Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2419/20.1T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
FALTA DE DEDUÇÃO DO PEDIDO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
Nº do Documento: RP202106222419/20.1T8VFR.P1
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A omissão de formulação de pedido não pode ser suprida por convite ao aperfeiçoamento do articulados, nos termos do nº 4 do art.º 590.º do C.P.Civil.
II – Não sendo a forma do processo especial de divisão de coisa comum em teoria manifestamente incompatível com a forma do processo comum, ou seja, no limite, todos os pedidos são teoricamente cumuláveis, independentemente da forma do processo, bastando para tanto respeitar a tramitação própria de cada um, de forma sequencial.
III - Todavia, entendemos não ser admissível a cumulação de pedidos a que corresponde a forma de processo comum com o pedido de divisão de coisa comum, por corresponderem a formas de processo diferentes e não se verificar qualquer interesse relevante e/ou atendível nessa cumulação, nem a eventual apreciação conjunta de todas essas pretensões se mostra indispensável à justa composição do litígio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 2419/20.1T8VFR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 2
Recorrente – B…
Recorrido – C…
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues

I – B… intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira a presente acção especial de divisão de coisa comum contra B…, pedindo que:
- seja ordenada a citação do réu para contestar, querendo, a indivisibilidade do prédio, sob pena de, não o fazendo, se ordenar a realização da conferência a que aludem os n.ºs 1 e 2 do artigo 929.º do CPC, e, no caso de esta se gorar, deverá ordenar-se a venda da fracção autónoma comum, seguindo-se os demais termos até final.
Para tanto, alegou, em síntese, que a autora viveu com D…, em união de facto, no período compreendido entre 1 de Fevereiro de 2010 e 11 de Dezembro de 2019. Sendo que, em 5 de Abril de 2012, a autora e D… declararam adquirir em comum e partes iguais, pelo preço de €68.000,00, a fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, destinada a habitação, da qual faz parte a garagem “B” na cave, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.º .., freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, inscrito na respectiva matriz da extinta freguesia … sob o artigo 3241.º-B - actualmente inscrito sob o artigo 4753.º-B da União das freguesias …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o número 951-B/Feira.
O referido D… faleceu em 11.12.2019, no estado de divorciado e tendo deixado, como único e universal herdeiro, o seu filho, C…, aqui réu.
A autora não quer permanecer na indivisão, sendo certo que a fracção autónoma em causa é indivisível, em substância e por natureza, mas autora e réu não estão de acordo quanto à divisão do prédio comum, pretendendo a autora a sua adjudicação ou venda.
Mais alega a autora que está na posse da referida fracção autónoma, dispondo e fruindo da mesma, em exclusivo, sendo ela também quem tem vindo a liquidar integralmente e, a suas expensas, desde a data da concessão dos créditos bancários contraídos por si e pelo falecido pai do réu para aquisição da mesma, as respectivas prestações mensais, junto do Banco E…, S.A., encontrando-se em dívida ao Banco credor o montante global de €66.860,02, a título de crédito à habitação e crédito hipotecário.
Mais alega ainda a autora que suporta em exclusividade o crédito “Multifunções Seguros” contraído, no valor de €2.666,92, bem como os custos do seguro de vida e do seguro multirriscos, seguros, esses inerentes aos referidos créditos bancários. E é ainda a autora quem, desde a aquisição da fracção, suporta o custo do condomínio do prédio, no valor mensal de €30,00, ao que acresce o valor da comparticipação nas obras levadas a cabo pelo referido condomínio, assim como as facturas de luz, água e gás, metade do IMI, bem como o custo das obras de beneficiação realizadas na fracção autónoma no valor de €25.000,00.
Por fim, alega ainda a autora que adquiriu, a suas expensas, os móveis de cozinha e electrodomésticos e os móveis dos quartos de banho, no valor global de €10.000,00, pertencendo-lhe ainda todo o recheio da fracção. E por todo o alegado afirma a autora que lhe cabe, sobre o réu, um direito de crédito.
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Pessoal e regularmente citado o réu, contestou e, não pondo em causa a indivisibilidade do bem, impugna apenas as alegadas despesas suportadas pela autora, concluindo pela venda/adjudicação do imóvel, devendo o respectivo produto ser dividido em partes iguais.
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Seguidamente foi proferida a seguinte decisão de onde consta: “(…) Pelo exposto, julga-se indivisível a fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, destinada a habitação, da qual faz parte a garagem “B” na cave, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, nº .., freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, inscrito na respectiva matriz da extinta freguesia … sob o artigo 3241-B - actualmente inscrito sob o artigo 4753.º-B da União das freguesias …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o número 951-B/…, de que autora e réu são comproprietários, fixando-se as respectivas quotas em metade (½) para cada um (…)”.
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Para tanto, considerou-se, além do mais, que: “(…) Dispõe o artigo 925.º do C.P.C., a respeito da petição do processo especial de divisão de coisa comum, que todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.
Não havendo acordo de todos os comproprietários, a acção especial de divisão de coisa comum tem por objecto a concretização do direito à divisão a que se reporta o artigo 1412.º do C.C., ou, no caso de indivisibilidade material da coisa, o acordo na sua adjudicação a algum dos titulares do direito de compropriedade e preenchimento dos quinhões dos outros com dinheiro, ou a venda executiva e subsequente repartição do seu produto na proporção das quotas de cada um (artigo 929.º, n.º 2 do C.P.C.).
A acção de divisão de coisa comum tem como pressuposto a compropriedade e como objectivo a efectivação do direito à divisão, sendo considerada uma acção de natureza real, incluindo-se na categoria das acções declarativas constitutivas referidas no artigo 10.º, n.º 3, alínea c) do C.P.C., uma vez que visa a modificação subjectiva e objectiva do direito de compropriedade.
Do ponto de vista processual, esta acção especial comporta duas fases distintas: uma essencialmente declarativa e outra de natureza executiva. Naquela fase define-se o direito do demandante e este direito é definido quer quanto à divisibilidade do bem, quer quanto à quota de cada comproprietário. Nesta fase, e uma vez operada tal definição, dá-se execução ao direito declarado.
A essas fases reportam-se os artigos 926.º a 929.º do C.P.C.
Em conclusão, assentes os factos que conduzem à compropriedade do bem, as únicas questões que se discutem no âmbito de uma acção de divisão de coisa comum, dizem respeito à divisibilidade da coisa ou à fixação dos quinhões de cada consorte, estando assim cingidas aos contornos do direito real de compropriedade.
No caso vertente, para além da divisão da coisa que peticiona, a autora alega, ainda, ser titular de um direito de crédito sobre o réu, decorrente do facto de ter suportado em exclusivo diversas despesas relacionadas com o imóvel. Não obstante essa alegação, a autora não formulou qualquer pedido concreto nesse sentido - tanto mais que o valor que atribuiu à acção corresponde, tão só, ao valor do bem -, pelo que, o Tribunal não se encontraria vinculado a tal alegação.
Todavia, ainda que se considerasse que a alegação contida no artigo 43.º do requerimento inicial, continha em si um qualquer pedido, sempre se dirá que estaríamos perante uma cumulação ilegal de pedidos.
Senão vejamos.
O artigo 555.º, n.º 1 do C.P.C. estipula que o autor pode deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação, prevendo o artigo 37.º, n.º 1, do C.P.C. sob a epígrafe, obstáculos à coligação, que esta não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia.
Quando os pedidos correspondam a formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio (n.º 2 do citado artigo 37.º).
Dada a especificidade do objecto desta acção especial e a simplicidade que a apreciação da divisibilidade do bem e da determinação das quotas em regra reveste, o artigo 925.º, n.º 2, do C.P.C., determina que, se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão (...).
No caso em apreço, não havendo contestação quanto à compropriedade, quotas e indivisibilidade da coisa, o processo transita para a fase da conferência de interessados, sem necessidade de julgamento, o que desde logo tornaria incompatível em substância a apreciação cumulativa de um pedido formulado em invocados direitos de crédito que apenas podem ser conhecidos em sede de acção comum, com tramitação manifestamente diferente e, por isso, inconciliável.
Casos há, é certo, em que se admite que a acção de divisão de coisa comum não seja, na sua fase declarativa, tramitada segundo a disciplina jurídica prevista naquele preceito, mas antes que siga os termos do processo comum – assim vale o n.º 3 daquele normativo, segundo o qual, se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
Eventualmente ao abrigo desta disposição, poderia equacionar-se espaço para acolher a pretensão da autora.
Entendemos, no entanto, que as questões que a fase declarativa da acção especial de divisão de coisa comum se destina a dirimir, quando não possam ser sumariamente decididas, se cingem aos contornos do direito real de compropriedade, i.e., destina-se, tão só, a esclarecer, se controvertido, a existência de uma situação de compropriedade e, ultrapassada essa questão, a divisibilidade ou indivisibilidade do bem e da composição das quotas, não prevendo a possibilidade de a autora também aqui peticionar direitos de crédito, ainda que relacionados com a coisa.
Parece-nos ser claro que o legislador pretendeu afastar desta acção (daí tratar-se de uma acção especial) todas as prestações – matéria do direito das obrigações – e outras realidades jurídicas, nomeadamente direitos de crédito, aí incluindo, apenas as próprias coisas strictu sensu (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28/01/2014, processo n.º 201/12.9T2ALB.C1, in www.dgsi.pt).
A não ser assim e dado que não raras as vezes, os consortes convocam direitos de crédito sobre os demais, na sequência de benfeitorias realizadas ou de despesas suportadas em proporção superior à da sua quota, então na prática a acção especial de divisão de coisa, transmutar-se-ia sempre numa acção comum, perdendo a sua especificidade e razão de ser.
Ainda que assim não se entendesse e se concluísse tratar-se de formas de processo conciliáveis, sempre caberia equacionar a pertinência do conhecimento da questão convocada pela autora com fundamento na sua relevância para a boa decisão da causa, como pressuposto para admissibilidade da cumulação de pedidos.
Ora, embora não se ignore a bondade deste argumento, entende o Tribunal que no caso não é imprescindível para a boa decisão da causa a apreciação conjunta da vertente real e obrigacional da contenda existente entre as partes quanto à fracção autónoma, já que as mesmas são susceptíveis de serem apreciadas isoladamente sem que a justiça da decisão seja comprometida (também neste sentido vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/09/2018, processo n.º 358/17.2T8SNT-2, in www.dgsi.pt).
Acrescente-se, até, que sendo verdade que a autora é quem paga as prestações pelo empréstimo habitação, respectivo seguro e condomínio, ainda que na fase declarativa fosse procedente a sua pretensão, posteriormente, na fase executiva da acção, quando chegasse à altura de proceder ao eventual pagamento de tornas, ou de dividir o valor conseguido pela casa, o crédito reconhecido pela sentença proferida na fase declarativa já não corresponderia ao valor efectivamente pago pela autora, porquanto esta, desde a data em que a sentença foi proferida, continuaria a pagar tais valores.
Deste modo, não só não se afigura imprescindível apreciar conjuntamente as questões invocadas pela autora e pelo réu, como nada nos faz crer que, ao admitir-se a cumulação, se conseguisse, num só processo, resolver todas as questões que se prendem com os créditos existentes entre aqueles.
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Esclarecido este ponto prévio, embora a autora se sirva das despesas em que terá incorrido e da realização de benfeitorias para sustentar um direito de crédito sobre o Réu, nada dizendo quanto à susceptibilidade de, por via daquelas, ser titular de uma quota superior à daquele, o certo é que não é totalmente clara quanto às concretas consequências que daí retira, convocando logo de seguida a ilisão da presunção do artigo 1403.º do C.C.
Ora, uma vez que esta questão, pelas razões já aduzidas, poderia apresentar-se como precedente à anterior, importa ainda tecer breves considerações quanto ao eventual reflexo daqueles créditos na proporção das quotas, acautelando todas as abordagens possíveis.
Sem nos alongarmos, dir-se-á que os factos alegados nunca teriam a virtualidade, ainda que viessem a resultar provados, de alterar a composição das quotas.
Senão vejamos.
Dispõe o n.º 2 do artigo 1403.º do C.C. que as quotas se presumem quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo. Logo, só na falta dessa fixação (directa ou indirecta) se estabelece uma presunção de igualdade, como a autora reconhece nos artigos 40.º e 41.º do requerimento inicial.
No entanto, essa presunção só é ilidível por elementos constantes do título constitutivo ou por factos supervenientes, que obedeçam às mesmas exigências de forma e publicidade. Como tal, são irrelevantes as contribuições de cada um dos consortes para a amortização do empréstimo contraído para a aquisição da fracção (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08/05/2012, processo n.º 2800/09.8T2SNT.L1-7, in www.dgsi.pt).
Com efeito, a relação jurídica contratual de mútuo estabelecida com a entidade bancária com vista à aquisição da fracção é distinta do direito real oponível erga omnes adquirido pela autora e pelo pai do réu com a aquisição por compra do imóvel. E isso, ainda que para garantia do mútuo tenha sido estabelecida garantia de hipoteca onerando o imóvel adquirido. A autora e o réu são comproprietários porque aquela e o pai do réu adquiriram em comum, por compra, o imóvel em questão. O pagamento do mútuo ou os créditos que cada uma das partes se julgue detentora por via da eventual liquidação desse mútuo, benfeitorias, obrigações fiscais ou outros encargos dizem respeito à relação contratual que possa ter sido estabelecida entre as partes em nada alterando a composição das quotas que, em princípio se perfeccionou com a conclusão do contrato.
A transferência da propriedade do imóvel operou-se no momento da celebração do contrato de compra e venda e nos termos aí estabelecidos vertidos no registo, sendo certo que a autora não alega que detenha uma quota superior por ter um direito real sobre uma quota distinta da que consta do título ou de outro documento posterior com força equivalente.
A matéria alegada tem efeitos meramente pessoais e obrigacionais, de todo irrelevantes para alterar a situação jurídica real, tal como a descrita na petição inicial e documentação junta.
Acresce que, nem o facto de estar agora a ocupar a fracção é suficiente para alterar a proporção das quotas, como que por efeito de uma putativa usucapião, tanto mais que nem foram alegados factos para tanto (…)”.
(…)
No que respeita ao direito de (com)propriedade sobre aquela fracção autónoma, a certidão do registo predial junta com a petição inicial permite concluir que, autora e o pai do réu e agora o réu (por força da sucessão), são proprietários, em comum, da mesma (artigo 7.º do Código de Registo Predial).
No que tange às quotas, não contendo o título constitutivo do direito de propriedade nada a este respeito, opera a presunção contida no artigo 1403.º, n.º 2, do C.C. de que as quotas são quantitativamente iguais, presunção iure et de iure que não foi ilidida por nenhuma das partes.
Por último, quanto à divisibilidade da fracção autónoma num prédio constituído em propriedade horizontal, dúvidas não existem de que a mesma é, pelas suas características, indivisível, o que, aliás, não é posto em causa pelas partes (…)”.
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Inconformada com tal decisão dela veio a autora interpor o presente recurso de apelação pedindo que seja a mesma revogada e substituída por outra que admita a cumulação de pedidos, nomeadamente:
a) a divisão da coisa comum como forma de pôr fim à compropriedade, através da adjudicação da fracção autónoma a um dos comproprietários, recebendo o outro as tornas devidas ou, na falta de acordo, ordenando-se a venda;
b) a compensação/reembolso à apelante dos encargos por si exclusivamente suportados com a coisa comum e cuja responsabilidade era de ambos os comproprietários na proporção das respectivas quotas (metade), os quais constituem direitos de crédito daquela sobre o réu, em valor a apurar, e cujo valor poderá ser deduzido às tornas eventualmente a liquidar a este, ordenando-se a prossecução dos autos sob a forma de processo comum, nos termos do disposto no artigo 926º, nº 3 do CPC.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e prolixas conclusões:
1. Os factos atendíveis para efeitos do presente recurso são os supra indicados em A), enumerados de 1 a 12, cujo teor se reproduz e para onde se remete.
2. O processo de divisão de coisa comum, previsto nos artigos 925.º a 930.º do CPC, destina-se ao exercício do direito atribuído no artigo 1412.º do CC, nos termos do qual, em geral, nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, e comporta duas fases, uma declarativa e outra executiva: a fase declarativa destina-se à determinação da natureza comum da coisa, à fixação das respectivas quotas, à divisibilidade em substância e jurídica da coisa dividenda; a fase executiva destina-se ao preenchimento dos quinhões em espécie ou por equivalente, mediante adjudicação, por acordo ou por sorteio, ou, se a coisa for indivisível, à sua adjudicação a algum dos interessados ou à sua venda.
3. Os requisitos que condicionam o avanço do processo de divisão podem ser atacados por diversas razões - não haver indivisão, haver obstáculo à sua extinção, não existir acordo sobre as quotas de cada, ou por outro fundamento. Passa então a ser necessária a existência de uma fase declarativa (sob a forma comum) enxertada na acção especial, fase, essa, que obviamente prejudica o início da fase “executiva” (assim dita por se destinar especificamente a acabar com a contitularidade do domínio).
4. As quotas dos comproprietários presumem-se iguais (artigo 1403.º, n.º 2 do CC), e igual será, por isso, a sua participação nas vantagens e nos encargos (artigo 1405.º, n.º 1 do CC).
5. As vantagens reportam-se a proventos ou proveitos que a coisa comum proporciona (por exemplo, frutos civis); os encargos são ónus, normalmente, despesas que oneram os comproprietários, e que decorrem da existência do bem. Têm diversa índole e podem ir desde contribuições devidas ao Estado ou a outras entidades, a despesas relacionadas com a sua conservação, bem como despesas originadas com o pagamento da sua aquisição e outras associadas àquele ato, mormente quando a aquisição foi feita através de um empréstimo bancário, ao qual se encontram associadas outras obrigações contraídas nesse âmbito, como sejam, seguros de vida, multirrisco, etc.
6. Vigora, assim, o princípio de comparticipação obrigatória e proporcional à quota-parte de responsabilidade a cargo dos comproprietários, pelo que, tendo um destes pago valor superior à sua quota-parte, assiste-lhe o direito de reembolso a cargo da comparte, e na medida da respectiva quota-parte da sua responsabilidade.
7. As relações jurídicas que se estabelecem entre comproprietários inerentes ao cumprimento dos encargos devidos pela, ou por causa, da coisa comum, são de natureza meramente obrigacional, por conseguinte se um deles cumpre na totalidade a obrigação comum, fica detentor de um direito de crédito sobre o consorte na medida da contribuição deste, que pode exercer em juízo.
8. A compensação/reembolso pretendida pela recorrente, considerando as despesas elencadas no corpo da petição inicial, são encargos com a coisa comum, e, sendo-o, co-responsabilizam o apelado na proporção correspondente a metade do valor despendido.
9. Nos presentes autos, atento o facto da fracção autónoma ser indivisível, a divisão de coisa comum terá de se realizar com a adjudicação da mesma a um dos comproprietários, mediante o pagamento de tornas ao outro comproprietário, ou, caso não haja acordo, através da venda, conforme disposto no artigo 929.º, n.º 2 do CPC.
10. As despesas realizadas por um dos interessados quer no pagamento de empréstimo bancário relativo ao prédio, quer nos inerentes seguros, condomínio e IMI, obras, seguros, etc., numa situação em que o pagamento caberia a ambos, gera na esfera jurídica da apelante, a fazer fé no alegado, um direito a ser ressarcida em ½ das despesas.
11. Tal direito de crédito, peticionado no artigo 43.º da p.i., poderá assim ser compensado com o eventual crédito do requerido em tornas.
12. É certo que a julgar-se admissível a cumulação dos pedidos, à semelhança da admissão de pedido reconvencional, esta irá alterar a forma do processo, passando a acção a seguir os termos do processo comum – artigo 926.º, n.º 3 do CPC. Isto, todavia, não é por si só impeditivo da prossecução dos autos, podendo ser autorizada pelo juiz, desde que, embora diversas, as formas do processo não sigam uma tramitação manifestamente incompatível e a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio - artigo 37.º, n.º 2 do CPC.
13. É indispensável para a justa composição do litígio, ou seja, para uma consciente decisão dos interessados em conferência (fase executiva) que esteja devidamente dirimida a questão de saber se a autora tem ou não direito a haver do outro interessado comproprietário a respectiva quota-parte do valor que aquela despendeu em despesas/encargos com a fracção comum, o que é possível através da admissão da cumulação de pedidos e do julgamento das questões por eles suscitadas, assim satisfazendo os princípios da gestão processual e adequação formal.
14. In casu trata-se de despesas que apelante alega ter realizado com a aquisição da coisa comum, bem como despesas inerentes à mesma (IMI, condomínio, seguros, obras de beneficiação, etc.), e que deveriam ter sido repartidas em partes iguais com o finado pai do requerido, não tendo este contudo pago a sua quota-parte.
15. A decisão destas questões é essencial para, em conferência de interessados, fixar as tornas que o comproprietário que adjudique o prédio terá de pagar ao outro.
16. Por outro lado, seguir desde logo para a conferência de interessados e atribuir as tornas ao comproprietário que não adjudica o prédio, calculadas apenas de acordo com as quotas respectivas, significa criar uma situação de impossibilidade de acordo, quando um dos interessados invoca créditos sobre o outro, relativos ao próprio prédio, susceptíveis de fundamentar a compensação.
17. Não se vislumbrando utilidade em fazer o processo seguir nos termos simplificados da acção especial, quando isso significará a impossibilidade de acordo, que é o seu objectivo, ou obrigará uma das partes a deduzir uma nova acção. Neste sentido, o Ac. RL de 15.03.2018, relatado pelo Desembargador António Valente e o Ac. RE de 17.01.2019, relatado pela Desembargadora Albertina Pedrosa.
18. Numa situação de união de facto, como a dos presentes autos, há interesse na resolução das várias questões atinentes à sua dissolução, na mesma acção, procedendo-se à divisão da coisa comum e à liquidação do património constituído na pendência da união de facto, pois existe conexão entre os vários pedidos, como seja a imputação do crédito da apelante na quota que o apelado possui no imóvel adquirido em compropriedade e a determinação da responsabilidade no crédito hipotecário, sem necessidade de recurso a outros processos e evitando acrescidos encargos económicos. Nesse sentido, veja-se o Ac. RP de 30.11.2015, relatado pela desembargadora Ana Paula Amorim, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
19. É legalmente admissível que o autor possa, no mesmo processo, deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação (artigo 555.º do CPC).
20. A coligação exige, como pressuposto em caso algum inultrapassável, que o Tribunal seja absolutamente competente para todos os pedidos cumulados (artigo 37.º, n.º 1, do CPC), e como regra geral, que a forma de processo seja idêntica para todos os pedidos cumulados (1.ª parte do artigo 37.º, n.º 1 do CPC).
21. A apontada regra sofre, no entanto, uma excepção, dependente do critério do Juiz: se a diversidade da forma do processo resultar dos próprios pedidos cumulados, o artigo 37.º, n.º 2 do CPC, faculta ao Juiz autorizar a cumulação desde que, por um lado, as formas de processo correspondentes aos pedidos, sendo embora diversas, “não sigam uma tramitação absolutamente incompatível”, e, por outro lado, haja interesse relevante na apreciação conjunta das acções cumuladas ou quando esta apreciação conjunta se configure como indispensável para a realização do verdadeiro fim de todo o processo, isto é, o de operar a justa composição do litígio.
22. In casu, os pedidos formulados pela recorrente, ainda que correspondam a formas de processo diversas, não têm uma tramitação manifestamente incompatível, atento o disposto no artigo 926.º, n.º 3 do CPC, nem apelado, na sua contestação, se opôs à cumulação de pedidos, e à resolução, neste processo, da questão dos invocados direitos de crédito da recorrente, pelo que, devia o Juiz a quo ter ordenado a prossecução dos presentes autos, sob a forma de processo comum, ao abrigo do referido normativo legal, para aquilatar da existência, reconhecimento e quantificação dos invocados créditos da recorrente, antes de promover, como fez – veja-se na decisão em crise, a final “Após trânsito, conclua com vista à marcação da conferência de interessados a que alude o artigo 929.º do CPC” – a entrada na fase executiva.
23. Sendo que, a gestão processual visa diminuir os custos, o tempo e a complexidade do procedimento, e pressupõe um juiz empenhado na resolução célere e justa da causa. A gestão processual comporta:
- um aspecto substancial, que se expressa no dever de condução do processo que recai sobre o juiz, dever que é justificado pela necessidade de este providenciar pelo andamento célere do processo, devendo, para a obtenção desse fim, promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusar o que for impertinente ou meramente dilatório (artigo 6.º, n.º 1, do CPC); neste caso, pode falar-se de um poder de “direcção do processo” e de um poder de “correcção do processo”.
- um aspecto instrumental ou adequação formal, no âmbito do qual o dever de gestão processual procura ajudar a solucionar a “equação processual”, ou seja, uma decisão justa do processo com os menores custos, a maior celeridade e a menor complexidade que forem possíveis do caso concreto (artigo 547.º do CPC).
24. O princípio da adequação formal, veio romper com o apertado regime da legalidade das formas, conferindo ao juiz a possibilidade de adaptar a sequência processual às especificidades da causa, determinando a prática de acto não previsto, visando-se através dele remover um obstáculo ao acesso à justiça em obediência à natureza instrumental da forma de processo. Se a tramitação prevista na lei não se adequa ao fim do processo, justifica-se que se adapte a sequência processual às especificidades da causa com vista a obter uma solução global e justa do litígio. Gestão e adequação formal que, no caso em apreço, o Juiz a quo não considerou ou relevou!
25. Caso o Juiz a quo entendesse que a petição inicial não continha todos os elementos necessários para que a acção houvesse de prosseguir, deveria ter estendido convite à apelante ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, convite esse que, por força do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 590.º do CPC, constitui uma incumbência do juiz, isto é, um seu dever funcional.
26. O estrito cumprimento desse dever implica que o Tribunal não pode deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado que se revele deficiente e, mais tarde (designadamente na decisão), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar essa peça processual. O que não se verificou in casu! A omissão desse acto devido, influindo no exame e decisão da causa, implica a nulidade da sentença, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 195.º do CPC.
27. Decorre da p.i. que, não era possível quantificar com exactidão o valor global dos créditos da recorrente, sem a obtenção dos documentos solicitados ao Banco E…, SA.
28. Da decisão recorrida resulta qua apelante ficou impedida de exercer as faculdades previstas no artigo 265.º, n.ºs 2 e 6 do CPC.
29. O julgador da decisão recorrida não procedeu a uma correcta apreciação da matéria de facto e interpretação e aplicação do direito.
30. Na verdade, o Tribunal a quo fez uma análise redutora e ligeira, quer dos factos, quer do direito aplicável, tendo sido violados na sentença em crise, entre outros, os seguintes normativos legais: artigos 6.º, 37.º, 547.º, 555.º, 590.º, n.º 2, al. b), 926.º, n.º 3, todos do CPC.

O réu/apelado juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.

Uma vez que a autora/apelante em sede de alegações recursórias veio arguir a prática de uma nulidade processual pelo Tribunal de 1.ª instância, esta foi aí conhecida e julgada inexistente, para o que se considerou: “Da nulidade invocada
Nas suas alegações de recurso invoca a autora a nulidade da sentença, nos termos do artigo 195.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.C., porquanto o Tribunal deveria ter dirigido à ora apelante um convite ao suprimento de insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada no requerimento inicial, convite que, em conformidade com o disposto no artigo 590.º, n.º 2, alínea b), do C.P.C., constitui dever funcional do juiz, o que não se verificou.
Apreciando.
Nos termos do invocado preceito legal – artigo 195.º, n.º 1 do C.P.C. -, (…) a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produz a nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
É certo que cabe ao Tribunal dirigir às partes convites ao esclarecimento e correcção de imprecisões ou insuficiências na exposição dos factos alegados. Em caso de omissão, a mesma poderá defluir, a jusante, na invalidade da decisão proferida quando esta se sustente, precisamente, na deficiente alegação ou concretização factual cuja persistência, sendo suprível, derivou da demissão do apontado dever funcional conformador do julgador de motivar a supressão daquelas deficiências.
No caso concreto, porém, salvo o devido respeito, inexistia qualquer dever que impendesse sobre o Tribunal de convidar a autora ao aperfeiçoamento do seu requerimento inicial, nem a decisão sindicada se louva em qualquer vício de alegação da recorrente que devesse ser suprido.
Na verdade, e dando por reproduzida a fundamentação da decisão recorrida, a existência de tal convite seria contrária à lógica interna daquela e configuraria a prática de ato inútil e, como tal, proibido, porquanto, qualquer imprecisão na alegação do requerimento da autora, que devesse ser suprida, ater-se-ia à questão dos invocados direitos de crédito da impetrante sobre o réu.
Ora, e como em tempo oportuno se deixou exposto, entendemos que a questão da eventual compensação é estranha à fase declarativa do presente processo especial e, no demais, os autos continham já todos os elementos para que fosse proferida decisão.
Assim, e salvo melhor opinião, não se verificou qualquer omissão susceptível de gerar a nulidade invocada.
Notifique”.

II – Os factos relevantes para a decisão do recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da autora/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
- 1.ª – Da forma do processo adequada à pretensão deduzida.
- 2.ª – Da alegada nulidade processual.
- 3.ª – Da (in)admissibilidade de cumulação de pedidos.
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1.ªquestão – Da forma do processo adequada à pretensão deduzida.
A autora ao intentar a presenta acção intitula-a de “Acção Especial de Divisão de Coisa Comum”. E, como é sabido, o princípio dispositivo é ainda prevalente no processo civil e, como seu corolário, cabe às partes definir o objecto do litígio - através da dedução da sua pretensão/pedido e alegar os factos que integrem a causa de pedir ou que sirvam de fundamento à dedução de eventuais excepções - de tal modo que o juiz só pode fundar a decisão nestes, sem prejuízo de poder investigar factos instrumentais e de os poder utilizar quando resultem da instrução e julgamento da causa, cfr. art.º 5.º do C.P.Civil.
A forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida.
O pedido é a pretensão do autor, cfr. art.º 552.º, n.º 1, al. e) do C.P.Civil; o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial/e o modo por que intenta obter essa tutela; o efeito jurídico pretendido pelo autor, cfr. art.º 581.º, n.º 3 do C.P.Civil. A causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, direito que não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir – o acto ou facto jurídico concreto em que o autor se baseia para formular o seu pedido, de que emerge o direito que se propõe fazer declarar.
Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real em causa, cfr. art.º 581.º, n.º 4 do C.P.Civil.
Também como é sabido, a forma de processo é o modo específico como o legislador definiu e configurou a estrutura de actos e procedimentos a que deve obedecer a preparação e julgamento de determinado litígio. Sendo que na nossa lei processual civil o autor não tem liberdade para escolher a forma de processo que julgue melhor servir os seus interesses, pelo contrário, se a sua pretensão couber dentro do âmbito de aplicação de determinada forma de processo é essa, e apenas essa, a que pode recorrer para defender a sua pretensão.
Em sede de processo declarativo, existe a forma do processo comum, que é única, cfr. art.º 548.º do C.P.Civil e existem várias formas de processo especial, cfr. art.º 549.º do C.P.Civil. O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei, enquanto o processo comum se aplica por defeito, ou seja, aplica-se a todos os casos a que não corresponda processo especial, cfr. art.º 546.º, n.º 2, do C.P.Civil. Consagra-se, deste modo, o princípio da especialidade das formas processuais e, por isso, para se saber qual é a forma do processo adequada à pretensão a deduzir, há que determinar se esta se ajusta ao objecto de algum dos processos especiais previstos na lei, cabendo-lhe a forma de processo especial cuja finalidade seja precisamente essa pretensão, ou a forma do processo comum se a pretensão não estiver compreendida nas finalidades específicas de nenhum processo especial.
O elemento da acção fundamental para determinar a forma do processo é a pretensão ou pedido.
In casu” a autora/apelante formulou o seguinte pedido: “seja ordenada a citação do réu para contestar, querendo, a indivisibilidade do prédio, sob pena de, não o fazendo, se ordenar a realização da conferência a que aludem os n.ºs 1 e 2 do artigo 929.º do CPC, e, no caso de esta se gorar, deverá ordenar-se a venda da fracção autónoma comum, seguindo-se os demais termos até final”. Logo, dúvidas não restam de que a acção adequada a tal pretensão é a acção especial de divisão de coisa comum, cfr. art.ºs 925.º a 930.º do C.P.Civil.
Na verdade, o art.º 1412.º do C.Civil atribui a cada comproprietário o direito de exigir a divisão. Trata-se de um direito potestativo destinado a dissolver a relação de compropriedade, objectivado nos art.ºs 925.º a 929.º do C.P.Civil.
A cessação da situação de compropriedade implica, como é manifesto, o termo do concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes, tendo por objecto a mesma coisa; tem lugar a constituição de situações de propriedade singular sobre cada uma das parcelas da coisa dividida (se for divisível), cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, in “Lições de Direitos Reais”, pág.335. No caso de indivisibilidade material da coisa, essa cessação da situação de compropriedade será realizada por acordo na sua adjudicação a algum dos titulares do direito de compropriedade e preenchimento dos quinhões dos outros com dinheiro, ou na falta de acordo, pela venda executiva e subsequente repartição do seu produto na proporção das quotas de cada um, cfr. art.º 929.º n.º 2 do C.P.Civil.
A acção especial de divisão de coisa comum é assim uma acção de natureza real e constitutiva, na medida em que implica uma modificação subjectiva e objectiva do direito real que incide sobre a coisa, pois, caso se verifique a divisibilidade da coisa, o direito de compropriedade será fragmentado, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao objecto e, nos casos de indivisibilidade, o direito de compropriedade transforma-se em direito de propriedade singular, passando a ser seu titular outro ou outros sujeitos.
Ora, preceitua o art.º 925.º do C.P.Civil, a respeito da petição do processo especial de divisão de coisa comum, que “todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.
A acção de divisão de coisa comum, como acção especial, comporta processualmente duas fases distintas, uma declarativa a que se reportam os art.ºs 925.º a 928.º do C.P.Civil, e outra executiva, nos termos do art.º 929.º do C.P.Civil.
A fase declarativa processa-se de acordo com as regras aplicáveis aos incidentes da instância, como determina o n.º2 do art.º 926.º C.P.Civil, e só assim não será se o Juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, caso em que os autos deverão seguir os termos do processo comum, cfr. art.º 926.º nº 3 do C.P.Civil.
Como já se referiu acima, trata-se de uma acção real, sujeita a registo, e cuja causa de pedir é a situação de compropriedade e cujo pedido é a cessação dessa compropriedade, pela divisão material se a coisa for divisível, não o sendo pela adjudicação a uma das partes ou pela venda a terceiro, preenchendo-se assim em dinheiro as quotas de cada um dos comproprietários.
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1.1. – Da imposição de decisão sumária.
No caso dos autos, vendo os articulados das partes, manifesto é de concluir que inexiste entre elas qualquer divergência à existência de compropriedade do imóvel em apreço (fracção autónoma para habitação e garagem) por ter sido adquirida pela autora/apelante e pelo falecido pai do réu, em comum e partes iguais, nem quanto à natureza indivisível da coisa.
Preceitua o n.º2 do art.º 926.º do C.P.Civil “Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º (…)”.
Destarte e dúvidas não podem restar de que a 1.ª instância tinha de julgar, como julgou, a acção totalmente procedente, já que ambas as partes estão de acordo quanto à verificação dos fundamentos que impõem a procedência do direito potestativo da autora/apelante de querer por termo a essa situação de compropriedade, cfr. art.º 1412.º do C.Civil.
Logo, bem andou a 1.ª instância ao seguir o preceituado no n.º2 do art.º 926.º do C.P.Civil, e porque, na realidade não havia qualquer dissenso entre as partes quanto ao objecto do processo, julgar sumariamente o pedido como o fez.
Improcedem as respectivas conclusões da autora/apelante.
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2.ªquestão – Da alegada nulidade processual.
Defende a autora/apelante que se a 1.ª instância entendesse que a petição inicial não continha todos os elementos necessários para que a acção prosseguisse deveria ter-lhe dirigido convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, por força do disposto na al. b) do n.º 2 do art.º 590.º do C.P.Civil. Ao não ter assim agido, verifica-se a prática de uma nulidade processual que inquina a sentença, nos termos do artigo 195.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil.
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Vejamos.
Preceitua o art.º 508.º do C.P.Civil, sob a epígrafe “Suprimento de excepções dilatórias e convite ao aperfeiçoamento dos articulados”:
1 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º;
b) Convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
(…).
2 - O juiz convidará as partes a suprir as irregularidades de que enferme qualquer dos articulados apresentados, fixando o prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente quando careçam de algum dos respectivos requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
3 - Pode ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
4 - Se a parte corresponder ao convite a que se refere o número anterior, os factos objecto de esclarecimento, aditamento ou correcção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
5 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.ºs 3 e 4, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 273.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 489.º e 490.º, quando o sejam pelo réu.
(…)”.
É hoje evidente que o nosso C.P.Civil atenuou o princípio do dispositivo.
Efectivamente, o convite pelo juiz às partes para completar e corrigir os articulados, quando no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, passou para o processo civil comum.
O art.º 590.º do C.P.Civil, sob a epígrafe “Gestão inicial do processo”, nos seus n.ºs 2 a 7, dispõe o seguinte:
“1- (...)
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de excepções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5 - Os factos objecto de esclarecimento, aditamento ou correcção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.ºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.
7 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados”.
Ora o n.º4 do art.º 508.º do C.P.Civil - “Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (...)”, afirma sem dúvidas a atribuição ao juiz de um “(...) poder vinculado, que o juiz tem o dever de exercer quando ocorram nos articulados “insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada(...), constituindo a omissão do despacho nulidade processual, sujeita ao regime dos artigos 195.º, 197.º, 199.º, 200.º n.º3 e 201.º, do CPC”, cfr. José Lebre de Freitas, in “A Acção Declarativa Comum – À Luz do Código de Processo Civil de 2013”.
Sendo pois entendimento pacífico e unânime na doutrina e jurisprudência que o convite ao aperfeiçoamento de articulados, nos termos do nº 4 do art.º 590º do CPC, é um dever a que o juiz está sujeito e cujo não cumprimento leva ao cometimento de nulidade processual. Mas, também é certo que por esta via não pode “suprir-se uma ineptidão da petição inicial (...) mas, apenas, outras irregularidades ou deficiências puramente processuais, que não aspectos substantivos materiais. Por exemplo, a omissão do núcleo essencial da causa de pedir não é suprível por via de um despacho (...) de aperfeiçoamento”, cfr. Lebre de Fretas, in ob. citada, pág. 529. No mesmo sentido pronuncia-se unanimemente a nossa jurisprudência, cfr. Ac do STJ de 6.06.2019, in www.dgsi.pt: “Está manifestamente fora do seu âmbito providenciar pela formulação de pedido que constitua uma pretensão diversa ou ampliada da deduzida pelo autor na petição inicial”.
Ou seja, não se pode olvidar que o princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essências e estruturantes da causa de pedir. Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada. As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam, cfr. art.ºs 590.º, n.º 6 e 265.º, ambos do C.P.Civil. Pois de de outra forma, além do mais, afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art.º 260.º do C.P.Civil, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza-se quanto ao objecto e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objectiva ou subjectiva.
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Depois destas linhas gerais e retornando ao caso em apreço verificamos que a autora na sua p. inicial alegou:
“8º - Como resulta do cotejo do referido contrato particular de compra e venda e empréstimo (doc. 3), para aquisição da fracção autónoma em causa, a Requerente e o decesso pai do Requerido, contraíram um crédito bancário à habitação, no valor de € 68.000,00 (sessenta e oito mil euros), junto do Banco E…, SA, confessando-se ambos devedores da quantia mutuada.
9º - Por contrato particular de mútuo com hipoteca celebrado na mesma data (5 de Abril de 2012), que se junta (doc. 6), a Requerente e o falecido pai do Requerido contraíram também um mútuo com hipoteca, no valor de € 13.000,00 (treze mil euros), junto do Banco E…, SA, confessando-se ambos devedores da quantia mutuada.
10º - Por contrato de crédito “Multifunções Seguros” celebrado na mesma data (5 de Abril de 2012), a Requerente e o finado D… contraíram ainda junto do Banco E…, SA, um crédito de € 2.666,92 (dois mil seiscentos e sessenta e seis euros e noventa e dois cêntimos), como resulta do mesmo, que junta (doc. 7).
11º - Tendo a Requerente e o decesso pai do Requerido, destinado o produto integral dos três referidos empréstimos (€68.000,00, €13.000,00 e €2.666,92 = €83.666,92), para o negócio aquisitivo da fracção autónoma em causa, dado ter havido lugar a pagamento a dois investidores e ao Banco E…, SA, como se alcança da cópia dos três cheques, no valor global de €78.000,00, que junta (docs. 8, 9 e 10),
12º - e para as despesas inerentes à compra, designadamente, com IMT, Imposto de Selo, contrato particular, registos prediais, documentação e despesas bancárias (avaliação e despesas do processo).
13º - Incidindo sobre tal fracção, duas hipotecas voluntárias a favor do Banco E…, SA – ver doc. 4.
14º - A aludida fracção autónoma corresponde a uma habitação unifamiliar (T3), sendo constituída por um único fogo – ver doc. 3.
Ora,
15º - é a Requerente quem está efectivamente na posse da referida fracção autónoma, dispondo e fruindo da mesma, em exclusivo,
16º - sendo também a Requerente quem tem vindo a liquidar integralmente e a suas únicas expensas - desde a data da concessão dos créditos bancários contraídos por si e pelo decesso pai do Requerido para aquisição da fracção autónoma em causa (05.04.2012), as respectivas prestações mensais, que são debitadas na conta nº …………… do Banco E…, SA,
17º - sendo que, na presente data (15 de Setembro de 2020), encontra-se em dívida ao Banco credor o montante global de €66.860,02, a título de crédito à habitação e crédito hipotecário, como se constata pelo cotejo do extracto bancário referente ao mês de Agosto de 2020, que junta (doc. 11),
18º - tendo o referido crédito “Multifunções Seguros”, no valor de € 2.666,92 sido integralmente pago pela Requerente,
19º - bem como é a Requerente quem sempre suportou os custos do seguro de vida e do seguro multiriscos, seguros esses inerentes aos referidos créditos bancários, sendo que o valor dos prémios, são pagos mensalmente por débito directo na indicada conta do Banco E…, SA (……………), onde são debitadas as prestações do crédito, como resulta do referido extracto bancário – ver doc. 11,
20º - e ainda suporta a Requerente, desde a sua aquisição, o condomínio do prédio onde está situada a fracção autónoma em causa, no valor mensal de €30,00 (trinta euros), correspondente à quota mensal, conforme recibo que protesta juntar,
21º - a que acrescem as obras levadas a cabo pelo referido condomínio,
22º - as respectivas facturas da luz, água e gás, é a Requerente quem as liquida por débito directo na conta nº …………… do Banco E…, SA, onde são debitadas as prestações mensais do crédito, como resulta do extracto bancário referente ao mês de Agosto de 2020, que junta – ver doc. 11,
23º - e pagou metade do IMI – Imposto Municipal sobre os Imóveis, até 2018, conforme comprovativo que protesta juntar, encontrando-se actualmente isenta.
24º - Bem como suportou a Requerente todas as obras de beneficiação realizadas na fracção autónoma em causa, nomeadamente, substituição parcial, polimento e envernizamento de parquet, colocação de janelas duplas e estores térmicos em todas as janelas (uma porta-janela e três janelas de correr), lareira de aquecimento na sala, pinturas interiores, etc., no valor de €25.000,00,
25º - e adquiriu, a suas únicas expensas, os móveis de cozinha e electrodomésticos, e dois móveis de quartos-de banho, no valor global de €10.000,00.
26º - Pertencendo ainda à Requerente, todo o recheio da fracção autónoma comum.
27º - Sendo a Requerente a única que alimentou e alimenta a referida conta nº …………… do Banco E…, SA, desde Abril de 2012, como resulta dos extractos bancários que infra se requererão.
28º - O finado pai do Requerido, por seu turno, nunca alimentou a aludida conta bancária.
29º - Tendo sido, pois, a Requerente quem pagou, a suas exclusivas expensas, as prestações do crédito desde a celebração dos três mútuos (05.04.2012) e até à presente data!
30º - Sendo que, após o óbito de D… (Dezembro de 2019), a Requerente accionou o seguro de vida associado aos mútuos por ambos contraídos, celebrado na Seguradora E1…, do qual era a única tomadora, para liquidação integral do capital e juros devidos ao Banco E…, SA, sem que tenha tido qualquer resposta até à presente data.
(…)
43º - Cabendo à Requerente um direito de crédito sobre o Requerido relativamente ao preço por si pago pela coisa comum (…)”. (sublinhados nossos)
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Como é sabido, é a partir da análise da forma como o litígio se mostra estruturado na petição inicial que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber se a petição inicial apresenta ou não deficiências susceptíveis de serem colmatadas. A lei exige, cfr. als d) e e) do n.º 1 do art.º 552.º do C.P.Civil, que o autor, na petição inicial, exponha os factos e as razões de direito e formule o pedido, respectivamente, pedido esse que tem de ser dirigido contra um concreto réu ou contra uma pluralidade de réus, no caso de litisconsórcio ou coligação passivos.
Como é sabido, o objecto da acção consubstancia-se numa pretensão processualizada integrada pelo pedido e causa de pedir. Decorre do preceituado o n.º 4 do art.º 581.º do C.P.Civil a definição de causa de pedir como sendo o facto jurídico de que o autor faz proceder o efeito pretendido. E, em particular no que concerne às pretensões reais, o mesmo normativo, inspirado na teoria da substanciação, precisa que a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real invocado. E do preceituado no n.º3 do art.º 581.º do C.P.Civil extrai-se que o pedido, na sua vertente substantiva, consiste no efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção, o que se reconduz à afirmação postulativa do efeito prático-jurídico pretendido, efeito este que não se restringe necessariamente ao seu enunciado literal, podendo ser interpretado em conjugação com os fundamentos da acção com eventual suprimento pelo tribunal de manifestos erros de qualificação, ao abrigo do disposto no artigo 6.º do C.P.Civil, desde que se respeite o conteúdo substantivo da espécie de tutela jurídica pretendida e as garantias associadas aos princípios do dispositivo e do contraditório
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Retornando ao caso em apreço, desde logo é evidente que a autora/apelante “in casu” não formulou qualquer outro pedido dirigido ao réu, à excepção de “Termos em que, requer-se a V. Exa. se digne ordenar a citação do Requerido para contestar, querendo, a indivisibilidade do prédio, sob pena de, não o fazendo, se ordenar a realização da conferência a que aludem os n.º 1 e 2 do artigo 929.º do CPC, e, no caso de esta se gorar, deverá ordenar-se a venda da fracção autónoma comum, seguindo-se os demais termos até final”.
Por outro lado e analisando o que a autora/apelante alegou sob os art.ºs 8.º a 30.º e 43.º da sua p. inicial, temos de concluir que se trata de alegações vagas, não concretizadas, errantes e indeterminadas, pois que, por exemplo não alega, ou não foi capaz de alegar por manifesta falha técnico-jurídica, que concretas prestações dos invocados créditos bancários terá alegadamente pago; quais os montantes das mesmas, parcelares e totais; que prestações do condomínio alegadamente pagou e qual o seu valor total, etc.
Na verdade, a autora/apelante alegou, ainda que de forma tíbia, factos indispensáveis à caracterização das causas de pedir apresentadas (propriedade de determinados bens móveis por os ter adquirido a expensas suas; ser a fracção a morada de família; ter um crédito sobre o seu co-devedor solidário por benfeitorias necessárias à conservação da fracção e pelo pagamento do preço pela aquisição da mesma fracção, etc.), e portanto dela, estruturantes. Todavia e como acima se deixou consignado, a mesma petição apresenta graves falhas de exposição e de concretização de outros factos que se mostram essenciais à eventual procedência da acção, ou seja, os denominados factos fundamentadores da causa de pedir.
É certo que estas imprecisões de exposição poderiam ser sanadas pela parte, depois de convite ao aperfeiçoamento da exposição fáctica. Contudo, verificamos também que a autora/apelante, apesar de tal alegado imprecisamente aquele complexo fáctico, dele não concluiu, ou dele não foi capaz de derivar ou formular um qualquer pedido dirigido ao réu.
Ora, neste caso – omissão de formulação de pedido - cremos que conjugando os princípios da auto-responsabilidade das partes, do dispositiva e da cooperação, mesmo atendendo à vertente da gestão processual, se mostra manifestamente arredada a possibilidade de qualquer suprimento, exorbitando a sua competência, caso o tribunal dirigisse à parte convite para aperfeiçoamento da p. inicial, cfr. art.º 590.º n.ºs 2 al. b), 3 e 4 do C.P.Civil.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, é manifesto concluir que a 1.ª instância não cometeu qualquer nulidade processual, cfr. art.º 195.º do C.P.Civil.
Finalmente dir-se-á que acompanhamos o decidido em 1.ª instância no despacho que conheceu da arguida nulidade, pois que seria ilógico e consistiria a prática de um acto inútil proibido por lei, ter presente que é processualmente inadmissível “in casu”, atenta a natureza especial da acção de divisão de coisa comum, a cumulação do respectivo pedido com outros de natureza comum e, apesar disso convidar a parte, em momento anterior à transposição de tal decisão para o processo, convidar a parte a vir suprir deficiências de exposição relativamente a causa de pedir, cujo pedido se iria julgar inadmissível nos autos.
Improcedem, assim as respectivas conclusões da autora/apelante.
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3.ªquestão – Da (in)admissibilidade de cumulação de pedidos.
Na decorrência do que acima se deixou exposto, manifesto é de concluir que estamos perante uma questão aparente, pois que na realidade “in casu” inexiste tão só formulado nos autos um pedido - “Termos em que, requer-se a V. Exa. se digne ordenar a citação do Requerido para contestar, querendo, a indivisibilidade do prédio, sob pena de, não o fazendo, se ordenar a realização da conferência a que aludem os n.º 1 e 2 do artigo 929.º do CPC, e, no caso de esta se gorar, deverá ordenar-se a venda da fracção autónoma comum, seguindo-se os demais termos até final” – correspondente ao que é devido numa linear acção especial de divisão de coisa comum, o que é o caso dos autos.
Vendo o teor da decisão de 1.ª instância no que concerne ao entendimento de inadmissibilidade de qualquer cumulação de pedidos como o pedido próprio da presente acção, desde já deixamos consignado que com o mesmo estamos plenamente de acordo.
Ora, apesar de ser uma questão meramente aparente, uma vez que nos autos apenas existe formulado pela autora/apelante um pedido – o da divisão do imóvel comum, sempre se dirá que é nosso seguro entendimento que o escopo e o pedido da acção especial de divisão de coisa comum é, tão só, a divisão da coisa comum, com exclusão de qualquer outro pedido que não este.
Ora, vista o teor da p. inicial da autora/apelante verificamos que era seu objectivo por via da presente acção especial de divisão de coisa comum tentar resolver diversas questões práticas da sua vida, quais sejam – o fim da sua relação de união de facto por via do falecimento do seu parceiro (pai do réu); a sucessão do réu, como herdeiro do seu falecido parceiro no direito de compropriedade deste na titularidade da fracção autónoma em apreço; por termo à indivisão da referida coisa comum; a atribuição da casa de morada de família por via da ruptura/extinção da união de facto; exigir do co-devedor solidário (“in casu” o réu por sucessão do seu falecido pai) o pagamento daquilo que pagou e que deveria ter sido pago pelo seu co-devedor (dívidas solidárias decorrentes dos empréstimos para aquisição do imóvel em causa); o reconhecimento como exclusiva proprietária de determinados bens móveis; exigir do réu, na qualidade de sucessor do seu falecido parceiro a quota-parte deste nas despesas feitas alegadamente apenas pela autora com a vida em comum com o falecido; e exigir do mesmo réu e pela mesma razão o ressarcimento das despesas que alegadamente fez em consequência da compropriedade (condomínio e benfeitorias), etc.
Como se vê, e vem sendo uso generalizado pelos ex-unidos de facto após a ruptura da relação, pretende a autora por via da instauração de uma acção especial de divisão de coisa comum resolver uma miríade de situações da sua vida pessoal e patrimonial, que como decorre do mais elementar bom senso, a pretensão de junção para eventual resolução de todas estas questões apenas culminará numa infernal e demorada complicação já que versando questões tão distintas decerto terminará com erros decisórios relativamente a algumas delas. Pelo contrário a divisão das questões por vários processos, iniciando-se logicamente pelo que será mais premente à defesa dos interesses do autor, quase sempre a questão económica – ou seja, assegurando-se o reconhecimento dos direitos de crédito e consequente condenação do devedor - já que o direito de compropriedade estará sempre assegurado e poderá a quota-parte do devedor mante-se como garantia do pagamento daqueles créditos - o possibilitará decisões lineares e de solução fácil e célere.
Destarte é nossa segura convicção de que mesmo nas situações em que, por mera hipótese, ó Tribunal poderia considerar que existiria nesses casos um interesse relevante na apreciação conjuntas de todas essas pretensões para resolver de vez todas as questões decorrentes da ruptura de uma situação de união de facto, tal não passa de uma quimera.
Depois desta visão prática da situação, vejamos o que releva na realidade, ou seja, o que se deve entender do ponto de vista jurídico-processual.
Ora, na sequência do que deixámos consignado, é para nós evidente que a lei não permite a cumulação de tais pedidos com o pedido de se por termo à indivisão por via de uma acção de divisão de coisa comum.
Reproduzimos aqui o que acima se deixou consignado quanto à natureza e objecto e tramitação, próprios da acção especial de divisão de coisa comum.
E assim desde logo se terá de afastar qualquer hipótese de cumulação com o pedido próprio de tal acção com o pedido de atribuição de casa de morada de família à luz do preceituado na Lei n.º 7/2001, de 11.05 (Protecção das Uniões de Facto), pois tal está proibido pelo disposto no na 2.ª parte do n.º1 do art.º 37.º do C.P.Civil, segundo o qual “A coligação (“in casu” a cumulação, por força do art.º 555.º n.º1 do C.P.Civil) não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia”. E isto porque a competência material para o processo de atribuição de casa de morada de família, processo de jurisdição voluntária, está atribuída aos Tribunais de Família e Menores, cfr. art.º 122.º n.º1, al. b) da LOSJ.
Quanto aos demais pedidos, é certo que seguirão a forma do processo declarativo comum. E, segundo o preceituado no n.º1 do art.º 555.º do C.P.Civil “O autor pode deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação”. E estipulam os n.ºs 1 e 2 do citado art.º 37.º do C.P.Civil, “A coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia” e, “Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nele haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio”.
Sendo evidente que o actual C.P.Civil reforçou os poderes de direcção, agilização, adequação e gestão processual do juiz e que “in casu” a eventual admissão da cumulação de pedidos poderia dirimir um global conflito existente entre as partes decorrente da sua passada vida em comum, - não obstante se entender como acima já deixámos referido, que na realidade se trata de mera quimera – julgamos que a forma do processo especial de divisão de coisa comum não é em teoria manifestamente incompatível com a forma do processo comum, este, em síntese, resume-se a petição e contestação, produção de prova e decisão de facto e de direito, enquanto o processo especial de divisão de coisa comum, como já se referiu, é um processo misto, uma parte declarativo (em que se define o direito) e um parte executiva (em que se procura dar execução ao direito assim declarado) - o pedido é a divisão de um bem comum e a causa de pedir é a insatisfação pela manutenção desse estado, cfr. art.ºs 1412.º do C.Civil e 925.º e segs. do C.P.Civil. pelo que de forma, mais ou menos forçada e mais ou menos complicada e até prejudicial para os interesses dos litigantes se pode, por hipótese, admitir a compatibilidade processual, ou seja, no limite, todos os pedidos são teoricamente cumuláveis, independentemente da forma do processo, bastando para tanto respeitar a tramitação própria de cada um, de forma sequencial.
Mas na verdade, é que esses pedidos que seguem a forma de processo comum, nada têm a ver com qualquer divisão de um património comum do ex-unidos de facto, pois que estes não possuem um património comum e que haja de ser dividido após a ruptura dessa relação, o que existe, antes e depois desse evento, são situações de compropriedade, sendo os mesmos comproprietários das coisas do mesmo modo que o são quaisquer outras pessoas, pelo que, como é evidente, a vontade de por termo a tal indivisão não está condicionada ou dependente da ruptura da união de facto, assim como não está dependente desse evento o direito de qualquer devedor solidário pedir do seu co-devedor aquilo que pagou a mais ao credor, ou seja, por ter pago aquilo que o seu co-devedor também devia ter pagado e não pagou, cfr. art.º 524.º do C.Civil.
E assim por tudo o que deixámos consignado e não olvidando a existência de posições jurisprudenciais contrárias, entendemos, tal como o fez a 1.ª instância, que “in casu” se a autora/apelante houvesse formulado os respectivos pedidos que seguiriam a forma do processo comum e que indiciava nas alegações que fez na p. inicial, não seria admissível a cumulação dos mesmos com o pedido de divisão de coisa comum, por corresponderem a formas de processo diferentes e não se verificar qualquer interesse relevante e/ou atendível nessa cumulação, nem a eventual apreciação conjunta de todas essas pretensões se mostra indispensável à justa composição do litígio.
Improcedem as derradeiras conclusões da autora/apelante.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam as Juizas desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela autora/apelante.

Porto, 2021.06.22
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues