Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
891/21.1T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: USUFRUTO
ENTREGA DO IMÓVEL
DIREITO DE RETENÇÃO
CRÉDITO DE TORNAS
Nº do Documento: RP20211021891/21.1T8AVR.P1
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Não goza de direito de retenção a recorrente, obrigada a entregar o imóvel de que era usufrutuária, por crédito (pagamento de tornas) que não tem origem em despesas efetuadas por causa do imóvel ou por danos causados pelo mesmo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 891/21.1T8AVR.P1

Sumário.
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1). Relatório.
B…, residente na Rua …, n.º …, …, Sever do Vouga, intentou
Procedimento cautelar comum contra
C… e D…, residentes na Rua …, n.º …, Sever do Vouga, pedindo que:
seja prorrogado o seu direito de usufruto até trânsito em julgado do processo principal (ação de impugnação pauliana, a intentar);
caso assim não se entenda,
. deve o mesmo bem ser retido na sua posse, até trânsito em julgado do referido processo principal.
Alega que é usufrutuária de um bem imóvel e é credora do 1.º requerido, seu ex-marido, a título de tornas.
O 1.º requerido transmitiu a nua propriedade do imóvel de que é usufrutuária à 2.ª requerida para impedir o pagamento do seu crédito.
Não estando pago esse crédito e tendo findado o usufruto, tem direito a reter o imóvel até que esteja decidida a ação principal que vai intentar – ação de impugnação pauliana -.
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Citados os requeridos, contestaram os requeridos opondo-se à procedência do peticionado.
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Realizada inquirição de testemunhas, foi proferido despacho a julgar totalmente improcedente o procedimento.
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Inconformada, interpôs a requerente recurso, formulando as seguintes conclusões que se eliminam em parte por serem claramente violadoras da síntese que se exige (transcrição de testemunhos):
«1.ª O presente recurso tem por objecto modificar a sentença recorrida nos seguintes aspectos:
Da Nulidade da Sentença por Impedimento de Patrocinio Judiciário de Mandatário.
Erro de apreciação da prova gravada quanto ao facto dado como não provado em 16.º, da Petição Inicial dos Factos não Apurados.
Erro de julgamento em matéria de Direito.
2.ª Existia uma forte amizade que durou mais de 20 anos, entre a recorrente, o Mandatário E…, Mandatário do Recorrido C…, e a filha do Mandatário F… (Advogada).
3.ª O Mandatário E…, e a sua filha F… (Advogada) têm ambos residência profissional na Rua …, .. – 1º. ….-… Sever do Vouga.
4.ª A recorrente não é família dos referidos advogados, mas ao longo de mais de 20 anos, foi amiga íntima da família, juntamente com o seu ex. marido, o Recorrido C….
5.ª O recorrido C… iniciou a sua carreira de empregado forense, com o Sr. Advogado E…, apenas saindo de tal escritório após se casar com a recorrente para trabalhar no escritório da mesma.
6.ª A recorrente era solicitadora e como tal existia troca constante de serviços por mais de 20 anos, entre escritórios.
7.ª Os convívios familiares, as ajudas na quinta da propriedade do Sr. Advogado E…, os constantes almoços e jantares entre as famílias, saída em conjunto para férias, ida ao casamento da advogada F…, conduziram a uma intimidade idêntica a família.
8.ª Tendo sido a recorrente a madrinha e o recorrido C… o padrinho de casamento da Sr.ª Advogada F…
9.ª Tanto o Mandatário do recorrido C… como a filha do Mandatário tinham conhecimento de assuntos pessoais da recorrente, sendo ajudada por estes em quaisquer problemas que surgissem.
10.ª No final do ano de 2020, a Sr.ª advogada F…, teve um encontro com a recorrente, no qual a recorrente lhe contou toda a estratégia de defesa que iria ser utilizada e quais as ações que iriam ser intentadas contra o ex. marido e a irmã deste.
11.ª Foi intentada a providência cautelar contra o recorrido C…, tendo assumido a defesa deste o Sr. advogado E…, pai da advogada F….
12.ª O facto de ambos os Advogados terem uma relação familiar, serem amigos de longa data da recorrida, saberem a sua estratégia de defesa e exercerem atividade profissional no mesmo escritório, criou automaticamente um impedimento emergente do art. 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
13.ª A recorrente em resposta à contestação apresentada pelo Mandatário do recorrido C…, por requerimento datado de 05/05/2021, com a Ref. 11445982, escreveu o seguinte: “6 - Para além do mais, litiga de má-fé quando faz intervir como seu Mandatário alguém que privou durante longos anos com a Requerente, “assim como com o Requerido”, Mandatário este, que tem conhecimento pleno de toda a vida do ex casal.
7 - Litiga também de má-fé, quando induz a filha do aqui Mandatário “também advogada no mesmo escritório”, a interpelar a requerente sobre estas matérias que estão em discussão, tomando conhecimento assim, de toda a versão, factos e demais matérias provatórias da Requerente.
8 - Significando isto, conflitos de interesses, e pelos quais quer Mandatário, quer os elementos do seu escritório não podiam patrocinar…”
14.ª Por despacho de 18/05/2021 com Ref. 116244708, a Meretissima Juiz escreveu o seguinte: “Nos artigos 6.º, 7.º, 8.º e também 13.º do seu requerimento invoca factos que podem consubstanciar impedimentos de patrocínio judiciário, ao abrigo do disposto no art.º 99 do EOA e que têm relevância para os autos, na medida em que podem levar a considerar-se que estamos perante uma irregularidade do mandato. No exercício do contraditório quanto a esses conflitos, os mandatários das partes contrárias negaram a sua existência.
Perante as alegações mencionadas, deve a requerente informar se efectuou alguma participação à Ordem dos Advogados, comprovando-o nos autos, se a resposta for afirmativa.”
15.ª Em requerimento datado de 26/05/2021 com Ref. 38988345, a recorrente veio transmitir o seguinte: “B…, Requerente, melhor identificada nos autos do processo à margem identificada, vem mediante a notificação de V./Ex.ª dizer o seguinte, A requerente participou à Ordem dos Advogados os factos de forma pormenorizada e indicando testemunhas para o efeito, do alegado nos artigos 6.º, 7.º, 8.º e 13.º do requerimento de resposta da aqui requerente, que consubstanciam de facto impedimentos de patrocínio judiciário ao abrigo do disposto no artigo 99.º do EOA. Assim, participou à Ordem dos Advogados dos Ilustres Advogados: Dr. E…; Dr.ª F…; Dr.ª G…; Assim, juntam-se documentos confirmativos de ter sido enviada a participação à Ordem dos Advogados contra os Ilustres Advogados supra identificados.”
16.ª Em requerimento datado de 28/05/2021 com Ref. 390016124, a recorrente requer aos autos o seguinte: “B…, requerente, melhor identificada nos autos do processo à margem identificada, notificada do requerimento formulado pelo requerido C…, vem dizer que ao mesmo não assiste qualquer razão, e é nosso entendimento que deve ser determinado que o mandatário do requerido seja impedido de continuar a patrocinar o mesmo, dado o conflito de interesses que é bem patente em toda a discussão desta matéria nos presentes autos.”
17.ª Por despacho ditado para a ata pela Meretissima Juiz do tribunal a quo (registo 20210531101122_4048315_2870421 do sistema de registo áudio integrado na Aplicação Informática Habilus, com início da gravação às 10:20:10): “Relativamente ao conflito de interesses: artigo 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados que está invocada no processo: Tendo em consideração os factos alegados no processo, não dispõe este Tribunal de elementos que nos permitam, com um mínimo de certeza, considerar que os Ilustres Mandatários dos Requeridos tenham aconselhado, representado ou atuado na defesa dos interesses da Requerente e dos Requeridos em assuntos comuns e conexionados com os factos aqui em discussão.
Não se coloca a questão prevista no número 1 do artigo 99º por não ter sido invocada, nem prevista a do número 2 do mesmo artigo. De igual forma, não foi alegado o preenchimento das circunstâncias previstas pelos nºs 4 e 5 do artigo 99º, restando-nos a circunstância prevista no número 3; e quanto a essa alega a requerente várias suspeitas, negadas pela parte contrária, sem que os elementos dos autos nos permitam concluir pelos mesmos. Por conseguinte, o assunto em discussão quanto à possível existência de um eventual conflito de interesses, deverá ser dirimido numa outra sede, nomeadamente, pela Ordem dos Advogados, constando dos autos que já foram apresentadas queixas pela requerente. Acresce que, a natureza urgente e sumária da providência cautelar, não se coaduna com a suspensão do processo até que as queixas que foram apresentadas na Ordem dos Advogados sejam decididas. Pelo exposto, consideramos que os autos não permitem decidir pela existência de uma irregularidade de mandato prevista pelo artigo 48º do C.P.C.”
18.ª Apesar de estarmos perante um processo urgente, não pode esta urgência atropelar as garantias do Direito Processual Civil.
19.ª Não se pode no caso concreto observar a questão do impedimento em sentido estrito.
20.ª A amizade ao longo dos anos e as informações privilegiadas que o Mandatário detinha em mãos, não poderiam ser usadas contra nenhuma das partes, pois estavam vedadas deontologicamente.
21.º Levantada a questão da incompatibilidade do Mandatário, nada mais restava se não o afastamento do Mandatário por conflito de interesses.
22.º Não cabia ao tribunal a quo procurar exaustivamente saber pormenores sobre os factos do impedimento, mas sim, apenas indícios suficientes que existiam factos que impediam o patrocínio do Mandatário referido.
23.ª Os alegados no requerimento datado de 05/05/2021, com a Ref. 11445982, nos pontos 6, 7 e 8, eram suficientes para promover o afastamento do Mandatário.
24.ª Do despacho de 18/05/2021 com Ref. 116244708, o tribunal a quo escreve que nos artigos 6.º, 7.º, 8.º e também 13.º invoca factos que podem consubstanciar impedimentos de patrocínio judiciário, ao abrigo do disposto no art.º 99 do EOA e que têm relevância para os autos, na medida em que podem levar a considerar-se que estamos perante uma irregularidade do mandato.
25.ª No despacho referido, o tribunal a quo solicitou informações e comprovativos de ter sido enviada participação à Ordem dos Advogados, o que foi realizado pela recorrente.
26.ª O alegado nos artigos 6.º, 7.º, 8.º datado de 05/05/2021, com a Ref. 11445982, juntamente com o comprovativo de participação à Ordem dos Advogados, eram mais do que indícios suficientes para promover o afastamento do Mandatário.
27.ª Não cabia ao tribunal a quo fazer a avaliação quanto aos impedimentos, essa avaliação caberia exclusivamente à Ordem dos Advogados.
28.ª Ao tribunal a quo, apenas caberia, atendendo aos indícios vertidos nos autos dos impedimentos, consolidados com uma efetiva denuncia à Ordem dos Advogados, promover o afastamento do Mandatário.
29.ª O tribunal a quo ao manter nos autos o Mandatário do recorrido, encontrando-se em vantagem processual pelo facto de conhecer todas as reais intenções, estratégias e argumentos da recorrente, criou-se uma patente desigualdade processual.
30.ª Tal desigualdade feriu vários princípios processuais, entre os quais, Princípio da Livre Apreciação da Prova (Art. 607º n.º 5), Princípio da Boa Fé Processual, Princípio da segurança jurídica, entre outros.
31.ª Ao escutar as gravações do decurso do julgamento, percebermos tudo o que envolveu o facto do Mandatário de C… ter permanecido nos autos.
32.ª (…)
33.ª (…)
35.ª Existiu uma forte desigualdade entre as partes, provocada pelo facto do impedimento que pendia sobre o Mandatário E….
36.ª Só com a declarada nulidade da Sentença por Impedimento de Patrocinio Judiciário de Mandatário do recorrido C…, se poderá sanar o impedimento que recaiu no Mandatário.
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37.ª Existiu um patente Erro na apreciação da Prova Gravada, quanto ao Facto Não Apurado da Petição Inicial 16.º, resultante da Fundamentação da sentença recorrida.
38.ª A requerente no seu articulado da Petição Inicial, artigo 16.º escreveu: “16.º - Além dessa confissão de dívida, o 1.º Requerido, constituiu, como garantia acrescida, usufruto sobre a casa de morada de família, melhor identificada no ponto 4.º deste articulado, a vigorar no prazo de cinco anos, a favor da Requerente, como resulta da partilha do património conjugal, a que coube o procedimento N.º 237/2016, e melhor reflectido no Docs. 1, 3 e 8.”
39.ª O tribunal a quo considerou o Facto Não Apurado: Consta dos factos não apurados da Petição Inicial, afirmando “ 16.º Não provado que o usufruto tenha sido constituído como garantia de pagamento da quantia mencionada na declaração de dívida, na medida que o usufruto tenha sido constituído como garantia do pagamento da quantia mencionada na declaração de dívida, por ausência de prova consistente, na medida em que na escritura de partilha nada consta e requerente e requerido prestaram depoimentos opostos sobre esta matéria. A prova testemunhal, pelas razões já mencionadas no parágrafo anterior, não foi credível, nem é um meio adequado para provar esta matéria.”
40.ª Erradamente a decisão de julgamento deste facto foi, não provado.
41.ª O tribunal a quo, dá como não provado que o usufruto tenha sido constituído como garantia do pagamento da quantia mencionada na declaração de dívida.
42.ª Salvo melhor opinião, o tribunal recorrido, bastava analisar e confrontar os documentos da Petição Inicial juntos aos autos e ouvir a testemunha, que foi credível pela forma espontânea que fez o seu depoimento.
43.ª Do documento N.º 1 junto na P.I., datada de 17 de Março de 2016, na sua página 4/5, resulta, “B… Usufruto pelo prazo de cinco anos do imóvel da Verba nº 1 (…)”
44.º Do documento N.º 2 junto na P.I., datada de 21 de Março de 2016, (que por lapso de escrita, aceite por ambas as partes, consta erradamente 21 de Março de 2010) na sua página 1/2, resulta o seguinte: “O abaixo assinado, C…, (…) declara e confessa-se devedor da importância de 75.000,00 € (setenta e cinco mil euros), à Senhora B…, (…) resultante de tornas que lhe ficou a dever, no processo de Partilhas, que teve lugar na Conservatória do Registo Civil/Predial e Comercial de Sever do Vouga, através do Procedimento de Partilha do Património Conjugal n.º 237/2016, em 17 de Março de 2016 (…) Mais declara que se obriga a pagar a mesma importância no prazo de cinco anos, a começar da referida data de 17 de Março de 2016 (…)”
45.ª Com tais documentos concluímos que a garantia acordada de pagamento seria o usufruto por cinco anos, tempo que ficou acordado para realizar o pagamento da importância monetária acordada.
46.ª Um homem médio, razoável, como um Bonus Pater Familias, iria ficar com uma garantia para o recebimento das tornas, que foi o caso da recorrente, até porque a recorrente era Solicitadora.
47ª Pelas regras de experiência comum do julgador, teria de concluir o tribunal a quo que a verificação dos documentos e do que resultou em sede de julgamento, levariam à prova do facto em análise.
48.ª Ficou provado que os valores atribuídos aos bens na partilhar não foram os reais.
49.ª A escritura de partilhas continha os valores simulados, e por isso foi realizada a Confissão de dívida, onde se encontra escrito que a mesma dívida provem da escritura de partilhas, realizada a 17 de Março de 2016.
50.ª Tendo havido a simulação dos valores na partilha, ficou vedada a hipótese de hipotecar o bem até ao pagamento, tendo optado a recorrente e recorrido (ex. marido), pelo pagamento da dívida pelo prazo de cinco anos com a constituição de garantia de usufruto.
51.ª Por declarações de parte de B…, (registo 20210531122139_4048315_2870421 do sistema de registo áudio integrado na Aplicação Informática Habilus, com início da gravação às 12:21:41), aos minutos 1:02:35 a depoente afirmou, que a partilha foi real, mas os valores atribuídos aos objetos não foram reais;
Aos minutos 1:05:37, a Meretissima Juiz afirma ao Adv. do recorrido C… que os dois declarantes reconhecem que o valor que está na escritura é simulado, não admite prova por testemunha, admite prova por confissão, os dois simuladores, admitem que os valores são simulado; Aos minutos 04:56, a recorrente torna a esclarecer que o valor global do imóvel é € 200.000,00, que recorrente e recorrido atribuíram € 100.000,00 a cada um, tendo deduzido a parte da divida à recorrente na H… de € 25.000,00,tendo chegado aos € 75.000,00. Assim o valor de € 75.000,00 era para ser pago no prazo de cinco anos pelo recorrido, tendo surgido como garantia de pagamento a confissão de dívida e a constituição de usufruto por cinco anos, tempo necessário para liquidar a mesma.
52.º A testemunha I… (registo 20210621143613_4048315_2870421 do sistema de registo áudio integrado na Aplicação Informática Habilus, com início da gravação às 14:36:15), aos minutos 07:02, a testemunha afirma às questões realizadas pelo Mandatário da requerente, presenciou as negociações e que a recorrente aceitou mas com a condição de haver uma confissão de dívida, e constituição de usufruto do imóvel durante 5 anos, até o recorrido pagar, tendo ambos concordado.
53.ª A testemunha J… (registo 20210621153533_4048315_2870421 do sistema de registo áudio integrado na Aplicação Informática Habilus, com início da gravação às 15:35:35): Aos minutos 10:42, 19:21, a testemunha veio corroborar com a testemunha I…, que confirmou estar presente na reunião.
54.ª Resulta claro e evidente que pelas regras da experiência, com as declarações das testemunhas, mais o cruzamento dos documentos 1 e 2 da P.I., existia de facto a ligação da confissão de divida junta aos autos com o usufruto, este utilizado como garantia de pagamento.
55.º Assim, sugere-se que este Venerando Tribunal da Relação deverá revogar a decisão dada pelo Tribunal da 1ª instância, no que toca à decisão de considerar que não ficou provado que o usufruto foi constituído como garantia de pagamento, na quantia mencionada na declaração de dívida.
56.ª Assim, pela prova realizada, forçoso é que se dê tal facto como provado.
57.ª Propõe-se, por isso, que o Tribunal Superior dê como provado que, “O usufruto foi constituído como garantia de pagamento, na quantia mencionada na declaração de dívida.”
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58.ª A recorrente considera que existe um Erro de Julgamento da Fundamentação de Direito.
59.ª A recorrente formulou como pedido no seu articulado de Petição Inicial que fosse decretada a Providência Cautelar, “3. Deve o mesmo bem ser retido na posse da requerente, até trânsito em julgado do processo principal, Ação de Impugnação Pauliana, a intentar.”
60.ª Na sentença recorrida afirma-se que, “A falta de prova da má-fé da requerida é também suficiente para levar à improcedência do segundo pedido formulado pela requerente nesta providência, na medida em que não pode impor a terceiro o direito de retenção de um crédito que não lhe é oponível.
O direito de retenção é uma das formas que a lei civil prevê de garantia especial de cumprimento das obrigações e que existe, nos termos previstos no art.º 754º do C. Civil, quando: “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.” Sendo o direito de retenção um direito real de garantia de obrigações e, sendo incidente sobre uma coisa em concreto, os requisitos da sua existência e invocação válida são: - licitude da detenção da coisa – art.º 756º, a) do C. Civil; - reciprocidade de créditos entre o detentor da coisa e aquele a quem está obrigado a entregá-la; - existência de conexão substancial entre a coisa retida e o crédito de quem exerce o direito – art.º 754º do C. Civil.
Ora, a requerente não é titular de qualquer direito de crédito sobre a segunda requerida, sendo esta a proprietária do imóvel e não o primeiro requerido.”
61.ª Salvo devido respeito, não podemos concordar com tais afirmações do ponto anterior.
62.º A consciência do prejuízo causado à recorrente não exige, para ter verificação, que se queira causar esse prejuízo. Basta, para a procedência do pedido de retenção da posse, até ao trânsito em julgado do processo principal, Acção de Impugnação Pauliana, o conhecimento negligente do prejuízo causado à garantia patrimonial da credora /recorrente.
63.º A má fé, enquanto requisito subjectivo, significa a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, e não já a intenção de prejudicar este último.
64.ª A má fé neste sentido, abrange a própria negligência consciente - já que o agente tem consciência que o acto pode prejudicar o credor, ainda que confie que tal resultado não venha a verificar-se.
65.ª Na formulação legal a má fé não se reconduz à intenção deliberada de prejudicar o credor, podendo consistir apenas na consciência do prejuízo causado. Exige-se que os outorgantes do acto lesivo representem que esse acto afectará a satisfação do direito do credor, que tenham consciência dessa repercussão negativa. E esta má fé tem de existir tanto na actuação dos vendedores, como na dos compradores;
66.ª Há uma negligência consciente em relação à verificação do prejuízo, a recorrida D…, sendo Agente de Execução, tinha consciência aquando da realização da compra e venda, que era possível que o negócio viesse a lesar possíveis credores, tanto assim é, que a mesma admite que viu que se encontrava a decorrer um usufruto a favor da recorrente.
67.ª A má fé neste caso concreto não pode nunca alcançar prova directa, mas tão só a prova indirecta, até porque os recorridos são irmãos, e versados na área do Direito.
68.ª Neste tipo de prova, o facto a provar não é directamente o facto principal e por isso os meios de prova não incidem logo sobre o facto a provar, mas sobre outros, retirando-se de presunções o facto a provar.
69.ª É a prova indiciária, que se serve dos factos instrumentais.
70.ª A presunção, nos termos do art 349º CC é a ilação que o julgador ou a lei retira de um facto conhecido para firmar um desconhecido.
71.ª A recorrida D… (registo 20210531113818_4048315_2870421do sistema de registo áudio integrado na Aplicação Informática Habilus, com início da gravação às 11:38:20): aos minutos 5:07, a recorrida afirma que teve conhecimento, do usufruto quando foi para comprar a casa.
72.ª Aos minutos 15:18, a recorrida afirma que os bens do recorrido seu irmão passaram para si por doação.
73.ª Aos minutos 19:06, a recorrida afirma, que o recorrido seu irmão, não tem qualquer bem, e que o automóvel com que anda foi comprado por ela, trabalhando para si, recebendo o ordenado mínimo e estando muitas vezes doente e de baixa médica.
74.ª Aos minutos 20:49, a recorrida afirma que o sobrinho, filho da recorrente pode viver na casa, enquanto quiser.
75.ª A recorrida D… sabia que seu irmão, o recorrido não tinha bens, que recebia o ordenado mínimo pago por si, que estava frequentemente de baixa, recebeu os bens por doação do recorrido, que até o carro que conduz foi a recorrida que lho comprou, (deduzindo-se que o recorrido não possui dinheiro), vivia e ainda vive na mesma habitação com o recorrido, tendo forçosamente que se concluir que existe uma patente má-fé, alcançada pela prova indireta, retirando-se destas e de outras presunções esse facto.
76.ª Assim, deverá ser dado como provada a existência de má fé por parte da recorrida D…, uma vez que a mesma tinha todas as aptidões (Agente de Execução) para perceber que o ato de alienação iria prejudicar a garantia patrimonial da recorrente, pois sabia da existência de usufruto, como garantia do pagamento das tornas da partilha, e de todos os restantes factos que envolviam o recorrido e a recorrente.
77.ª Ambos os recorridos vivem na mesma habitação, tornando natural entre irmãos debaterem o assunto e analisarem o que melhor se adequava à situação.
78.ª Ouve uma fuga de bens pertencentes ao recorrido C…, para a esfera jurídica da recorrida D…, fuga essa concretizada por doação.
79.ª Por último, a recorrida D…, efectuou uma compra de uma habitação no valor de € 50.000,00, mas não tem intenções de viver na mesma, nem rentabilizar ao afirmar que seu sobrinho poderá lá viver o tempo que entender.
80.ª Assim, encontra-se provada a má fé, má fé que emerge de forma subjetiva, pois a recorrida D… tinha consciência do potencial prejuízo que o acto causaria à recorrente, e sendo esta Agente de Execução, tinha uma responsabilidade acrescida quanto a este facto.».
Termina pedindo que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que dê como provados os factos pela forma descrita nas conclusões 1ª a 80ª e, bem assim, condene os RR no pedido, decretando-se a providência cautelar, ficando o imóvel retido na posse da recorrente, até trânsito em julgado do processo principal, Acção de Impugnação Pauliana a intentar; se assim não se entender, face à nulidade da sentença recorrida por impedimento de patrocínio judiciário de mandatário, deverá ser anulado o julgamento e repetido, devendo o presente processo regressar novamente à primeira instância.
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Foram apresentadas contra-alegações pelos recorridos pugnando pela manutenção do decidido.
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A questão a decidir é saber se a recorrente, obrigada a entregar o imóvel de que era usufrutuária, pode reter essa entrega por ser credora do 1.º recorrido (seu ex-marido), evitando assim a entrega à 2.ª recorrida, atual proprietária do mesmo imóvel.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Foram julgados indiciariamente provados:
«1.º A Requerente foi casada com o 1.º Requerido durante 21 anos, tendo contraído casamento em 12/09/1992, sob o regime da comunhão geral de bens, casamento que se dissolveu por divórcio decretado em 24/05/2013 (fls. 106-106 verso);
2.º Após o divórcio, requerente e primeiro requerido procederam, em 17 de Março de 2016, na Conservatória do Registo Civil de Sever do Vouga, à partilha de bens comuns do casal, nos termos constantes do documento de fls. 10 verso a 12, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, processo com o n.º …/2016;
3.º Pelo documento referido no artigo anterior, o ex-casal declarou como bens a partilhar os seguintes:
Imóveis:
Verba n.º 1: prédio urbano, descrito na CR Predial de Sever do Vouga sob o n.º 356, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 1032, o qual proveio do artigo 541, com o valor patrimonial de € 58.820,00.
Prédio composto por casa de cave e rés-do-chão.
Sobre esse imóvel encontravam-se registadas três hipotecas em favor da H…, S. A., com as seguintes datas: 27-04-1994; 20-10-1997 e 10-09-2003;
Sobre esse imóvel encontra-se igualmente registada a aquisição em favor do primeiro requerido, por doação, pela Ap 3 de 20-09-1993
Verba nº 2: prédio rústico, descrito na CR Predial de Sever do Vouga sob o n.º 1445, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 1018, o qual proveio do artigo 509, com o valor patrimonial de € 299,74;
Verba n.º 3: prédio rústico, descrito na CR Predial de Sever do Vouga sob o n.º 1446, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 3198, o qual proveio do artigo 1751, com o valor patrimonial de € 190,00;
Verba n.º 4: ¼ indiviso do prédio rústico, descrito na CR Predial de Sever do Vouga sob o n.º 642, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 4225, o qual proveio do artigo 2793, com o valor patrimonial de € 45,20;
Verba n.º 5: ¼ indiviso do prédio rústico, descrito na CR Predial de Sever do Vouga sob o n.º 27, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 4346, com o valor patrimonial de € 47,42;
Verba n.º 6: 1/3 indiviso do prédio rústico, descrito na CR Predial de Sever do Vouga sob o n.º 43, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 2136, o qual proveio do artigo 2793, com o valor patrimonial de € 77,96;
Móveis sujeitos a registo
Verba n.º 7: veículo automóvel com a marca Mercedes Benz, modelo …, matrícula ..-..-XD, com o valor atribuído de € 1.000,00.
4.º Da mesma partilha consta que:
Bens comuns do casal dissolvido
Valor dos bens comuns: € 60.480,32;
Valor da meação: € 30.240,16
(…)
Quinhões dos termos do artigo 1790º do Código Civil:
C…: € 59.957,72
B…: € 522,60
5.º Mais consta:
Adjudicações
Apurados os valores, acordam fazer a partilha da seguinte forma:
C…:
Nua propriedade do imóvel da verba n.º 1;
Verbas n.ºs 2, 3, 4, 5, 6, e 7.
Valor activo adjudicado de € 54.598,32
Valor a que tinha direito: € 59.957,72
Tornas a receber: € 5.359,40
B…
Usufruto pelo prazo de cinco anos do imóvel da verba n.º 1
Valor líquido adjudicado de € 5.882,00
Valor a que tinha direito: € 522,60
Tornas a devolver: € 5.359,40.
6.º Consta ainda que:
O partilhante C… declara ter recebido as tornas devidas pela partilha.
7.º Com data de 21 de Março de 2016 (a menção no documento ao ano de 2010 é um lapso de escrita que se evidencia pela data do reconhecimento da assinatura do documento constante de fls. 13 e pela data mencionada no próprio documento), o primeiro requerido, C…, assinou a declaração constante de fls. 12 verso, denominada como “Confissão de Dívida”, assinatura reconhecida presencialmente no Cartório Notarial de Sever do Vouga (fls. 13);
8.º Da declaração referida no artigo anterior consta o seguinte:
“O abaixo assinado, C…, divorciado (…) declara e confessa-se devedor da importância de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros) à Senhora B… (…) resultante de tornas que lhe ficou a dever no processo de Partilhas, que teve lugar na Conservatória do Registo Civil/Predial e Comercial de Sever do Vouga, através do procedimento de Partilha do Património Conjugal n.º …/2016, de 17 de Março de 2016.
Mais declara que se obriga a pagar a mesma importância no prazo de cinco anos a começar da referida data 17 de Março de 2016.
O Declarante atribui à presente Declaração de Dívida o valor de título executivo.
A presente declaração corresponde à verdade e foi emitida por livre e expressa vontade do Declarante.”
9.º Por escritura pública denominada de “Dação em Cumprimento”, outorgada no dia vinte e cinco de Março de 2020, o primeiro requerido, C…, na qualidade de primeiro outorgante, autorizado para o acto pela sua mulher e a segunda requerida, D…, na qualidade de segunda outorgante, declararam, respectivamente, o seguinte:
“(…) o primeiro outorgante (…) é dono e legítimo possuidor da nua propriedade do prédio urbano (…) sito em …, freguesia da União das Freguesias …, concelho de Sever do Vouga, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga sob o número “356” (…) e por onde verifiquei ainda que sobre o referido prédio incidem três hipotecas voluntárias, todas em favor da H…, S. A. (…) e que se encontra ali registado um usufruto a favor de B… (…) inscrito na matriz sob o artigo 1032 (…) ao qual atribui o valor de sessenta mil euros (…)
Disse ainda o primeiro outorgante que é devedor à segunda outorgante da quantia de sessenta mil euros, correspondente à soma das quantias: de dezasseis mil oitocentos e noventa e sete euros e três cêntimos de empréstimos vários (…) efectuados entre setembro de dois mil e treze e abril de dois mil e dezassete (…); mil setecentos e doze euros e dezasseis cêntimos pagos por referência multibanco para a entidade (…), com a referência (…) em onze de março de dois mil e vinte, correspondente ao pagamento de guia de pagamento de agente de execução e quarenta e um mil, trezentos e noventa euros e oitenta e um cêntimos, pagos por transferência bancária da conta ordenante com o número (…) da K… para a conta beneficiária com o número (…) da H…, S. A., efectuada no dia dez de Março de dois mil e vinte, correspondente ao pagamento de uma execução movida pela H…, S. A.
Que para pagamento da referida quantia de sessenta mil euros, o primeiro outorgante dá em cumprimento para pagamento integral da referida dívida e sua consequente extinção, o direito predial acima identificado (…)” (fls. 14 verso a 17 verso).
10.º Da mesma escritura consta ainda:
“E pela segunda outorgante foi dito que aceita a presente dação em cumprimento para pagamento integral da citada dívida nos termos exarados, declarando em consequência extinta a dívida (…).”
11.º A aquisição do direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1032º e descrito na CR Predial sob o n.º 356, em favor da segunda requerida, D…, tendo como causa de aquisição a escritura de dação em pagamento, referida nos artigos anteriores, está registado pela AP 184 de 2020-03-27 (fls. 18 a 19);
12.º O direito de usufruto em benefício da requerente referido em 6º, está registado pela Ap. 124 de 2016-03-17, com o prazo de cinco anos (fls. 18 a 19);
13.º Sobre o mesmo imóvel estão registadas três hipotecas voluntárias, a primeira registada em 27-04-1994, a segunda em 20-10-1997 e a terceira em 10-09-2003 (fls. 18-19);
14.º Por documento denominado por “Título de Doação”, celebrado com data de 15 de Abril de 2016, na Conservatória do Registo Predial, a requerente e o primeiro requerido, na qualidade de doadores e J…, na qualidade de donatário, declararam, para além do mais, o seguinte:
“(…)
Identificação dos prédios (…)
Prédio 1 (…) rústico (…) inscrição matricial 10282 (…) Valor Patrimonial (…) 91,22 euros (correspondente à fracção de um terço). Outros: um terço indiviso (…) Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga sob o n.º “ 41289 “(…)
Prédio 2 (…) rústico (…) inscrição matricial 10444 (…) Valor Patrimonial (…) 26,44 euros (…) Outros: um quinto indiviso (…)
Prédio 3 (…) rústico (…) inscrição matricial 10448 (…) Valor Patrimonial (…) 13,26 euros (…) Outros: um terço indiviso (…)
Prédio 4 (…) rústico (…) inscrição matricial 54628 (…) Valor Patrimonial (…) 52,39 euros (…)
Prédio 5 (…) rústico (…) inscrição matricial 58135 (…) Valor Patrimonial (…) 43,04 euros (…)
Prédio 6 (…) rústico (…) inscrição matricial 58349 (…) Valor Patrimonial (…) 14,71 euros (…)
Prédio 7 (…) rústico (…) inscrição matricial 58351 (…) Valor Patrimonial (…) 27,01 euros (…)
Prédio 8 (…) urbano (…) terreno para construção (…) inscrição matricial 1729 (…) Valor Patrimonial (…) 6.673,72 euros (…)
Prédio 9 (…) rústico (…) inscrição matricial 3932 (…) Valor Patrimonial (…) 92,40 euros (…)
Prédio 10 (…) rústico (…) inscrição matricial 5185 (…) Valor Patrimonial (…) 20,00 euros (…) “ (fls. 45 verso a 50)
15.º Mais consta:
“Doação (…)
Os primeiros doam ao segundo, seu filho, livre de ónus ou encargos, os imóveis acima identificados sob os números quatro, cinco, seis, sete, oito, nove e dez, um terço indiviso (único direito que possuem) do prédio identificado em um e em três e um quinto indiviso (único direito que possuem) do prédio identificado em dois (…)
Aceitação
A parte donatária declara aceitar a doação (…)”
16.º O primeiro requerido acordou com a requerente de que iria proceder ao pagamento das prestações à H…, S. A., que estavam em dívida;
17.º O requerido não tem acervo patrimonial imobiliário;
18.º A requerente foi interpelada para regularização da prestação bancária existente na H…, S.A.;
19.º Os requeridos são irmãos;
20.ºAmbos os Requeridos residem na mesma residência, na Rua …, n.º …, …, Sever do Vouga, casa que era a da morada dos progenitores de ambos, 1.º e 2.º Requeridos.
21.º A 2.ª Requerida é Agente de Execução há vários anos, com a cédula profissional n.º …., e o 1.º Requerido é empregado forense da 2.ª Requerida.
22.º A Requerente desempenhou a profissão de Solicitadora durante vários anos, sendo que o 1.º Requerido trabalhou para a mesma enquanto foram casados.
23.º À data em que foi realizada a partilha extrajudicial pela escritura mencionada em 2º o requerido residia em Cabo Verde, tendo-se deslocado a Portugal a fim de realizar a partilha;
24.º O que consta da escritura de partilha, no que concerne aos valores indicados, não corresponde ao que as partes acordaram.
25.º A partilha não espelha a totalidade do acervo patrimonial do dissolvido casal, na medida em que Requerente e Requerido deixaram intencionalmente e por comum acordo fora da partilha formal diversos bens, cujo destino haviam já decidido e ou mesmo providenciado.
26.º Após a dissolução do casal a requerente ficou na sua posse com dois veículos, a saber: um BMW modelo … (matricula ..-AE-..) e Mercedes … (matrícula ..-..-UH)
27.º .º O dissolvido casal era também comproprietário de um prédio sito na …, inscrito na matriz sob o n.º 3207, da Freguesia …, que foi vendido por € 15.000,00, em 14/05/2013, tendo o vendedor entregue à requerente o valor de € 7.500,00 para pagamento;
28.º Em 10/09/2003, o dissolvido casal contraiu um empréstimo no montante de € 60.000,00 (sessenta mil euros), dando de hipoteca o prédio identificado em 3º, verba um da relação de bens, hipoteca registada na CR Predial (certidão de fls. 18 verso)
29.º Requerente e requerido registaram em seu favor a aquisição, por compra, de um imóvel descrito na CR Predial de Odivelas sob o n.º 483, com data de 16-09-2003, tendo, posteriormente, em 15-03-2016 procedido à venda desse imóvel, venda igualmente registada na CRP (fls. 56-56 verso)
30.º Foi o requerido quem suportou o pagamento das prestações à H…, até ao incumprimento;
31.º De 28 de Fevereiro de 2014 a 2 de Abril de 2015, o Requerido C… providenciava, através de depósito bancário na conta n.º ……………, sediada na L… – Agência …, pela entrega à requerente de quantias, em média de € 3.000,00 (três mil euros) por mês, que eram depositados naquela conta à data pelo Sr. M…;
32.º Aquela conta era exclusivamente movimentada pela Requerente;
33.º O requerido procedeu a um acordo de pagamento em prestações de facturas em dívida à N…, S. A. por fornecimento de energia elétrica dos meses de Março a Agosto de 2016, num valor total de € 1.190,90, contrato de fornecimento de energia eléctrica que incidia sobre o imóvel identificado em (fls. 78 verso a 80), sendo que quem habitava o imóvel era a requerente.
34.º Em 2018 o Requerido passou por uma grave situação económica e financeira, na medida em que o negócio que mantinha em Cabo Verde começou a correr mal, tendo entrado em incumprimento com o pagamento das prestações.
35.º A H… instaurou um processo de execução para pagamento de quantia certa contra o requerido e a requerente, mutuários, processo com o n.º 57/20.T8AGD (fls. 98)
36.º Com data de 09 de Março de 2020 a segunda requerida celebrou com a K… um contrato de mútuo com hipoteca, constante de fls. 91 a 95 verso;
37.º Pelo contrato referido no artigo anterior a entidade bancária emprestou à segunda requerida a quantia de 50.000,00€ garantido por hipoteca sob o imóvel, correspondente a prédio urbano descrito na CR Predial de Sever do Vouga sob o n.º 2144, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 791º
38.ºA segunda requerida utilizou a quantia mutuada e referida nos artigos anteriores, para proceder ao pagamento da quantia exequenda objecto do processo de execução referido em 35.º na sequência do qual o processo de execução foi considerado extinto;
39.º Procedeu ainda a segunda requerida ao pagamento, a título de despesas e honorários devidas ao Agente de Execução, a quantia de € 1.712,16 (fls. 96 verso, 97 e 97 verso)
40.º A execução chegou ao conhecimento da segunda requerida antes da citação do requerido, por consulta à lista pública da distribuição de execuções, sendo executados o primeiro requerido e a requerente e exequente a H…, S. A.
41.º Ao ter conhecimento da execução a requerida propôs ao irmão a aquisição daquela casa, por se encontrar edificado num terreno que havia sido dos pais de ambos e estar entre as duas casas dos outros irmãos e ao lado da casa dos seus pais.».
*
E resultaram não indiciados:
Factos não apurados:
Da Petição Inicial: 3.º a 9.º - Provado apenas que sobre o imóvel indiciam as hipotecas mencionadas nos factos indiciados.
Valor do passivo.
10.º e 11º: Provado apenas o que consta da declaração de dívida.
13.º Provado apenas o que consta da declaração de dívida.
16.º Não provado que o usufruto tenha sido constituído como garantia do pagamento da quantia mencionada na declaração de dívida.
. 25.º e 26.º, 28.º, 30.º, 43.º e 44.º, 47.º a 49.º, 51.º a 53.º, 55.º a 57.º.
61. provado apenas o que consta do artigo 17º dos factos indiciados.
Da oposição do primeiro requerido:
. 29.º, 31.º e 32.º: provado apenas o que consta da declaração de divida;
. 33.º, 35.º e 36.º: não provado que o objectivo era salvaguardar o património do casal.
. 38.º, 39.º
42.º provado apenas o que consta do artigo 26º dos factos indicados e não provado o demais alegado, nomeadamente quanto aos valores indicados e alegado pagamento de tornas.
. 43.º a 47.º, 50.º a 52.º.
. 53: provado apenas o que consta do artigo 27º dos factos indiciados e não provado o demais alegado.
. 55.º, 58.º a 61.º, 66.º a 68.º;
69.º Provado apenas o que consta do artigo 29º dos factos indiciados;
. 71.º , 73.º a 77.º, 86.º, 87.º, 90.º, 96.º a 103.º, 112.º, 116.º, 117.º a 120.º: provado o que consta da escritura de dação em pagamento, excepto quanto à existência de um crédito da requerida no valor de 17.000,00€.
Da oposição da segunda requerida:
. 28.º a 30.º.
*
2.2). Do mérito do recurso.
A). Do impedimento do mandatário do requerido C….
A recorrente alega que a sentença é nula por existir impedimento do mandatário do recorrido C… atento o conflito de interesses no exercício desse mandato, conforme artigo 99.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados (E. O. A.).
Ora, com o devido respeito, não está prevista processualmente a nulidade de uma sentença por existir impedimento de um advogado participar num processo e, concretamente, num julgamento nem a recorrente descrimina qual a norma prevista no artigo 615.º, do C. P. C. o qual determina quais os casos de nulidade de sentença.
O tribunal, na sentença, não se pronunciou sobre esta questão de alegado conflito de interesses do indicado mandatário pois já o tinha feito no despacho proferido em 31/05/2021 no sentido de que o assunto em discussão quanto à possível existência de um eventual conflito de interesses, deverá ser dirimido numa outra sede, nomeadamente, pela Ordem dos Advogados, constando dos autos que já foram apresentadas queixas pela requerente e que a natureza urgente e sumária da providência cautelar, não se coaduna com a suspensão do processo até que as queixas que foram apresentadas na Ordem dos Advogados sejam decididas.
Por isso decidiu que os autos não permitem decidir pela existência de uma irregularidade de mandato prevista pelo artigo 48.º, do C.P.C..
Assim, não está em causa uma omissão de pronúncia pelo tribunal sobre esta questão pois já o tinha feito anteriormente à prolação da sentença.
Também, não havendo notícia de decisão da Ordem dos Advogados, não está em causa uma irregularidade de mandato que importe sanar pois não é alegada qualquer falha na representação do advogado do recorrido por não ter sido conferida procuração do modo legalmente exigido – artigos 43.º e 48.º, do C. P. C.-.
O mandato foi corretamente concedido; o que a recorrente entende é que aquele advogado não pode exercer esse mandato, não o devendo ter aceite ab initio e, neste momento, devendo renunciar ao mesmo por questões deontológicas ou considerando-se o mesmo irregular.
Mesmo que a entidade competente concluísse que existia conflito de interesses, o que teria de suceder era ou a apontada renúncia pelo causídico em questão, com constituição de novo mandatário pelo recorrido, seguindo-se depois as regras previstas no artigo 47.º, n.º 3, do C. P. C. ou o tribunal entender que existia a apontada irregularidade (por falta de previsão de outra sanção processual), devendo então sanar-se a mesma nos termos do artigo 48.º. nºs. 1 e 2, do C. P. C..
Claro que pode ocorrer a aplicação de eventuais sanções que ao advogado que não cumpriu as regras deontológicas, ao nível disciplinar ou ao nível de indemnização ao seu cliente pelos danos causados por incorreto exercício do mandato mas não se repercutem na esfera do processo.
Mas a entidade que tem competência para decidir desta questão de existir impedimento é o conselho geral ou o conselho regional da Ordem dos Advogados que for o competente – n.º 5, do artigo 81.º, do E. O. A. -.
Por isso é que o artigo 87.º, n.º 1, do mesmo E. O. A. determina que os magistrados, conservadores, notários e responsáveis pelas repartições públicas têm obrigação de comunicar à Ordem dos Advogados qualquer facto que indicie o exercício ilegal ou irregular da advocacia, designadamente, do patrocínio judiciário.
O tribunal comunica o indício que detetou desse alegado impedimento e aguarda que seja proferida decisão por aquela entidade.
Ora, no presente recurso, a recorrente não é clara ao invocar que também está a recorrer do despacho de 31/05/2021 pois invoca a nulidade da sentença mas depois analisa o referido despacho bem como os seus antecedentes requerimentos.
Para nós, em rigor, a recorrente não está também a recorrer daquele despacho que se pronunciou sobre o impedimento (decidindo não apreciar a questão) mas unicamente da sentença, imputando-a de nula.
Mas, uma vez que podia o recurso desse mesmo despacho ser incluído no recurso da decisão final (artigo 644.º, n.º 3, do C. P. C.) e atendendo que a parte discorre sobre o mesmo despacho, iremos aferir se há algum motivo para entender que o tribunal decidiu incorretamente.
Como já referimos, a competência para decidir da existência ou não de impedimento não cabe ao tribunal mas sim àqueles dois órgãos indicados no E. O. A.; e o tribunal, naquela decisão de 31/05/2021, acaba por entender desse modo ou seja, determina que não pode conhecer a questão que já está a ser apreciada no órgão competente por queixa do interessado.
A fundamentação usada para essa decisão não tem aqui relevo pois o que se decidiu foi conforme a lei no sentido de ser outra entidade a decidir que não o tribunal, não sendo necessário pedir qualquer parecer à Ordem dos Advogados pois esta já estava ciente do que era alegado e certamente vai decidir o incidente que lhe foi suscitado.
E também foi correta a decisão de não se suspender a instância dos presentes autos já que o artigo 92.º, n.º 1, do C. P. C. não o permitia pois não está em causa, relativamente ao impedimento do mandatário que foi suscitado, uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou administrativo da qual esteja dependente o conhecimento do objeto da ação.
O tribunal pode decidir a questão dos autos sem precisar de saber qual a decisão sobre o alegado impedimento de mandatário. Mesmo que a decisão a proferir pela Ordem dos Advogados possa ser sindicada no tribunal administrativo (artigo 6.º, n.º 3, do E. O. A.), da mesma decisão administrativa não adviria qualquer decisão que fosse necessária para decidir o pleito.
Por isso, a instância não podia efetivamente ser suspensa, como não foi.
Deste modo, nem há nulidade de sentença nem se verifica qualquer decisão do tribunal quanto a esta questão que se possa concluir que deveria ter sido proferida de modo diverso.
Improcede assim esta argumentação.
*
B). Impugnação do facto não provado 16.
Este facto não indiciado tem a seguinte redação:
O usufruto tenha sido constituído como garantia do pagamento da quantia mencionada na declaração de dívida.
Esta declaração de dívida está inserta nos factos indiciados 7 e 8 com o seguinte teor:
. o primeiro requerido, C…, assinou a declaração constante de fls. 12 verso, denominada como “Confissão de Dívida”, assinatura reconhecida presencialmente no Cartório Notarial de Sever do Vouga (fls. 13);
. da declaração consta o seguinte:
O abaixo assinado, C…, divorciado (…) declara e confessa-se devedor da importância de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros) à Senhora B… (…) resultante de tornas que lhe ficou a dever no processo de Partilhas, que teve lugar na Conservatória do Registo Civil/Predial e Comercial de Sever do Vouga, através do procedimento de Partilha do Património Conjugal n.º …/2016, de 17 de Março de 2016.
Mais declara que se obriga a pagar a mesma importância no prazo de cinco anos a começar da referida data 17 de Março de 2016.
Temos assim que o recorrente declarou ser devedor à 1.ª recorrida na quantia de 75 000 EUR, a pagar em cinco anos, até 17/03/2021.
Resulta ainda provado que está registado um direito de usufruto em benefício da ora recorrente pela ap. 124 de 2016/03/17, com o prazo de cinco anos – facto 12.º -.
Assim, recorrente e 1.º recorrido, ex-mulher e ex-marido, respetivamente, assumiram entre si terem contas a saldar, declarando o 1.º recorrido, em 17/03/2016, ser devedor da recorrente naquela quantia a pagar em cinco anos; e durante esse período de tempo, a recorrente é beneficiária de um direito de usufruto sobre um imóvel, direito esse a vigorar pelo mesmo exato período de cinco anos.
Desta ligação temporal a recorrente pretende que resulte indiciado que aquele direito de usufruto foi dado em garantia do pagamento da dívida.
Ora, em primeiro lugar, essa expressão «em garantia» é conclusiva, ou seja, para se definir que um direito é dado em garantia não só se classifica o direito em causa como se exara a conclusão de que um determinado acordo visou assegurar o efetivo pagamento de um crédito. Por isso, nunca essa expressão poderia resultar provada[1].
Em segundo lugar, um direito real de usufruto é um direito real de gozo e não de garantia pelo que também nunca se poderia assentar que aquele direito era uma garantia – artigo 1439.º, n.º 1, do C. C. -.
Por fim, em momento algum dos excertos de prova indicados pela recorrente se pode concluir que foi prestada essa garantia; o máximo que se poderia acolher é que as partes entenderam que enquanto a dívida não estivesse paga naqueles cinco anos, a recorrente beneficiava do indicado usufruto como contrapartida da dilação temporal que foi concedida. Não está em causa qualquer garantia pois, se o prazo de cinco anos findasse sem pagamento, o usufruto cessava na mesma e, por força desse mesmo usufruto, a recorrente não tinha qualquer direito sobre o imóvel.
O que pode estar em cima da mesa é saber se, findando o usufruto e indiciariamente sendo a recorrente credora do 1.º recorrido, pode retardar a entrega até ao pagamento da dívida, com base num direito de retenção. Esta é a matéria que se analisará de seguida, concluindo-se assim pela improcedência do pedido da alteração da matéria de facto.
*
3). Da apreciação de direito.
A recorrente formulou dois pedidos:
. que fosse prorrogado o seu direito de usufruto até transito em julgado do processo principal (ação de impugnação pauliana, a intentar) e, caso assim não se entendesse,
. o mesmo bem ser retido na posse da recorrente até trânsito em julgado da referida ação de impugnação pauliana.
Ambos foram julgados improcedentes, sendo que no recurso está em causa a apreciação do segundo, pedido subsidiário.
Vejamos então.
O sustento da recorrente para a presente ação consiste em que:
. era titular de direito de usufruto sobre um imóvel;
. é credora do 1.º recorrido (seu ex-marido) no valor de 75 000 EUR;
. antes de findar o prazo do indicado usufruto, o seu ex-marido deu em pagamento a nua propriedade do imóvel à 2.ª requerida;
. além de ser estranho que exista esta dívida entre o seu ex-marido e a irmã, a recorrente foi enganada no sentido de não poder ter toda a proteção legal (hipoteca) caso se tivesse declarado em sede de partilhas que havia uma dívida de tornas;
. a dação visou evitar o pagamento da dívida à recorrente pois o seu ex-marido não tem outro acervo patrimonial.
Os presentes autos foram instaurados em 18/03/2021, ou seja, um dia depois do fim do prazo pelo qual foi constituído o direito de usufruto a favor da recorrente, estando assim caducado, como também resulta do disposto no artigo 1476.º, n.º 1, a), parte final, do C. C.: o direito de usufruto extingue-se quando se atinge o termo do prazo por que o direito foi constituído, quando não seja vitalício.
Ora, tendo por base o recurso, a recorrente pretende evitar a entrega do imóvel à proprietária da totalidade do mesmo (caducado o direito de usufruto, o imóvel readquire a sua integralidade de nua propriedade e usufruição), obrigação essa que resulta do artigo 1483.º, do C. C..
Este dispõe que «findo o usufruto, deve o usufrutuário restituir a coisa ao proprietário, sem prejuízo do disposto para as coisas consumíveis e salvo o direito de retenção nos casos em que possa ser invocado.».
Não estando em causa coisas consumíveis (artigo 208.º, do C. C.), só se o usufrutuário tiver algum direito de crédito que possa opor ao proprietário e se se preencher os requisitos necessários para se concluir que goza de direito de retenção, é que pode o mesmo usufrutuário negar a entrega.
Na realidade, o artigo 754.º, do C. C. exige que o devedor goze de um crédito contra o seu credor para poder ter direito de retenção, ou seja, no caso, a recorrente (devedora da obrigação de entrega) teria de gozar de um crédito oponível ao seu credor da mesma obrigação de entrega.
E, na nossa opinião, não goza a requerente desse direito.
O crédito de que a mesma é titular sobre o 1.º requerido não resulta de despesas feitas por causa da coisa nem de danos causados pela mesma coisa. Do que sabemos, o imóvel foi entregue à requerente e esta tem de entregá-lo, atenta a caducidade do direito de usufruto, sem ter tido despesas em relação ao mesmo bem.
O crédito que a recorrente tem sobre o 1.º recorrido é independente da detenção do imóvel; nasceu antes da constituição do usufruto e eventuais alterações (pagamentos parciais, por exemplo) não estão relacionados com o gozo e fruição do imóvel.
Se a recorrente tivesse realizado benfeitorias no bem, então o crédito que teria sobre o 1.º recorrido teria por base a coisa podendo servir de base a um direito de retenção.
E, nesse caso, este direito de retenção, como direito real de garantia, seria oponível não só ao devedor como a qualquer adquirente posterior do imóvel, atenta a característica erga omnes e o direito de sequela de que está imbuído o direito real – Ac. do S. T. J. de 14/12/2016, processo n.º 662/09.3TVPRT.P1.S1, www. dgsi.pt; Ana Taveira da Fonseca, A oponibilidade do direito de retenção, página 10, in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2017/05/int_oponibilidadedireitoretencaoo_anataveiradafonseca.pdf -.
Se a recorrente gozasse do direito de retenção, mesmo que o seu devedor fosse o anterior proprietário do bem, poderia opô-lo à atual proprietária, agora a 2.ª requerida/recorrente.
Mas, como vimos, a recorrente não beneficia desse direito de retenção tal como definido em termos gerais nem há norma que lhe confira essa garantia em termos especiais – n.º 1, do artigo 755.º, do C. C. -.
A recorrente também não goza da possibilidade de evitar a entrega do imóvel temporariamente nos termos da exceção de não cumprimento (artigo 428.º, do C. C.) pois (aqui sim) não há relação contratual (sinalagma) entre a obrigação de entrega e o crédito de que a recorrente é titular em relação a terceiro que não a credora dessa obrigação de entrega. Recorrente e 2.ª recorrida não celebraram qualquer contrato entre si pelo que a recorrente não pode exigir que a contraparte cumpra a sua obrigação para consigo pois essa obrigação não existe.
Assim, o sustento do procedimento cautelar não resulta provado, ou seja, a requerente não tem um direito sobre os requeridos que lhe permita reter o imóvel enquanto não for paga do seu crédito, pelo que se tem de concluir pela improcedência quer do procedimento quer do presente recurso por falta de preenchimento de um dos requisitos do artigo 362.º, n.º 1, do C. P. C. - lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito -.
Pode eventualmente a recorrente alegar que é credora do 1.º recorrido e que a dação em pagamento do imóvel daquele à 2.ª recorrida visou unicamente evitar o pagamento coercivo do seu crédito, até sendo a ação principal a impugnação pauliana mas, nos presentes autos e tendo por base o objeto do recurso, este procedimento cautelar, independentemente da ação principal a propor, não pode obter procedência.
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3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas por a recorrente beneficiar de apoio judiciário.
Registe e notifique.

Porto, 21 de outubro de 2021
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
Márcia Vieira
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[1] O artigo 646.º, n.º 4, do C. P. C./velho (redação do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12) determinava que «Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.». Atualmente este artigo não tem correspondente mas sempre tem o tribunal primeiro de julgar e elencar factos, relegando o direito para uma fase de interpretação e aplicação de normas jurídicas, tal como o exige o artigo 607.º, nºs. 3 a 5, do C. P. C..