Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
553/14.6T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: INSOLVÊNCIA
COLIGAÇÃO ACTIVA ILEGAL
Nº do Documento: RP20150126553/14.6T8STS.P1
Data do Acordão: 01/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Existe coligação activa ilegal quando os requerente simultâneos de insolvência não estão casados entre si ou são casados no regime da separação de bens, o que constitui excepção dilatória e é motivo de indeferimento liminar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pº nº 553/14.6T8STS.P1
Apelação
(223)

ACÓRDÃO

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de insolvência, foi proferida decisão a indeferir liminarmente o pedido de declaração de insolvência dos requerentes B… e C…, por se estar perante a excepção dilatória de coligação activa ilegal.

Inconformados, apelaram os requerentes, tendo apresentado alegações, cujas conclusões são as seguintes:
I. O Tribunal a quo conheceu oficiosamente da excepção dilatória de coligação activa ilegal com base nos arts. 576º n.º 1, 577º n.º 1 f), 578º e 278º n.º 1 e) do CPC.
II. Considerou a coligação ilegal por considerar que o CIRE não prevê qualquer caso de coligação, com excepção da coligação dos cônjuges (cf. art 249º, 250º e 264º a 266º do CIRE.
III. Em bom rigor, e S.M.O. o CIRE não prevê expressamente qualquer impedimento à apresentação conjunta à insolvência por cônjuges divorciados.
IV. Os insolventes continuam a fazer entre si uma vida em comum.
IV. Residem juntos.
V. As obrigações financeiras assumidas, na vigência do seu matrimónio, conjuntamente.
VI. Os cônjuges casaram-se catolicamente em 27/10/1985, ficando subordinados ao regime supletivo da comunhão de adquiridos.
VII. Em 25/02/1997 os recorrentes celebraram conjuntamente o contrato de compra e empréstimo com hipoteca do imóvel urbano sito no ..., freguesia e concelho de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º 2955 e na respectiva matriz sob o artigo 1744.
VIII. Para a aquisição do referido crédito beneficiaram do empréstimo concedido pelo D…, Sociedade Anónima, no valor de (9.000 contos) € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros).
IX. No dia 21/05/2003, os recorrentes celebraram conjuntamente um mútuo com hipoteca com o E…, SA no montante de € 36.571,16 (trinta e seis mil, quinhentos e setenta e um euros e dezasseis cêntimos).
X. Posteriormente, no dia 25/08/2004, celebraram um mútuo com hipoteca em segundo grau, com o E…, SA no valor de € 25.900,00 destinado ao pagamento de responsabilidades vencidas, por ambos titulados e avalizadas.
XI. Por razões pessoais divorciaram-se em 19/07/2005.
XII. Contudo, continuam a viver juntos.
XIII. O facto do tribunal a quo fundamentar a sua decisão na inadmissibilidade da coligação com base no art.º 576º, 577º n.º 1f) do CPC não deverá merecer acolhimento.
XIV. Isto porque, a legalidade da coligação está sujeita a um duplo requisito: positivo – que se traduz na verificação das condições exigidas pelo art.º 36º do CPC e outro negativo, traduzido na não ocorrência de algum dos obstáculos mencionados no art.º 37º do CPC.
XV. A coligação pressupõe pedidos diferentes.
XVI. Na coligação de autores, as pretensões são por vezes distintas em razão da própria causa de pedir, mas todas hão-de pressupor, porém, a solução da mesma questão de direito, a apreciação dos mesmos factos ou a interpretação e aplicação de cláusulas contratuais perfeitamente análogas.
XVII. No caso concreto dos recorrentes, tanto os factos que integram a causa de pedir como a questão de direito na qual se consubstancia o pedido são idênticos: a sua situação de insolvência.
XVIII. Os recorrentes apresentaram-se à insolvência pessoal, tendo como causa de pedir os compromissos financeiros assumidos por e no interesse de ambos, que se encontram vencidos e não pagos.
XIX. Só é inadmissível a coligação, quando entre os pedidos não exista a conexão exigida no art.º 36º do CPC.
XX. Na verdade, o art.º 36º CPC estabelece os pressupostos de admissibilidade da coligação.
XXI. Senão vejamos, de acordo com a redacção do art.º 36º n.º 1 CPC o legislador estabelece que: “ É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência.”
XXII. De acordo com o n.º 2 do citado artigo: “ É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contractos perfeitamente análogas”.
XXIV. Ou seja, do art.º 36º do CPC que é de aplicação subsidiária nos termos do art.º 17º do CIRE, resulta que é permitida a coligação de autores quando seja a mesma e única a causa de pedir, quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, ou quando a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito do 36.º do CPC.
XXV. Também a contrario sensu não se mostram verificados quaisquer dos obstáculos à coligação.
XXVI. Tais obstáculos vêm estatuídos nos termos do art.º 37º n.º 1 do CPC: “ A coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia.”
XXVII. Mesmo que a coligação fosse ilegal, o que só por mero exercício académico se concebe, o meritíssimo Juiz a quo deveria ter observado e exercido a prerrogativa do art.º 38º do CPC, sob a epígrafe: “ suprimento da coligação ilegal”.
XXVIII. O que significa que, ocorrendo coligação sem que entre os pedidos existisse a conexão exigida pelo art.º 36º do CPC, o juiz deveria ter notificado os autores, para, por acordo, esclarecerem quais os pedidos que pretendiam ver apreciados no processo.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência:
- julgar a excepção dilatória da coligação activa ilegal improcedente, por se mostrarem preenchidos todos os requisitos positivos e negativos que permitem a coligação dos recorrentes;
- e por não existirem razões para o indeferimento liminar, determinar a declaração imediata da insolvência dos recorrentes pelo Tribunal a quo;
- e consequentemente a absolvição das custas em que os recorrente foram condenados pelo Tribunal a quo.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

II – AS QUESTÕES DO RECURSO

Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, importando, assim, decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso – exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artºs. 635º e 639º ambos do Novo Código Processo Civil.
Assim, em face das conclusões apresentadas, é a seguinte a questão a resolver por este Tribunal:
- Existe (ou não) coligação activa ilegal.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a apreciação do presente recurso decorrem do relatório que antecede, sendo que o despacho recorrido é do seguinte teor:
“Nos presentes autos verifica-se a existência de coligação de Requerentes.
Importa, assim, decidir se a coligação ativa é, no caso em apreço, admissível.
Ora, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não prevê qualquer caso de coligação, com exceção da coligação dos cônjuges (cf. art. 249º, 250º e 264º a 266º do referido Código).
No caso em apreço, os requerentes não são casados um com o outro, são ambos divorciados.
Assim sendo, estamos perante uma coligação ativa ilegal, a qual consiste numa exceção dilatória de conhecimento oficioso e que tem como consequência a absolvição da instância (arts. 576º/1 e 2, 577º/1/f), 578º e 278º/1/e), do Código de Processo Civil).
O pedido de declaração de insolvência deve, pois, ser liminarmente indeferido (art. 27º/1/a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Pelo exposto, indefiro liminarmente o pedido de declaração de insolvência.
Custas a cargo dos requerentes.
Notifique”.

Há ainda que considerar os seguintes factos assentes:
- Os requerentes casaram-se catolicamente em 27/10/1985, ficando subordinados ao regime supletivo da comunhão de adquiridos (cfr. doc. de fls. 28);
- Os requerentes divorciaram-se em 19/07/2005 (cfr. doc. de fls.28).

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Sobre a insolvência de ambos os cônjuges, em regime de coligação, dispõe o artigo 264º, nº1 do CIRE que “incorrendo marido e mulher em situação de insolvência, e não sendo o regime de bens o da separação, é lícito aos cônjuges apresentarem-se conjuntamente à insolvência (…)”.
São, assim, segundo este preceito legal, dois os requisitos de que depende a possibilidade de os cônjuges se apresentarem conjuntamente à insolvência:
a) encontrarem-se ambos os cônjuges em situação de insolvência;
b) não ser o regime de bens do casal o da separação.
Porém, no caso dos autos, conforme resulta da factualidade provada, os requerentes não são casados um com o outro.
São ambos divorciados, sendo certo que não existe a figura jurídica de cônjuges divorciados como parecem querer dar a entender os recorrentes.
Tanto basta para que tal circunstancialismo, por si só, implique coligação ilegal activa, o que, de harmonia com o disposto nos artigos arts. 576º nºs 1 e 2, 577º al. f), 578º e 278º nº 1 al. e) todos do NCPC, constitui uma excepção dilatória que tem como consequência, a sua absolvição da instância - neste sentido, vide o Ac. do TRG de 11/11/2010 (relatora Rosa Tching), consultável em www.dgsi.pt.
Assim, porque o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não prevê qualquer caso de coligação, com excepção da coligação dos cônjuges (cf. art. 249º, 250º e 264º a 266º do referido Código) bem andou o Tribunal a quo, ao decidir pelo indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência.
Termos em que improcedem todas as demais conclusões dos apelantes.

V - DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora)

Porto, 26/01/2015
Maria José Simões
Abílio Costa
Augusto de Carvalho