhecer a mãe do embargante (não conhecendo, pois, o embargante nem a outra coexecutada) mas já não se recorda da situação em concreto; mesmo perante o próprio embargante, em audiência, afirmou perentoriamente não se recordar do mesmo.
Perante esta fragilidade da prova testemunhal arrolada pela exequente, tendo presente que é a parte a quem compete o ónus da prova em apreço, a par das considerações acima tecidas, reveladoras do estado de dúvida do tribunal, a resposta não podia deixar de ser negativa no que tange à autoria da assinatura imputada ao aqui embargante – quer na livrança, quer no contrato em questão”.
Cumpre ter presente que as testemunhas em causa foram ouvidas em duas ocasiões distintas, a primeira antes do depoente prestar declarações e depois do depoimento de parte e os respetivos depoimentos, em particular o depoimento de F…, merecem uma particular relevância.
A testemunha G… na data em que veio depor ( 2015 ) exercia há dois anos as funções de gerente no balcão da exequente na Zona Industrial da …. Referiu que não conhecia os executados e não teve qualquer contacto com os executados na data da celebração do contrato e quando passou a exercer as funções na agência já o processo tinha transitado para o Serviço de Recuperação de Crédito.
Na segunda data em que prestou o seu depoimento, a testemunha referiu não conhecer o executado-embargante e que nunca foi contatado no sentido de prestar esclarecimentos sobre a situação, desconhecendo se alguma vez o executado se dirigiu à agência com tal propósito.
A testemunha F… referiu que exercia as funções de gerente na agência da exequente quando foi celebrado o contrato em causa nestes autos e esclareceu que o contrato foi celebrado para reestruturar uma divida anterior. Referiu conhecer a executada E…. Afirmou várias vezes com muita segurança que não constituía hábito da instituição bancária entregar o contrato para ser assinado fora da instituição bancária. As assinaturas que constam dos contratos ou dos títulos de créditos eram sempre efetuadas na presença de um funcionário do banco, nas instalações do banco ou num local previamente acordado, mas sempre na presença de um funcionário da instituição.
Em relação ao caso concreto referiu não existir motivo para alterar tal procedimento, não se recordando de qualquer incidente relacionado com a celebração do contrato. Referiu, ainda, que por se tratar de uma reestruturação da divida o contrato foi celebrado com os mesmos intervenientes, mantendo-se as garantias, porque “ não é normal o banco libertar obrigados”. Frisou “ não ter memória desta situação e não se lembrar de qualquer irregularidade”.
Disse, ainda, que se manteve no balcão da Zona Industrial da … até 2012 e durante esse período não foi contatada pelo executado.
Depois do depoimento prestado pelo executado, a testemunha confrontada com o executado referiu não conhecer a pessoa em causa e não se recordar de ver o embargante na agência. Referiu que assinou o contrato, reconhecendo como sua a assinatura nele aposta em representação do banco e voltou a afirmar que os contratos são assinados presencialmente, junto de um funcionário do Banco.
Decorre do depoimento das testemunhas que não assistiram à assinatura da livrança pelo punho do executado. Contudo, revelaram ter conhecimento de um conjunto de circunstâncias que apenas permitem concluir que a assinatura aposta o foi pelo punho do executado-embargante.
Entendemos não existir motivo para duvidar do depoimento da testemunha F… quando refere que os contratos são assinados na presença de um funcionário, por nos parecer ser o procedimento normal quando se trata de negociar um crédito junto de uma instituição bancária, atendendo às garantias que tal negócio exige.
Acresce, que no caso concreto todas as assinaturas que constam da livrança – frente e verso – são precedidas de uma pequena cruz e uma rubrica ilegível indiciando que alguém indicou expressamente com um sinal no documento o local onde se deviam efetuar as assinaturas.
Por outro lado, apesar do embargante referir que tentou diligenciar junto da concreta agência por saber a causa da emissão da livrança, a verdade é que nenhuma das testemunhas reportou qualquer contato do executado. Também se estranha que o executado-embargante não tenha solicitado por escrito um esclarecimento do banco, comprovando o mesmo nos autos.
Perante o depoimento prestado pela testemunha F… o tribunal solicitou junto da instituição bancária cópia do contrato que motivou a reestruturação da divida, o que foi fornecido, bem como, o título de crédito que o acompanhou como garantia. Da análise destes documentos decorre que no primitivo contrato o embargante figurava como avalista e garante do pagamento do financiamento. Apesar de impugnada a assinatura que consta daquele título de crédito, no qual o embargante figura como avalista, verifica-se face ao relatório de peritagem que aferiu da sua autenticidade, que se considerou ”provável” ter sido efetuada pelo punho do embargante.
Nos dois contratos, o primeiro celebrado em 2005 e o segundo, em 2008, este último que está na origem da emissão da livrança, o executado aparece investido da mesma qualidade, como avalista e é nessa qualidade que surge a assinatura na livrança, o que confirma o sentido do depoimento da testemunha F…, quando referiu que o Banco não tem por hábito “libertar os obrigados”, como também se nos afigura normal e natural sobretudo quando o segundo contrato surge como reestruturação de divida, indiciando uma situação de incumprimento.
Neste contexto e ponderando os vários meios de prova é de concluir que resulta demonstrado que o embargante no verso da livrança assinou pelo seu punho a sua assinatura e bem assim, que o fez na qualidade de avalista, o que importa a alteração da decisão de facto, nos seguintes termos:
Provado:
5. Factos alegados nos artigos 5º e 6º da contestação: Provado, apenas, que a livrança dada à execução e referida em 1 foi subscrita pela executada E… e avalizada, entre outros, pelo embargante, em branco, como caução do contrato de crédito com o número …, celebrado entre a referida executada e o banco embargado, em 14-04-2008, sendo que através desse contrato foi concedido à executada E… um financiamento no montante de €9.570,00, pelo prazo de 24 meses, não reutilizável, com uma taxa de juro correspondente à média mensal Euribor a um mês, acrescida de cinco pontos percentuais, a que correspondia uma taxa anual efetiva de 10,12887% (vide ainda doc. de fls. 40 a 44 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
- O embargante D… assinou, pelo seu punho, o verso da livrança referida em 1 dos factos provados, sendo do seu punho a assinatura que aí consta com os dizeres “D…” (vide arts. 7º, 10º, 11º e 44º da contestação).
A alteração importa que se julgue provado o parágrafo primeiro dos factos não provados e se elimine o ponto 2 dos factos provados. A eliminação do ponto 2 resulta do ónus da prova recair sobre o exequente, como se começou por referir.
Procedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos I a XVII.
*
Na análise das restantes questões cumpre ter presente os seguintes factos provados e não provados com as alterações introduzidas por efeito da reapreciação da decisão de facto:
1. A exequente apresentou à execução em causa o documento junto a fls. 5 e 6 dos autos de execução de que estes autos constituem um apenso, denominado “ livrança”, contendo, além do mais, os seguintes dizeres:
- Importância – 15.056,28€;
- Vencimento – 2013/02/08;
- Local e Data de Emissão – Maia – 08.04.14;
- Valor – Caução;
- Assinatura(s) do(s) Subscritor(es): contém uma assinatura aposta pela coexecutada, E…;
- No verso, consta aposta a expressão manuscrita, “Dou o meu aval à subscritora”, seguido de duas assinaturas, sendo uma delas com os seguintes dizeres “D…” (cfr. doc. de fls. 5 e 6 dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido e artigos 1º, 33º, 34º e 35º da petição inicial e 31º, 43º e 44º da contestação).
2. O embargante D… assinou, pelo seu punho, o verso da livrança referida em 1 dos factos provados, sendo do seu punho a assinatura que aí consta com os dizeres “D…” (vide arts. 7º, 10º, 11º e 44º da contestação).
3. Facto alegado no artigo 17º da petição inicial: Provado, apenas, que o embargante nunca manteve qualquer tipo de relação comercial com o exequente.
4. Factos alegados nos artigos 5º e 6º da contestação: Provado, apenas, que a livrança dada à execução e referida em 1 foi subscrita pela executada E…, e avalizada, entre outros, pelo embargante, em branco, como caução do contrato de crédito com o número …, celebrado entre a referida executada e o banco embargado, em 14-04-2008, sendo que através desse contrato foi concedido à executada E… um financiamento no montante de €9.570,00, pelo prazo de 24 meses, não reutilizável, com uma taxa de juro correspondente à média mensal Euribor a um mês, acrescida de cinco pontos percentuais, a que correspondia uma taxa anual efetiva de 10,12887% (vide ainda doc. de fls. 40 a 44 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
5. Factos alegados nos artigos 8º e 42º da contestação: Provado, apenas, que ficou estipulado no contrato aludido em 5, para além do mais, que:
“1. O B… poderá acionar ou descontar a livrança que lhe é entregue pelo Cliente no caso de incumprimento das obrigações assumidas no Contrato. 2. O B… fica autorizado pelo Cliente e pelo(s) avalista(s), caso existam, a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o Cliente lhe deva ao abrigo do Contrato” (vide ainda doc. de fls. 40 a 44 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
6 Factos alegados no artigo 12º da contestação: Provado, apenas, que a livrança referida em 1 foi preenchida posteriormente pelo banco embargado, no que se refere à data e valor, em virtude do incumprimento do contrato.
7. Atento o incumprimento das obrigações que foram assumidas através da celebração do contrato em apreço, o embargado viu-se no direito de denunciar o contrato e de preencher a livrança que estava na sua posse, tudo em conformidade com o estipulado no contrato (vide art. 13º da contestação).
8. O preenchimento da livrança foi comunicado por cartas enviadas aos executados em 16.01.2013, incluindo ao embargante, sendo que a quantia aposta na livrança é a quantia devida em virtude do aludido contrato de crédito, corresponde a 9.450,00 de capital vencido e não pago, €5.606,28 de juros de mora vencidos na pendência do contrato (vide arts. 14º e 17º da contestação e doc. de fls. 45 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
9. Factos alegados no artigo 16º da contestação: Provado, apenas, que persistindo no incumprimento das suas obrigações contratuais, a coexecutada E… não liquidou a quantia aposta no título
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B - Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos, para além ou em contrário dos anteriormente referidos, designadamente:
- Que o embargante tenha sido interveniente no contrato aludido em 5 dos factos provados e que tenha assinado esse contrato (vide arts. 7º e 8º da contestação);
- Que o embargante tenha autorizado expressamente o preenchimento da livrança referida em 1 dos factos provados, no contrato aludido em 5 dos factos provados e que tenha garantido o cumprimento desse mesmo contrato (vide art. 12º da contestação);
- Que o embargante tenha persistido no incumprimento desse mesmo contrato (vide art. 16º da contestação).
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- Legitimidade do executado -
Na sentença recorrida julgou-se o executado parte ilegítima, por se entender que não sendo do seu punho a letra aposta no verso da livrança, não poderia ser demandado enquanto executado.
Impõe-se reapreciar este segmento da decisão, ainda que o apelante não tenha reagido diretamente contra o decidido. Contudo, ao defender, sob os pontos XVIII a XXVIII a condenação do executado por considerar que o executado-embargante figura na qualidade de avalista está a impugnar a decisão no seu todo, mesmo quanto à questão da legitimidade para a execução.
Nos termos do art. 53º/1 CPC sob a epigrafe legitimidade do exequente e executado, prevê-se que a execução deve ser promovida contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
O título executivo em causa é uma livrança, na qual o executado figura no verso da mesma na qualidade de avalista.
O avalista constitui um obrigado cambiário que responde com o subscritor pelo cumprimento da livrança. Assume no título a qualidade de devedor pelo que sendo demandado em tal qualidade e independentemente de se apreciar da validade do aval tem legitimidade para a execução como executado.
Pelo exposto altera-se a decisão recorrida e em sua substituição julga-se o executado-embargante parte legítima.
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- Responsabilidade do avalista -
Tendo presente, a regra da substituição do tribunal recorrido prevista no art. 665º CPC, por efeito da alteração da decisão de facto cumpre apreciar as questões suscitadas pelo embargante na oposição e cuja apreciação ficou prejudicada pela decisão proferida em 1ª instância e que consistem na apreciação da nulidade do aval e da data a partir da qual se vencem os juros.
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Nas conclusões de recurso sob os pontos XVIII a XXVIII considera o apelante que o executado não impugnou a relação imediata que está na origem da emissão da livrança pelo que a sua responsabilidade deve ser apreciada em sede de relação cambiária e não invocando qualquer exceção nesse domínio é responsável pelo pagamento da quantia titulada pela livrança.
Entende o apelado que atenta a matéria de facto apurada e que não foi objeto de impugnação não pode ser atribuída qualquer responsabilidade ao executado.
Cumpre assim apurar da responsabilidade do executado.
Tratando-se de uma execução baseada num título extra-judicial, os embargos podem ter como fundamento, além da “inexequibilidade do título” e das outras causas previstas no artigo 729º do Código de Processo Civil para a execução fundada em sentença, qualquer fundamento “que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração” (artigo 731º CPC).
Apurou-se que a exequente apresentou à execução em causa o documento junto a fls. 5 e 6 dos autos de execução de que estes autos constituem um apenso, denominado “ livrança”, contendo, além do mais, os seguintes dizeres:
- Importância – 15.056,28 €;
- Vencimento – 2013/02/08;
- Local e Data de Emissão – Maia – 08.04.14;
- Valor – Caução;
- Assinatura(s) do(s) Subscritor(es): contém uma assinatura aposta pela coexecutada, E…;
- No verso, consta aposta a expressão manuscrita, “Dou o meu aval à subscritora”, seguido de duas assinaturas, sendo uma delas com os seguintes dizeres “D…”.
O embargante D… assinou, pelo seu punho, o verso da livrança referida em 1 dos factos provados, sendo do seu punho a assinatura que aí consta com os dizeres “D…”.
A livrança dada à execução e referida em 1 foi subscrita pela executada E…, e avalizada, entre outros, pelo embargante, em branco, como caução do contrato de crédito com o número …, celebrado entre a referida executada e o banco embargado, em 14-04-2008, sendo que através desse contrato foi concedido à executada E… um financiamento no montante de €9.570,00, pelo prazo de 24 meses, não reutilizável, com uma taxa de juro correspondente à média mensal Euribor a um mês, acrescida de cinco pontos percentuais, a que correspondia uma taxa anual efetiva de 10,12887%.
Da conjugação destes factos resulta que o executado-embargante tem intervenção na emissão da livrança na qualidade de avalista.
O embargante não alicerçou a sua defesa na relação causal ou imediata e que está na origem da emissão do título, pelo que, a sua responsabilidade apenas pode ser apurada em sede de relação cambiária.
Com efeito, o alegado desconhecimento da falta de pagamento, do valor inserido, local, data de emissão e vencimento apostos na livrança, mostra-se irrelevante porque o embargante não suscita a violação do pacto de preenchimento.
Recaindo sobre o executado o ónus da prova de tal matéria, enquanto facto extintivo do direito do exequente, recai sobre o executado o ónus de alegar os factos que configuram a exceção, desde logo a celebração de um pacto de preenchimento e a sua violação.
Com efeito, dispõe o art. 10.º da LULL, aplicável às livranças face ao estatuído no art. 77.º da mesma lei:
“ Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.”
O preceito reporta-se à figura jurídica da “livrança em branco “, cujos requisitos indispensáveis são:
a) que no título se contenha já assinatura de, pelo menos, um dos obrigados cambiários;
b) que haja um acordo de preenchimento dos elementos restantes.
A livrança em branco deve ser preenchida em conformidade com o acordo de preenchimento, sem prejuízo dos direitos do portador estranho a esse mesmo acordo e de boa fé.
O pacto de preenchimento constitui o ato pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros[18].
Como expressivamente se refere no Ac. STJ 14 de dezembro 2006[19]: “[e]ste acordo que pode ser expresso ou induzir-se perante os factos que forem assentes reporta-se à obrigação cartular em si mesma, o que pode ou não coincidir com a obrigação que esta garante e que daquele é causal ou subjacente.
Mas ali valem, tão somente, os critérios da incorporação, literalidade, autonomia e abstração e não a “causa debendi“ bastando-se para a execução a não demonstração, pelo executado, de ter sido incumprido o pacto de preenchimento, que pode ser invocado no domínio das relações imediatas.
Este princípio é válido para os avalistas, desde que tenham subscrito o pacto de preenchimento”.
Ponderando a particular natureza do aval, salienta-se no Ac. STJ 11.02.2010[20]: “[a]tenta esta autonomia, o avalista não pode defender-se com as exceções do avalizado, salvo no que concerne ao pagamento.
Realmente, tendo em conta a natureza da obrigação do avalista, destinada à satisfação do direito do credor, se o avalizado pagar ou satisfizer de outro modo a sua dívida ao portador da letra, este não pode exigir do avalista um segundo pagamento.
O princípio da independência das obrigações cambiárias e da obrigação do avalista da do avalizado (arts. 7° e 32° da LULL) não obsta a que o avalista oponha ao portador a exceção de liberação por extinção da obrigação do avalizado (desde que o portador seja o mesmo em relação ao qual o avalizado extinguiu a sua obrigação".
Pelo que, em princípio, o acordo de preenchimento apenas diz respeito ao subscritor da livrança e ao seu portador.
Não tendo o avalista, também e ainda em princípio, legitimidade para discutir questões relacionadas com o pacto de preenchimento.
A não ser que tenha também intervindo na sua celebração.
Podendo então opor ao portador, se a livrança não tiver entrado em circulação, ou seja, se não tiver saído do domínio das relações imediatas, não sendo, assim, detida por alguém estranho às relações extra-cartulares, a exceção do preenchimento abusivo“.
Conclui-se, assim, que o avalista enquanto parte no acordo de preenchimento pode opor ao portador da livrança, que não entrou em circulação, a desconformidade com o que tiver sido ajustado acerca do seu preenchimento e desta forma, não tem aplicação o regime do art. 10º LULL, na medida em que a questão coloca-se no âmbito das relações imediatas entre portador/ beneficiário do título e o avalista.
Daqui decorre que recai sobre o avalista o ónus da prova do pacto de preenchimento e o preenchimento abusivo, nos termos do art. 342º/2 CC, por constituir um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do exequente.
Neste sentido, podem consultar-se, ainda, Ac. Rel Porto 03 de abril de 2014, Proc.1033/10.4TBLSD-A.P2; Ac. Rel. Porto de 03 de junho de 2014, Proc.448/11.5TBPRG-A.P1, Ac. Rel. Porto 05 de maio de 2014, Proc.3862/11.2TBVNG-A.P.1; Ac. Rel. Lisboa de 08 de outubro de 2015, Proc. 607/10.8TCFUN-A.L1-6; Ac. STJ 15 de maio de 2014, Proc.1419/11.7TBCBR-A.C1.S1;Ac. STJ 10.09.2009- Proc. 380/09.2YFLSB, Ac. STJ 09.09.2008 - Proc. 08A1999, Ac. STJ 17.04.2008 – Proc. 08A727, Ac. STJ 23.09.2003 – Proc. 03A2211, Ac. STJ 04.03.2008 – Proc. 07A4251, todos disponíveis em www.dgsi.pt
No caso presente, o executado não só não alega que foi interveniente na celebração do contrato que está na origem da emissão da livrança, como também não refere ser interveniente no pacto de preenchimento e que o preenchimento da livrança não obedeceu ao respetivo pacto. Limitou-se a alegar de forma conclusiva desconhecer a data de vencimento, valor indicado, o contrato e que não assinou o contrato (requerimento em que exerceu o contraditório a respeito dos documentos juntos pelo exequente), o que se mostra irrelevante por não revestir a natureza de facto extintivo ou impeditivo do direito do exequente. Como também não merece qualquer relevo o enunciado de factos julgados não provados.
Neste sentido se pronunciou o Ac. Rel. Porto 09 de abril de 2013, Proc. 199/12.3YYPRT-A.P1 quando observa:
“[…]no caso em apreço, o oponente assume claramente que:
- não outorgou o contrato subjacente à subscrição da livrança;
- não assinou qualquer pacto de preenchimento;
Ora, tais factos colocam-no claramente fora do âmbito de quaisquer relações imediatas que pudessem legitimar a invocação de um preenchimento abusivo: se ele não interveio em tais contratos ou acordos, o avalista não é sujeito de tal relação e, como tal, não se poderá falar na existência de uma relação “imediata” entre si e o credor do avalizado.
Por outro lado, a situação por si alegada também não configura propriamente um preenchimento abusivo.
Este pressupõe o preenchimento “contrariamente aos acordos realizados”, ou seja, a existência de um acordo quanto ao modo como há de efectuar-se o preenchimento do título e um preenchimento em violação de tais acordos. Ora, o facto alegado pelo oponente – desconhecimento das cláusulas do contrato celebrado entre o avalizado e o banco credor ou desconhecimento sobre se o preenchimento da letra foi ou não autorizado – não configura uma situação de preenchimento abusivo.
E, como é jurisprudência igualmente pacífica, a exceção de preenchimento abusivo, como exceção de direito matéria que é, deve ser alegada e provada pelo executado, nos termos do nº2 do art. 342º, do Código Civil”.
Não admitindo o embargante a sua intervenção na relação imediata e situando-se a sua obrigação no estrito domínio da relação cambiária entre avalista e portador do título apenas poderia defender-se invocando o pagamento ou um qualquer vício de natureza formal.
Por este motivo, também não é atendível a nulidade suscitada por alegada omissão de comunicação ou informação sobre os termos do contrato celebrado entre o portador do título e o subscritor da livrança, suscitada pelo apelado no requerimento em que se pronunciou sobre a junção dos documentos com a contestação (data de 22.09.2004), ao abrigo do disposto no art. 5º do Dec. Lei nº 446/85, de 25/10 (regime das Clausulas Contratuais Gerais).
Não tendo sido o mesmo parte em tal contrato, nem se logrando provar tal matéria, tais cláusulas não tinham de lhe ser comunicadas.
Como se refere no Ac. do STJ de 17.04.2008, “[…] embora as cláusulas contratuais gerais devam ser comunicadas na íntegra aos aderentes, sem o que se terão por excluídas do contrato (art. 8º do DL 446/85), e eventual falta de comunicação das mesmas aos avalistas, não outorgantes do contrato que esteve na base na emissão da letra, não pode ser motivo de extinção de tal cláusula a requerimento destes com o efeito de reduzir ou extinguir a sua responsabilidade”.
Desta forma no domínio da relação cambiária o embargante-executado e aqui apelado responde com os demais coobrigados pelo pagamento da quantia titulada pela livrança.
O avalista surge na relação cambiária porque por ato de vontade assumiu a garantia da relação cartular apondo a sua assinatura no título. Na qualidade de avalista está obrigado a garantir o pagamento do título, solidariamente, com os demais obrigados. O avalista é responsável no lugar do avalizado nos termos e na medida em que este seria responsável, como decorre do disposto nas disposições conjugadas dos art.30º, 32º, 47º, 77º LULL.
Desta forma, não merece qualquer relevância a afirmação que desconhece se o portador não conseguiu obter o pagamento, porque apenas releva como facto extintivo o pagamento.
Conclui-se, assim, que na qualidade de avalista e garante do cumprimento da relação cartular, o embargante é responsável pelo pagamento da livrança dada à execução.
Procedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos XVII a XXVIII.
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- Nulidade do aval -
O embargante suscitou na oposição a nulidade do aval, com fundamento em vício de forma, por considerar que a assinatura aposta no verso da livrança não está precedida da expressão “ bom para aval” ou outra idêntica e a expressão ali inserida, formulada no presente do indicativo singular significa que apenas se reporta à assinatura que imediatamente se segue.
Na contestação o embargado veio defender a validade do aval, porque a lei não exige uma declaração individualizada em relação a cada obrigado.
A questão que se coloca prende-se com a validade formal do aval, porque a assinatura aposta no verso do título, não é precedida da expressão “bom para aval”.
A matéria em causa não tem obtido da jurisprudência uma resposta unânime, como se salienta no Ac. Rel. Porto 31 de janeiro de 2002, Proc.0132108 e o voto de vencido no Ac. Rel. Porto 27 de janeiro de 2009, Proc. 0821255 (ambos em www.dgsi.pt). Contudo, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[21] tem vindo a defender, com unanimidade, que no aval completo a falta da expressão “bom para aval“ ou outra idêntica da mesma natureza importa a nulidade do aval.
Na concreta situação a apreciar não tem aplicação a jurisprudência em causa, porque no verso do título onde consta a assinatura aposta pelo executado não se omitiu a expressão que a lei prevê e que atribui a qualidade de avalista a quem apõe a sua assinatura naquele local.
Analisando.
Nos termos do art. 31º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, norma aplicável à livrança por expressa disposição do art. 77º, último parágrafo, da citada lei, o aval é escrito na própria letra ou numa folha anexa.
Exprime-se pelas palavras "bom para aval" ou por qualquer fórmula equivalente; é assinado pelo dador do aval.
O aval considera-se como resultado da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador.
Perante o regime legal, a doutrina[22] distingue dois tipos de aval: o aval completo e o aval incompleto.
O aval que se exprime pelas palavras "bom para aval" ou por qualquer fórmula equivalente, e que é assinado pelo dador do aval, diz-se completo e pode constar em qualquer local do documento.
O aval incompleto ou em branco corresponde à simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra, salvo se se tratar das assinaturas do sacado ou do sacador.
Considera-se como aval a aposição da simples assinatura do dador na face anterior da letra, por ser esse o efeito que a lei atribui a tal assinatura, quando não é acompanhada de qualquer referência. A simples assinatura no verso da letra ou no alongue não tem a natureza de aval, o qual é nulo por vício de forma. Só assim não será quando a assinatura se mostre acompanhada da expressão “bom para aval” ou outra equivalente mas de igual teor.
Argumenta-se que a assinatura no verso da livrança quando não vem acompanhada de qualquer expressão pode criar a confusão com o endosso e por isso, na dúvida não pode exprimir um aval.
Contudo, no caso concreto, conforme resulta dos factos provados, verifica-se que no verso da livrança se escreveu “dou o meu aval à subscritora”, seguida de duas assinaturas intercaladas apenas pelos elementos de identificação do primeiro dador do aval. O facto da expressão se mostrar redigida no presente do indicativo singular apenas significa que a responsabilidade é individual. Não resulta qualquer outro elemento do documento que permita considerar que a referida expressão reflete apenas a vontade do primeiro dador. Os vários elementos manuscritos seguem-se sem qualquer espaço em branco, sendo certo que as duas assinaturas são precedidas de uma rubrica (a mesma) e uma cruz.
A jurisprudência tem entendido que nestas circunstâncias a expressão vincula todos os demais dadores que tenham aposto a sua assinatura e não vemos motivo para entender de forma distinta.
Neste sentido o Ac. STJ 29 de junho de 2004, Proc. 04A1459 (www.dgsi.pt) que considerou nulo o aval completo, por vício de forma, refere como proceder: “ era necessário que o Banco, de posse da livrança, a preenchesse de acordo com tal pacto, fazendo inscrever antes ou depois (12) das assinaturas apostas no verso, a expressão "bom para aval" ou "damos o nosso aval à subscritora" por forma a transformar essas simples assinaturas no verso, sem valor jurídico algum, em aval completo.
É claro que poderia, depois, discutir-se a legitimidade do Banco para assim proceder, provado que ficou ter sido o acordo de financiamento negociado exclusivamente entre a gerência da empresa e o gerente da agência bancária, sem intervenção, pois, do ora embargante e recorrido”.
No Ac. STJ 10 de julho de 2008, Proc.08B2107 (www.dgsi.pt) considerou-se: “[i]nserido o aval completo no verso das livranças, a situação não se configura como nulidade daquela garantia porque as assinaturas dos avalistas foram encimadas pela expressão «dou o meu aval à subscritora»”.
Em situação idêntica aquela que nos cumpre aqui apreciar, no Ac. Rel. Porto 30 de dezembro de 2012, Proc.3376/10.8TBDGM-A.P1 (www.dgsi.pt) concluiu-se pela validade do aval, com os seguintes fundamentos: “O princípio da literalidade, enquanto característica distintiva da obrigação cambiária, e segundo o qual as obrigações emergentes do título se definem pelos exatos termos que dele constem exarados, aferindo-se a existência e validade da obrigação pelos factos reconhecíveis através do seu próprio texto e pela sua simples inspeção, encontra-se perfeitamente assegurado.
A assinatura não se encontra dispersa, isolada, no espaço posterior da livrança, desconexionada ou sem referência a um qualquer significado. Ela “acoplou-se” à do outro avalista – indiscutivelmente, avalista! –, foi aposta imediatamente por baixo da expressão manuscrita “Por aval aos subscritores” e a seguir à daquele, sem qualquer outra razão que não seja a de também “subscrever”, e assim aderir, à mesma declaração e ao correspondente vínculo jurídico-obrigacional.
Isso não configura aval incompleto ou em branco (só possível na face posterior ou anverso da letra). A vontade de dar o aval ressalta como evidente, não carecendo de qualquer esforço de averiguação nem de prova e, por isso, mostram-se respeitadas as exigências formais do artº 31º.
Não há qualquer hipótese de confusão com um endosso incompleto”.
Conclui-se, face ao exposto, que o aval dado pelo embargante se mostra válido, constituindo-se por essa via o embargante garante cambiário do subscritor da livrança.
Improcedem, nesta parte os embargos.
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- Dos juros -
Em sede de embargos o executado considera que a livrança não foi apresentada a pagamento devido à falta de preenchimento do local de pagamento e falta de cumprimento das inerentes obrigações fiscais, sendo inexigíveis os juros de mora.
A questão da apresentação da livrança a pagamento foi apreciada em sede de saneador e o embargante não se insurgiu contra os fundamentos da decisão.
Resta, pois, apurar do cumprimento das obrigações fiscais e inexigibilidade dos juros de mora.
Os requisitos que a livrança deverá conter para que assuma tal natureza, constam da indicação taxativa constante do artigo 75º da LULL, sendo que entre esses requisitos essenciais não figura a demonstração do pagamento do imposto de selo, pelo que, não merece qualquer relevo a demonstração do respetivo pagamento.
Como ficou decidido o portador da livrança para exercer os seus direitos contra os avalistas do subscritor não tem que apresentar a livrança a pagamento ou a protesto.
A promoção do processo de execução está dependente da verificação de pressupostos específicos: o título executivo e que a obrigação exequenda se mostre certa liquida e exigível.
A prestação é exigível, como observa LEBRE DE FREITAS: “quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma supletiva do art.777º/1 CC de simples interpelação ao devedor”[23].
No caso concreto ocorreu a respetiva interpelação por parte do beneficiário da livrança, quanto à data aposta para pagamento da livrança, sendo devidos os juros a contar da data de vencimento por se tratar de obrigação com prazo certo (art. 804º,805º/2 a),806º/1 CC).
Contudo, não podemos ignorar que alguma jurisprudência vem defendendo a necessidade de interpelar os avalistas quanto às obrigações decorrentes dos contratos de preenchimento das livranças.
Considera-se que o principio da boa fé e o dever de atuação em conformidade com ele, consagrado, entre outros, no art. 762º n.º2 do Código Civil, impõe ao exequente a obrigação de informar aos avalistas dos títulos, simultaneamente partes no pacto de preenchimento, quais os montantes em dívida e as datas de vencimento e em que termos será preenchido o título em caso de não pagamento, com realce para os casos, como o presente, em que os subscritores dos pactos não são parte nos contratos cujo cumprimento os títulos visam garantir.
Este entendimento vem expresso nos Ac. da Rel. Lisboa 20 de janeiro de 2011, Proc. 1847/08.5TBBRR-A.L1-6 (www.dgsi.pt) onde consta no sumário: “é necessária interpelação prévia do avalista quando, sendo o título entregue em branco ao credor (para este lhe apor a data de pagamento e a quantia prometida pagar, em termos deixados ao seu critério), pois só assim o avalista tem conhecimento do montante exato e da data em que se vence a garantia prestada.” e ainda, acórdãos da Rel. Lisboa de 20 de janeiro de 2011, proferido no Proc.847/08.5TBBRR-A.L1-6 e de 08 de dezembro de 2012, no Proc. 5930/10.9TCLRS-A.L1-6, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso dos autos, a livrança dada à execução não entrou em circulação e, por outro lado, provou-se que o credor comunicou ao embargante os termos em que iria proceder ao preenchimento do título, conforme decorre do ponto 9 dos factos provados (o preenchimento da livrança foi comunicado por cartas enviadas aos executados em 16.01.2013, incluindo ao embargante, sendo que a quantia aposta na livrança é a quantia devida em virtude do aludido contrato de crédito, corresponde a 9.450,00 de capital vencido e não pago, €5.606,28 de juros de mora vencidos na pendência do contrato (vide arts. 14º e 17º da contestação e doc. de fls. 45 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido)).
Conclui-se, assim, que os juros de mora são devidos a contar da data de vencimento aposta na livrança, tal como calculados no requerimento executivo, pelo que, improcedem também nesta parte os embargos.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas em 1ª instância e as da apelação são suportadas pelo embargante.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e nessa conformidade:
- julgar procedente a reapreciação da decisão de facto e alterar a decisão de facto nos seguintes termos:
- Factos provados -
5. Factos alegados nos artigos 5º e 6º da contestação: Provado, apenas, que a livrança dada à execução e referida em 1 foi subscrita pela executada E… e avalizada, entre outros, pelo embargante, em branco, como caução do contrato de crédito com o número …, celebrado entre a referida executada e o banco embargado, em 14-04-2008, sendo que através desse contrato foi concedido à executada E… um financiamento no montante de €9.570,00, pelo prazo de 24 meses, não reutilizável, com uma taxa de juro correspondente à média mensal Euribor a um mês, acrescida de cinco pontos percentuais, a que correspondia uma taxa anual efetiva de 10,12887% (vide ainda doc. de fls. 40 a 44 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
- O embargante D… assinou, pelo seu punho, o verso da livrança referida em 1 dos factos provados, sendo do seu punho a assinatura que aí consta com os dizeres “D…” (vide arts. 7º, 10º, 11º e 44º da contestação).
- Eliminar o ponto 2 dos factos provados, com o seguinte teor: Facto alegado nos art. 13º e 15º da petição inicial: Provado, apenas, que a assinatura que consta do verso da livrança referida em 1, com os dizeres “D…”, não foi feita pelo punho d aqui embargante.
- revogar a sentença e julgar improcedentes os embargos, prosseguindo a execução os ulteriores termos contra o executado D….
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Custas, na 1ª instância e na apelação, a cargo do executado-apelado.
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Porto, 5 de Junho de 2016
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126.
[3] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora-grupo Wolters Kluwer, Coimbra, 2011, pag. 331;
[4] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, ob. cit., pag. 306.
[5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225.
[6] ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272.
[7] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 569.
[8] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[9] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[10] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra 2001, pag. 576, 578.
[11] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Codigo Civil Anotado, ob. cit., pag. 340
[12] JOÃO MATOS ANTUNES VARELA et al Manual da Processo Civil, ob. cit., pag. 539.
[13] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, vol.II, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pag. 496.
[14] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código Revisto, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pag. 227-228.
[15] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código Revisto, ob. cit., pag. 228 e JOÃO MATOS ANTUNES VARELA et al Manual da Processo Civil, ob. cit, pag. 553.
[16] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código Revisto, ob. cit., pag. 228.
[17] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código Revisto, ob.cit., pag. 245-247.
[18] Cfr. Ac. STJ 11.02.2010 – Proc. 1213-A/2001.L1.S1 – www.dgsi.pt
[19] Ac. STJ 14 de dezembro de 2006, Proc. 06A2589 – www.dgsi.pt
[20] Ac. STJ 11.02.2010 – Proc. 1213-A/2001.L1.S1 – www.dgsi.pt
[21] Ac. STJ 29 de junho 2004, Proc. 04ª1459; Ac. STJ 12 de janeiro de 2010, Proc. 2974/04.3TVPRT-A.P1.S1; Ac. STJ 15 de março 2012, Proc. 2974/04.3TVPRT-B.P2.S1, todos em www.dgsi.pt
[22] A. FERRER CORREIA Lições de Direito Comercial- Letra de Câmbio, Vol. III, Universidade de Coimbra, 1975, pag. 213-214
[23] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Acão Executiva –Á luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014,pag. 98