Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1016/22.1T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: TRANSPORTE RODOVIÁRIO
REGISTOS DE CONDUÇÃO
CONDUTOR
RESPONSABILIDADE DA EMPRESA TRANSPORTADORA
Nº do Documento: RP202301231016/22.1T8VFR.P1
Data do Acordão: 01/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONTRAORDENAÇÃO LABORAL
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A prática da contra-ordenação prevista no artigo 25.º, da Lei n.º 27/2010, em conjugação com o artigo 36.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 165/2014, não pressupõe que o condutor seja trabalhador subordinado, abrangendo qualquer pessoa que conduza o veículo, independentemente da natureza do vínculo jurídico existente entre esse condutor e a empresa.
II - A Lei 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo art. 10º, nº 3, do Regulamento [561/2006], qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida, pois que, consagrando embora a responsabilidade da empresa transportadora com base numa presunção de culpa, veio, contudo, permitir que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais.
III - Não basta a formação, explicações, instruções e, mesmo, controlos regulares sobre a actividade dos seus motoristas, se isso se revelar insuficiente para assegurar o cumprimento das obrigações legais, máxime por parte do próprio gerente. Cabia à arguida, ter organizado um sistema de controle e fiscalização eficaz de modo a garantir não só que os seus trabalhadores motoristas cumprem o que é exigido por lei no âmbito dos transportes rodoviários de mercadorias, mas também que qualquer outro condutor dos veículos de sua propriedade no exercício dessa actividade, incluindo o sócio gerente, observa essas exigências.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 1016/22.1T8VFR.P1
Recurso de Contra-ordenação laboral
4.ª SECÇÃO


I. RELATÓRIO

I.1 A sociedade O..., Lda., notificada da decisão administrativa proferida pela ACT – Centro Local de Entre Douro e Vouga, aplicando-lhe a coima de 29 UC’s, correspondente a €2.958,00, pela prática da contra-ordenação muito grave, com reincidência, prevista e punível pelo artigo 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02 e artigo 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08 (falta de registos dos 28 dias anteriores à fiscalização), acrescida da sanção acessória de publicidade da decisão condenatória - nos termos do artigo 562.º, n.º 1, do CT-, bem assim considerando como responsáveis solidários pelo pagamento da referida coima AA e BB, enquanto representantes legais daquela (art.º 551.º n.º3, do CT), dela discordando deduziu impugnação judicial.
Para sustentar a impugnação alegou, no essencial, o seguinte:
a) A defesa escrita que apresentou na fase administrativa deverá ser reapreciada.
b) O auto de contra-ordenação é nulo, porquanto revestindo a natureza de uma verdadeira acusação, não contém a narração sintética dos factos, a motivação da prática e as circunstâncias relevantes para a determinação da sanção aplicada.
c) A recorrente não praticou os factos que lhe são imputados.
d) Organiza o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Cap. II do Regulamento CE n.º 561/2006, de 15-03 e no Regulamento CEE n.º 3821/85, de 20-12, o que engloba ainda acções de formação ministradas aos condutores.
e) Procede igualmente a controlos regulares sobre as actividades dos seus motoristas, por forma a garantir o cumprimento das normas.
f) O condutor em causa tinha formação.
g) O condutor é ainda gerente da recorrente, conduzindo de forma esporádica.
h) Não possuía nem podia possuir os discos de tacógrafos que se refere estarem omissos, nem tinha uma declaração emitida por si próprio.
i) De qualquer modo, a culpa é diminuta, não retirou a recorrente qualquer benefício económico da prática da infracção, nem houve prejuízo para terceiros.
j) A coima aplicada é excessiva e desproporcional.
k) A recorrente agiu sem culpa e sem consciência da ilicitude do facto.
l) A coima deve ser especialmente atenuada ou substituída pela admoestação.
Arrolou prova testemunhal.
O recurso foi recebido, tendo sido designada data para realização do julgamento.

I.2 Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Nestes termos, julga-se o presente recurso de impugnação improcedente e, em consequência, decide-se manter a decisão administrativa de condenação da arguida O..., Lda. na coima de 29 UC, pela prática da contra-ordenação, prevista e punível pelos artigos 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02 e 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, assim como na sanção acessória de publicidade da decisão.
*
Custas a cargo da arguida/recorrente (cfr. artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e artigos 93.º, n.º 3 e 4 e 94.º, n.º 3, ambos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10), fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
*
Notifique.
Cumpra o disposto no artigo 45.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14-09.
Proceda ao depósito (artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10).
(…)».
I.3 Discordando desta decisão a arguida interpôs recurso, o qual foi admitido e fixados o efeito e modo de subida adequados. Apresentou as respectivas alegações, sintetizando-as nas conclusões seguintes:
1. No caso Sub Judice o Tribunal a quo confunde a condição de sócio gerente com a condição de condutor;
2. Considera seja sócio gerente é responsável pela alegada infração;
3. E considera que como condutor a sua alegada infração, por si assumida é da inteira responsabilidade da aqui Recorrente.
4. Ora não poderá ser aceite tal argumento.
5. Como Sócio gerente, não estando assim sujeito às disposições sociais comunitárias no domínio dos transportes rodoviários e do AETR.
6. O Ac. do STJ de 29.09.1999, publicado na CJ-STJ, tomo III, pág. 248, discutindo a compatibilidade das funções de gerente com as de trabalhador.
7. Como condutor é detentor de formação de todo o conhecimento necessário para o exercício da condução de veículo pesados de mercadorias.
8. A recorrente arguida cumpriu o dever jurídico, que sobre si impendia, de organizar o trabalho de modo a que o motorista pudesse cumprir com a obrigação de trazer consigo e apresentar aos agentes de controlo os registos relativos à condução, no próprio dia e nos anteriores.
9. A arguida ministrou formação profissional adequada ao motorista para que este exercesse as suas funções de modo a cumprir a lei e deu-lhe ordens expressas para que circulasse com os discos do tacógrafo.
10. A não apresentação destes ao agente de controlo não é imputável à empregadora, mas sim ao próprio motorista, que não cumpriu as ordens expressas dadas em concreto por aquela.
11. Deverá a Sentença Recorrida ser substituída por outra, nomeadamente pela absolvição da Recorrente.
12. O Tribunal "a quo" e a existir alguma infração que fosse aplicada à pessoa que conduzia no momento da fiscalização.
Conclui pugnando pela procedência do recurso, sendo revogada a aplicação da coima e a arguida absolvida.

I.4 Notificado do requerimento do recurso e respectivas alegações, o Ministério Público não apresentou contra-alegações.

I.5 Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (art.º 416.º do CPP), pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, na consideração, no essencial, do seguinte:
Na douta decisão recorrida definem-se os parâmetros de intervenção do sócio gerente que também é trabalhador da sociedade arguida - cfr. Ac. TRÉvora de 29 de Novembro de 2018, no qual se sumariou que “i) o conceito de condutor previsto na legislação comunitária e nacional é amplo e abrange qualquer pessoa que conduza o veículo, independentemente da natureza do vínculo jurídico existente entre condutor e a empresa. ii) a empresa é responsável pela contraordenação se o condutor do veículo for seu sócio-gerente e só deixará de ser responsabilizada nos casos previstos na lei.”.
Quanto à medida da coima considerando os factos provados, temos que a coima foi fixada atenta a culpa e a ilicitude e demais circunstâncias concretas do caso, no âmbito de contra-ordenação muito grave, prevista e punível pelo artº. 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02 e artº. 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, pelo que o decidido e sua sanção acessória de publicidade da decisão deve ser mantido.
Do exposto decorre que a sentença recorrida observou o princípio da legalidade dos delitos contra-ordenacionais que contribuem para a concretização dos objetivos de melhoraria das condições de trabalho e segurança dos trabalhadores.
Improcedem as conclusões formuladas.
[..]»

I.6 Foi cumprido o disposto no art.º 418.º do CPP, remetendo-se o processo aos vistos e o projecto de acórdão por via electrónica, após o que se determinou a sua inscrição para julgamento em conferência.

I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (art.ºs 403, nº 1, e 412º, n.º 1, do CPP), a questão colocada para apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, em razão do seguinte:
i) Por ter confundido a condição de sócio gerente com a condição de condutor, considerando-o responsável pela infracção [conclusões 1, 2, 5, 6];
ii) Por ter considerado a arguida responsável pela contra-ordenação [conclusões 3, 7, 8, 9, 10 e 11].

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
1. Factos provados:
1) A arguida, O..., Lda., pessoa colectiva n.º ..., tem sede na Rua ..., ..., ... ....
2) Representam legalmente a arguida, enquanto sócios-gerentes, AA e BB.
3) A arguida tem como objecto social o comércio por grosso e a retalho de batatas, adubos, pesticidas e outros produtos agrícolas, comércio por grosso de produtos alimentares e transportes rodoviários de mercadorias.
4) Em acção de fiscalização realizada pela GNR, no dia 01 de Março de 2021, pelas 11h40m, na AE A1, saída da Feira, sentido S/N, Santa Maria da Feira, verificou o guarda autuante que a arguida matinha ao seu serviço CC, com o NIF ..., conduzindo o veículo tractor de mercadorias, de matrícula ..-..-RD, propriedade da arguida.
5) Naquela data, hora e local e no acto de fiscalização, verificou o Sr. Guarda autuante que o condutor do veículo não se fazia acompanhar de todos os registos utilizados no tacógrafo respeitantes aos 28 dias anteriores, apresentando apenas a folha de registo do dia da acção de fiscalização.
6) Não foi exibido cartão de condutor, apesar de o condutor afirmar ser seu possuidor, ou qualquer impressão referente aos 28 dias anteriores.
7) O veículo encontrava-se equipado com tacógrafo analógico.
8) O condutor tem a função de gerente da sociedade arguida e afirmou apenas conduzir nas folgas ou falhas dos motoristas, variando o número de conduções por mês.
9) CC é detentor de certificado de formação profissional referente ao curso de formação profissional de «Tacógrafos – Tempos de Condução e Repouso», realizado em 12/10/2019, com a duração de 7 horas.
10) A arguida tem antecedentes contra-ordenacionais registados:
a) Por decisão de 04/04/2018, no âmbito do processo de contra-ordenação laboral n.º 021800175, foi condenada, pela prática da infracção prevista no artigo 20.º, n.º 5, alínea c) da Lei n.º27/2010 (contra-ordenação muito grave), em 11/09/2017, na coima de €2.040,00.
b) Por decisão de 16/03/2018, no âmbito do processo de contra-ordenação laboral n.º 021800142, foi condenada, pela prática da infracção prevista no artigo 20.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 27/2010 (contra-ordenação muito grave), em 10/09/2017, na coima de €2.040,00.
11) A arguida agiu com a falta de cuidado necessária para garantir que o seu condutor tivesse consigo os registos referentes à sua actividade na totalidade dos 28 dias anteriores à fiscalização e que os pudesse nessa altura apresentar, como podia e devia.
12) CC apenas exerce a actividade de condução em situações esporádicas e de carácter excepcional.
13) Só conduzia naquele dia em virtude de um funcionário da sociedade se encontrar ausente do serviço.
14) A sociedade arguida organiza acções de formação que são ministradas aos motoristas, por forma a que estes possam ter conhecimentos técnicos e informações adequadas ao cumprimento das disposições legais inerentes à actividade laboral em que se encontram inseridos.
15) A sociedade arguida procede a controlos regulares sobre a actividade dos seus motoristas, de modo a garantir o cumprimento das normas referidas.
16) A sociedade arguida explica sempre aos seus trabalhadores as obrigações decorrentes da legislação relativa a condução de veículos e transporte de cargas.
17) E da obrigação de se fazerem acompanhar dos elementos legalmente exigidos para a fiscalização das suas actividades diárias, nomeadamente, o cartão de condutor, os discos diagrama de tacógrafo e qualquer registo manual ou impressão efectuados.
18) Da prática dos factos não resultou prejuízo para terceiros.
2. Os factos não provados.
19) CC possuía o cartão de condutor no dia e hora da fiscalização.
20) Possuía ainda no dia e hora da fiscalização a declaração de actividade e a certidão permanente da sociedade arguida.
21) CC não podia possuir os discos de tacógrafo em falta, porque em regra não exerce a condução.
22) CC foi admitido como trabalhador da arguida, com a categoria profissional de gerente.
23) De acordo com o registo de controlo de dados tacográficos, a CC apenas foi detectada uma infracção de utilização incorrecta da folha.
24) Todos os trabalhadores estão conscientes de que, caso desrespeitem ou violem as disposições legais, serão eles os responsáveis pela prática das infracções e consequente pagamento das coimas a aplicar à sociedade.
25) Não houve qualquer benefício económico da prática da infracção.

II.2 MOTIVAÇÃO
No plano do direito substantivo, às questões em apreço aplica-se a Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, diploma que estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, transpondo a Directiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas n.ºs 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro. Relevam ainda, o artigo 36.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02-2014; os artigos 2.º e 3.º (a contrario) do Regulamento (CE) n.º 561/2006, de 15 de Março; e, os artigos 1.º e 3.º o Regulamento (UE) n.º165/2014 (artigos 1.º e 3.º).
No que concerne ao direito adjectivo, aplica-se o regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. E, por determinação do art.º 60.º, subsidiariamente, desde que o contrário não resulte daquela lei, “(..), com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra –ordenações”, isto é, no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
II.2.1 Conforme acima delimitado face ao conteúdo das conclusões, a recorrente discorda da sentença por alegado erro de julgamento na aplicação do direito com duas linhas de argumentação distintas, defendendo o seguinte:
i) Que o Tribunal a quo confunde a condição de sócio gerente com a de condutor, considerando-o responsável pela infracção, quando “[C]omo Sócio gerente, não [..está..] sujeito às disposições sociais comunitárias no domínio dos transportes rodoviários e do AETR”, invocando em abono dessa posição o Ac. do STJ de 29.09.1999;
ii) Que a não apresentação ao agente de autoridade dos registos relativos à condução não lhe é imputável, mas antes “[..] ao próprio motorista, que não cumpriu as ordens expressas dadas em concreto “, o qual é “detentor de formação de todo o conhecimento necessário para o exercício da condução de veículo pesados de mercadorias”, dado a arguida ter cumprido “[..] o dever jurídico, que sobre si impendia, de organizar o trabalho de modo a que o motorista pudesse cumprir com a obrigação de trazer consigo e apresentar aos agentes de controlo os registos relativos à condução, no próprio dia e nos anteriores “ e “[..] ministr[ado] formação profissional adequada ao motorista para que este exercesse as suas funções de modo a cumprir a lei e deu-lhe ordens expressas para que circulasse com os discos do tacógrafo.
Atentando na fundamentação da sentença, nas partes com relevo para as questões suscitadas pela recorrente, o Tribunal a quo deixou consignado o seguinte:
- «[..]
Não se colocando em causa que o veículo conduzido ao serviço da recorrente estava equipado com tacógrafo analógico e que a isso estava obrigado, nos termos do Regulamento (CE) n.º 561/2006, de 15 de Março (artigos 2.º e 3.º a contrario) e do Regulamento (UE) n.º 165/2014 (artigos 1.º e 3.º), importa aferir se a contra-ordenação imputada se verificou.
A Lei n.º 27/2010, de 30-08, estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, transpondo a Directiva n.º2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas
n.ºs 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro, na
parte respeitante ao regime sancionatório da violação, no território nacional, das disposições sociais constantes do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março e o controlo, no território nacional, da instalação e utilização de tacógrafos de acordo com o Regulamento (CE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04 de Fevereiro (artigo 1.º).
De acordo com o artigo 25.º, da Lei n.º 27/2010, sob a epígrafe “Apresentação de dados a agente encarregado da fiscalização”:
“1 - Constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:
a) De folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão do condutor;
b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efectuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar;
c) De escala de serviço com o conteúdo e pela forma previstos na regulamentação comunitária aplicável.
2 - Constitui contra-ordenação grave o accionamento incorrecto do dispositivo de comutação”.
O artigo 36.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 165/2014 (que revoga o Regulamento n.º 3821/85 do Conselho e altera o Regulamento n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho), dispõe, na parte que ora releva, que:
“1 - Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;
ii) O cartão de condutor, se o possuir; e
iii) Qualquer registo manual e impressão efectuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006”.
Da interpretação conjugada dos referidos normativos legais, resulta que, quando solicitado por agente de autoridade, o condutor de veículo de transporte rodoviário pesado de mercadorias deve apresentar o cartão de condutor de que for titular (se o possuir), as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores, sendo que a não apresentação de tais elementos
constitui contra-ordenação muito grave.
A fiscalização poderá ser efectuada através da análise das folhas ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor […].
Os registos efectuados no tacógrafo são a primeira fonte de informação nos controlos na estrada, já que, segundo o n.º 3 do artigo 36.o, do Regulamento (UE) n.º 165/2014, “Os agentes autorizados de controlo podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006, através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados, impressos ou descarregados registados pelo tacógrafo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de quaisquer disposições, como as do artigo 29.º, n.º 2, e do artigo 37.º, n.º 2, do presente regulamento”.
[..]
Contudo, tal não significa que, caso o condutor não tenha conduzido num dos 28 dias anteriores ao controlo, não deva apresentar à autoridade fiscalizadora qualquer declaração emitida pela empresa que justifique a razão pela qual não conduziu.
E a este propósito, porque de forma exaustiva e exemplar trata esta questão, citamos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18/01/2021, proc. n.º4169/19.2T8OAZ.P1, acessível in www.dgsi.pt, quando a dado passo decide: “Ora, do referido decorre, indubitavelmente, que o legislador não pretendeu assegurar, apenas, a existência dos registos em questão, mas sim e também a sua imediata apresentação às autoridades competentes quando tal lhes seja solicitado no controlo em estrada.
É o que decorre da letra da lei, ao referir-se no art. 36º, n.os 1 e 2, que os condutores “devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem”, da obrigação de conservar a bordo as folhas de registo dos dias precedentes a que se reporta esse art. 36, e do facto de o controlo dever ser feito em estrada (por contraposição ao controlo nas instalações da empresa). A lei dispõe, pois, sobre o momento da apresentação dos mesmos, na medida em que deverão estar a bordo por forma a poderem ser apresentados às autoridades que procedem à fiscalização em estrada.
Considerando o disposto no citado Art. 25ºda Lei 27/2010, conjugado com o art. 36º, nos 1 e 2 do Regulamento 165/2014 a contraordenação consuma-se com a não apresentação das folhas de registo dos 28 dias anteriores (e com a do dia em curso, não estando esta, todavia, em causa nos autos), sendo essa não apresentação o único facto constitutivo do tipo legal da contra-ordenação[..]
[..]
O já mencionado art. 36º do Regulamento 165/2014 [tal como o anterior art. 15º, nº7, do Regulamento 3821/85, na redacção do Regulamento 561/2006] impõe a apresentação das folhas de registo relativamente aos 28 dias anteriores à condução, sendo a violação desta obrigação, como já referido, o elemento constitutivo do tipo da contra-ordenação, que se verifica apenas pela não apresentação dos registos relativos a esse período.
[..]
[..] O condutor, como decorre de ambos os Regulamentos, tem que inserir as folhas de registo ou os cartões quando tomam o veículo a seu cargo, que não podem ser retiradas antes do termo do período de trabalho, sendo que eventuais interrupções ou “afastamento” do veículo nesse período de trabalho devem ser registados accionando os dispositivos de comutação se tal for possível ou, não o sendo, nos termos referidos no nº3 desse art. 34º (anterior 2o § do no 2 do art. 15º do Regulamento 3821/85). Nada tem que ver com dias de não condução e/ou com a falta das folhas de registo no período dos 28 dias antecedentes”.
[..]
Sintetizando, nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27/06/2019, proc. n.o 2276/18.8T8EVR.E1, acessível in www.dgsi.pt:
“1. As disposições conjugadas do art. 36.º n.º 1 do Regulamento (UE) n.º 165/2014, e do art. 25.º n.º 1 al. b) da Lei 27/2010, pretendem essencialmente assegurar a imediata apresentação aos agentes de controlo das folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores.
2. Não sendo apresentadas todas ou algumas dessas folhas de registo, o condutor deve apresentar aos agentes de controlo, no próprio acto de fiscalização, o documento comprovativo que justifique a ausência de tais folhas em relação aos dias em falta.
3. O que está em causa é a eficácia do acto de fiscalização, que pode ser completamente inutilizado se for permitida à entidade patronal colmatar, a posteriori, a falta de apresentação das folhas de registo, através de apresentação de outros documentos.
4. É inadmissível a posterior apresentação de uma “Declaração de Actividade”, prevista na Decisão da Comissão n.º 2009/959/EU, de 14 de Dezembro, pois a mesma deve estar preenchida e assinada “antes de cada viagem” e ser conservada “juntamente com os registos originais do aparelho de controlo”, precisamente para permitir a sua verificação pelos agentes de controlo no próprio acto de fiscalização.
5. A empregadora, no exercício do seu poder de organização do trabalho, deve garantir o cumprimento da obrigação de apresentação, no acto de fiscalização, das folhas de registo ou dos documentos justificativos da ausência das mesmas”
Por outro lado, a circunstância de a condução ser regular ou mais ou menos esporádica em nada contende com esta obrigação, ou seja, não é preciso para que a infracção se perfectibilize que o condutor fiscalizado tenha conduzido nos 28 dias anteriores, bastando para tanto pensar-se num motorista que tenha estado de férias e seja fiscalizado no primeiro dia após o regresso de férias.
Também não constitui qualquer óbice à verificação da infracção o facto de o condutor ser gerente (representante legal) da proprietária do veículo, o qual igualmente deve fazer-se acompanhar da declaração de actividade, caso não disponha de discos de tacógrafos relativos aos 28 dias anteriores. Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16/11/2017, proc. n.o 2401/17.6T8VNF.G1, acessível in www.dgsi.pt: “Para a prática da infracção em causa em princípio basta que o veículo conduzido se encontre equipado com aparelho de controlo para que o seu condutor seja obrigado a cumprir as disposições normativas, por nós acima referidas e isto independentemente da qualidade do condutor – trabalhador subordinado ou gerente – bem como da propriedade do veículo.
A legislação aplicável relativa a tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo de utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário tem em mente a figura do condutor dos veículos, não distinguindo se tem ou não a categoria de motorista ou se desempenha outras funções, designadamente se é ou não gerente.
Nos termos do disposto no art. 4.º al. c) do Regulamento (CE) n. 561/2006, de 15/03 é condutor qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período.
Acresce ainda dizer que não existe qualquer dispositivo legal que isentasse a arguida de apresentar à autoridade fiscalizadora documento comprovativo que permita justificar o incumprimento da disposição em causa, pois o facto de o condutor ser gerente da arguida constitui fundamento insuscetível de colmatar tal omissão em face do teor das disposições legais aplicáveis.
Como se escreveu a este propósito no Acórdão deste Tribunal de 4/10/2017, proferido no Proc. n.o 4150/16.8T8VCT. G1(relatora Alda Martins) “Como é bom de ver, o quadro jurídico no âmbito do qual a conduta descrita nos autos é punível como contra-ordenação visa, além do mais, a promoção da segurança rodoviária, pelo que, obviamente, as imposições, proibições e sanções dirigem-se a todos os condutores e empresas transportadoras tal como definidos no art. 4.º do Regulamento (CE) 561/2006, independentemente de outras características.
Questão diversa é a quem cabe a responsabilidade contra-ordenacional pelos ilícitos verificados.
Ora, do n.º 3 do art. 10.ºdo mesmo diploma resulta que as empresas de transportes são responsáveis por qualquer infracção cometida pelos condutores da empresa, devendo entender-se que é irrelevante a natureza jurídica do vínculo, uma vez que é isso que decorre do citado art. 4.º e não é especificado qualquer outro requisito, ao contrário do que sucede nos n.ºs 1 e 2 do mesmo preceito, que expressamente visam apenas os condutores assalariados.
E, como não podia deixar de ser, o mesmo princípio foi acolhido na Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, ao dispor no n.º 1 do art. 13.º que a empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, também sem qualquer diferenciação de vínculo jurídico.
É por isso mesmo que no preceito anterior se estipula que o regime dos artigos 548.º a 565.º do Código do Trabalho e o regime do procedimento das contra-ordenações laborais e de segurança social são aplicáveis às contra-ordenações previstas naquela lei: se a responsabilidade contra-ordenacional do condutor e ou da empresa de transportes nos termos de tal lei pressupusesse a existência duma relação jurídica laboral, era de todo desnecessária a referência à aplicação do regime legal respectivo. Tal referência só pode entender-se como pretendendo se estender tal regime legal às contra-ordenações previstas naquela lei, independentemente da natureza do vínculo jurídico entre o condutor e a empresa de transportes.
Em suma, a regra de que uma empresa de transportes é responsável por qualquer infracção cometida por um seu condutor aplica-se ainda que este seja gerente da sociedade que a detém.” .
Deste modo, uma vez preenchido o elemento objectivo da contra-ordenação, a dona do veículo só deixa de ser responsável se provar que organizou o trabalho de modo a que o condutor pudesse trazer consigo o cartão de condutor com os registos completos dos últimos 28 dias anteriores ou a declaração com a causa justificativa objectiva da falta dos referidos registos.
Com efeito, segundo o artigo 13.º, da Lei n.o 27/2010, com a epígrafe «Responsabilidade pelas contra-ordenações»:
“1 - A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.
2 - A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo ii do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
3 - O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22.º.
4 - A responsabilidade de outros intervenientes na actividade de transporte, nomeadamente expedidores, transitários ou operadores turísticos, pela prática da infracção é punida a título de comparticipação, nos termos do regime geral das contra-ordenações”.
Este normativo reporta-se ao elemento subjectivo da infracção, ou seja, “define as condições em que a infracção verificada objectivamente nos termos daquela primeira norma deve ser imputada em função da culpa (ainda que presumida) ao empregador ou ao condutor e a terceiro” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 20/10/2016, proc. n.º 1154/15.7T8BCL.G1, acessível in www.dgsi.pt.
Refira-se, a este propósito, que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º45/2014, publicado no Diário da República, 2.a série, n.º29, de 11 de Fevereiro de 2014 decidiu pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 13.º, n.º 1 e 2 da Lei n.o 27/2010, de 30 de Agosto com os seguintes fundamentos: “Impendendo sobre a entidade patronal, o dever legal de garantir o cumprimento das regras respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, ela é contra-ordenacionalmente responsabilizável, os termos previstos no diploma em análise, não apenas nas hipóteses em que, por acção sua, tiver originado directamente o resultado antijurídico, mas ainda no contexto de uma contribuição omissiva, causal ou cocausalmente promotora do resultado típico presumida, quando a infracção é cometida pelo condutor que se encontra ao seu serviço.
Competindo-lhe enquanto entidade patronal organizar o transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço cumpra as normas que regulamentam essa actividade, designadamente as regras laborais, não se revela arbitrária, nem injustificada, a presunção de que a inobservância dessas regras por parte do condutor tem a sua causa na deficiente organização daquela actividade, estando nós perante o funcionamento de uma mera presunção relativa a factos.”
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que o condutor inspeccionado, no acto da fiscalização, não se fazia acompanhar da totalidade dos registos referentes aos 28 dias anteriores ao da fiscalização, nem tinha consigo qualquer outro documento que permitisse ao agente fiscalizador aferir da justificação para a falta dos registos, designadamente a declaração de actividade, ou outro documento justificativo das razões pelas quais não tinha na sua posse todos os registos correspondentes aos 28 dias que antecederam a fiscalização.
Por outro lado, a sociedade arguida não demonstrou ter implementado um sistema suficientemente eficaz com vista à fiscalização do cumprimento das prescrições legais pertinentes no que se refere a tacógrafos analógicos, não tendo demonstrado que organizou o trabalho por forma a cumprir as prescrições do artigo 36.º do Regulamento em apreço.
Na verdade, apenas sabemos que presta formação aos motoristas (incluindo o gerente fiscalizado), por forma a que estes possam ter conhecimentos técnicos e informações adequadas ao cumprimento das disposições legais inerentes à actividade laboral em que se encontram inseridos, controlando ainda regularmente a actividade dos seus motoristas, de modo a garantir o cumprimento das normas referidas, o que temos por manifestamente insuficiente no que se refere à obrigação de apresentação da documentação respeitante aos 28 dias anteriores ao da fiscalização.
De facto, a empresa não logrou demonstrar que tivesse implementado qualquer procedimento com vista a verificar o cumprimento, pelos condutores, da obrigação de se fazerem acompanhar dos documentos obrigatórios, não tendo, designadamente, destacado qualquer trabalhador com a função de fiscalizar (ainda que aleatoriamente) a posse dos documentos obrigatórios, ou instituído qualquer procedimento interno tendente a fiscalizar o cumprimento daquela obrigação. Tão pouco se provou (nem foi alegado) que tenha instituído um sistema organizativo capaz de responder cabalmente às exigências burocráticas das inspecções de veículos, providenciando pela emissão das declarações e entrega aos motoristas (por qualquer meio idóneo) sem omissões.
Por conseguinte, mostra-se igualmente preenchido o elemento subjectivo da contra- ordenação (a recorrente agiu com a falta de cuidado necessária para garantir que o condutor cumprisse os normativos em vigor referentes ao regulamento Comunitário).
A este propósito, retomando o estudo de Maria Benedita Pernas supra citado, “Não bastará alegar que organizou e deu formação ao condutor, a empresa terá que provar que com o seu poder de direcção e fiscalização, organizou e fiscalizou o trabalho do motorista de modo a que o mesmo pudesse cumprir com as diversas disposições do Regulamentos Comunitários” (p. 293).
No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08/11/2017, proc. n.º 1523/15.2T8BJA.E1, acessível in www.dgsi.pt: “A circunstância de ter resultado provado que a arguida proporcionou a todos os motoristas, nomeadamente ao condutor fiscalizado, formação relacionada com as normas estradais e de segurança rodoviária e lhes entregou o “Manual de Motorista”, são procedimentos, sem dúvida, importantes e necessários, mas não são adequados para garantir o planeamento da organização e realização do trabalho de harmonia com o regulamento. Este tem de ser feito no dia-a-dia da gestão do serviço de cada motorista, por forma a compatibilizar a sua actividade com o cumprimento das regras impostas pelo Regulamento.”
Competia assim à arguida, entre outras atribuições legais obrigatórias, conceber e aplicar um sistema que garantisse o cumprimento das normas legais em matéria de registo de tempos de condução, estabelecendo, um sistema de efectivo controlo através, designadamente, da nomeação de funcionário incumbido da fiscalização da posse dos documentos pelos motoristas, o que no caso não foi feito.
Tinha a ainda a arguida conhecimento de que estava obrigada a fazê-lo e a disponibilizar ao seu motorista a declaração justificativa em falta, porquanto nenhum facto ficou provado que permitisse concluir que desconhecia essa obrigação.
Por tudo o exposto, a arguida incorreu na prática da contra-ordenação imputada, improcedendo os fundamentos do recurso apresentado nesta parte.
[..]».
Como se retira da transcrição acima, a sentença recorrida pronunciou-se sobre ambas as questões aqui suscitadas pela recorrente, enunciando com clareza e suficiência os fundamentos jurídicas que sustentam o entendimento afirmado e a consequente decisão para cada uma delas.
Pois bem, adiantamos já que a fundamentação e as decisões em causa merecem a nossa concordância, significando isto, como já se percebeu, entendermos não existirem fundamentos para sustentarem a discordância da recorrente. De resto, com o devido respeito, é de assinalar que, em rigor, a recorrente não trouxe sequer qualquer argumento jurídico relevante para opor à fundamentação do Tribunal a quo, isto é, não confronta este tribunal de recurso com questões jurídicas devidamente sustentadas para procurar evidenciar o alegado erro de julgamento do tribunal a quo. Passamos a justificar esta asserção.
No que concerne ao alegado desacerto da sentença por ter considerado que “não constitui qualquer óbice à verificação da infracção o facto de o condutor ser gerente (representante legal) da proprietária do veículo, o qual igualmente deve fazer-se acompanhar da declaração de actividade, caso não disponha de discos de tacógrafos relativos aos 28 dias anteriores”, a recorrente limita-se a dizer que o condutor do veículo aquando da fiscalização não está “sujeito às disposições comunitárias no domínio dos transportes terrestres rodoviários e do AETR”, pelo facto de ser seu sócio gerente. Invoca o Acórdão do STJ de 29-09-1999, referindo que nele discute-se “[..] a compatibilidade das funções de gerente com as de trabalhador”.
No aresto em causa [proferido no Proc.º n.º 98S364, Conselheiro José Mesquita, disponível em www.dgsi.pt] delimita-se o objecto do recurso ali em apreciação nos termos seguintes:
-«1. A questão que nos autos, e no recurso, se coloca é, fundamentalmente, a de saber se a qualidade de sócio gerente de uma sociedade por quotas é compatível com a de trabalhador subordinado dessa mesma sociedade”.
No caso vertente não é essa a questão fulcral, mas antes a de saber se a prática da contra-ordenação prevista no artigo 25.º, da Lei n.º 27/2010, em conjugação com o artigo 36.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 165/2014, pressupõe, ou não, que o condutor seja trabalhador subordinado.
Ora, o Tribunal a quo tratou devidamente essa questão, além do mais invocando e citando o acórdão de 16/11/2017, do Tribunal da Relação de Guimarães, no qual se afirma que “Para a prática da infracção em causa em princípio basta que o veículo conduzido se encontre equipado com aparelho de controlo para que o seu condutor seja obrigado a cumprir as disposições normativas, por nós acima referidas e isto independentemente da qualidade do condutor – trabalhador subordinado ou gerente – bem como da propriedade do veículo”.
Em linha com esse entendimento, a decisão recorrida assenta na consideração de que “não constitui qualquer óbice à verificação da infracção o facto de o condutor ser gerente (representante legal) da proprietária do veículo”, sendo de todo irrelevante “[..] a compatibilidade das funções de gerente com as de trabalhador”.
Assim, não versando o aludido acórdão do STJ sobre esta temática, então a doutrina nele afirmada não pode ter aqui qualquer aplicabilidade, nomeadamente, nada dele podendo retirar-se de útil para a recorrente afirmar, estribando-se nela, que o sócio-gerente não está sujeito às disposições sociais comunitárias no domínio dos transportes rodoviários e do AETR. Dito de outo modo, a invocação deste aresto está descontextualizada da questão que aqui se coloca.
Refira-se, ainda, que o entendimento seguido pelo Tribunal a quo é pacífico na jurisprudência dos Tribunais superiores. No mesmo sentido, como invocado pelo Ministério Público nesta Relação, pode ver-se também o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 29-11-2018 [Proc.º 3262/17.0T8STR.E1, Desembargador Moisés Pereira da Silva, disponível em www.dgsi.pt], afirmando que “i) o conceito de condutor previsto na legislação comunitária e nacional é amplo e abrange qualquer pessoa que conduza o veículo, independentemente da natureza do vínculo jurídico existente entre condutor e a empresa”.
Improcede, pois, esta linha de argumentação.
Avançando, defende a recorrente que a não apresentação ao agente de autoridade dos registos relativos à condução não lhe é imputável, mas antes ao próprio condutor, “[..] que não cumpriu as ordens expressas dadas em concreto “, o qual é “detentor de formação de todo o conhecimento necessário para o exercício da condução de veículo pesados de mercadorias”, tendo a arguida organizado o trabalho de modo a que “pudesse cumprir com a obrigação de trazer consigo e apresentar aos agentes de controlo os registos relativos à condução, no próprio dia e nos anteriores “ e “[..] ministr[ado] formação profissional adequada [..] para que este exercesse as suas funções de modo a cumprir a lei e deu-lhe ordens expressas para que circulasse com os discos do tacógrafo”.
Note-se, desde já, que esta argumentação é incoerente face ao argumento anterior, visto a recorrente alegar como se estivesse agora a referir-se a um condutor seu trabalhador subordinado, abstraindo-se do facto do veículo ser conduzido por CC, que exercia a função de gerente da sociedade [factos 4 a 6]. Ora, sendo gerente da sociedade arguida, era precisamente a ele que cumpriria dar ordens aos trabalhadores subordinados, não fazendo sentido lógico alegar que o mesmo “não cumpriu as ordens expressas dadas em concreto”.
Seja como for, se é verdade ter resultado provado que [facto 9] CC é detentor de certificado de formação profissional referente ao curso de formação profissional de «Tacógrafos – Tempos de Condução e Repouso», realizado em 12/10/2019, com a duração de 7 horas, o certo é que ao ser fiscalizado quando conduzia o veículo tractor de mercadorias, de matrícula ..-..-RD, propriedade da arguida, [facto 5] não se fazia acompanhar de todos os registos utilizados no tacógrafo respeitantes aos 28 dias anteriores, apresentando apenas a folha de registo do dia da acção de fiscalização.
Por outro lado, se é certo ter resultado provado que a arguida organiza acções de formação que são ministradas aos motoristas, por forma a que estes possam ter conhecimentos técnicos e informações adequadas ao cumprimento das disposições legais inerentes à actividade laboral em que se encontram inseridos [facto 14], procede a controlos regulares sobre a actividade dos seus motoristas, de modo a garantir o cumprimento das normas referidas [facto 15], explica sempre aos seus trabalhadores as obrigações decorrentes da legislação relativa a condução de veículos e transporte de cargas [facto 16] e da obrigação de se fazerem acompanhar dos elementos legalmente exigidos para a fiscalização das suas actividades diárias, nomeadamente, o cartão de condutor, os discos diagrama de tacógrafo e qualquer registo manual ou impressão efectuados [facto 17], não pode aquela esquecer, como parece acontecer face à sua alegação, estar igualmente provado que “ agiu com a falta de cuidado necessária para garantir que o seu condutor tivesse consigo os registos referentes à sua actividade na totalidade dos 28 dias anteriores à fiscalização e que os pudesse nessa altura apresentar, como podia e devia” [facto 11].
O artigo 13.º da Lei 27/2010, com a epígrafe “Responsabilidade pelas contra-ordenações”, estabelece, na parte para aqui relevante, o seguinte:
1 - A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.
2 - A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo ii do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
No acórdão de 18-12-2018, desta Relação e Secção [Proc.º n.º 158/18.2T8VFR.P1, Desembargador Rui Penha, disponível em www.dgsi.pt], no qual interveio como adjunto o aqui relator, consignou-se no sumário, na parte que aqui importa, o seguinte:
II - A Lei 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo art. 10º, nº 3, do Regulamento nº 561/2006, qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida.
III - Para excluir essa responsabilidade cabe à empresa demonstrar que pôs à disposição do motorista do seu veículo todos os documentos necessários para que as entidades de fiscalização pudessem aferir da observância ou não das normas dos regulamentos, nomeadamente de documentos demonstrativos da impossibilidade de apresentar escalas de serviço relativas aos 28 dias anteriores.
E, na respectiva fundamentação, lê-se o seguinte:
“[..]
A questão está em determinar se a recorrente providenciou devidamente para que o motorista não cometesse a infracção em causa. Ou seja, a situação aqui invocada nenhuma especialidade tem relativamente às demais que podem gerar a responsabilidade objectiva do empregador.
Nos termos do art. 4º, al. c), do Regulamento 561/2006, «Condutor» é qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período, ou que, no contexto da actividade que exerce, esteja a bordo de um veículo para poder eventualmente conduzir (sublinhado nosso).
Estabelece o art. 13º, nº 1, da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, que a empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional. Acrescentando no seu nº 2, que a responsabilidade da empresa só é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
Daqui se extrai que as empresas passaram a ser responsabilizadas diretamente pelas infrações cometidas pelos motoristas, aliás sujeitos à carga laboral por aquelas determinada (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Setembro de 2013, processo 3327/12.5TTLSB.L1-4, acessível em www.dgsi.pt).
E o que aqui está em causa é precisamente a necessidade de fiscalização do cumprimento dos regulamentos que fixam as cargas horárias do trabalho dos motoristas profissionais.
Ou seja, “a Lei 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo art. 10º, nº 3, do Regulamento [561/2006], qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida, pois que, consagrando embora a responsabilidade da empresa transportadora com base numa presunção de culpa, veio, contudo, permitir que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Dezembro de 2011, processo 68/11.4TTVCT.P1, acessível em www.dgsi.pt).
Sobre a questão da inconstitucionalidade desta solução pronunciou-se já por diversas vezes o Tribunal Constitucional, de forma unânime pela não inconstitucionalidade da norma do art. 13º, nº 1, da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, quando interpretada no aludido sentido de consagrar uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida. Veja-se os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 45/2014, de 9 de Janeiro de 2014, processo 428/13, nº 107/2014, de 12 de Fevereiro de 2014, processo 640/13, nº 144/2014, de 13 de Fevereiro de 2014, processo 482/13, nº 206/2014, de 3 de Março de 2014, processo 668/13, nº 220/2014, de 6 de Março de 2014, processo 639/13, nº 267/2014, de 25 de Março de 2014, processo 365/13, nº 268/2014, de 25 de Março de 2014, processo 1189/13, nº 33/2014, de 9 de Abril de 2014, processo 1300/13, nº 365/2014, de 6 de Maio de 2014, processo 669/13, e nº 398/2014, de 7 de Maio de 2014, processo 954/13, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt».
Foi este o entendimento seguido pelo tribunal a quo, o qual é consonante com a doutrina reiteradamente afirmada pela jurisprudência dos Tribunais das Relações, nomeadamente, nos acórdãos referidos na sentença e nos aqui agora invocados por nós, não vendo este colectivo razões para dele se afastar. Na nossa perspectiva, esse é o entendimento que faz a correcta interpretação do art.º 13.º 1, da Lei 27/2010.
No caso, sendo CC gerente da sociedade arguida, por essa razão a quem cumprirá em primeira linha, enquanto representante legal daquela, providenciar pela organização das acções de formação, bem como dar instruções aos seus trabalhadores para que cumpram as obrigações decorrentes da legislação relativa a condução de veículos e transporte de cargas e controlar e fiscalizar o seu cumprimento, não ignorava este que deveria ter consigo os registos referentes à sua actividade na totalidade dos 28 dias anteriores à fiscalização, de modo a assegurar a necessidade de apresentação à autoridade fiscalizadora.
Por outro lado, não basta a formação, explicações, instruções e, mesmo, controlos regulares sobre a actividade dos seus motoristas, se isso se revelar insuficiente para assegurar o cumprimento das obrigações legais, máxime por parte do próprio gerente. Cabia à arguida, ter organizado um sistema de controle e fiscalização eficaz de modo a garantir não só que os seus trabalhadores motoristas cumprem o que é exigido por lei no âmbito dos transportes rodoviários de mercadorias, mas também que qualquer outro condutor dos veículos de sua propriedade no exercício dessa actividade, incluindo o sócio gerente, observa essas exigências.
Como se afirma no já citado acórdão do TRE de 29-11-2018 -, invocado no parecer do Ministério Público-, “a empresa é responsável pela contraordenação se o condutor do veículo for seu sócio-gerente e só deixará de ser responsabilizada nos casos previstos na lei”.
Ora, no caso não se mostra provada a existência de um sistema, em termos concretos e precisos, que estivesse organizado com vista a garantir eficazmente o cumprimento das obrigações legais em causa. De resto, como refere o Tribunal a quo nem tão pouco foi feita alegação nesse sentido. O que a recorrente veio defender foi que o CC não possuía nem podia possuir os discos de tacógrafos em falta, porque em regra não exerce a condução, alegação que nem sequer provou.
Conclui-se, pois, que também quanto a este ponto improcede o recurso.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência mantendo a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC [artigos 513º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74º, nº 4 do RGCO e 59º e 60º, ambos da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro e 8º, nº 9 e Tabela III do RCP].

Porto, 23 de Janeiro de 2023
Jerónimo Freitas
Nélson Fernandes
Rita Romeira