Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
202/14.2TBBAO-P.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO
VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
NULIDADE DA CITAÇÃO
CITAÇÃO EDITAL
CIRE
Nº do Documento: RP20180423202/14.2TBBAO-P.P1
Data do Acordão: 04/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º673, FLS.313-324)
Área Temática: .
Sumário: I - Estabelecendo o artigo 132.º do Código de Processo Civil a tramitação eletrónica dos processos e especificamente em relação à citação edital por incerteza do lugar e por incerteza das pessoas e ainda no âmbito das regras gerais de processo civil, resulta dos artigos 240.º e 243.º do mesmo Código que tal citação é feita por afixação de edital, seguida da publicação de anúncio em página informática de acesso público, nos termos regulamentados por portaria, no caso, a Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto.
II - A norma especial do artigo 146.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas prevalece no âmbito do procedimento para verificação ulterior de créditos, perante o que a citação dos credores efetua-se por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação.
III - Sem prejuízo de exprimir, em termos práticos, uma manifesta ampliação da divulgação da ação, o termo de protesto a que se reporta aquela norma não se confunde com a formalidade de citação e, nessa medida, não se traduz a sua falta na omissão de citação do credor aqui reclamante, não havendo por outro lado qualquer norma de exceção que permita a ampliação dos seus efeitos com referência à falta de citação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 202/14.2TBBAO-P.P1
5.ª Secção (3.ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
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Acordam, no Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
1. B… S.A., relativamente ao processo que correu termos na comarca de Porto Este, Tribunal de Amarante, Instância Central, Secção de Comércio – J1, sob o n.º 202/14.2TBBAO-C, invocando o disposto nos artigos 627.º, 631.º, n.ºs 1 e 2, 696.º, alínea e), 697.º, n.º 1, alínea c) e 701.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, instaurou nessa comarca recurso extraordinário de revisão.
1.1 No âmbito do processo inicial (n.º 202/14.2TBBAO) foi declarada a insolvência de C…, S.A. (inicialmente denominada D…, S.A.), por sentença aí proferida em 11 de julho de 2014.
Procedeu-se entretanto à reclamação e verificação de créditos, incluindo-se na relação dos diversos créditos reconhecidos o credor B…, S.A., como titular de um crédito garantido por hipoteca no montante de €672.068,14 e de um crédito comum no valor de €82.755,51.
Posteriormente, em 3 de Dezembro de 2014 e ao abrigo do disposto no artigo 146.º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa, E… veio instaurar ação de verificação ulterior de créditos, contra a Massa Insolvente de C…, S.A. e os seus credores, a qual constitui o apenso C (processo 202/14.2TBBAO-C), pretendendo que se reconheça o seu crédito global de €90.000,00 e que lhe seja reconhecido o direito de retenção sobre a fração “T”, correspondente ao … andar, apartamento ..., com entrada pelo n.º .., da Avenida …, com arrumo na cave, inscrito na matriz sob o artigo 6120-T, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar, sob o número 2455, como garantia do seu crédito de 90.000,00 euros, sendo este crédito verificado e graduado no lugar que lhe couber atento o direito real de garantia existente e que lhe seja adjudicada tal fração, com dispensa da entrega ou depósito do preço, uma vez que já foi pago.
Invocou para o efeito o seguinte:
- Em 22 de julho de 2013, celebrou um contrato promessa de compra e venda com eficácia real, mediante a celebração de escritura pública, onde a sociedade insolvente prometeu vender-lhe a fração “T”, correspondente ao … andar, apartamento .., com entrada pelo n.º .., da Avenida …, com arrumo na cave, inscrito na matriz sob o artigo 6120-T, e descrita na Conservatória do Registo Predial de Ovar, sob o número 2455.
- A escritura definitiva deveria ter sido celebrada até 31 de Outubro de 2013, mas tal não ocorreu, nem posteriormente, apesar de ter sido diversas vezes interpelada.
- A autora já pagou a totalidade do preço da venda, tendo entregado a quantia de €90.000,00 (noventa mil euros), a título de pagamento do preço.
- Sobre o prédio urbano, pertencente ao ativo da massa insolvente, cuja fração foi prometida vender, incide uma hipoteca voluntária a favor do F…, S.A., incorporado pelo Banco G…, atualmente designado B….
- A autora tem a posse do bem e, desde a data da celebração do contrato promessa com eficácia
real, reside no imóvel, como proprietária, sendo assim reconhecida, pelos moradores e condomínio, pagando todas as despesas associadas ao imóvel.
- A chave do prédio urbano prometido vender, ficou na sua posse imediata e exclusiva, desde a data da celebração do contrato-promessa, titulando os contratos e pagando os consumos de água e luz referentes ao dito imóvel, tendo ainda ali instalados mobílias, objetos e outros seus pertences.
No âmbito do aludido apenso C foi citada a requerida, massa insolvente; para citação dos credores foi publicado no portal Citius edital eletrónico, com os seguintes termos:
«Processo: 202/14.2TBBAO-C
Referência: 65227865
Partes: Reclamante: E…
Réu: C…, S.A e outro(s)...
Verificação ulterior créditos/outros direitos (CIRE)
EDITAL
Na Comarca do Porto Este, Amarante – Inst. Central – Sec. Comércio – J1 e nos autos acima identificados, que correm por apenso aos autos de declaração de Insolvência, por este Juízo e Tribunal, em que é devedora: C…, S.A, NIF ………, com sede na Rua …, n.º .., Baião, correm éditos de cinco dias, contados da publicação deste edital, citando os credores da massa insolvente, para no prazo de trinta dias, findos os dos éditos, contestarem, querendo a presente acção (art.s 146.º e 148.º do CIRE), e na qual pretende o autor que seja verificado o seu crédito no montante de €:9,000,00, cujo duplicado se encontra neste Tribunal à disposição de quem o queira consultar, dentro das horas normais de expediente.
Amarante, 06-01-2015.»
Posteriormente, em 11 de Maio de 2015, foi suscitada pela autora a existência de um lapso de escrita quanto à indicação do valor da respetiva reclamação (€90.000,00 e não €9.000,00), perante o que foi publicado no portal Citius um novo edital eletrónico para citação dos credores, com os seguintes termos:
«Processo: 202/14.2TBBAO-C
Referência: 68120265
Partes: Reclamante: E…
Insolvente: C…, S.A e outro(s)...
Verificação ulterior créditos/outros direitos (CIRE)
EDITAL
Na Comarca do Porto Este, Amarante – Inst. Central – Sec. Comércio – J1 e nos autos acima identificados, que correm por apenso aos autos de declaração de Insolvência, por este Juízo e Tribunal, em que é devedora, C…, S.A, Endereço: Rua …, n.º .., …. - .. Baião, correm éditos de cinco dias, contados da publicação deste edital, citando os credores da massa insolvente, para no prazo de trinta dias, findos os dos éditos, contestarem, querendo a presente acção (art.s 146.º e 148.º do CIRE), e na qual pretende o autor que seja verificado o seu crédito no montante de €90.000,00 (atenta correção do lapso do Edital de 06-01-2015, com a refª. 65227865, que alterou o pedido formulado de 9.000,00€ para 90.000,00€), cujo duplicado se encontra neste Tribunal à disposição de quem o queira consultar, dentro das horas normais de expediente.
Amarante, 07-10-2015»
A fls. 157 dos presentes autos certifica-se que, «nos autos principais não consta que tenha sido lavrado termo de protesto relativamente ao apenso C (de verificação ulterior de créditos). Mais se certifica que no apenso C de verificação ulterior de créditos, consta a ilustre mandatária do B… Dr.ª H… a receber notificações eletrónicas desde o dia 18-05-2017, não se conseguindo certificar a data em que o credor foi associado na árvore».
Não houve qualquer contestação à pretensão formulada, perante o que foi proferida sentença, em 19 de abril de 2016, que – pelas razões enunciadas na respetiva fundamentação – decidiu nos seguintes termos:
«Pelo exposto, decide o tribunal julgar a ação procedente por provada e, consequentemente:
a) Julgar verificado o crédito reclamado pela Autora, no valor de €90.000,00 (noventa mil euros), no caso de o Sr. Administrador da insolvência vir a recusar cumprir o contrato-promessa de compra e venda da fração identificada pela letra “T”, correspondente ao terceiro andar, apartamento .., com entrada pelo n.º .., da Avenida …, com arrumo na cave, inscrito na matriz sob o artigo 6120-T, e descrita na Conservatória do Registo Predial de Ovar, sob o número 2455, celebrado entre a Autora e a Insolvente, devendo comunicar tal recusa à autora, por
escrito, no prazo de 30 dias, após notificação da presente sentença, ou no caso de não se vir a celebrar a correspondente escritura do contrato definitivo de compra e venda de tal fração, no prazo de 60 dias, a contar da mesma notificação da sentença, por facto não imputável à Autora.
b) Reconhecer à Autora o direito de retenção sobre a identificada fração até efetivo e integral pagamento da quantia de 90.000 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, que se vencerem após o termo dos prazos fixados na alínea a).
c) Custas (…).»
Esta sentença transitou entretanto em julgado.
1.2 Em 12 de Maio de 2017, dando origem aos presentes autos que constituem o apenso P (processo com o n.º 202/14.2TBBAO-P), o credor B…, S.A., invocando o disposto no artigo 696.º, alínea e), do Código de Processo Civil, instaurou o recurso extraordinário de revisão antes mencionado, relativamente à sentença acima referida, que havia sido proferida no apenso C em 19 de abril de 2016.
Fundamenta a interposição deste recurso essencialmente nos seguintes termos:
- Começa por invocar como fundamento da nulidade da citação que não foram publicados anúncios para citação e notificação dos credores, entendendo que deve ser feita uma interpretação extensiva dos termos do artigo 146.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, não bastando a afixação de editais, tanto mais que, no seu caso, se trata de um credor com garantia real.
- Alega depois que, no caso concreto, a publicação do édito no portal CITIUS ocorreu com a introdução da letra C, referente ao respetivo apenso, o que determinou que a consulta do processo através do portal CITIUS, com vista a tomar conhecimento de qualquer ação de verificação ulterior de créditos que tivesse dado entrada ficou impossibilitada a quem não soubesse da existência do referido apenso C, pelo que os éditos não produziram o efeito a que se destinavam.
- Alega ainda que a secretaria não promoveu, como impõe o artigo 146.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o termo equivalente a termo de protesto no processo principal, no qual identifica a ação apensa e o reclamante e reproduz o pedido.
1.2 Em apreciação liminar do recurso, nos termos estabelecidos no artigo 699.º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Civil, foi proferida decisão fundamentada nos seguintes termos (transcrição parcial):
« (…) Sob a epígrafe “Fundamentos do recurso”, dispõe o artigo 696.º do Código de Processo Civil que “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções; b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida; c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida; d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou; e) Tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita; f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português; g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.”
Quanto à instrução do requerimento de interposição rege o artigo 698.º do mesmo código, segundo o qual no requerimento de interposição, que é autuado por apenso ao processo, o recorrente alega os factos constitutivos do fundamento do recurso e, no caso da alínea g), do artigo 696.º, o prejuízo resultante da simulação processual e com o requerimento apresentará, nos casos das alíneas a), c), f) e g) do artigo 696.º, certidão da sentença ou do documento em que se funda o pedido.
Estipulando o artigo 699.º, do Código de Processo Civil, o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão.
Estando previsto nos artigos 696.º a 702.º do Novo Código Processo Civil, como meio de obviar a decisões injustas, o recurso extraordinário de revisão tem a sua razão de ser no primado do princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito que é apanágio do caso julgado, permitindo a reabertura de um processo com fundamento em causas taxativamente indicadas, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30-01-2017, sendo seu relator o Exmo. Desembargador Nelson Fernandes, publicado in www.dgsi.pt.
No caso sub judice o recorrente alega como fundamento do seu recurso a nulidade da sua citação, invocando que a citação dos credores foi feita apenas com recurso a publicitação por via de Edital, na plataforma CITIUS, quando a citação prevista no artigo 146.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas impõe a publicação de anúncios.
Mas também se verifica tal nulidade, porquanto a publicação do édito respeitante à ação de verificação ulterior de créditos em causa ter sido registada no portal CITIUS com a introdução da letra “C”, referente ao respetivo apenso, ao invés de ter sido registada apenas sob o número de processo 202/14.2TBBAO, o que ditou que a consulta do processo através do portal CITIUS, com vista à tomada de conhecimento de qualquer ação de verificação ulterior de créditos que tivesse dado entrada, ficou impossibilitada a quem não soubesse da existência do referido apenso “C”.
Por fim alega que, contrariamente ao previsto no n.º 3 do artigo 146.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, a secretaria judicial não promoveu pela lavra do termo, quanto a este apenso de verificação ulterior de créditos, no processo principal da insolvência.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
A propósito da verificação ulterior de créditos, dispõe o artigo 146.º, n.º 1, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas: “Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efetuando-se a citação dos credores por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação.”
Ora, descendo ao caso dos autos, verifica-se que sob o apenso C, correu termos ação de Verificação Ulterior de Créditos, interposta em 03.12.2014, pela autora E…, contra a Massa insolvente de “C…, S.A.”, anteriormente designada de “D…, S.A.”, a Devedora e os Credores da massa Insolvente de “C…, S.A.”.
Neste apenso C foi determinada a citação e na sequência da mesma, procedeu-se à citação dos Réus, sendo os credores por edital publicitado eletronicamente no portal CITIUS em 06.01.2015, conforme se pode verificar por consulta no mesmo portal.
Assim, por ter sido cumprida a formalidade exigida pelo artigo 146.º, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas para a citação dos credores da massa, tem de se entender que não se verifica a nulidade invocada.
Com efeito, a norma em causa não descrimina os credores da massa a citar, consoante a qualificação do respetivo crédito, isto é, não prevê que os credores que beneficiem de garantias e que possam vir a ser diretamente afetados pela decisão a proferir, devam ser citados de outra forma distinta dos demais, designadamente através de carta registada ou outro meio mais seguro.
Na verdade, a norma em causa apenas prevê que a citação dos credores seja feita por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação.
Ora, no caso, a publicitação ocorreu no dia 06.01.2015, pelo que sempre se consideram citados todos os credores, incluindo o aqui recorrente, decorridos cinco dias após tal publicitação.
Quando à invocada falta de publicação de Anúncios, não estando a mesma prevista na Lei, não tem de ser efetuada e não o tendo sido, não pode ser causa de nulidade da citação, já que não é uma formalidade legalmente prevista para a citação dos credores no âmbito da ação de verificação ulterior de créditos.
Por fim, quanto à omissão pela secretaria judicial do seu dever de lavrar o termo a que se refere o n.º 3 do artigo 146.º, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, tal omissão constitui uma irregularidade, mas não afeta a citação dos credores.
Daí que, ainda que se verifique tal irregularidade não pode a mesma servir de fundamento para ser declarada a nulidade da citação do credor recorrente e tal irregularidade, só por si, não constitui fundamento atendível do recurso de revisão extraordinária, por não se encontrar entre os fundamentos previstos no artigo 696.º do Código de Processo Civil.
Donde, não existe manifestamente motivo para a revisão, o que implica o indeferimento
imediato do recurso, nos termos do artigo 699.º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Civil.
Ademais, no caso dos autos, temos até sérias reservas quanto à tempestividade da apresentação deste recurso, atento o que dispõe o artigo 697.º, n.º 2, alínea c), já que decorreram mais de 60 dias sobre uma segunda publicitação feita no âmbito do apenso C, de Verificação Ulterior de Créditos, destina aos credores da massa, já que, em 07.10.2015, foi publicitado novo Edital no portal Citius, para dar conhecimento aos credores da massa que havia sido admitida uma correção de um erro manifesto e que alterou o pedido formulado nestes autos de 9.000 euros para 90.000 euros.
Assim, não foi apenas num Edital que o recorrente não atentou, mas em dois, o que manifesta alguma incúria da sua parte.
De tudo quanto antecede, entendemos que se impõe reconhecer que não há motivo para a revisão, pois que não se verifica a invocada nulidade da citação.»
Termina decidindo nos seguintes termos:
«Pelo exposto, ao abrigo do 699.º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Civil, indefere-se o requerimento de interposição de recurso de revisão.
Custas a cargo do recorrente, “B…, S.A, nos termos previstos no artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código Processo Civil.
Notifique e registe.»
2.1 O requerente, inconformado com a decisão proferida, veio interpor o recurso agora em apreciação, formulando as seguintes conclusões (transcrição integral):
«1. Através de requerimento apresentado nos presentes autos a fls., o Banco recorrente veio interpor recurso de revisão da sentença proferida em 19.04.2016 no âmbito do apenso C.
2. Como se teve a oportunidade de, então, alegar, tal sentença vem sustentada no pedido formulado pela aí Autora e no suposto facto da ação não ter sido contestada, designadamente, pelos credores da insolvente.
3. Sucede, porém, que, no que concerne ao Banco recorrente, tal ação apenas não foi contestada devido a uma sucessão de atos e omissões praticados nos autos que contribuíram para a invocada nulidade da citação realizada nesses autos e que infra melhor se retratam.
4. Sucede que, através do douto despacho recorrido de fls., o Tribunal “a quo” considerou não se verificar qualquer fundamento para a revisão, por não admitir existir qualquer causa de nulidade da citação, indeferindo o requerimento de interposição do aludido recurso nos termos do n.º 1 do artigo 699.º do CPC.
5. Posição que se respeita, mas que não se aceita, porquanto, salvo melhor entendimento, são evidentes os fundamentos que atestam legalidade da interposição desse recurso de revisão, sendo factual a verificação dos diversos motivos que acarretam a nulidade da citação e, nessa medida, justificam o recurso nos termos dos artigos 696.º, al. e) e 697.º n.º 2, c), ambos do CPC – cfr. alegações do recurso de revisão que se dão por integralmente reproduzidas.
6. Com efeito, através da referida ação de verificação ulterior de créditos deduzida pela autora E… foi reclamado um crédito no montante de €90.000,00 e, bem assim, o seu reconhecimento como crédito garantido por direito de retenção sobre uma das frações (fração “T”) daquele prédio urbano hipotecado a favor do Banco recorrente.
7. Ora, atendendo ao alegado na petição inicial apresentada pela referida Autora, é patente o interesse do Banco recorrente em contestar tal ação de verificação ulterior de créditos, tanto mais que não tem qualquer motivo para admitir como verdadeiros os factos alegados, por falta de prova e fundamento legal que os admita, o que equivale à sua impugnação.
8. Sucede que, tal direito à contestação foi negado ao Recorrente, em virtude da nulidade da citação realizada aos credores, em especial do Banco recorrente na qualidade de credor garantido, o que impossibilitou o conhecimento dos termos da ação deduzida para efeitos do exercício de impugnação dos factos trazidos a juízo nesta ação de verificação ulterior de créditos e, consequentemente, ditou a prolação da sentença recorrida, com as consequências legais daí resultantes.
9. Daí o interesse do Recorrente na anulação da decisão em apreço e a sua legitimidade para a requerer, através do recurso de revisão de sentença – cfr. artigos 631.º, n.ºs 1 e 2, 696.º, al. e) e 701.º, n.º 1, al. a), do CPC.
10. Na verdade, embora se admita que a lei possa prever circunstâncias excecionais em que as formalidades da citação edital se possam excluir ou diminuir, certo é que essa a hipótese só é concebível em situações de diminuta importância, o que não será o caso da citação de credores para os termos duma ação de verificação ulterior de créditos,
11. Sobretudo quando essa ação pode por em causa direitos inerentes ao credor reclamante, com créditos com natureza garantida por hipoteca sobre imóvel no qual o autor vem invocar direito de retenção, implicando, em caso de procedência da ação – como foi aqui o caso –, que aquele crédito possa ser graduado atrás do crédito ora reclamado.
12. Donde se conclui que, questionada a aplicação do artigo 146.º n.º 1 do CIRE no que concerne à citação de credores, em especial de credores garantidos sobre bens objeto da ação de verificação ulterior de créditos, jamais se pode resumir esse preceito à sua literalidade, excluindo-se a imposição da publicação de anúncios em conjunto com a afixação do edital, quando é certo o cuidado do legislador na introdução e manutenção dessa formalidade no contexto dos princípios orientadores do CIRE e, em especial, na defesa dos direitos dos credores garantidos ou privilegiados,
13. Não sendo esta, certamente, a vontade do legislador,
14. Nem resulta, sequer, esse entendimento do contexto jurídico em que se encerra o artigo 146.º n.º 1 do CIRE.
15. Por essas razões, quer por via da interpretação do referido artigo 146.º n.º 1 do CIRE, quer por via dos artigos 240.º e seguintes do CPC (ex vi artigo 17.º do CIRE), ter-se-á de concluir que a citação prevista naquele preceito legal impõe a publicação de anúncios.
16. Não o tendo sido, como é o caso, afigura-se a nulidade do ato de citação em causa.
17. Nulidade que se invocou e arguiu nos termos do disposto no artigo 191.º n.º 1 e 4, 195.º, 199.º n.º 1, 200.º n.º 3 e 696.º, al. e), todos do CPC.
18. Acresce que, in casu, a publicação do édito respeitante àquela ação de verificação ulterior de créditos foi registada no portal citius com a introdução da letra “C”, referente ao respetivo apenso.
19. Ou seja, ao invés de ter sido registada apenas sob o número de processo 202/14.2TBBAO, o registo foi efetuado com referência ao número de processo “202/14.2TBBAO-C”,
20. O que ditou que a consulta do processo através do portal citius, com vista à tomada de conhecimento de qualquer ação de verificação ulterior de créditos que tivesse dado entrada, ficou impossibilitada a quem não soubesse da existência do referido apenso “C”.
21. Ora, se a imposição da publicação de editais naquele portal se destina, precisamente, a dar a conhecer aos credores e demais interessados da existência de eventuais ações apensas, não se pode esperar que estes conheçam da existência de um apenso para o qual não foram ainda citados, nem notificados, introduzindo na busca a aludida letra do apenso que desconhecem.
22. Facto que ditou que, apesar das consultas efetuadas pelo Banco recorrente através daquele portal, nunca, até agora, este soubesse da existência daquele apenso, não tendo os éditos produzido os efeitos a que se destinavam,
23. Impossibilitando, assim, a citação que se impunha por força do disposto no artigo 146.º n.º 1 do CIRE.
24. Por sua vez, ao contrário do previsto no n.º 3 do artigo 146.º do CIRE, jamais a secretaria judicial promoveu pela lavra do termo, quanto a este apenso de verificação ulterior de créditos, no processo principal da insolvência.
25. Ao contrário no entanto do que aconteceu em relação a inúmeros outros apensos, cujos termos foram sendo devidamente lavrados, conforme é visível pela consulta do histórico do processo no Citius.
26. Facto que ditou o total desconhecimento do Banco reclamante da existência desta ação de verificação ulterior de créditos, apesar de todo o zelo, diligência e cuidado que sempre teve com o acompanhamento deste processo de insolvência.
27. Ou seja, não só não foram publicados os anúncios referentes à ação, como os éditos foram registados de modo errado, não tendo, sequer, sido lavrado termo da ação no processo principal por forma a dar conhecimento da ação ao Recorrente,
28. Razão pela qual, por causa não imputável ao Recorrente, o conjunto de irregularidades verificadas obstaram ao cumprimento da citação que se impunha e, consequentemente, impediram o exercício do seu direito em ser citado para os termos desta ação, para, querendo – como quer –, podê-la contestar (cfr. artigo 219.º n.º 1 do CPC).
29. Factos que resultam, também por esta via, na nulidade do ato de citação em causa nos termos do disposto no artigo 191.º n.º 1 e 4, 195.º, 199º n.º 1, 200.º n.º 3 e 696.º, al. e), todos do CPC.
30. Nulidade que apenas se tornou conhecida do Recorrente aquando consulta do processo em 05.05.2017, realizada após contacto do Administrador da Insolvência para efeitos de venda do prédio urbano acima identificado.
31. Pois que antes o Banco recorrente nunca conheceu, nem sequer suspeitou, da existência desta ação, por motivo que lhe não é imputável.
32. Afigura-se, assim, ao Recorrente que tal sentença não acautelou, como deveria, os direitos que lhe assistem, tendo sido proferida no errado pressuposto da efetivação da citação de credores prevista no artigo 146.º n.º 1 do CIRE, o que não sucedeu.
33. Constando desse processo meios de prova plena que, só por si, demonstram os factos supra alegados e que fundamentam a arguida nulidade da citação e de todos os termos que se lhe seguiram.
34. Pelo que, uma vez verificados os pressupostos legais previstos nos artigos 696.º, al. e) e 697.º n.º 2, c), ambos do CPC, estão cumpridos os requisitos legais que fundamentam a admissão do aludido recurso de revisão.
35. Razão pela qual, salvo o devido respeito, que é muito, o Banco recorrente não se conforma com a decisão de não admissão desse recurso, o que fundamenta a presente apelação.»
Termina afirmando que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, bem assim, ser ordenada a revogação do despacho que indeferiu o requerimento de interposição do recurso de revisão apresentado pelo aqui recorrente e, bem assim, seja substituído por outro que o admita nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 699.º n.º 2 e seguintes do Código de Processo Civil.
2.2 Não houve qualquer resposta.
3. Colhidos os vistos legais e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pelo apelante definem a matéria que é objeto de recurso e que cabe aqui precisar, delas resultando que se impõe a apreciação da seguinte questão:
■ Determinar se opera de forma evidente a nulidade da citação do B…, S.A., no âmbito da ação de verificação ulterior de créditos que constitui o apenso C (processo 202/14.2TBBAO-C), como pretende o recorrente, ou se, ao invés e nos termos que sustentam a decisão recorrida, há elementos que legitimam que se reconheça de imediato que não há motivo para revisão.
II)
Fundamentação
1. Factos relevantes.
Para a apreciação do recurso relevam os factos que se deixaram sumariamente enunciados no relatório que antecede.
2. Perante esses factos, importa determinar se há fundamento para considerar a nulidade da citação do B…, S.A., no âmbito da ação de verificação ulterior de créditos que constitui o apenso C (processo 202/14.2TBBAO-C), ou se, ao invés e nos termos que sustentam a decisão recorrida, há elementos que legitimam que se reconheça de imediato que não há motivo para revisão.
2.1 As decisões judiciais, em princípio, podem ser impugnadas por meio de recursos, considerando-se transitadas em julgado logo que não sejam suscetíveis de recurso ordinário ou de reclamação – artigos 627.º e 628.º do Código de Processo Civil.
A título excecional e perante a verificação dos pressupostos legalmente estabelecidos, a decisão transitada em julgado ainda pode ser objeto de recurso extraordinário, aí se incluindo o recurso de revisão. O artigo 696.º do Código de Processo Civil define os fundamentos do recurso extraordinário de revisão, correspondentes às situações restritas aí enunciadas, nomeadamente – e na parte que aqui interessa – quando, tendo corrido a ação à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita – alínea e) da aludida norma.
A citação consubstancia o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação, chamando-o ao processo para se defender, empregando-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa – artigo 219.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
O concreto modo como se efetua a citação é estabelecido pelas normas processuais pertinentes.
Com relevância em termos gerais de processo civil, prevê o artigo 132.º do Código de Processo Civil a tramitação eletrónica dos processos.
Especificamente em relação à citação edital por incerteza do lugar e por incerteza das pessoas e ainda no âmbito das regras gerais de processo civil, resulta dos artigos 240.º e 243.º do Código de Processo Civil que a mesma é feita por afixação de edital, seguida da publicação de anúncio
em página informática de acesso público, nos termos regulamentados por portaria, no caso, a Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, na redação então vigente.
No caso dos autos, está em questão a verificação dos créditos no âmbito de insolvência e, mais especificamente, a verificação ulterior de créditos, a que se reportam os artigos 146.º a 148.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Tem especial relevância o artigo 146.º, nos termos do qual e na redação vigente, introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efetuando-se a citação dos credores por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação (n.º 1); proposta a ação, a secretaria, oficiosamente, lavra termo no processo principal da insolvência no qual identifica a ação apensa e o reclamante e reproduz o pedido, o que equivale a termo de protesto (n.º 3).
A alteração introduzida no artigo 146.º pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, assenta essencialmente na adoção de meios eletrónicos, no portal Citius, como modo de publicitação do edital e na redução do respetivo prazo para cinco dias. Na verdade, já nos termos da anterior redação do artigo 146.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a citação dos credores se efetuava por éditos, sendo então éditos de dez dias.
Esta regra especial já constava do artigo 1241.º do Código de Processo Civil e no artigo 205.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF) – os credores eram citados “por éditos de dez dias”.
A norma especial do artigo 146.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas prevalece no âmbito do procedimento para verificação ulterior de créditos, perante o que a citação dos credores efetua-se por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação.
Não se ignora que, nos termos do artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições daquele Código.
Acolhe-se aqui o entendimento expresso no acórdão proferido por este Tribunal da Relação do Porto, em 16 de março de 2009, no processo 819/05.6TYVNG-N.P1, aliás citado pelo recorrente e disponível nas bases jurídico-documentais do IGFEJ (www.dgsi.pt):
« (…) o legislador estabeleceu regras específicas no processo de insolvência para citação dos credores, sempre na perspetiva da referida celeridade e inerente simplificação processual, já que aquela sem esta se afigura de difícil execução.
Por essa razão, dada a especialidade do regime, nada obsta a que se interprete a norma do artigo 146.º, n.º 1 do CIRE no seu estrito sentido literal, uma vez que o mesmo está em perfeita consonância com a evolução legislativa do preceito, com o pensamento legislativo revelado pelas circunstâncias em que a mesma foi elaborada (occasio legis) e pelas condições específicas da sua aplicação (artigo 9.º do Código Civil).
Porém, a agravante defende que, por remissão do artigo 17.º do CIRE, são aplicáveis as regras da citação edital prescritas nos artigos 248.º a 251.º do Código de Processo Civil (CPC), sendo obrigatória a afixação de anúncios, sob pena de nulidade da citação por omissão de uma formalidade essencial.
O artigo 17.º do CIRE estipula que:
O processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições deste Código”.
O processo de insolvência é, consabidamente, um processo especial, embora “…o adjetivo tenha desaparecido da designação do Código…”, [Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, Quid Juris, 2006, em anotação ao artigo 17.º, p. 119] com uma regulamentação processual e substantiva própria.
Tal como em relação a outros ramos de direito regulados por normas especiais, sobretudo no que concerne às normas de carácter processual, não pode deixar de haver um regime subsidiário que colmate as lacunas, uma vez que, por regra, os regimes especiais não são completos e absolutamente auto-suficientes em termos regulativos.
Nesses casos, a questão que o intérprete normalmente enfrenta é a de determinar se, perante as situações concretas que convocam a aplicação da norma adjetiva especial, há uma lacuna ou se, pura e simplesmente, o legislador quis estabelecer um regime específico afastando o regime
geral, ainda que por via da aplicação subsidiária.
No que concerne ao CIRE, o referido artigo 17.º estabelece um critério orientador quando refere que a aplicação subsidiária do processo civil apenas se aplica se não contrariar as normas daquele Código.
Assim sendo, importará, caso a caso, aferir se a norma específica, no seu espírito e em função da sua razão de ser, colide com o sentido e razão de ser da norma subsidiária, afastando-a.
No caso em análise, importará aferir se colide com as regras de celeridade impostas pelos princípios processuais que nortearam o legislador na elaboração do CIRE, mormente em sede de citação dos credores na fase de verificação ulterior de créditos.
Tal como refere Isabel Alexandre, o processo falimentar, enquanto processo especial, encorpa “especialidades (…) tanto ao nível dos respetivos pressupostos processuais e princípios. A celeridade processual postula a simplificação processual e esta não se compagina com a manutenção de especialidades processuais inúteis ou com desvios inexplicáveis aos princípios do processo civil comum”, acrescentando que, ao nível dos princípios, “…o da (maior) celeridade processual…” é um dos que espelham os princípios orientadores do diploma. [Isabel Alexandre, O Processo de Insolvência: Pressupostos Processuais, Tramitação, Medidas Cautelares e Impugnação da Sentença, in Themis, edição especial, 2005, Novo Direito da Insolvência, Almedina, p. 46, estudo também publicado in RMP, n.º 103, ano 26, Jul-Set 2005, p. 111 e seguintes, maxime p. 114.]
No mesmo sentido se têm pronunciado outros autores, realçando, inclusivamente, que a celeridade deve “…caracterizar um processo concursal, tanto no plano do impulso processual como no da respetiva tramitação…”, [Osório de Castro, Preâmbulo não publicado do Decreto-Lei que aprova o Código, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Ministério da Justiça, Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, Coimbra Editora, 2004, p. 205] questionando-se, nomeadamente a aplicação subsidiária do referido artigo 17.º por se tratar de “…uma norma questionável e que fará por certo perder ao CIRE parte da sua genuinidade e originalidade…” [José Manuel Vieira da Cunha, Apontamentos sobre a Tramitação do Novo Processo de Insolvência, in Maia Jurídica, Ano III, n.º 1, Jan-Jun 2005, Coimbra Editora, p. 8].
(…) Embora no processo civil a regra seja a de publicação de anúncios sempre que haja citação edital, há exceções à mesma que o legislador vem consagrando ao longo dos tempos, mantendo umas, revogando outras, donde resulta que a imposição da publicação de anúncios sempre que haja uma citação edital, ainda que por via de uma aplicação subsidiária das normas processuais civis, nunca se poderia aplicar tout court, sem que fosse questionada a sua aplicabilidade ao caso em apreço.
No caso da citação dos credores para a ação onde se pede o ulterior reconhecimento de créditos, o legislador optou, desde logo, pela citação por éditos, mesmo para os credores conhecidos e anteriormente citados pessoalmente ou por carta registada, afastando, aqui, a regra de que a citação edital ocorre apenas quando a citação pessoal não foi possível e nas circunstâncias referidas no n.º 6 do artigo 233.º do CPC[1] (ausência do citando em parte incerta e incertas as pessoas a citar).
E tal opção radica, a nosso ver, na circunstância da citação se dirigir a todos aqueles que já anteriormente foram citados aquando da prolação da sentença declaratória da insolvência, sendo certo que em relação aos desconhecidos foram citados por éditos e foram publicados os respetivos anúncios (artigo 37.º) e, também, no facto deste ato se repetir sempre que haja novas ações de verificação ulterior de créditos, o que pode determinar vários atos de citação ao longo do processo, ou seja, tantos quantas as ações interpostas.
Compreende-se, pois, que cada vez que um credor proponha a ação prevista no artigo 146.º do CIRE, em que se impõe uma nova citação de todos os credores já citados para a ação de insolvência, os mesmos possam ser citados através de um meio mais expedito e mais simplificado, que o legislador elegeu como sendo a citação por éditos, com dispensa de outras formalidades, v.g., a publicação de anúncios, de modo a operacionalizar a regra da celeridade que enforma todo o processo especial de insolvência.
Por todas estas razões, quer por via da interpretação do artigo 146.º do CIRE, quer por via da remissão do artigo 17.º do CIRE que nunca determinaria a aplicação automática do regime subsidiário da citação edital prescrita no CPC, uma vez que o mesmo permite exceções à regra da publicação de anúncios na citação edital, temos de concluir que a citação prevista no artigo 146.º, n.º 1 do CIRE não impõe a publicação de anúncios, atento a natureza especial desta norma e das finalidades de celeridade e de simplificação que lhe estão subjacentes.»
Perante o que se deixa exposto e que se mantém atual, necessariamente se conclui que improcede a pretensão do recorrente quando pretende que se verifica a nulidade da respetiva citação por se ter operado a mesma por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, em conformidade com o disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sem que tenha acrescido a publicação de anúncios, dado não ter aqui aplicação o disposto nos artigos 240.º a 243.º do Código de Processo Civil, relativamente à citação edital.
Esta conclusão não é alterada pelo facto de, na publicação do edital respeitante àquela ação, o mesmo não ter sido registado no portal Citius apenas sob o número de processo 202/14.2TBBAO, o processo inicial de insolvência, mas com a introdução da letra “C”, referente ao respetivo apenso, isto é, como processo 202/14.2TBBAO-C.
É certo que nos editais que configuram a citação dos credores é assim referenciado o processo, com o n.º 202/14.2TBBAO-C.
Esta referência ao apenso, na identificação do processo, mostra-se correta, perante o disposto no artigo 148.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nos termos do qual as ações de verificação ulterior de créditos correm por apenso aos autos de insolvência. Perante os termos desta norma, a ação foi corretamente identificada, enquanto processo apenso aos autos de insolvência, com o n.º 202/14.2TBBAO-C.
2.2 O recorrente, como fundamento da pretendida nulidade de citação, afirma ainda o facto de não se ter dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 146.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não tendo a secretaria judicial lavrado termo no processo principal da insolvência, nos termos da referida norma, ao contrário do que aconteceu em relação a inúmeros outros apensos, cujos termos foram sendo devidamente lavrados, conforme é visível pela consulta do histórico do processo no Citius.
Afirma que este facto ditou o seu total desconhecimento quanto à existência da ação de verificação ulterior de créditos, apesar de todo o zelo, diligência e cuidado que sempre teve com o acompanhamento deste processo de insolvência, razão pela qual, por causa que não lhe é imputável, o conjunto de irregularidades verificadas obstaram ao cumprimento da citação que se impunha e, consequentemente, impediram o exercício do seu direito em ser citado para os termos desta ação e para a poder contestar.
É pacífico que, como antes se mencionou, com referência ao artigo 146.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, proposta a ação, a secretaria, oficiosamente, lavra termo no processo principal da insolvência no qual identifica a ação apensa e o reclamante e reproduz o pedido, o que equivale a termo de protesto. Por outro lado, com referência ao concreto caso em apreciação e nos termos certificados a fls. 157, «nos autos principais não consta que tenha sido lavrado termo de protesto relativamente ao apenso C (de verificação ulterior de créditos)».
Na decisão que é objeto de recurso, nos termos anteriormente transcritos, considera-se quanto à omissão pela secretaria judicial do seu dever de lavrar o termo a que se refere o n.º 3 do artigo 146.º, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas que tal omissão constitui uma irregularidade, mas não afeta a citação dos credores, pelo que, apesar de se verificar tal irregularidade, não pode a mesma servir de fundamento para ser declarada a nulidade da citação do credor recorrente, não constituindo, só por si, fundamento atendível do recurso de revisão extraordinária, por não se encontrar entre os fundamentos previstos no artigo 696.º do Código de Processo Civil.
« (…) Este termo é legalmente equiparado a termo de protesto (…) e destina-se a dar a conhecer no processo de insolvência a propositura desta ação e, simultaneamente, permitir ao seu autor entrar nos rateios posteriores à propositura desta ação (muito embora, no período temporal que medeia entre a propositura da ação e a sua decisão definitiva, deva ser retida a parte do produto da massa insolvente que lhe for atribuída – artigo 180.º, n.º 1)» – Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 5.ª edição, página 247.
No entanto, conforme resulta do n.º 4 do artigo 146.º, a instância extingue-se e os efeitos do protesto caducam se o autor, negligentemente, deixar de promover os termos da causa durante 30 dias.
Sem prejuízo de exprimir, em termos práticos, uma manifesta ampliação da divulgação da ação, o termo de protesto não se confunde com a formalidade de citação e, nessa medida, não se traduz a sua falta na omissão de citação do credor aqui reclamante, não havendo por outro lado qualquer norma de exceção que permita a ampliação dos seus efeitos com referência à falta de citação.
Nestas condições, também aqui não há razão válida para questionar a decisão recorrida e para não assumir a inexistência de fundamento para reconhecer de imediato que não há motivo para revisão, em conformidade com o disposto no artigo 699.º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Civil.
Conclui-se por isso que improcede o recurso.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, acordam os juízes desta secção em julgar improcedente o recurso.
Custas a cargo do recorrente.
*
Porto, 23 de abril de 2018.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
____
[1] Corresponde ao n.º 6 do artigo 225.º, na redação atual do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.