Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2694/21.4T8VFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ARROLAMENTO
DEPOSITÁRIO
DIREITO DE PROPRIEDADE
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP202211142694/21.4T8VFR-A.P1
Data do Acordão: 11/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A alteração da decisão de facto provinda do Tribunal de 1ª instância só se justifica quando seja possível constatar uma violação ou desvio na formação crítica da convicção do julgador e não quando essa convicção, analisada de forma independente e autónoma pela Relação, colhe pleno apoio na prova produzida e a mesma se mostra justificada segundo as regras da experiência e da lógica, aplicáveis ao caso.
II - O decretamento da providência de arrolamento (que consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens) depende da demonstração sumária de dois elementos: a) do seu direito, certo ou eventual, sobre os bens a arrolar; b) do receio do seu extravio ou dissipação.
III - No arrolamento, por princípio, deve ser nomeado como depositário dos bens arrolados o respectivo detentor ou possuidor, a não ser que, em face das circunstâncias do caso e por forma a salvaguardar a eficácia da providência, isso se mostre inconveniente, segundo um juízo de sã prudência – artigo 408º, n.º 1, do CPC.
IV - Como vem sendo posição do Tribunal Constitucional e do próprio Supremo Tribunal de Justiça, “o mero apelo a um princípio constitucional ou mesmo de um direito fundamental não se mostra por si só como adequado para a apreciação de uma alegada inconstitucionalidade, antes se exigindo para além da identificação da norma jurídica ordinária contrária à tutela daqueles, sobretudo, que se elucide, discriminando o conteúdo e a extensão da interpretação alegadamente inconstitucional”, pois que só assim se coloca uma concreta questão de constitucionalidade que ao Tribunal cabe dirimir.
V - O arrolamento de saldos bancários (e títulos do tesouro ou certificados de aforro) com a sua consequente imobilização, face ao risco sério de dissipação e extravio dos mesmos, não confronta os princípios constitucionais previstos nos artigos 36º, n.º 2 e 62º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, antes se revelando uma solução adequada e proporcional para salvaguarda da própria eficácia e utilidade da providência, que tem por fim último esconjurar o perigo daquela dissipação ou extravio de bens que se mantêm litigiosos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2694/21.4T8VFR-A.P1 - Apelação
Origem: Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 2
Relator: Jorge Seabra
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Dr.ª Maria de Fátima Andrade
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Dr.ª Eugénia Cunha
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Acordam, em colectivo, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO:
1. AA veio intentar providência cautelar de arrolamento contra BB, CC e marido DD.
Alega que intenta o presente arrolamento como dependência da acção de inventário relativo ao seu pai.
Mais, ainda, enquanto fundamentos, invoca que após, o falecimento do seu pai, a sua mãe e a sua irmã têm ocultado e têm-se apropriado de quantias avultadas, e que pretendem subtrair e sonegar à partilha.
Terminou pedindo o seguinte:
Termos em que se requer que o presente procedimento cautelar seja julgado procedente, e, em consequência, seja decretado o arrolamento dos bens que infra se discrimina e que se requer seja efectuado sem audiência prévia por parte dos requeridos:
a) saldos de todas as contas bancárias, da titularidade ou co-titularidade de EE e titularidade ou co-titularidade da requerida BB ou da titularidade dos dois em conjunto, à ordem, a prazo e de qualquer natureza, bem como aplicações financeiras, incluindo de todos os valores mobiliários que se encontrem depositados ou associados nas contas descritas no artigo 6º do articulado inicial ou bancos ou instituições financeiras que venham a ser identificados pelo Banco de Portugal, cuja notificação se requer;
b) saldos de todas as contas bancárias, da titularidade ou co-titularidade da requerida CC e titularidade ou co-titularidade do requerido DD ou da titularidade dos dois em conjunto, à ordem, a prazo e de qualquer natureza , bem como aplicações financeiras, incluindo de todos os valores mobiliários que se encontrem depositados ou associados nas contas em bancos ou instituições financeiras que venham a ser identificados pelo Banco de Portugal, cuja notificação se requer
c) Bens móveis e numerário existentes nos cofres que se encontrem na residência da requerida BB e em qualquer dos bancos ou instituições financeiras;
d) Certificados de aforro e certificados do tesouro titulados em nome do falecido e da requerida BB no IGCP Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, cuja notificação se requer;
e) de todas as rendas dos imóveis que se descriminam na certidão da AT e ainda de outros que venham a ser relacionados;
Mais, ainda, se requer que os bancos ou instituições financeiras ou IGCP forneçam os extractos de todos os saldos, aplicações financeiras e valores mobiliários, designadamente de títulos, unidades de participação de fundos e apólices de seguros, dos valores de pelo menos de seis meses anteriores à data do falecimento de EE.

2. O tribunal dispensou a citação dos requeridos e determinou que o Banco de Portugal informasse a identificação das contas bancárias de que os Requeridos e o falecido EE sejam titulares ou co-titulares, indicando o número e a instituição bancária.
Foi produzida a prova indicada pela requerente.

3. Nesta sequência, veio a ser proferida decisão que decretou o arrolamento apenas dos bens identificados nas alíneas a) a d) do pedido formulado pela Requerente, sendo que, quanto ao pedido formulado em c) veio a ser, posteriormente (por despacho de 16.11.2021), indeferido o arrolamento dos bens móveis e numerário existentes nos cofres que se encontrem em qualquer dos bancos ou instituições financeiras.

4. Citados, os Requeridos vieram deduzir oposição, alegando, em síntese, que tendo o «de cujus» disposto da quota disponível, a Requerente apenas tem direito a um terço de dois terços da herança jacente, o que ascenderá a menos de 300.000,00 euros, pelo que o processo deve ter este valor; tendo o óbito ocorrido no referido dia 24 de Dezembro de 2020, é manifesto, face à entrada em juízo do procedimento cautelar em 21 de Setembro de 2021 que nenhum interesse existirá a salvaguardar, pois caso contrário já os interessados o haveriam realizado nos cerca de 9 meses decorridos. Assim, a requerente não tem interesse em agir; não se verifica o pressuposto do justo receio da Requerente, já que a relação de bens foi apresentada em 1 de Março de 2021, muito antes da data de entrada do arrolamento (21 de Setembro de 2021); o «de cujus» era casado no regime de comunhão geral de bens com a aqui Requerida, BB, razão pela qual metade dos bens são a meação pertença da Requerida BB, e a restante metade hereditária indivisa, é dividida em 1/3 que compõe a quota disponível, de que o mesmo dispôs, e os restantes 2/3 são a quota indisponível ou legítima. Deste modo, a Requerente tem interesse nos bens a partilhar, que se cifra em 11,11% da herança jacente aberta por óbito de seu pai, pelo que nenhum motivo existe para a prolação de sentença que ordene o arrolamento em 100% dos depósitos bancários e aplicações financeiras, tanto mais existir avultado património imobiliário, pelo que se impõe desde logo a redução do arrolamento.
Acresce, ainda, que não se podem arrolar bens ou direitos que não fazem parte do acervo hereditário, pelo que se impõe o levantamento do arrolamento realizado na conta do requerido DD, sendo certo que, além do pagamento de dívidas, mais pretendiam os pais da Requerida CC e marido, beneficiar os cuidados, zelo e carinho com que sempre os trataram.
Aliás, foi por ordem dos mesmos feita a transferência de 1.000.000,00 euros para o genro DD, uma grande porção para pagamento de bens e serviços prestados por este, e no mais, como doação remuneratória, pois que visando pagar dívidas não exigíveis; perante uma doação manual e bem assim remuneratória, sendo ambas, nos termos do artigo 2113º, nº 3 do Código Civil, presumidas «iure et de jure», que não são alvo de colação, pois que os doadores quiseram reconhecer as dívidas existentes, os cuidados, desvelo, carinho e preocupação que sempre mereceram por parte do genro (e bem assim da filha).
A Requerida BB fez inúmeros resgates de contas que possuía, para fazer outras aplicações e por dinheiro à ordem, pois teria mais interesse investir, do que o quase nulo rendimento resultante do dinheiro, proveniente do juro, razão de ter tanto dinheiro à ordem, pois havia interesse em investir.
O direito ou interesses patrimoniais da Requerente estão salvaguardados, sendo que nos termos do artigo 368º, n.º 3, a Requerida BB se propõe prestar caução, mediante afectação de património imobiliário que garanta o quinhão hereditário da Requerida.
Assim, concluem pedindo que seja julgada provado e procedente o incidente do valor da causa e por essa via ser fixado o valor da lide em 300.000,00 euros, assim como procedente a oposição deduzida e, desde logo, ordenado o levantamento do arrolamento pela falta de interesse em agir da Requerente, e bem assim pela inexistência dos pressupostos do justo receio para o decretamento da providência cautelar e sempre a mesma ter-se-á de reduzir aos limites impostos pelo acervo hereditário da herança jacente aberta por óbito de EE, ordenando-se o imediato levantamento quanto a metade do valor financeiro, bem como preenchendo a quota disponível e legitima da requerida BB com dinheiro, como resulta do testamento lavrado, sendo suficiente e plena garantia do inventário os bens imóveis para preenchimento do quinhão da Requerente AA.
Se assim não for entendido, sempre deve ser admitida a constituição de hipoteca a favor da Requerente pela Requerida BB, sendo prestada garantia hipotecária sobre a meação das verbas indicadas sob os nºs 1, 12, 13, 14 e 15 da relação de bens apresentada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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5. Realizou-se a produção de prova, com inquirição das testemunhas arroladas pelos Requeridos, vindo a ser proferida decisão final que julgou improcedente a oposição deduzida, mantendo-se a decisão inicial de arrolamento nos termos peticionados.
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6. Inconformados, vieram os Requeridos interpor recurso de apelação, que foi admitido, em cujo âmbito oferecem alegações e deduzem, a final, as seguintes
CONCLUSÕES
1ª - Da prova produzida em sede de oposição ao procedimento cautelar de arrolamento, e de forma concatenada, coerente e lógica entre si, resultou, duma análise critica e face às regras de experiência e normal devir da vida, pelos depoimentos isentos, sinceros, desinteressados e imparciais prestados, que a prova devia doutro modo ser aquilatada pelo Tribunal, não se bastando a livre convicção do Juiz, pois tal não redunda numa prova arbitrária, descontextualizada e sem base no que fora dito, expresso ou manifestado, directa ou instrumentalmente;
2º - A livre convicção do Juiz carece de fundamentação para credibilizar uns depoimentos em detrimento dos outros, mas tudo fundamentado e racionalmente explicado, para que um bonnus pater famílias, pela simples leitura da sentença, compreenda o fio de raciocínio em que o Tribunal alicerçou as suas opções de valoração de prova;
3ª O que, salvo devido respeito por opinião contrária, não foi realizado nos autos, pois que se não atém, porque não foram valorados os depoimentos das testemunhas dos aqui Recorrentes;
4ª Atenta a prova produzida, os depoimentos prestados em sede de oposição, os concretos pontos transcritos que impõe decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto e qual o sentido que, deveria ter sido proferida sobre a matéria de facto impugnada, nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 do Artº 640º do Código de Processo Civil:
5ª Pelo que ter-se-ia de dar como provada a alínea b) dos factos dados como não provados, passando a constar como resposta (provado) No dia 23 de Dezembro de 2020, o casal EE e BB, como há tanto tempo pretendiam, pagaram avultadas quantias ao aqui requerido DD, por todas as despesas que aquele suportou em seus nomes, com transportes, deslocações, consultas, empregadas domésticas, compras de alimentação, roupa, cuidados de saúde e outros, pretendendo assim pagar mais de 35 anos de cuidados continuados que aquele suportou.
6ª Ter-se-ia de dar como provada a alínea c) dos factos dados como não provados, passando a constar como resposta (provado) - Tal facto realizado no dia 23 de Dezembro de 2020, há longos anos era dito e verbalizado pelos pais e sogros da Requerida mulher e do Requerido marido.
7ª Ter-se-ia de dar como provada a alínea d) dos factos dados como não provados, passando a constar como resposta (provado) Pretendiam os pais da Requerida CC e marido, beneficiar os cuidados, zelo e carinho com que sempre os trataram
8ª Ter-se-ia de ter dado como provada a alínea e) dos factos dados como não provados, passando a constar como resposta (provado) Foi por ordem dos mesmos feita a transferência de 1.000.000,00 euros (Um milhão de euros) para o genro DD, uma grande porção para pagamento de bens e serviços prestados por este, e no mais, como doação remuneratória, pois que visando pagar dividas não exigíveis)
9ª O procedimento cautelar de arrolamento visa fazer lista, fazer uma relação ou rol de bens , não visando nem a apreensão dos bens, nem tão pouco criar a sua indisponibilidade, sendo que, por inequívoco, apenas se terá a partilhar a meação da saudoso EE, ou seja, o direito meeiro daquele, não se podendo apreender bens, direitos ou dinheiro in totum;
10ª - Como decorre em anotação do Acórdão do TRG de 24 de Janeiro de 2019, visa a descrição e arrolamento dos bens e não a sua apreensão, pelo que não pode o Tribunal recorrido, decidir como fez, apreendendo todo o património financeiro e aplicações de títulos dos Recorrentes, o que mais é substanciado na maioritária e profusa Jurisprudência nesse sentido, como o Ac. do TRG de 24 de Janeiro de 2019, Proc 1515/17;
11ª Da forma como foi ordenado o arrolamento, de todo o património financeiro, titulado em nome do extinto casal, resulta uma indisponibilidade de aceder ao seu património por parte da Recorrente BB, o que viola os direitos de propriedade familiar e da propriedade privada, previstos no Artº 36º., nºs 2 e 3 e Artº 62º da Constituição da República Portuguesa;
12ª Pelo que sempre ter-se-á de ordenar a declaração de violação de princípios constitucionais, da propriedade privada, ao ordenar-se o arrolamento como feito, indisponibilizando a Recorrente BB de aceder aos seus bens, direitos, património e dinheiros;
13ª Sendo aplicável, subsidiariamente, ao arrolamento as normas da penhora, está proibido e tal é ilícito, a penhora de bens de terceiros, que justificam a dedução dos Embargos de terceiro, o que no caso sub judice é inviável, face ao modo como foi composta a lide e por aqueles, (DD e CC) serem demandados;
14ª Com a presente lide, presumem os Recorrentes, visa a Recorrida salvaguardar o direito ideal que lhe assiste na herança aberta por óbito de seu pai, e na proporção que lhe cabe, face ao poder daquele de dispor da sua quota disponível, pelo que terá direito a um terço, de um terço da herança do saudoso EE, o que nunca ascenderá a mais de 300 000,00 euros.
15ª - O que salvo devido respeito, e face ao previsto nos Artºs 296º e 297º, nº 1 do CPC, é o valor do interesse ou direito nos bens a partilhar, sendo que o Artº 304º, alínea f), se refere ao arrolamento, pelo valor dos bens arrolados, mas, face ao já alegado, o valor do arrolamento não é, nem pode ser, o valor total do património conjugal, mas a sua meação e na proporção do direito da Recorrida;
16ª - Como resulta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de Outubro de 2015, Proc. nº 124/14.7T8AMT.P1, é sumariado que: Fazendo parte dos bens da herança indivisa, depósitos bancários, os herdeiros, cada um destes, até ser feita a partilha, apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fracção ideal do conjunto dos bens e não, relativamente aos depósitos bancários, a uma parte certa e ; ou seja, só património da herança, e só esse, pode ser arrolado; o demais ter-se-á de restituir ao comproprietário ou outros interessados;
17ª Porquanto atento o próprio fim do arrolamento se visa registar em lista, fazer uma relação ou rol de bens , uma vez esta esteja realizada como o reconhece a Recorrida inexiste interesse em agir, ou tutela jurisdicional a salvaguardar, pois que não é posta em causa a relação de bens apresentada, pelo que falta objecto aos presentes autos;
18ª Inexiste um conflito de interesses quanto à definição dos bens ou direitos, entre Recorrentes e Recorrida, pois esta apresentou a lista, que tem como boa, coincidente com a apresentada pela Recorrente cabeça-de-casal;
19ª - Os bens constantes da relação de bens apresentada para efeitos de imposto de selo junto da Autoridade Tributária, não podem ser transmitidos ou movimentáveis, sem o acordo de todos os interessados, sendo por isso não movimentáveis, pelo que não há justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, nem tão pouco, qualquer urgência, ou seja, periculum in mora;
20ª Tanto mais que, tendo ocorrido o óbito em 23 de Dezembro de 2020, tendo sido apresentada relação de bens em 1 de Março de 2021, qual o interesse a salvaguardar por acção judicial, se o que se pretende é fazer em lista, o que já fora realizado vários meses antes da instauração dos presentes autos;
21ª Inexistem os pressupostos objectivos de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, porquanto è a própria Recorrente quem apresenta a relação de bens apresentada e aceita como boa, de todos os bens existentes, pelo que não há que fazer lista do que já foi dado como lista;
22ª Inexiste alegação de factos concretos pela Recorrida, donde resulte o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, limitando-se a alegar aquela, ocultando e dissipando bens como ainda a 1ª requerida beneficiou a requerida CC ao longo de mais de três décadas, o que só por si, por facto consumado, obsta ao decretamento de qualquer providência cautelar urgente, ou eminente, no pressuposto de salvaguardar interesses em risco, ou seja, um justo receio, objectivo;
23ª Cumpre a quem procura tutela jurisdicional, alegar factos constitutivos do pedido e da causa de pedir, ónus que, a Recorrida manifestamente não cumpriu;
24ª - A Recorrida, parece querer arrogar-se credora da herança, pelo que deveria ter lançado mão do procedimento cautelar de arresto ou dum procedimento cautelar comum, para conseguir retirar a disposição ou uso dos Recorrentes dos bens ou direitos em causa, mas teria de ter alegado todos os factos cumulativos, designadamente o fundamental periculum in mora, pois que conhecendo o acervo hereditário, lhe falta causa de pedir, para o arrolamento, que visa acto de registar numa lista, de fazer uma relação ou rol de bens, pelo que há uma manifesta incompatibilidade entre a causa de pedir e o pedido, pois este está já concretizado, face à providência cautelar requerida.
25ª E por contradição entre causa de pedir e pedido, deveria ter sido liminarmente indeferido o requerido procedimento cautelar, por ineptidão da petição inicial.
26ª Sendo que o arrolamento, só o é na proporção do direito sucessório existente, pelo que só sobre o direito meeeiro do saudoso EE, e nunca sobre o total do património conjugal, tanto mais que há doações e testamento a levar em conta;
27ª Mais não fosse, e é, ter-se-ia desde logo que ordenar o levantamento do arrolamento quanto a metade do património financeiro; contudo, atento o testamento, o de cujus pretendeu que a quota indisponível de sua esposa fosse preenchida com dinheiro, o que se impõe aos herdeiros;
28ª Pelo que, além da falta de fundamentos ou pressupostos para o decretamento do procedimento cautelar, se impõe seja ordenado o levantamento do arrolamento, quanto às verbas arroladas em nome da Recorrente BB, bem como das verbas não tituladas em nome da herança e que dela não fazem parte, nomeadamente os montantes arrolados aos Recorrentes DD e CC;
29ª - Ao arrolamento, como às demais providências cautelares se impõe, o princípio da legalidade só arrolar o que é direito ou interesse na sucessão e da proporcionalidade decretando-o na proporção daquele direito e com adequação e necessidade, o que a Recorrida não alegou ou provou, como exige o Artº 403º, nº 2 do Código de Processo Civil;
30ª O arrolamento não pode visar a impossibilidade de vida de quem tem o seu património, e se vê desapossado de verbas para fazer face às suas despesas de subsistência e de normal viver, como resulta da decisão ora impugnada, que é ilícita e violadora do direito ao património pelos cidadãos;
31ª A Recorrida tem salvaguardado o preenchimento do seu quinhão hereditário com os inúmeros imóveis relacionados, sendo que o arrolamento é coisa diversa do arresto, pois não se visa fins patrimoniais, mas fins de justa partilha, o que a Recorrida obterá nos autos, face ao já indicado existir;
32ª Como explica o Prof. Alberto dos Reis, o arrolamento de contas bancárias só deve ser decretado quando o interesse a salvaguardar seja superior à lesão que provoca; e nunca, nas contas bancárias, pressupõe impedir a sua normal utilização ou disposição pelo titular;
33º - No caso concreto, não há justo receio objectivo - de ocultação, extravio ou dissipação de bens, pois estes estão identificados e são não movimentáveis;
34ª Porquanto o fenómeno sucessório só ocorre com o óbito do de cujus, como resulta do Artº 2031º do Código Civil, todas as transmissões prévias não são alvo de arrolamento, pois que se trata de disposições em vida, e inexiste o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens;
35ª Por nunca poder verificar-se o justo receio futuro de extravio, ocultação ou dissipação de bens quanto ao que já fora transmitido em vida, não se verifica um pressuposto essencial para o arrolamento das verbas propriedade dos Recorrentes DD e CC;
36ª - No caso dos autos, é manifesto estar-se perante uma doação manual e bem assim remuneratória, sendo ambas, nos termos do Artº 2113, nº 3 do Código Civil, presumidas iure et de jure, que não são alvo de colação, pois que os doadores quiseram reconhecer as dívidas existentes, os cuidados, desvelo, carinho e preocupação que sempre mereceram por parte do genro (e bem assim da filha).
37ª Não só não houve (há) qualquer justo receio efectivo, objectivo e eminente - de extravio, ocultação ou dissipação de bens, como a Recorrente CC depositou os montantes das rendas numa conta titulada pelos seus pais, atestando da inexistência dos pressupostos do arrolamento;
38ª Requereram os Recorrentes a prestação de caução, explicitando, segundo se pensa, bem, o montante a realizar, sendo que o Tribunal a quo, indeferiu a mesma invocando a não suficiência para prevenir a lesão, mas não indicando quaisquer fundamentos, valores, ou que lesões se provocarão, tendo manifestamente violado o Artº 615º, nº 1 alinea d), sendo nessa parte a sentença nula, o que expressamente se vem arguir;
39ª - A douta sentença violou os Artºs 36º, nºs 2e 3 e 62º da Constituição da República Portuguesa e os Artºs 403 e 405, 368º, nºs 2 e 3, 296º e 297º nº 1, 615º, 1, al d) do Código de Processo Civil e os Artºs 516º e 342º do Código Civil.
Nestes termos e nos de Direito deve ser dado provimento ao recurso e por essa via ser proferido acórdão que revogue a sentença e assim ordene seja alterada a resposta à matéria de facto no que tange às alíneas b), c), d) e e) dos factos dados não provados, passando a serem dados como provados, bem como declarada a inconstitucionalidade da interpretação realizada pelo Tribunal recorrido, na medida em que admite a violação da propriedade privada da Recorrente viúva, bem como deve ser decretado não verificadas as condições e pressupostos para o decretamento da providência cautelar de arrolamento, ora por falta de alegação, por manifesta ineptidão da petição inicial face ao pedido e causa de pedir incompatíveis de falhos os requisitos materiais e ainda por manifesta inutilidade, porquanto a Recorrida já apresentou o rol dos bens, que aceita como certa, face à relação de bens apresentada junto da Autoridade Tributária, assim se declarando improcedente a requerida providência cautelar, por manifesta inviabilidade e falta de objecto, bem como por ineptidão da petição inicial.
Se assim não for entendido, e atentos os fins do procedimento cautelar, sempre deve ser reduzido o arrolamento à proporção e adequação do valor que a Recorrida tem na herança jacente por óbito de EE, o que representa um terço dos dois terços dessa meação, ou seja 11,11% do valor de cerca de 2.500.000,00 euros (Dois milhões e quinhentos mil euros) pelo que se aceita no valor de 300.000,00 euros (Trezentos mil euros) mediante a prestação de caução, ora por hipoteca, ora por valor a ser devolvido aos Recorrentes, porquanto o arrolamento não pressupõe nem é um acto de apreensão, mas de mera identificação e discriminação de bens ou direitos, sendo ordenado o seu levantamento e restituído aos Recorrentes todas as verbas arroladas…”
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7. Não foram oferecidas contra-alegações ao recurso.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não sendo consentido a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil [doravante designado apenas por CPC].
Por conseguinte, em face das conclusões do recurso, as questões a decidir são as seguintes:
i. Do valor da causa;
ii. Interesse em agir;
iii. Ineptidão da petição inicial;
iv. Nulidade da decisão (artigo 615º, n.º 1 alínea d), do CPC);
v. Impugnação da decisão de facto;
vi. Da verificação dos pressupostos para o decretamento da providência em apreço.
vii. Da sua substituição por caução.
viii. Da alegada inconstitucionalidade por violação dos direitos constitucionais previstos nos artigos 36º, n.º 2 e 62º, n.º 1, da Constituição.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
O tribunal de 1ª instância julgou provada a seguinte factualidade:
1) No dia 24 de Dezembro de 2020, ocorreu o óbito de EE, no estado de casado com BB (1ª requerida) em primeiras núpcias de ambos, no regime de comunhão geral de bens.
2) O falecido EE deixou como herdeiros legitimários a cônjuge BB e as duas filhas de ambos: a requerente AA nascida em .../.../1960 e a requerida CC, nascida em .../.../1962.
3) O falecido EE tinha em comunhão com a sua cônjuge a requerida BB um património constituído por imóveis, depósitos bancários, numerário guardado em casa em valor não apurado, e aplicações em certificados de aforro e certificados do tesouro.
4) No dia 23 de Dezembro de 2020, houve uma transferência de um milhão de euros do Banco 1... e da conta bancária n.º ... (conta depósito à ordem) efectuada pela 1ª requerida para o requerido DD.
5) A 1ª requerida apresentou a relação de bens com a participação do óbito à Autoridade Tributária, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6) Numa primeira relação, a quantidade de verbas relacionadas foi apenas até à trigésima quarta; não incluindo contas bancárias nem certificados de aforro e certificados do tesouro.
7) Mais tarde, apresentou uma relação adicional com as verbas entre 35ª a 47ª.
8) A 1ª requerida também não relacionou os bens que estão apenas em seu nome.
9) Dos mais de vinte e quatro imóveis arrendados, apenas 4 estão participados à Autoridade Tributária.
10) Requeridos e requerente estão de relações cortadas há muitos anos.
11) Desde o óbito de EE que a 2ª requerida CC tem vindo a colaborar nos cuidados a prestar à sua Mãe, ora aqui 1ª requerida e, nos últimos meses, a 1ª requerida foi viver com a sua filha CC.
12) A 2ª requerida CC tem neste momento acesso a toda a correspondência bancária, numerário e outra documentação.
13) A requerente só soube do óbito do pai por terceiros.
14) O de «cujus» realizou testamento, no dia 5-5-2014, cujo teor aqui se dá por reproduzido, conforme documento n.º 1, junto com a oposição.
15) O de «cujus» e a sua mulher realizaram a 5.05.2014 escritura de doação, por conta da quota disponível, em favor da sua filha CC, que a aceitou, dos bens descritos sob o documento n.º 2, junto com a oposição, cujo teor se dá por reproduzido.
16) O de «cujus» quis beneficiar a sua filha CC. [1]
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Por seu turno, o Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a. Outras transferências semelhantes houve das contas bancárias.
b. Foram resgatados diversos certificados de aforro e certificados do tesouro no IGCP que implicou diversas centenas milhares de euros que foram transferidos para contas bancárias dos requeridos que a requerente desconhece.
c. A 1ª requerida tem vindo a desmobilizar aplicações em depósitos e certificados de aforro e transferindo-os na sua quase totalidade para outras contas dos requeridos.
d. A Requerente soube no dia 17 de Dezembro de 2020 que seu pai estava internado, pois assim foi informada pela Requerida CC.
e) No dia 23 de Dezembro de 2020, o casal EE e BB, como há tanto tempo pretendiam, pagaram avultadas quantias ao aqui Requerido DD, por todas as despesas que aquele suportou em seus nomes, com transportes, deslocações, consultas, empregadas domésticas, compras de alimentação, roupa, cuidados de saúde e outros, pretendendo assim pagar mais de 35 anos de cuidados contínuos que aquele suportou.
f) Tal facto realizado no dia 23 de Dezembro de 2020, há longos anos era dito e verbalizado pelos pais e sogros da Requerida mulher e do Requerido marido.
g) Pretendiam os pais da Requerida CC e marido, beneficiar os cuidados, zelo e carinho com que sempre os trataram.
h) Foi por ordem dos mesmos feita a transferência de 1.000.000,00 euros para o genro DD, uma grande porção para pagamento de bens e serviços prestados por este, e no mais, como doação remuneratória, pois que visando pagar dívidas não exigíveis.
i) A Requerida BB fez inúmeros resgates de contas que possuía, para fazer outras aplicações e pôr dinheiro à ordem, pois teria mais interesse investir, do que o quase nulo rendimento resultante do dinheiro, proveniente do juro, razão de ter tanto dinheiro à ordem, pois havia interesse em investir. [2]
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
IV.I. Valor da causa.
A primeira questão que importa dirimir no recurso contende com o valor da causa, valor este que na decisão recorrida se fixou em 5.000.000,00 (cinco milhões de escudos) e que os Recorrentes defendem ser apenas de € 300.000,00, visto ser esta a quota-parte, em termos de valor, que caberá à Requerente e tendo por base um valor do património da herança na ordem dos 2. 500.000,00.
Vejamos.
Segundo o disposto no artigo 304º, n.º 3, alínea f), do CPC, no arrolamento o respectivo valor é definido pelo valor dos bens arrolados.
Nesta sede, portanto, não revela o que as partes entendem dever ser arrolado, mas o que, efectivamente, foi arrolado na providência em causa, independentemente do valor que, a título definitivo, se venha a apurar na acção principal, ou seja, no caso no inventário por óbito do falecido EE, sendo certo que no dito processo existem meios (avaliação) para aferir do valor exacto do acervo hereditário a partilhar.
Dito isto, como resulta da decisão proferida foi decretado apenas o arrolamento do saldo das contas bancárias referidas em a), b) e c) [apenas quanto numerário e bens móveis existentes nos cofres que se encontrem na residência da Requerida BB] e os valores existentes a título de certificados de aforro e do tesouro titulados pelo falecido e pela sua esposa BB no IGCP (d).
Ficaram, assim, excluídos do arrolamento decretado os imóveis que farão parte do mesmo acervo, assim como as rendas provenientes dos arrendamentos sobre tais imóveis (alínea e do pedido), assim como os bens móveis e numerário que possam existir nos cofres de bancos ou outras instituições financeiras (alínea c) do pedido.
Ora, sendo assim, como resulta dos elementos que se colhem dos autos (a que tivemos acesso via «citius»), seja do arrolamento do numerário e bens móveis existentes no cofre existente na residência da Requerida BB, seja das informações dos bancos, instituições financeiras e IGCP, o valor dos ditos bens arrolados não será nunca inferior a 4.500.000,00, sendo certo que, só em depósitos e produtos financeiros, esse valor ascende a mais de 4.000.000,00 (quatro milhões de euros).
Destarte, sem prejuízo do apuramento integral e exacto do património a partilhar e, logicamente, da quota-parte que caberá à Requerente nesse valor global – e que só no processo principal de inventário será possível determinar com total precisão -, por ora, os ditos bens arrolados ascenderão a um valor muito próximo dos aludidos € 4.500.000,00, valor que há-de ser, à luz do preceituado no citado artigo 304º, n.º 3, alínea f), do CPC, o valor da causa.
É certo que os Requeridos e ora Recorrentes poderão discutir se será esse o valor dos bens que deverão permanecer arrolados, atenta a quota-parte a que a Requerente tem, alegadamente, direito ou, ainda, se se justifica uma redução desse valor, mas essa questão, que contende já com o próprio mérito da oposição ao arrolamento, não interfere com o valor processual da causa, valor esse que há-de corresponder, como se viu, apenas e só ao valor dos bens que, segundo o decidido pelo Tribunal de 1ª instância, foram arrolados e como decorre do preceituado no já citado artigo 304º, n.º 3, alínea f), do CPC.
Trata-se, no fundo, de fazer corresponder o valor do procedimento em causa à utilidade económica imediata do pedido formulado pela Requerente (e na medida em o mesmo veio a ser acolhido pelo Tribunal através do arrolamento decretado) – artigo 296º, n.º 1, do CPC, ainda que esse valor possa não merecer, de um ponto de vista de mérito da causa, a aceitação da parte contrária, por entender que os bens a arrolar deverão ser menos do que foi decidido, em face do valor do acervo hereditário e da alegada quota-parte que cabe à Requerente na partilha que terá lugar por óbito de EE.
Esta questão pode eventualmente vir a relevar em sede de apreciação do mérito substantivo do arrolamento decretado, mas essa divergência não releva, segundo cremos, em termos de valor processual da causa/providência em causa, que, repete-se, é aferido apenas pelo valor dos bens arrolados e à luz do critério legal antes referido.
Por conseguinte, nesta parte, procede apenas parcialmente a apelação, reduzindo-se o valor da presente providência para o valor de 4.500,000,00 (quatro milhões e quinhentos mil euros), nos termos do citado artigo 304º, n.º 3, alínea f), do CPC, pois que é, segundo os elementos que se colhem dos autos, este o valor do património arrolado.
* *
IV.II. Interesse em agir.
A segunda questão suscitada pelos Recorrentes contende com a alegada falta de interesse em agir da Requerente, pois que, segundo advogam os mesmos, não existe um conflito de interesses que justifique o recurso à presente providência cautelar, sendo certo que a relação de bens a partilhar que foi apresentada junto da Autoridade Tributária é coincidente com a que é invocada pela Requerente e com aquela que foi apresentada pela cabeça-de-casal, BB.
Decidindo.
Ainda que o interesse em agir não se mostre legalmente previsto como pressuposto processual referente às partes, a doutrina é unânime em reconhecer tal pressuposto processual.
Segundo Antunes Varela o interesse em agir consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. [3]
Em sentido semelhante refere Manuel de Andrade que o interesse em agir consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. [4] “É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo. Não se trata de uma necessidade estrita, nem tão pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece. “
Em idêntico sentido, ainda, salienta Miguel Teixeira de Sousa que “… o interesse processual é um pressuposto processual respeitante à parte activa e correlativamente ao réu, que é aferido pela posição de ambas as partes perante a necessidade de tutela jurisdicional e a adequação do meio processual escolhido pelo autor.” [5]
Com efeito, refere este último Autor, “… além da necessidade de tutela judicial, o interesse processual também exige que a acção instaurada seja o meio judicial adequado para obter essa tutela. Assim, falta o interesse processual quando, no caso concreto, o meio processual utilizado não se reveste de qualquer utilidade “, ou seja, quando o meio processual utilizado não permite nunca satisfazer o interesse que a parte pretende ver tutelado judicialmente. [6]
Ainda nesta matéria e a propósito do interesse em agir, escreve Paulo Pimenta que o interesse em agir “… não se confunde com a legitimidade, porque o interesse directo em demandar e contradizer (que caracteriza a legitimidade) refere-se ao objecto da lide, ao conteúdo material da pretensão, enquanto o interesse em agir respeita ao interesse no próprio processo, no recurso à via judicial, na inevitabilidade do pedido de tutela jurisdicional apresentado em juízo.” [7]
A mesma doutrina assinala, ainda, que o interesse em agir, enquanto pressuposto adjectivo, tem na sua base duas razões ponderosas: - pretende-se, por um lado, evitar que as pessoas sejam forçadas a vir a juízo para organizarem, sob cominação de uma sanção grave, a defesa dos seus interesses, numa altura em que a situação da parte contrária não o justifica; - por outro, procura-se não sobrecarregar a actividade dos tribunais, cujo tempo é escasso para acudir a todos os casos em que é realmente indispensável a intervenção jurisdicional.
Feitas estas considerações gerais, em nosso ver, a excepção invocada pelos Recorrentes é, com o devido respeito, falha de fundamento à luz do sobredito quadro legal.
Com efeito, compulsada a petição inicial da presente providência e nela alegando a Requerente que é herdeira legitimária de seu pai, o falecido EE e invocando, ainda, que os Requeridos têm vindo a levar a cabo vários actos de dissipação e ocultação de bens e valores que, segundo invoca, fazem parte integrante daquela herança, é indesmentível o interesse em agir da Requerente, na estrita medida em que a proposta providência cautelar de arrolamento visa, precisamente, obviar, no caso dos autos, àquele receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens que integram o acervo da herança – artigo 403º, n.º 1, do CPC -, sendo dependência do inventário por óbito do pai da Requerente, no qual, como é pacífico, releva sobremaneira a exacta especificação dos bens que integram tal acervo hereditário – n.º 2 do mesmo artigo 403º.

Por conseguinte, ainda que os Recorrentes possam dissentir daquela alegação da Requerente ou possam dissentir quanto à verificação dos pressupostos legais indispensáveis ao decretamento do arrolamento e/ou da quota-parte que à mesma cabe no dito acervo hereditário – o que contenderá com o mérito da proferida decisão de arrolamento -, não podem, com o devido respeito, argumentar, em face da causa de pedir e da pretensão formulada (antes sumariamente expostos) e à luz dos quais se há-de aferir daquele pressuposto processual, que não lhe assiste interesse em agir, ou seja, que não a mesma não justificou em termos concludentes e em função também dos princípios gerais previstos nos artigos 1º e 2º, n.º 2, do CPC a necessidade de tutela jurisdicional, independentemente, repete-se, do acolhimento do fundamento substantivo que a sua pretensão possa merecer por parte do Tribunal e na sequência da demonstração (ou não) daquela sua alegação.
Aliás, cabe dizê-lo, quanto à alegada coincidência entre a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal e pela ora Requerente, a asserção dos Recorrentes e que ilustraria a alegada ausência de conflito de interesses entre as partes não colhe qualquer respaldo na matéria de facto alegada pela Requerente e só esta pode servir de fundamento à decisão a proferir nestes autos e quanto à matéria de excepção dilatória de (falta) de interesse em agir.
Destarte, em nosso julgamento, improcede também nesta parte a apelação deduzida pelos Recorrentes.
* *
IV.III. Ineptidão da petição inicial.
Além das questões antes dirimidas, invocam, ainda, os Recorrentes o vício de ineptidão da petição inicial, por ausência de causa de pedir e contradição entre a causa de pedir e o pedido formulado.
Salvo o devido respeito, também nesta parte a apelação não colhe fundamento legal, como em seguida se explicita.
Segundo o preceituado no artigo 186º, n.º 1, do CPC, a ineptidão da petição inicial importa a nulidade de todo o processo, tornando inviável o conhecimento da pretensão em juízo, na estrita medida em que sem causa de pedir ou de pedido, ou por via da sua contradição insanável, não é sequer possível ao juiz definir o objecto do processo e dele decidir.
Como assim, as hipóteses de ineptidão da petição inicial, segundo o n.º 2 do mesmo normativo, são, no que ora releva, as seguintes:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir.
Relativamente à primeira hipótese, como é consabido, a causa de pedir constitui um dos elementos indispensáveis à petição inicial, representando os fundamentos facto-normativos que sustentam a pretensão de tutela jurisdicional formulada, sendo certo, ainda, que essa causa de pedir tem que ser invocada na petição inicial, sem o que faltará a base ou suporte da acção.
Esta exigência de alegação da causa de pedir relaciona-se, como é pacífico, com o denominado princípio da substanciação [8] consagrado na nossa lei adjectiva, princípio este que vem a significar que ao autor não basta formular perante o Tribunal uma determinada pretensão, sendo mister que concretize também o quadro factual essencial que, na sua perspectiva jurídico-normativa (sem prejuízo da liberdade de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito atribuída ao Tribunal – artigo 5º, n.º 3, do CPC), deve conduzir ao seu acolhimento (artigo 552º, n.º 1, alínea d), do CPC), tanto mais que, como também é pacífico, o Tribunal não pode acolher a pretensão do autor com base em distinta causa de pedir, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia para efeitos do preceituado no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Neste sentido, a causa de pedir representa o fundamento fáctico da pretensão de tutela jurisdicional formulada, sendo certo que uma coisa é a inexistência da causa de pedir e outra, radicalmente distinta, é a insuficiência ou imperfeição da alegação essencial fundamentadora da pretensão, a justificar o convite à sua correcção ou suprimento – artigo 591º, n.º 1, alínea c), do CPC - ou, até, a sua inconcludência jurídica (quando a causa de pedir não pode conduzir, mesmo demonstrada na íntegra, ao acolhimento da pretensão da parte), vício que, sendo substantivo, pode conduzir à improcedência da pretensão deduzida e não a uma mera decisão de absolvição da instância. [9]
Ora, neste contexto, será seguro afirmar-se que a petição inicial da presente providência não é inepta por falta de causa de pedir, pois que os fundamentos que suportam a pretensão deduzida pela Requerente são perfeitamente claros, quais sejam, como já antes se referiu, a circunstância de a mesma ser herdeira legitimária do seu falecido pai e de uma parte do seu alegado acervo hereditário correr o risco de ser dissipado, ocultado ou extraviado pelos ora Requeridos e Recorrentes, tudo no quadro legal previsto no artigo 403º, do CPC.
Esta causa de pedir – que existe, portanto – pode, segundo os Requeridos, não bastar ou ser inconcludente para o acolhimento (total ou parcial) da pretensão deduzida, mas isso, com o devido respeito, nada tem que ver com o vício de falta de causa de pedir, vício este que, em face do antes exposto, manifestamente, não ocorre no caso dos autos.
E o mesmo se deve dizer, ainda, quanto à alegada contradição entre a causa de pedir e o pedido, que também não se verifica.
Este vício mostra-se devidamente explicitado por J. Lebre de Freitas, op. cit., pág. 325 ou, ainda, por A. Abrantes Geraldes, P. Pimenta e L. Pires de Sousa, op. cit., pág. 233, quando referem que a contradição prevista no citado normativo é uma contradição lógica, ou seja, “… se o pedido deve ser a consequência ou o corolário lógico da causa de pedir, numa ideia de silogismo, a contradição entre esses dois elementos implica a impossibilidade de a petição cumprir a sua função; em rigor, este motivo de ineptidão resulta de um verdadeiro antagonismo entre o pedido e a causa de pedir, e não uma de uma mera desadequação entre uma coisa e outra…”, sendo certo que essa situação não se confunde com a aquela outra … “em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da acção.”
Trata-se, no fundo, fazendo aqui um paralelismo com os vícios da sentença, da constatação de uma contradição lógica entre os fundamentos e a decisão proferida (artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC), vício que não se confunde com o erro de julgamento, ou seja, quando os fundamentos fáctico-jurídicos invocados na decisão, na perspectiva do próprio recorrente, deveriam ter conduzido a uma decisão distinta, por discordância quanto ao mérito da decisão proferida.
Ora, vistas as coisas sob este prisma, a causa de pedir invocada pela Requerente não briga, nem colide com a pretensão ou pedido formulado pela mesma, bem pelo contrário, a pretensão de arrolamento dos bens em causa é consequente e lógica com o risco de extravio, ocultação ou dissipação dos mesmos bens e com o arrogado direito da Requerente, enquanto herdeira de seu falecido pai, a ver fazer parte da herança aqueles bens que integram o dito acervo hereditário.
Coisa diferente é saber qual o direito da Requerente, quais os bens que integram o dito acervo hereditário e se existem (ou não) os riscos invocados pela mesma, mas, como é bom de ver, isso em nada contende com a alegada contradição lógica entre a causa de pedir e o pedido, que também não existe, a contrário do que invocam os Recorrentes.
A questão é de mérito ou de fundamento substantivo do decretado arrolamento e só nessa outra sede pode (deve) ser dirimida.
Por conseguinte, também nesta matéria improcede a apelação.
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* *
IV.IV. Nulidade da sentença.
As questões formais suscitadas pelos Recorrentes não se ficam, no entanto, pelas anteriores matérias, sustentando, ainda, os mesmos que a sentença é nula por falta de fundamentação e para efeitos do preceituado no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Nesta matéria, invocam os Recorrentes que o Tribunal de 1ª instância indeferiu a prestação de caução pelos mesmos peticionada ao abrigo do preceituado no artigo 368º, n.º 3, do CPC, pois que defendeu que a dita caução não acautelaria de forma bastante o perigo de lesão do direito invocado pela Requerente, mas não indicou “quaisquer fundamentos, valores, ou que lesões provocarão, tendo manifestamente violado o art.º 615º, n.º 1, alínea d), sendo nessa parte a sentença nula, o que expressamente se vem arguir.” (sic)
Nesta sede, impõe-se, face à profusão (e confusão) com que são suscitadas nulidades do acto decisório, de tal ordem que poucos são hoje os recursos onde não se mostre suscitada a nulidade da sentença (ou despacho), repetir o que já escreveu sobre esta temática A. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 139, “… É frequente (diríamos nós, frequentíssimo) a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades.”
É o que ora sucede, pois que a nulidade invocada é infundada, partindo de um evidente equívoco, que importa afastar em termos breves, dada a evidência da questão. [10]
A primeira ideia que importa referir nesta matéria é a de que só os vícios especificamente previstos nas várias alíneas do artigo 615º, n.º 1, do CPC, conduzem à nulidade do acto decisório, pois que a enumeração ali em causa é taxativa. [11]
A segunda ideia – decisiva – é a de que só a falta total ou absoluta de fundamentação de facto ou de direito conduz à sobredita nulidade, mas já não a fundamentação escassa, medíocre ou errónea. Esta outra fundamentação pode comprometer o acerto ou o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada, mas não ao risco de ver ser decretada a sua nulidade. Note-se que, como também é pacífico, o tribunal não tem em termos de fundamentação do acto decisório que esgrimir ou conhecer de todas as razões ou argumentos invocados pela parte; Tem é, antes, que decidir da problemática/questão que lhe é colocada, como estipula o artigo 608º, n.º 2, do CPC, explicitando o seu argumento ou as suas razões para a sua decisão, não tendo, por isso, sob pena de nulidade por falta de fundamentação (ou omissão de pronúncia), que esgotar todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes em sustento da sua posição no processo.
Ora, dito isto, o equívoco dos Recorridos é, como se disse, salvo melhor opinião, ostensivo, pois que, como os mesmos acabam por admitir, o despacho recorrido está fundamentado quanto a indeferimento da caução peticionada, explicitando as razões que estão na base da decisão do juiz quanto a tal matéria, nomeadamente de o risco de dissipação, extravio ou ocultação do património em causa não poder ser, na perspectiva do julgador, ser acautelado pela prestação de caução oferecida pelos Recorrentes; por seu turno, o que os Recorridos defendem é, nesta sede, que esses fundamentos são escassos, insuficientes ou não são correctos, mas esta discordância nunca conduz à nulidade da decisão nessa parte, mas ao dissenso quanto ao acerto ou mérito dessa fundamentação e que conduziu ao indeferimento da prestação de caução.

Por conseguinte, pode existir erro de julgamento quanto a tal problemática, mas não há, de todo, qualquer nulidade por falta de fundamentação.
O que, em conclusão, face ao antes exposto, importa na improcedência da nulidade por falta de fundamentação invocada e à luz do preceituado no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, o que se julga.
Improcede, assim, também nesta matéria a apelação.
* *
IV.V. Impugnação da decisão de facto.
Dirimidas as questões anteriores, cumpre conhecer agora da parte substantiva e, logicamente, em primeiro lugar, da impugnação da decisão de facto.
Como é consabido, é hoje entendimento unânime, reforçado pelo preceituado no artigo 662º, do novo CPC, que, no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação com a mesma amplitude de poderes que assistem ao juiz em 1ª instância, em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo, nesse contexto, sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras da experiência e da lógica na apreciação dos meios de prova produzidos, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
Neste sentido, como refere A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 235-236, o Tribunal da Relação, “… Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo.”
Trata-se, pois, segundo cremos, no âmbito da modificação da decisão de facto – delimitada, por princípio, pela estrita iniciativa processual da parte interessada quanto aos pontos da matéria de facto de cujo julgamento discorda -, de o Tribunal da Relação formar a sua própria e autónoma convicção, sujeito às mesmas regras de direito probatório aplicáveis em 1ª instância, reapreciando, nesse contexto, não apenas os meios de prova indicados pelas partes, mas, ainda, todos os quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (artigo 413º, do CPC), estabelecendo e deixando expressa, assim, a sua própria convicção e introduzindo na decisão de facto provinda do Tribunal de 1ª instância as modificações que julgue devidas em função da mesma.
Note-se que, neste outro contexto, como tem sido acentuado pela mais recente jurisprudência e decorre do actual regime de impugnação da decisão de facto e, em particular, do citado artigo 662º, do CPC, não é suposto, para efeitos de alteração da decisão de facto provinda do Tribunal de 1ª instância, a existência de um erro ostensivo ou grosseiro de julgamento, bastando que a autónoma e livre convicção formada pelos juízes no Tribunal da Relação se revele, à luz da apreciação crítica da prova, distinta da convicção formada pelo juiz do Tribunal de 1ª instância, sem prejuízo de se reconhecer que este último, em razão da oralidade e da imediação, está, à partida, em melhores condições para a percepção e julgamento dos factos controvertidos. No entanto, como vem sendo salientado, esta outra circunstância – que é inegável - não deve constituir obstáculo a que o Tribunal da Relação reaprecie a decisão de facto e que nela introduza as alterações que, em função da sua própria apreciação crítica da prova, segundo as regras da lógica e da experiência, se mostrem devidas, justificando também, em termos racionais e objectivos, a sua distinta convicção.
Com efeito, como dá nota, ainda, o mesmo A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 243, por via do segundo nível de jurisdição de facto que o sistema adjectivo visa assegurar, “… A Relação poderá modificar a decisão da matéria de facto se puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado.” [12]
Como assim, cumprindo o apelante os ónus prescritos no artigo 640º, do CPC, deve (poder vinculado) o Tribunal da Relação reapreciar a prova produzida, seja a indicada pelo apelante, pelo apelado, pelo Sr. Juiz na motivação da decisão de facto, seja, ainda, qualquer outra prova acessível e produzida no decurso do processo em 1ª instância.
Dito isto e colhendo-se dos autos que os Recorrentes deram o mínimo cumprimento aos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, do CPC, cabe reapreciar a decisão de facto provinda do Tribunal de 1ª instância e, nesse contexto, se nela é de introduzir as alterações defendidas pelos Recorrentes ou, em alternativa, outras que se nos afigurem pertinentes no caso sob juízo e em função da nossa própria e autónoma convicção face aos meios de prova produzidos.
A matéria de facto impugnada e que, segundo os Recorrentes, deveria ter sido julgada como provada é a seguinte (segundo a nova sequência alfabética acima referida):
e) No dia 23 de Dezembro de 2020, o casal EE e BB, como há tanto tempo pretendiam, pagaram avultadas quantias ao Requerido DD, por todas as despesas que suportou em seus nomes, com transportes, deslocações, consultas, empregadas domésticas, compras de alimentação, roupa, cuidados de saúde e outros, pretendendo assim pagar mais de 35 anos de cuidados continuados que aquele suportou.
f) Tal facto realizado no dia 23 de Dezembro de 2020, há longos anos era dito e verbalizado pelos pais e sogro da Requerida mulher e do Requerido marido.
g) Pretendiam os pais da Requerida CC e marido beneficiar os cuidados, zelo e carinho com que sempre os trataram.
h) Foi por ordem dos mesmos feita a transferência de 1.000.000,00 € para o genro DD, uma grande porção para pagamento de bens que e serviços prestados por este e, no mais, como doação remuneratória, pois que visando pagar dívidas não exigíveis.
Quanto a esta matéria, o Tribunal de 1ª instância aduziu na decisão recorrida a seguinte motivação (sic): “… a nosso ver, atentas as regras da experiência, os documentos juntos aos autos e os depoimentos prestados, não saímos persuadidos, de forma alguma, da versão carreada na oposição relativamente à transferência bancária de 1 milhão de euros.
Senão vejamos: Quis-se fazer crer que a mesma correspondia a uma dívida avultada dos sogros relativamente ao genro, e a uma espécie de honorários pelos serviços prestados pelo genro durante 35 anos. A nosso ver, dos autos resulta inequivocamente que o de «cujus» e a sua mulher construíram uma fortuna. Ora, afigura-se total e frontalmente avesso às regras da experiência que, atentos os valores em causa, o casal com fortuna vivesse, como soe dizer-se, às custas do genro.
Mais. Repare-se que se alega um período de 35 anos de cuidados contínuos que aquele suportou. Ora, da prova produzida, não se inferiu, minimamente que, com excepção dos anos mais recentes, o de «cujus» e sua mulher carecessem de cuidados continuados. Aliás, aquando do incidente relativo à capacidade da viúva estar por si em juízo, foi inquirida uma funcionária desta (FF) que declarou que o seu horário de trabalho é durante a manhã e a noite, tendo referido que há outra funcionária durante a tarde. Isto é, a viúva, porque tem condições financeiras para tal, contrata pessoas para cuidarem dela.
Por outro lado, os cuidados que a filha requerida e o seu marido tenham prestado àquele casal, e que continuam a prestar, encontra-se acautelado/remunerado na doação. Isto é, em vida realizaram uma doação, onde a filha requerida é devidamente compensada.
Deste modo, porque não actuaram do mesmo modo relativamente ao dinheiro? E face à doação, a transferência do dinheiro tem que finalidade?
Isto é, quer-se fazer crer que houve doação em vida, em 2014, em que beneficiam a filha em troca de os tratarem com carinho em vida, para, um dia antes da morte do inventariado, a viúva ainda entregar um milhão de euros ao genro por dívidas que tinham para com este, e pelos serviços que lhe prestou.
(…) Mais a mais, tudo isto que as testemunhas mencionaram é de ouvir dizer aos visados.
Referimo-nos a GG, amigo, mas apenas dos últimos 20 anos, a HH, inquilina desde 2009, e a II, amiga do casal. Todas estas testemunhas, à contra-instância, revelaram-se desconhecedoras de factos aos quais, porventura, deviam ter respondido. Isto é, revelaram nesse momento que apenas conheciam factos desfavoráveis à requerente o que demonstrou parcialidade.
Isto embora a última testemunha tenha referido que o casal é poupado o que, a nosso ver, se mostra totalmente divergente com as avultadas dívidas do casal para com o genro.
(…) para além do que ficou dito, refira-se que os requeridos não juntaram o documento dessa ordem bancária (refere-se à ordem de transferência bancária aludida sob a alínea h)). E como o inventariado veio a morrer no dia seguinte, não se produziu prova de que o mesmo nesse dia estava capaz de emitir essa ordem bancária.
Os Recorrentes insurgem-se contra esta motivação, invocando precisamente os depoimentos (apreciados e valorados pelo Tribunal) das testemunhas GG, HH e II, limitando-se, nesta matéria, a transcrever partes dos ditos depoimentos, para, sem mais, concluírem que a dita factualidade deveria ter sido julgada como provada, invocando, até, em confronto com a motivação da decisão, que os ditos depoimentos não foram sequer valorados…
De facto, como é óbvio, uma coisa é os depoimentos não serem valorados e outra é serem valorados, mas não se lhes atribuir a credibilidade que o recorrente entende que lhes deveria ter sido conferida, como o mesmo sustenta no recurso.
Isto dito, os Recorrentes, nesta sede, limitam-se a transcrever depoimentos, escamoteando, no entanto, a análise crítica da prova produzida (que o Sr. Juiz deixou plasmada na motivação da decisão de facto, nos termos do artigo 607º, n.º 4, do CPC) e, nesse contexto, dão por certa, sem mais, a versão trazida aos autos pelas ditas testemunhas, atenta a proximidade/amizade entre as testemunhas e o falecido e sua esposa e aquilo que estes últimos lhes terão confidenciado.
Esta forma enviesada, parcial e descontextualizada de proceder à análise da prova produzida, deveria, sem mais, conduzir à improcedência da impugnação da decisão de facto, sendo certo que os juízes, atenta a sua imparcialidade e independência em face do litígio, não são (não podem ser) meros receptáculos acríticos da prova que perante os mesmos é produzida e, portanto, não basta às testemunhas carrearem aos autos uma determinada versão factual para que a mesma deva merecer prova, antes devem submeter essa versão à sua análise crítica, segundo as regras da experiência e da lógica, única forma de evitar julgamentos precipitados, enviesados ou arbitrários, sendo certo, ademais, que a apreciação livre da prova (artigo 607º, n.º 5, do CPC), não é arbítrio, nem irracionalidade, sob pena de, em última análise, se tornar inviável a sua reapreciação crítica, nomeadamente pelo Tribunal hierarquicamente superior.
Neste sentido, como refere M. Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 348, “… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.” (sublinhado nosso)
Ora, sendo assim, a parte que pretende impugnar a decisão de facto não pode, com o devido respeito, remeter apenas para excertos de depoimentos, antes tem, em sentido inverso, de expor a sua análise crítica da prova e «desconstruir» a motivação do decisor de 1ª instância e evidenciando o erro de apreciação crítica, pois que só fazendo esse caminho logrará, em nosso ver, demonstrar o cometimento daquele erro por parte do Tribunal de 1ª instância, erro esse que há-de impor, como exige o n.º 1, do artigo 662º, do CPC, uma decisão de facto distinta da proferida em 1ª instância.
Neste sentido refere ainda Ana Luísa Geraldes, “… É no cumprimento e exercício desse ónus de impugnação, pela falta ou deficiente observância dos termos em que a lei o estabelece, ou pela falta de fundamento de erro na apreciação das provas que tenham sido gravadas, que se verificam as maiores distorções no uso (frequentemente convertido em verdadeiro abuso) da impugnação da decisão de facto, redundando na rejeição ou na improcedência dos recursos, sem, no entanto, evitar os efeitos dilatórios ou protelatórios que decorrem do decurso da fase processual recursória.” E, ainda, prossegue, com total clarividência, a Ilustre Sr. Juíza Conselheira quando refere “… Estamos perante matéria que, em nosso entender, deve ser ponderada de modo a evitar que o legislador ceda futuramente à tentação de introduzir mecanismos legais que acabem por acentuar disfunções que têm sentido sentidas nos Tribunais de 2ª instância, prevenindo o risco de se criarem estrangulamentos nos Tribunais da Relação, com a massiva interposição de recursos com base na impugnação das decisões de facto proferidas pela 1ª instância.” [13]
De todo o modo, mesmo abstraindo do antes referido e olhando com menor rigor para a impugnação da decisão de facto, sempre se dirá que, tendo nós ouvido na íntegra os depoimentos das citadas testemunhas e não obstante as mesmas tenham genericamente confirmado em audiência de julgamento – por aquilo que alegadamente ouviram dizer ao falecido EE e dada a sua amizade com este último – a versão constante das alíneas e) a h) do elenco dos factos não provados, também é seguro que, em sintonia com a convicção formada em 1ª instância, essa sua versão, segundo a nossa autónoma convicção, não colhe credibilidade e consistência bastantes, à luz das regras da experiência e da lógica aplicáveis, para a termos como demonstrada, como sustentam os Recorrentes.
Com efeito, sendo indiscutido que o falecido EE e esposa, amealharam ao longo da sua vida um património imobiliário que lhe proporcionava rendas de valores avultados e, ainda, um vasto património em dinheiro em depósitos bancários e outros produtos financeiros, pergunta-se que sentido faz, numa perspectiva lógica e segundo as regras da experiência, que os mesmos tenham acumulado junto do seu genro/filha CC uma dívida de “ serviços, transporte, consultas, empregadas domésticas, compras, alimentação, roupa e cuidados de saúde “ que ascendeu, durante 35 anos (!) a 1 milhão de euros?
Com todo o respeito uma tal explicação ou justificação não colhe, em nosso ver, qualquer sentido, a não ser o de, segundo as mesmas regras da lógica e da experiência, na eminência do falecimento do aludido EE (que faleceu a 24.12.2020, ou seja, no dia imediatamente seguinte à data da transferência em causa), dissipar, ocultar um valor daquela ordem de grandeza, procurando evitar a sua posterior consideração na herança a partilhar, sobretudo quando todos os demais (os ora Recorrentes/Requeridos) sabiam que nessa partilha participaria a filha AA, com quem o falecido e a sua esposa não mantinham há vários anos qualquer tipo de relação, como também já consta do facto 10 do elenco dos factos provados.
Aliás, pergunta-se também que fonte de rendimentos possuíam o genro e a filha dos Requeridos que lhe permitissem arcar durante 35 anos com todas as ditas despesas dos mesmos, que atingiram, segundo o alegado, cerca de um milhão de euros? E porquê proceder a esse pagamento apenas na véspera do falecimento do «de cujus» EE?
Aceita-se que o falecido e a sua esposa, dada a sua proximidade e especial relacionamento com a sua filha CC e afastamento da Requerente/filha AA, quisessem beneficiar e retribuir os cuidados, zelo e carinho com que sempre aquela filha CC e o seu genro os trataram, como foi afirmado pelas ditas testemunhas nos respectivos depoimentos, mas esse benefício, como também se dá nota na motivação da decisão de facto em 1ª instância, já resulta devidamente acautelado pela doação que em seu favor outorgaram por conta da quota disponível (vide facto provado em 15); Aliás, como bem questiona o Tribunal de 1ª instância, se era essa a vontade do falecido e da sua esposa porque não efectuaram também a doação daquela avultadíssima quantia em dinheiro quando, naturalmente, o podiam ter feito, vindo, apenas, repete-se, no dia imediatamente anterior ao falecimento de EE, a sua esposa, a Requerida BB, enquanto co-titular da respectiva conta bancária, a efectuar a transferência daquele elevadíssimo valor em dinheiro para conta bancária titulada pelo seu genro e pela sua outra filha CC.
Digamos que, com o devido respeito, a coincidência dos factos é demasiado evidente para que seja possível escamotear o propósito de desviar do acervo hereditário aquele valor em dinheiro imediatamente antes do falecimento de EE, assim como a explicação aventada pelos Recorrentes para essa transferência é demasiadamente simplista e ostensivamente desmentida pela conjugação e compatibilização lógica de toda a factualidade provada, seja, por um lado, a fortuna que o falecido e a esposa amealharam para precisarem de viver da ajuda da filha CC ou do seu genro durante cerca de 35 anos, seja ainda pela relação que não mantinham com a filha AA e que, por isso, não pretendiam que viesse a beneficiar de tal valor em dinheiro por via da sua ocultação na conta bancária de um terceiro (genro e ora Requerido), independentemente das razões que possam ter estado na origem desse afastamento entre ambos (pais e filha) e que, ao caso dos autos, nem relevam.
Por último, diga-se que o documento n.º 9 (junto com o requerimento inicial) a que fazem alusão os Recorrentes na sua impugnação apenas faz prova do facto que já consta do elenco dos factos provados em 4, sendo certo que, em face do antes exposto quanto à demais prova pessoal acima referida, inexiste, de todo, em nosso próprio julgamento e autónoma convicção, qualquer prova de que aquela ordem de transferência tenha sido efectuada sob ordens ou instruções do falecido EE, que, recorde-se, faleceu no dia imediatamente seguinte, não se sabendo, pois, se o mesmo estava em condições de o fazer.
Por conseguinte, segundo aquela que é a nossa própria e autónoma convicção e após a análise dos meios de prova invocados pelos Recorrentes, nenhum erro de julgamento crítico da prova produzida, segundo as regras da experiência e da lógica, é possível apontar ao julgamento levado a cabo pelo Tribunal de 1ª instância quanto à factualidade impugnada, a qual é, pois, de manter como não provada.
Improcede, assim, a impugnação da decisão de facto, que se mantém na íntegra.
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IV.VI. Arrolamento – Pressupostos – Apreensão de bens.
A questão subsequente, tendo presente que se manteve o quadro factual proveniente do julgamento em 1ª instância, é aferir da verificação ou não dos pressupostos do arrolamento decretado, não deixando de ter presente que apenas foram arrolados os saldos das contas bancárias tituladas ou co-tituladas pela Requerida BB (alínea a, do pedido), os saldos das contas bancárias tituladas ou co-tituladas pelos Requeridos CC e DD (alínea b, do pedido), os bens móveis e numerário existentes no cofre que se encontrava na residência da Requerida BB (alínea c do pedido) e, ainda, os certificados de aforro e certificados de tesouro titulados pelo falecido EE e sua esposa BB (alínea d).
Dito isto, o arrolamento é, à luz do preceituado no artigo 403º, do CPC, uma medida cautelar de caracter conservatório que pode apresentar-se sob duas vertentes: a) como medida destinada a assegurar a manutenção de certos bens litigiosos, enquanto a titularidade do direito sobre eles estiver em discussão na acção principal; b) como medida destinada a garantir a conservação de documentos necessários para provar a titularidade do direito.
Naquela primeira modalidade – que ora está em causa -, o arrolamento apresenta algumas semelhanças com o arresto, tendo em conta a latitude dos bens sobre que pode incidir e o modo de execução, dele diferindo quanto à situação de perigo que visa prevenir: em lugar do perigo de perda de garantia patrimonial, típica do arresto, o arrolamento visa eliminar o risco de extravio, de ocultação ou de dissipação de bens litigiosos. Por outro lado, ainda que no procedimento cautelar comum se possam inserir providências gerais que consistam na apreensão de bens ou na sua entrega a um fiel depositário, o arrolamento visa especificamente assegurar a permanência de bens que devem ser objecto de especificação no processo principal, nos termos do já citado artigo 403º, n.º 2, do CPC, no caso dos bens que deverão ser objecto da partilha por óbito do falecido EE, seu pai.
Neste aspecto, cabe, à partida, excluir a aplicação ao caso da providência cautelar de arresto, pois que, ao contrário do que invocam infundadamente os Recorrentes, a Requerente não alega ser credora da herança aberta por óbito de seu pai e existir algum perigo de perda da garantia patrimonial daquele seu crédito, mas antes, em termos radicalmente diversos, alega que é herdeira por óbito de seu pai, alega que, como tal tem direito sobre o acervo hereditário deixado por aquele, e alega, ainda, que existe o risco sério de extravio, dissipação ou ocultação de vários valores que fazem parte daquele acervo e, em especial, dos saldos das contas bancárias referidas nos autos, dos valores em títulos de tesouro e certificados de aforro e, ainda, dos bens móveis (ouro, jóias e moedas antigas) e numerário que existem num cofre na residência da 1ª Requerida, BB. [14]
Por outro lado, ainda, importa também deixar claro, à partida, que, em sentido oposto ao defendido pelos Recorrentes, não resulta da factualidade sumariamente provada que o arrolamento em causa (com impossibilidade de movimentação dos valores e títulos arrolados) possa colocar em perigo a satisfação das necessidades básicas da Requerida BB, sendo certo que não foi deferido o arrolamento das rendas provenientes dos vários imóveis dados em arrendamento (pedido formulado em e) do requerimento inicial), rendas estas que atingem valores significativos. Relativamente aos demais Requeridos, CC e marido, os mesmos terão, segundo as regras da normalidade, os seus próprios rendimentos resultantes da sua actividade profissional e, portanto, o arrolamento dos saldos bancários e demais títulos não colocará em causa também a sua subsistência, não sendo despiciendo lembrar que a medida cautelar em apreço é uma medida provisória que cessará com a partilha do acervo hereditário no respectivo inventário por óbito de EE.
Mais, ainda, é de referir que, não tendo sido alterada a matéria de facto impugnada pelos Recorrentes, não existe qualquer base para considerar a sobredita transferência de 1 milhão de euros para os Requeridos DD e CC como uma doação manual ou remuneratória e, enquanto tal, dispensada da colação – vide artigo 2113º, n.º 3, do Cód. Civil – antes se tratando, pois, de valores que fazem parte da herança por óbito de EE e que devem ser considerados para o cômputo do seu valor global, embora este só possa ser definido com exactidão no subsequente inventário.
Feitas estas considerações, segundo o artigo 405º, n.º 1, do CPC, o requerente da providência deve fazer prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação, sendo que se o direito relativo aos bens depender de acção já proposta ou a propor, tem o requerente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente.
Assim, produzidas as provas oferecidas, o juiz ordenará o arrolamento se adquirir a convicção de que, sem o mesmo, o interesse do requerente corre sério risco – artigo 405º, n.º 2, do CPC.
Por conseguinte, o decretamento do arrolamento (que consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens) depende da demonstração sumária – que cabe ao requerente – de dois elementos: a) do seu direito, certo ou eventual, sobre os bens a arrolar; b) do receio do seu extravio ou dissipação. [15]
Com efeito, efectuada a prova sumária destes elementos constitutivos, estará demonstrado que, sem a tomada de providências, existe o risco sério de dissipação ou extravio de bens a que o requerente tem direito e que, como tal, tem direito a ver, a título
conservatório e transitoriamente (até à decisão definitiva da causa principal), mantidos, sob pena de, a final, a decisão que definitivamente lhe venha a reconhecer esse direito, não passar de uma decisão platónica, sem eficácia prática, face ao dito risco de dissipação ou ocultação dos bens.
Note-se que, como referia A. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV volume, 3ª edição, pág. 277, a propósito do anterior 421º, do antigo CPC, o periculum in mora que o arrolamento visa acautelar não é o da genérica ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável que é caracterizador do procedimento cautelar comum, pois que tem por objectivo esconjurar uma específica situação de perigo relacionada com o extravio, ocultação ou dissipação de bens ou documentos, situação de perigo essa que é (ou pode ser) potenciada pela demora do próprio processo principal.
Neste contexto, e estando em causa essencialmente o arrolamento de saldos bancários e de títulos de tesouro ou certificados de aforro que, como já se referiu ascendem a cerca de € 4.000.000,00 (4 milhões de euros), estes bens são facilmente movimentáveis e, por isso, não sendo adoptada qualquer providência de manutenção dos mesmos, o risco de dissipação ou ocultação é bastante significativo, risco este que, no caso dos autos, é, aliás, claramente reforçado pela circunstância demonstrada nos autos de os Requeridos, em conjunto, terem procedido à transferência de 1 milhão de euros para a conta do Requerido DD, transferência que, como também já se referiu, em nosso ver, foi efectuada para dissipar ou ocultar aquele valor do acervo hereditário por óbito de EE a que pertence, sendo que, à luz da factualidade provada, não se encontra nenhuma outra explicação plausível para tal movimentação. Aliás, diga-se, se assim não fosse e vingando a tese dos Requeridos/Recorrentes, estaria encontrada a maneira fácil de esvaziar por completo o conteúdo do acervo da herança, bastando, na véspera do falecimento do «de cujus», transmitir para outrem todo o dito património, para, em seguida, argumentar que não existiam bens na herança e, portanto, nada há para partilhar…
Por outro lado, ainda, resulta evidente da prova carreada aos autos, que os Requeridos não mantêm qualquer tipo de relacionamento com a Requerente, o que, no caso, mais inculca o risco de ocultação ou extravio daqueles bens da herança, como forma de atingir os interesses da Requerente. [16]
Por conseguinte, em nosso ver, mostra-se justa e fundada a convicção de que, sem o arrolamento daqueles saldos e títulos, o interesse da Requerente em ver aqueles bens integrarem o dito acervo hereditário de seu falecido pai, corre sério risco, para efeitos do preceituado no artigo 405º, n.º 2, do CPC.
De facto, se é certo, como se refere no AC STJ de 30.01.2013, com vasta indicação de jurisprudência no mesmo sentido, que “… até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois são apenas titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens em concreto que preenchem tal quota.” [17], isso não significa que cada herdeiro não tenha o direito/interesse em conservar/manter como parte integrante da universalidade da herança determinados bens e que, como tal, deverão oportunamente ser partilhados e atribuídos, em função das regras legais aplicáveis à concreta sucessão, a cada um dos herdeiros, que, por via da partilha, passarão a ser os respectivos titulares, com efeitos retroactivos à data da abertura da sucessão. [18]
Nesta perspectiva, e com o devido respeito por opinião em contrário, não está em causa o direito ou o interesse da Requerente a uma determinada quota-parte na herança, nem, ainda, a determinação desse valor – pois que essas questões só podem ser dirimidas, com o devido rigor e precisão, no inventário por óbito de EE -, mas antes, como se disse, a título cautelar, esconjurar o perigo ou o risco de serem dissipados ou ocultados bens/valores que devem integrar a herança, herança que será, oportunamente, partilhada no dito inventário nos termos legais e com observância das disposições efectuadas pelo «de cujus» e na qual é interessada a Requerente AA, enquanto sua herdeira legitimária. [19]
Destarte, em nosso julgamento, não colhe fundamento legal reduzir-se o arrolamento decretado acima referido para montante inferior, nomeadamente para uma alegada quota-parte da Requerente na herança no montante de € 300.000,00 (sabendo-se que a quota-parte da Requerente só pode ser definida no inventário e em função de todo o património hereditário que ali se venha efectivamente a apurar como fazendo parte da herança e do seu valor) ou, ainda, para excluir do arrolamento os valores titulados pelos Requeridos, BB, CC e DD, sendo certo que se mostra sumariamente demonstrado que esses valores fazem parte da herança a partilhar por óbito de EE e existe o sério risco de, a nada ser providenciado, os mesmos poderem ser dissipados ou ocultados daquele acervo hereditário, como já antes se referiu.
Dito isto, suscitam, ainda, os Recorrentes a questão de os bens arrolados não deverem ser apreendidos e retirados da disponibilidade dos Requeridos, na medida em que o arrolamento, ao contrário do que sucede com o arresto, não visa a apreensão de bens, mas apenas a sua descrição, avaliação e depósito, nos termos do artigo 406º, n.º 1, do CPC.
Segundo o Professor Alberto dos Reis, op. cit., pág. 123), há aqui dois interesses em conflito: o do requerente, no sentido de se proceder à apreensão judicial dos bens; o do possuidor ou detentor, no sentido de se manter o «status quo». Por isso, com o arrolamento não se pode pretender prejudicar o gozo e utilização normal que os bens possibilitam; daí que o depositário deva ser, à partida, o seu possuidor ou detentor. Todavia, em casos excepcionais, havendo manifesto inconveniente, os bens em causa devem ser retirados da disponibilidade do seu possuidor/detentor, sob pena de se colocar em causa o risco de dissipação ou extravio que a providência em causa pretende, precisamente, evitar.
Ora, com o devido respeito, é o que ora sucede com os valores constantes das contas bancárias e com os títulos de tesouro e certificados de aforro arrolados (e retirados da disponibilidade dos Requeridos), pois que, em face da conduta anterior de transferência de um milhão de euros de uma conta bancária para a conta de outrem (o Requerido DD), em face da evidente animosidade familiar que existe entre a partes e dada a facilidade de movimentação de saldos bancários, mostra-se-nos imprudente e inconveniente colocar esses bens arrolados na disponibilidade dos Requeridos, que, aproveitando-se de tal facto, os podiam ocultar e extraviar, como fizeram com a já referida transferência de 1 milhão de euros na véspera do falecimento do «de cujus».
Destarte, também nesta parte não se vislumbram razões para alterar o decidido, ou seja, para nomear como depositário de tais saldos bancários as instituições bancárias em apreço, com a consequente imobilização de tais valores ali existentes, assim como para nomear como depositário dos títulos e certificados a entidade encarregue da sua gestão, com a mesma imobilização, como determinado na decisão recorrida.
Improcede, assim, em nosso julgamento, este outro segmento a apelação.
* *
IV.VII. Substituição do arrolamento por caução.
A questão subsequente traduz-se em saber se deveria ter sido deferida a caução oferecida pelos ora Recorrentes em substituição do arrolamento decretado.
Nesta matéria, como salienta A. Abrantes Geraldes, “Temas …”, cit., pág. 256, as normas do procedimento comum podem ser transpostas para os procedimentos típicos, como é o caso do arrolamento, desde que a matéria não se encontre especialmente prevenida na respectiva regulamentação, como resulta do n.º 1 do artigo 376º, do CPC.
Por conseguinte, não se vê obstáculo em geral à substituição da providência de arrolamento pela prestação de caução adequada, a pedido do requerido, desde que a caução oferecida se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente. [20]
De facto, como salienta ainda o mesmo Sr. Juiz Conselheiro, as expressões legais que impõem a adequação e a suficiência da caução para prevenir ou reparar integralmente a lesão são suficientemente ricas de conteúdo para, consoante as circunstâncias, legitimarem a extensão ou a recusa relativamente a procedimentos específicos.
Em suma, em tese geral, nada obsta à substituição da providência em causa pela caução, ponto é que a caução, pelo seu montante e modo de prestação, previna de forma suficiente a lesão ou seja apta a repará-la integralmente.
Sucede que, no caso dos autos, isso não sucede por razão evidente: - os Requeridos dispõem-se a prestar caução apenas pelo montante de € 330.000,00, no pressuposto que é apenas esse o direito ou quota que assiste à Requerente, o que já antes se decidiu em sentido negativo, seja, ainda, por devolução aos Recorrentes dos valores apreendidos – o que, como se decidiu antes, também está excluído -, seja, ainda, por meio de hipoteca sobre alguns dos imóveis que integram o acervo hereditário.
Ora, sendo assim e mostrando-se, face ao anterior excurso, assente que o valor do património a arrolar não é de € 330.000,00, mas antes de 4.000.000,00 (quatro milhões de euros) será apodíctico dizer-se que a caução oferecida pelos Requeridos não garante a reparação integral do valor que deve manter-se arrolado por fazer parte da herança e face ao direito/interesse da Requerente na conservação daquele valor enquanto tal.
O que vem a significar que também neste outro segmento improcede a apelação.
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IV.VIII. Da alegada inconstitucionalidade da interpretação sufragada no Tribunal de 1ª instância (e aqui perfilhada).
Por último, invocam, ainda, os Recorrentes que a decisão em causa e segundo a interpretação que nela se faz do regime legal confronta o direito de propriedade privada da Requerida BB e o preceituado nos artigos 36º, n.ºs 2 e 3 e 62º, da Constituição da República (CRP).
Nesta matéria, importa começar por dizer que, como vem sendo posição do Tribunal Constitucional e do próprio Supremo Tribunal de Justiça, “o mero apelo a um princípio constitucional ou mesmo de um direito fundamental não se mostra por si só como adequado para a apreciação de uma alegada inconstitucionalidade, antes se exigindo para além da identificação da norma jurídica ordinária contrária à tutela daqueles, sobretudo, que se elucide, discriminando o conteúdo e a extensão da interpretação alegadamente inconstitucional.” – Vide AC STJ de 11.10.2022, relatora Sr.ª Juíza Conselheira Ana Resende, disponível no sítio oficial já antes referido.
Ora, neste contexto, os Recorrentes limitam-se, conclusivamente (sem qualquer esforço argumentativo), a afirmar que o Tribunal de 1ª instância, ao decretar o arrolamento dos bens em causa e ao retirar da sua esfera jurídica a disponibilidade e fruição dos ditos bens, viola os princípios constitucionais previstos nos artigos 36º, n.º 2 – “A lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio …” – e 62º, n.º 1, ambos da CRP – “A todos é garantido o direito de propriedade privada e à sua transmissão em vide ou por morte, nos termos da Constituição.”
Tanto bastaria, pois, tendo por assente que os Recorridos não discriminam ou argumentam o sentido em que as normas tidas como aplicáveis ao caso (artigos 403º, 405º e 406º, do CPC) confrontam aqueles princípios constitucionais, para dizer que não se nos em termos válidos coloca qualquer questão de constitucionalidade que cumpra conhecer e decidir, com o consequente não conhecimento deste segmento do recurso.
De todo o modo, mesmo que assim não se entenda, em nosso julgamento, a interpretação do quadro jurídico-normativo ordinário aplicável ao caso não confronta nenhum dos ditos princípios.
Em primeiro lugar, não se vislumbra em que medida o arrolamento decretado, a título cautelar e provisório, para salvaguardar o risco de dissipação ou extravio de património que, segundo a prova sumária efectuada nos autos, deve fazer parte da herança do «de cujus» e do qual a Requerente é herdeira legitimária, confronta os efeitos do casamento e da sua dissolução por morte, sendo certo que só na acção principal (inventário) será, de facto, possível aferir, aí sim a título definitivo, do património que faz parte da herança e qual a parte concreta dos bens que caberá a cada um dos concorrentes à herança.
O que aqui se trata é, repete-se, conservar bens sobre os quais existe litígio entre as partes quanto à sua integração na herança, por forma a acautelar o efeito útil da partilha a efectuar posteriormente, face ao risco de dissipação ou extravio de tais bens, bens esses que, como é pacífico (e não é posto em causa), hão-de ser partilhados, à luz do regime legal aplicável ao casamento e à sua dissolução por morte do «de cujus» EE, levando em linha de conta o que, segundo esse regime legal ordinário, caberá a cada um dos herdeiros.
Está, assim, em nosso ver, afastada a alegada inconstitucionalidade à luz do preceituado no artigo 36º, n.º 2, da CRP.
E o mesmo sucede com a alegada violação do princípio constitucional do direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte.
Nesta matéria, como assinala a doutrina, o direito de propriedade privada, apesar de não incluído na secção atinente aos direitos, liberdades e garantias, possui natureza análoga àqueles e, por isso, compartilha do respectivo regime de protecção constitucional. [21]
Dito isto, o direito de propriedade protegido constitucionalmente abrange, como é indiscutido, três componentes essenciais, a saber: (i) o direito de aceder à propriedade; (ii) o direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade; (iii) o direito de transmissão da propriedade inter vivos ou mortis causa.
Apesar disso, como referem os citados Autores, op. cit., pág. 908, invocando a própria jurisprudência constitucional, “… não sofre contestação que «não é incompatível com a tutela constitucional da propriedade a compressão deste direito, desde que seja identificável uma justificação assente em princípios e valores também eles com dignidade constitucional, que tais limitações ou restrições se mostrem necessárias à prossecução de outros valores prosseguidos e na medida em que essas limitações se mostrem proporcionais em relação aos valores salvaguardados.»”
Digamos que, como também é pacífico e é referido pelos ditos Autores, longe vai a doutrina clássica da propriedade como um direito absoluto (na formulação impressiva do Código Civil Francês, “direito de usar e dispor das coisas de la maniére la plus absolue”), sendo hoje indiscutível que aquele direito de propriedade não é absoluto e deve, por isso, compatibilizar-se com outros direitos que também merecem protecção constitucional, embora essa compatibilização a cargo do legislador ordinário deva ser proporcional e adequada para os fins prosseguidos.
Ora, no caso dos autos, dúvidas não existem que, de facto, o direito de propriedade sobre aqueles bens sofre uma compressão ou limitação por via da sua indisponibilidade e consequente fruição (mesmo que os Recorrentes não tenham, como já se referiu, um direito de propriedade individualizado sobre os bens que integram a herança, mas apenas direito a uma quota ideal naquela universalidade de direitos e obrigações), mas, com salvo melhor opinião, essa restrição ou limitação, constitucionalmente admissível, decorre, em termos equilibrados e proporcionais, do interesse equivalente da Requerente quanto à integração dos bens/valores em causa na herança a partilhar e face ao risco que existe da sua dissipação ou extravio por parte dos Requeridos.
O que vem a significar que, em nosso ver, a solução e interpretação do quadro legal ordinário aplicável ao caso e, face às suas circunstâncias, também não viola o direito (constitucional) à propriedade privada, sendo certo, ademais, que essa propriedade sobre os bens ora litigiosos só poderá ser definida na acção principal, ou seja, no inventário por óbito de EE.
E assim sendo, como julgamos, improcedem todos os argumentos dos Recorrentes e, com eles, a própria apelação, sendo de confirmar a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
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V. DECISÃO:
Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão final proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
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Custas pelos Recorrentes, pois que ficaram vencidos – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Porto, 14.11.2022
Jorge Seabra
Fátima Andrade
Eugénia Cunha

(O presente acórdão não segue na sua elaboração as regras do novo acordo ortográfico.)
________________
[1] Os factos referidos em 14 a 16 resultaram da matéria da oposição deduzida pelos Requeridos, tendo sido colocados na sequência numérica subsequente e com indicação dos documentos de suporte.
[2] Os factos referidos sob as alíneas d) a i) resultaram da matéria da oposição deduzida pelos Requeridos, tendo sido colocados na sequência alfabética subsequente.
[3] ANTUNES VARELA, M. BEZERRA, S. NORA, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 179.
[4] MANUEL de ANDRADE, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág.79-80.
[5] MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “As partes, o objecto e a prova na Acção Declarativa”, Lex, Lisboa, 1995, pág. 99-101.
[6] Vide, ainda, ao nível jurisprudencial, com particular detalhe, AC STJ de 23.01.2018, relator Sr. Juiz Conselheiro GABRIEL CATARINO, in www.dgsi.pt
[7] PAULO PIMENTA, “Processo Civil Declarativo”, 2015, pág. 81.
[8] Sobre a distinção entre o princípio da substanciação e da individualização da causa de pedir, vide, por todos, A. ABRANTES GERALDES, P. PIMENTA, L. PIRES de SOUSA, “CPC Anotado”, I volume, 2ª edição, pág. 26.
[9] Vide, ainda, sobre a matéria, no mesmo sentido, J. LEBRE de FREITAS, J. REDINHA, RUI PINTO, “CPC Anotado”, I volume, 1999, pág. 321-323.
[10] Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, P. PIMENTA, L. PIRES de SOUSA, op. cit., pág. 762-764 e A. VARELA, “Manual …”, cit., pág. 687-688.
[11] Vide, neste sentido, por todos, F. FERREIRA de ALMEIDA, “Direito Processual Civil”, II volume, 2015, pág. 369.
[12] Vide, ainda, neste sentido, A. ABRANTES GERALDES, P. PIMENTA, L. PIRES de SOUSA, op. cit., pág. 823 e FRANCISCO FERREIRA de ALMEIDA, op. cit., pág. 462-473.
[13] ANA LUÍSA GERALDES, “Impugnação e Reapreciação da Decisão da Matéria de Facto”, in cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnaçao_e_Reapreciaçao_da_Decisao_da_materia_de_Facto.pdf., pág. 3.
[14] Sobre a distinção entre o arrolamento e o arresto, vide, por todos, J. ALBERTO dos REIS, Código de Processo Civil Anotado”, II volume, 3ª edição, 1981, pág. 116.
[15] Vide, neste sentido, por todos, AC RP de 8.03.2021, relator Sr. Juiz Desembargador MANUEL DOMINGOS FERNANDES, em que interviemos como Juiz Adjunto, disponível in www.dgsi.pt, ou, ainda, MARCO C. GONÇALVES, “Providências Cautelares”, 2ª edição, pág. 256.
[16] Vide, neste sentido e em situação similar, AC RP de 12.12.2011, relatora Sr. Juíza Desembargadora MARIA JOSÉ SIMÕES, disponível in www.dgsi.pt
[17] AC STJ de 30.01.2013, relator Sr. Juiz Conselheiro ÁLVARO RODRIGUES, disponível in www.dgsi.pt
[18] Vide, neste sentido, por todos, R. CAPELO de SOUSA, “Lições de Direito das Sucessões”, II volume, 2ª edição, Reimpressão, pág. 357-359.
[19] Sobre a noção de interesse na conservação dos bens a que alude o n.º 1 do artigo 404º como pressuposto material da legitimidade de requerer o arrolamento, o mesmo Professor J. ALBERTO dos REIS, op. cit., pág. 120, esclarece que “Ter ou não interesse equivale a ter ou não direito (certo ou eventual) aos bens que se pretendem por a coberto do risco de extravio ou dissipação.”
Ora, neste enquadramento, qualquer que seja a quota-parte da Requerente no acervo hereditário, é indiscutido que a Requerente tem interesse jurídico quanto à integração de tais bens no activo da herança, tanto mais que a sua quota-parte será tanto maior quanto maior for aquele acervo hereditário.
[20] Sobre a caução como garantia das obrigações, vide, por todos, L. MIGUEL PESTANA de VASCONCELOS, “Direito das Garantias”, 2ª edição, pág. 79, com vasta indicação bibliográfica sobre o tema.
[21] Vide, neste sentido, por todos, JORGE MIRANDA, RUI MEDEIROS, “Constituição Portuguesa Anotada”, I volume, UCE, 2ª edição, pág. 905.