Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17101/20.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: DESPACHO NOTARIAL DE FORMA À PARTILHA
IMPUGNAÇÃO
QUESTÕES ATINENTES A TRAMITAÇÃO
COMPETÊNCIA
NULIDADES
ARGUIÇÃO
RECURSO DA DECISÃO
Nº do Documento: RP2021102117101/20.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se na impugnação judicial do despacho notarial sobre a forma à partilha o interessado suscita a apreciação de questões atinentes à tramitação do inventário notarial e o tribunal aceita a competência para as decidir, a sentença proferida e transitada em julgado faz caso julgado sobre as questões decididas, as quais não podem depois constituir objecto do recurso da sentença homologatória da partilha.
II - As nulidades processuais produzidas durante a tramitação do inventário notarial carecem de ser arguidas perante a entidade que as praticou e apenas a decisão daquela entidade que sobre elas vier a recair pode ser objecto de recurso judicial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2021:17101.20.1T8PRT.P1
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
Para partilha da herança deixada por óbito de B…, contribuinte fiscal n.º ………, que foi residente no Porto, falecida em 01-01-2015, a interessada C…, contribuinte fiscal n.º ………, residente no Porto, requereu no Cartório Notarial do Lic. D…, sito no Porto, processo de inventário, no qual foi nomeada e exerce funções de cabeça de casal.
Em 19-12-2019 foi proferido pelo Sr. Notário despacho determinativo da forma à partilha com o seguinte conteúdo:
«Relatório:
Nos presentes autos procede-se a inventário requerido por C…, por morte de B….
Os bens a partilhar constantes da relação de bens (fls. 163/4) são constituídos por bens móveis, dinheiro, objectos em ouro e prata e um bem imóvel. Há passivo (fls. 164/5) relacionado e comprovado documentalmente e cujo pagamento foi suportado integralmente pela requerente/cabeça de casal.
Na conferência preparatória (objecto de três reuniões), por ausência sistemática da restante e única interessada não houve acordo quanto à composição dos quinhões. Teve lugar a conferência de interessados com licitação de bens, apenas pela cabeça de casal presente.
Factos jurídico- sucessórios:
A inventariada, B… faleceu no dia um de Janeiro de dois mil e quinze, no estado de solteira, maior, sem descendentes nem Ascendentes.
Que, a inventariada fez testamento público que outorgou aos treze de Setembro de dois mil e cinco, iniciado a folhas setenta e um do livro de testamentos quatro – A, do extinto Quarto Cartório Notarial do Porto, pelo qual “lega a C… (requerente e cabeça de casal dos autos) todas as mobílias, loiças, roupas, objectos de decoração e demais utensílios que constituem o recheio da sua casa de habitação sita na Rua …, nº …, rés-do-chão esquerdo, Porto”.
Do remanescente da sua herança institui em comum e partes iguais únicos herdeiros a referida C… e a sua sobrinha, E….
Que não havendo quaisquer questões que sejam necessárias para a organização do mapa de partilha, à mesma procede-se da seguinte forma:
Forma à partilha:
Somam-se o valor de todos os bens com o aumento da licitação e ao valor obtido subtrai-se o passivo, constituindo o remanescente o acervo hereditário a partilhar e pertencente à inventariada; - art. 59º nº 2-a) RJPI.
Ao valor apurado, deduz-se o legado do recheio (verbas 1 (um) a 8 (oito)), que por força do testamento inteira-se à legatária/requerente.
O montante assim obtido, divide-se em duas partes iguais por serem tantos os herdeiros instituídos por vocação testamentária, cabendo a cada um deles a respectiva quota hereditária.
Quanto ao preenchimento dos quinhões os bens licitados são adjudicados à licitante, e os restantes bens, da mesma espécie não licitados, são repartidos em partes iguais pelos dois únicos interessados; - art. 59º nº 2-b/c RJPI.
No que respeita ao pagamento do passivo cada interessada suportará metade das verbas nºs 1 (um) a 5 (cinco) e a interessada E… é responsável pelo pagamento integral da verba nº 6 (seis).»
Ao abrigo do artigo 57.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, a interessada E…, impugnou judicialmente o referido despacho.
Para o efeito, formulou as seguintes conclusões:
«A ora Rte vem deduzir impugnação relativamente ao despacho determinativo da forma da partilha nos termos do artigo 57.º da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, em determinadas matérias concretas;
- Relativamente ao legado vertido no testamento da falecida, associa uma relação de bens, que é muito genérica e atribui às verbas termos como «objectos diversos» e «roupas», bem como «electrodomésticos», o que não nos permite, por desconhecimento, apurar a quantidade e identificação dos mesmos.
- Aliás, veja-se o requerimento apresentado pela Rte em que é levantada esta questão remetendo claramente, para o artigo 140º do C.P.Civil, sem prejuízo da Lei Fundamental CRP no seu artigo 20.º e com douto despacho de indeferimento.
- E levanta o pedido de avaliação de uma verba, o bem imóvel descrito nos autos, já que o processo estaria suspenso durante dois anos e a avaliação teria sido efectuada 10 de Julho de 2016 (três anos) e aquele imóvel está sito na cidade do Porto (zona …), e o valor da perícia está perfeitamente desactualizado, mas em boa verdade, não se realizou audiência preparatória.
- E no nosso entender, deveria ser designada nova data, senão a última, com a devida advertência, porque é certo e sabido que a conferência preparatória tal como está prevista, só pode ser designada após terem sido resolvidas as questões suscitadas que sejam susceptíveis de influir a partilha, V. artigo 47º nº 1 da L. 23/2013,
- E veja-se que o lapso de tempo decorrido entre a avaliação dos bens e o reinício do processo foi de cerca de 3 (três) anos, e são sobejamente conhecidas as alterações que o mercado imobiliário sofreu a nível nacional e em particular nas grandes metrópoles, Lisboa e Porto.
- Assim, a manter-se determinado bem sem actualização na sua avaliação, resulta um claro prejuízo, bem como, um claro benefício, para as partes, seja adjudicante, seja adjudicada, violando o artigo 2º nº 2 do C.P.Civil.
- E na conferência preparatória não foi sequer decidido: o passivo, da forma do cumprimento dos legados e encargos da herança, o que nem sequer foi atendido e sujeito a apreciação e decisão, com omissão flagrante do artigo 48.º, n.º 3 da L. 23/2013,
- E até ponderamos a possibilidade de omissão de pronúncia, v. artigo 615.º, n.º 1 por remissão do artigo 82.º da L. 23/2013, que geram a nulidade deste acto - conferência preparatória, nos termos do artigo 195.º do CPC.
- Pelo que, entendemos torna-se necessário retomar aquele acto e anulando todos os outros praticados e salvaguardar os interesses e direitos das partes, cumprindo a lei e lei processual civil.
- Prosseguindo os demais termos, após a realização da conferencia preparatória foi designada para a data para a realização da conferência de interessados para o dia 21 de Novembro de 2019, em que foi apresentado antecipadamente um atestado médico da Rte e no próprio dia do representante do interditado, mas realizou-se a referida diligência, na ausência de duas partes e mandatário judicial, com a adjudicação de bens ali constante e não foram atendidos os justos impedimentos, previstos no artigo 140º do CPCivil e artigo 49º in fine da L. 23/2013 e V. processo de inventário Abílio Neto, anotado, Maio/2013, artigo 49º anot. 2.
- Foram prejudicados de forma clara e inequívoca os direitos e interesses destes e os preceitos legais,
- E tal como descrito nos pontos acima identificados, verificou-se a violação do contraditório do interdito nos seguintes actos: representação nas audiências de realização da conferência preparatória e de Interessados, violando o vertido nos artigos 3.º do CPC e 20.º e do MP conforme os artigos 24.º, 17.º, n.º 5 e 252.º do CPC, porquanto veja-se a justificação mediante atestado medico pelo representante do interdito, e a sua ausência na outra Conferencia anterior sem qualquer nestes termos;
- E esta omissão deveria ser regularizada com a anulação dos actos praticados e intervenção destas entidades com a devida comunicação e contraditório, e que ficou prejudicada neste processo.
- Verifica-se ainda a falta de constituição de advogado pela cabeça-de-casal, nos termos do artigo 40.º do CPC, em que com o devido respeito se estranha não ter qualquer intervenção, quando ao longo de todo o processo são levantadas questões de direito, e atenda-se ao valor da causa.
- E in casu e a contrario, se foram levantadas questões de direito, quer pela ora Rte quer pelo Notário, decidindo, teriam de mandatar advogado, artigo 40.º, n.º 2 e 42.º do CPC.
- Por outro lado, foi manifesta e reiterada a falta de notificação de actos/despachos da ora Rte e do Notário à cabeça-de-casal, e violando os artigo 249.º e 254.º do CPC, em que estas notificações são obrigatórias, sem prejuízo do exercício do contraditório da mesma.
- Só se verifica a notificação para comparência nos actos e da reclamação/impugnação inicial, bem como do mapa da partilha final, e com omissão de um acto – artigo 195.º do CPC- padece de nulidade, o que implica que podem influir no exame/decisão da causa.
- Nestes termos deverá a presente impugnação ser procedente, por provada, relativamente a estes actos/despachos:
I- Do Douto Despacho, datado 04 de Janeiro de 2017, relativo à reclamação/impugnação da ora Rte/interessada – Legado do Recheio, ou,
II- Acta e despacho de conferência preparatória de 04 de Novembro de 2019 - não adiamento/não designação de nova diligência por falta justificada de convocados, ou,
III- Acta de Realização da Conferência de Interessados 21 de Novembro de 2019- (não adiamento/ não designação de nova diligência por falta justificada de convocados) e douto despacho de 12.12.2019, ou,
IV- Violação do contraditório do Interdito nos seguintes actos: representação nas audiências de realização da Conferência Preparatória e de Interessados, em representação do interdito, violando o vertido nos artigos 3.º do CPC e 20.º do CPC e do MP 252.º do CPC, não adiamento/ não designação de nova diligência por falta justificada de convocados, ou,
V- Falta de constituição de Advogado pela cabeça-de-casal, artigo 40.º do CPC, falta de notificação de actos/ despachos da ora Rte àquela - v. 249.º do CPC, sem prejuízo do exercício do contraditório da mesma, com omissão de acto, nulidade dos actos posteriores.»
Em 25-06-2020 o Tribunal Judicial da Comarca do Porto proferiu sentença conhecendo da referida impugnação judicial e julgando-a totalmente improcedente.
A seguir, no Cartório Notarial, verificando-se haver excesso de bens licitados, foi elaborado mapa informativo e ordenada a notificação da interessada E… para requerer a composição do seu quinhão ou reclamar o pagamento de tornas.
Depois, ao abrigo do artigo 66.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Processo de Inventário, o processo notarial foi remetido ao tribunal de comarca para ser proferida decisão judicial de homologação da partilha.
Oportunamente foi proferida a seguinte sentença:
«O art.º 66.º da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário (doravante designado por RJPI), com a epígrafe decisão homologatória da partilha, no seu n.º 1 estabelece que “A decisão homologatória da partilha constante do mapa e das operações de sorteio é proferida pelo juiz cível territorialmente competente.” Nos termos do seu n.º 2, “Quando a herança seja deferida a incapazes, menores ou a ausentes em parte incerta e sempre que seja necessário representar e defender os interesses da Fazenda Pública, o processo é enviado ao Ministério Público junto do juízo cível territorialmente competente, para que determine, em 10 dias a contar da respectiva recepção, o que se lhe afigure necessário para a defesa dos interesses que legalmente lhe estão confiados.”
Seguindo os autos com “vista” ao M.º P.º, a Digna Procuradora-Adjunta, quanto a esta 1.ª questão, pronunciou-se nos termos constantes da promoção de 10.2.2021 com a ref.ª citus 419023704, considerando que os móveis referidos nas verbas “1” a “8” da relação de bens deverão ser atribuídos em partilha a C… (nos termos do testamento junto aos autos, datado de 13/09/2005), devendo as restantes verbas atribuir-se depois, em partes iguais, tanto a C… como a E…, e abatendo-se por fim o passivo.
Assegurado o direito de pronúncia contraditória, apenas a Cabeça-de-casal C… se pronunciou, dando conta da incorrecção do nome da pessoa indicada como seu cônjuge na promoção antes referida, afirmando, quanto à questão propriamente dita, a sua consonância quanto às verbas 1 a 8, que as verbas 11 e 12 foram por si licitadas, e as demais (verbas 9 e 10), deverão ser adjudicadas em comum e em partes iguais a ambas as herdeiras – C… como a E….
Ora, analisando o mapa da partilha elaborado nos presentes autos termos do art. 59.º do RJPI, na sequência do despacho determinativo sobre a forma à partilha, verifica-se que o mesmo respalda os termos deste último, sendo certo que as posições acima mencionadas não o infirmam, antes vão ao encontro do que resulta expresso no mapa da partilha elaborado.
A este respeito, estabelece o citado art. 59.º que “Proferido o despacho sobre a forma da partilha, o notário organiza, no prazo de 10 dias, o mapa da partilha, em harmonia com o mesmo despacho e com o disposto no artigo anterior.”
Este último – art. 58.º do RJPI – regulando o preenchimento dos quinhões, preceitua que, “1 - No preenchimento dos quinhões observam-se as seguintes regras: a) Os bens licitados são adjudicados ao respectivo licitante, tal como os bens doados ou legados são adjudicados ao respectivo donatário ou legatário; b) Aos não conferentes ou não licitantes são atribuídos bens da mesma espécie e natureza dos doados e licitados, excepto quando tal não seja possível, caso em que: i) Os não conferentes ou não licitantes são inteirados em outros bens da herança, podendo exigir a composição em dinheiro; ii) Procede-se à venda judicial dos bens necessários para obter as devidas quantias, sempre que estes forem de natureza diferente da dos bens doados ou licitados; c) Os bens restantes, se os houver, são repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais; d) Os créditos que sejam litigiosos ou que não estejam suficientemente comprovados e os bens que não tenham valor são distribuídos proporcionalmente pelos interessados. 2 - O disposto na alínea b) do número anterior é aplicável em benefício dos co-herdeiros não legatários, quando alguns dos herdeiros tenham sido contemplados com legados.”
Por sua vez, nos termos do n.º 2 do art. 59.º do RJPI, “Para a formação do mapa observam-se as regras seguintes:
a) Apura-se, em primeiro lugar, a importância total do activo, somando-se os valores de cada espécie de bens conforme as avaliações e licitações efectuadas e deduzindo-se as dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos; b) Em seguida, determina-se o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens; c) Por fim, faz-se o preenchimento de cada quota com referência aos números das verbas da descrição. 3 - Os lotes que devam ser sorteados são designados por letras e os valores são indicados somente por algarismos. 4 - Os números das verbas da descrição são indicados por algarismos e por extenso e, quando forem seguidos, referindo apenas os limites entre os quais fica compreendida a numeração. 5 - Se aos co-herdeiros couberem fracções de verbas, é necessário mencionar a fracção. 6 - Em cada lote deve sempre indicar-se a espécie de bens que o constituem, mostram-se.”.
Visto o regime legal aplicável, e o mapa de partilha elaborado pelo Sr. Notário, do Cartório Notarial do Porto, constata-se a sua conformidade ao despacho determinativo sobre a forma à partilha e aos termos legais em que tal mapa da partilha deve ser elaborado.
Assim, no presente processo de inventário por óbito de B…, ocorrido no dia 1 de Janeiro de 2015, no estado de solteira, maior, sem descendentes nem ascendentes, e com testamento público lavrado no dia 13 de Setembro de 2005, iniciado a folhas setenta e um, do respectivo livro de testamentos Quatro - A, do extinto Quarto Cartório Notarial do Porto, pelo qual fez um legado nos termos do mesmo constante e “institui em comum e partes iguais únicos herdeiros do remanescente da sua herança, as interessadas C… e E…”, e em que foi cabeça de casal C…, ao abrigo do disposto no artigo 66º, nº 1, do RJPI (aprovado pela Lei nº 23/2013, de 5/3), homologo por sentença a partilha constante do mapa de partilha elaborado nestes autos ao abrigo do disposto no art. 59.º do RJPI pelo Sr. Notário do Cartório Notarial do Porto, Lic. D…, e em conformidade, adjudico às herdeiras aí mencionadas – C… e E… – os quinhões ali expressos e que respectivamente lhes foram compostos.
As custas ficam a cargo dos interessados, na proporção do que recebam, nos termos do art. 67º do RJPI, proporção do que recebam, respondendo os bens legados subsidiariamente pelo seu pagamento.»
Do assim decidido, a interessada E… interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1- A ora Rte vem interpor recurso de douta sentença que deu provimento total relativamente ao despacho determinativo da forma da partilha nos termos do artigo 57.º da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, em determinadas matérias concretas, por violou as normas jurídicas seguintes nos seus artigos 2.º, n.º 2, 140º, 195.º, 3º e 6º nº 2, 415º, 40.º, n.º 2 e 42.º, 49º nº 2 e 3 e 291º nº 3, 24.º, 17.º, n.º 5, 249.º e 254 e 252.º do CPC, do CPCivil, sem prejuízo da Lei Fundamental CRP no seu artigo 20.º, bem como os artigos 25.º, 47º nº 5, 48.º, n.º 3, 49.º in fine, 82º da L. 23/2013, se assim não entender, interpretou e aplicou erroneamente aquelas normas, e/ou por último ainda aplicou erroneamente as normas ali indicadas;
2- Relativamente ao acto faltoso da notificação das partes para reclamação de tornas, argúi-se a nulidade, sendo necessária a sua notificação para praticar actos, ainda que com mandatário constituído, exercer os direitos previstos e serem cumpridos os formalismos processuais.
3- Relativamente ao legado vertido no testamento da falecida, associa uma relação de bens, que é muito genérica e atribui às verbas termos como «objectos diversos» e «roupas», bem como «electrodomésticos», o que não nos permite, por desconhecimento, apurar a quantidade e identificação dos mesmos e a aceitar-se o douto despacho que indeferiu a reclamação nesta parte o designado legado, encontra-se violado o princípio do contraditório previsto no artigo 3º do CP Civil e o artigo 25º da L. 23/2013, já que não permite à interessada apurar o que existe/ia e da titularidade da falecida, porque permitem a sonegação ou omissão de bens.
4-E prejuízo a herdeiros e olvida a vontade real da falecida.
5- Ora, outra questão: o processo esteve suspenso desde Junho de 2017 até Outubro de 2019, dado o processo de interdição do cônjuge da ora Rte/Interessada, F…, que correu termos nos serviços do Ministério Público do Porto, sob o nº 332/17.9Y2PRT, promovido pelo Notário.
6- Aliás, foi nomeado para representar o interdito, o seu filho, id. nos autos, G….
7- Assim, por notificação de 4 de Outubro de 2019, foi designada para a data acima mencionada uma conferência preparatória e a Rte, não pôde comparecer e apresentou atestado médico junto aos autos.
8- Foi decidida a sua realização, com absoluta violação do artigo 47º nº 5 da L. 23/2013 e contraditório pleno, nos termos do artigo 3º do CPCivil.
9- E nada decide, mandando prosseguir os autos para designação de conferência de interessados.
10- No despacho sindica a procuração forense da mandatária presente, como só tendo poderes forenses gerais, olvidando a possibilidade da prática de actos por mandatário, com posterior ratificação do mandante e/ou o previsto no CPCivil, v. artigos 49º nº 2 e 3 e 291º nº 3 do CPCivil.
11- Acresce que, e por entendermos aplicável por remissão do artigo 82º da L. 23/2013, foram violados os princípios da igualdade das partes, o do dever de gestão processual nos artigos 3º e 6º nº 2, 415º, todos do C.P.Civil, e reafirmamos ainda que possa parecer profícuo, a violação do contraditório.
12- Aliás, veja-se o requerimento apresentado pela Rte em que é levantada esta questão remetendo claramente, para o artigo 140º do C.P.Civil, sem prejuízo da Lei Fundamental CRP no seu artigo 20.º e com douto despacho de indeferimento.
13-E levanta o pedido de avaliação de uma verba, o bem imóvel descrito nos autos, já que o processo estaria suspenso durante dois anos e a avaliação teria sido efectuada 10 de Julho de 2016 (três anos) e aquele imóvel está sito na cidade do Porto (zona …), e o valor da perícia está perfeitamente desactualizado, mas em boa verdade, não se realizou Audiência Preparatória, ….
14-E no nosso entender, deveria ser designada nova data, senão a última, com a devida advertência, porque é certo e sabido que a conferência preparatória tal com está prevista, só pode ser designada após terem sido resolvidas as questões suscitadas que sejam susceptíveis de influir a partilha, V. artigo 47º nº 1 da L. 23/2013,
15- E veja-se que o lapso de tempo decorrido entre a avaliação dos bens e o reinício do processo foi de cerca de 3 (três) anos, e são sobejamente conhecidas as alterações que o mercado imobiliário sofreu a nível nacional e em particular nas grandes metrópoles, Lisboa e Porto.
16-Assim, a manter-se determinado bem sem actualização na sua avaliação, resulta um claro prejuízo, bem como, um claro benefício, para as partes, seja adjudicante, seja adjudicada, violando o artigo 2º nº 2 do C.PCivil.
17- E na conferencia preparatória não foi sequer decidido o passivo, da forma do cumprimento dos legados e encargos da herança, o que nem sequer foi atendido e sujeito a apreciação e decisão, com omissão flagrante do artigo 48.º, n.º 3 da L. 23/2013.
18- E até ponderamos a possibilidade de omissão de pronúncia, v. artigo 615.º, n.º 1, por remissão do artigo 82.º da L. 23/2013, que geram a nulidade deste acto – conferencia preparatória, nos termos do artigo 195.º do CPC.
19-Pelo que, entendemos torna-se necessário retomar aquele acto e anulando todos os outros praticados e salvaguardar os interesses e direitos das partes, cumprindo a lei e lei processual civil.
20- Prosseguindo os demais termos, após a realização da conferencia preparatória foi designada para a data para a realização da conferência de interessados para o dia 21 de Novembro de 2019, em que foi apresentado antecipadamente um atestado médico da Rte e no próprio dia do representante do interditado, mas realizou-se a referida diligência, na ausência de duas partes e mandatário judicial, com a adjudicação de bens ali constante e não foram atendidos os justos impedimentos, previstos no artigo 140º do CPCivil e artigo 49º in fine da L. 23/2013 e v. processo de inventário Abílio Neto, anotado, Maio/2013, artigo 49º, anot. 2.
21-Foram prejudicados de forma clara e inequívoca os direitos e interesses destes e os preceitos legais,
22-E tal como descrito nos pontos acima identificados, verificou-se a violação do contraditório do interdito nos seguintes actos: representação nas audiências de realização da conferência preparatória e de interessados, violando o vertido nos artigos 3.º do CPC e 20.º e do MP conforme os artigos 24.º, 17.º, n.º 5 e 252.º do CPC, porquanto veja-se a justificação mediante atestado médico pelo representante do interdito, e a sua ausência na outra conferência anterior sem qualquer nestes termos;
23-E esta omissão deveria ser regularizada com a anulação dos actos praticados e intervenção destas entidades com a devida comunicação e contraditório, e que ficou prejudicada neste processo.
24- Verifica-se ainda a falta de constituição de Advogado pela cabeça-de-casal, nos termos do artigo 40.º do CPC, em que com o devido respeito se estranha não ter qualquer intervenção, quando ao longo de todo o processo são levantadas questões de direito, e atenda-se ao valor da causa.
25- E in casu e a contrario, se foram levantadas questões de direito, quer pela ora Rte quer pelo Notário, decidindo, teriam de mandatar Advogado, artigo 40.º, n.º 2 e 42.º do CPC.
26-Por outro lado, foi manifesta e reiterada a falta de notificação de actos/despachos da ora Rte e do Notário à cabeça-de-casal, e violando os artigo 249.º e 254.º do CPC, em que estas notificações são obrigatórias, sem prejuízo do exercício do contraditório da mesma.
27-Só se verifica a notificação para comparência nos actos e da reclamação/impugnação inicial, bem como do mapa da partilha final, e com omissão de um acto - artigo 195.º do CPC- padece de nulidade, o que implica que podem influir no exame/decisão da causa.
28-Nestes termos deverá o presente recurso deve ser declarado procedente, por provado, com a anulação dos actos invocados, cumprimentos do pressupostos legais e reposição dos princípios da legalidade, igualdade, contraditório pleno, sendo actos/despachos;
I- Do Douto Despacho, datado 04 de Janeiro de 2017, relativo à reclamação/ impugnação da ora Rte/interessada - legado do recheio, ou,
II- Acta e despacho de conferência preparatória de 04 de Novembro de 2019 - não adiamento/ não designação de nova diligência por falta justificada de convocados, ou,
III- Acta de Realização da Conferência de Interessados 21 de Novembro de 2019- (não adiamento/não designação de nova diligência por falta justificada de convocados) e douto despacho de 12.12.2019, ou,
IV- Violação do contraditório do interdito nos seguintes actos: representação nas audiências de realização da conferência preparatória e de interessados, em representação do interdito, violando o vertido nos artigos 3.º do CPC e 20.º do CPC e do MP 252.º do CPC, não adiamento/não designação de nova diligência por falta justificada de convocados, ou,
V- Falta de constituição de Advogado pela cabeça-de-casal, artigo 40.º do CPC, falta de notificação de actos/despachos da ora Rte àquela- v. 249.º do CPC, sem prejuízo do exercício do contraditório da mesma, com omissão de acto, nulidade dos actos posteriores.
Não foi apresentada resposta a estas alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i) Se esta Relação pode conhecer de questões já antes suscitadas na impugnação judicial do despacho determinativo da partilha e decididas na sentença judicial que julgou improcedente aquela impugnação;
ii) Se esta Relação pode conhecer pela primeira vez de uma nulidade processual cometida na tramitação do processo de inventário sob a direcção do notário e sobre a qual não recaiu ainda qualquer decisão, notarial ou judicial.

III. Os factos:
Para a decisão a proferir relevam os factos atinentes a actos processuais que constam do relatório que antecede e ainda os que na sentença referida no relatório foram julgados provados:
a) A interessada/recorrente E… deduziu incidente de reclamação contra a relação de bens, sustentando, quanto ao designado “Legado do Recheio” vertido no testamento da Inventariada, que a sua descrição é muito genérica e não permite apurar a quantidade e identificação dos mesmos.
b) Por despacho proferido em 04-01-2017, o Exmo. Notário então decidiu da reclamação assim deduzida nos seguintes termos, que se transcrevem:
«A inventariada por testamento público (fls. 4/5), legou à cabeça de casal “todas as mobílias, loiças, roupas, objectos de decoração e demais utensílios que constituem o recheio da sua casa de habitação sita na Rua …, nº …, rés-do-chão, esquerdo, Porto”.
O legatário é aquele que sucede em bens ou valores determinados; art. 2030º, nº 2 CC.
O conceito da determinação pode abranger várias gradações. Como sublinha o Dr. Pereira Coelho é importante notar que bens determinados não é a mesma coisa que objectos especificados ou designados concretamente. Exemplo disso são as disposições previstas nos art.s 2253º (legado de coisa genérica) e 2267º CC (legado alternativo), em que não havendo especificação ou designação concreta dos bens deixados nem por isso deixa de haver legado. Outrossim, há legado se A deixa a B, o recheio da sua casa (art. 2263º CC). Os bens deixados, não são aqui especificados e não obstante a inventariada deixa à cabeça de casal bens determinados.
Bens determinados (especificados ou não) são aqueles que a cabeça de casal e legatária C… sucede, isto é, sucede apenas em certos bens (recheio da casa) com exclusão dos restantes bens da inventariada.
Como salienta, portanto, o distinto Prof. Carlos Pamplona Corte-Real a determinação é um conceito mais amplo que a especificação pois abrange várias gradações que vão desde os casos em que as deixas integram bens designados concretamente (especificados) até os casos em que se reportam os bens meramente determináveis.
Aqui chegados impõe-se reflectir sobre a expressão e termo – recheio – respigado da norma interpretativa ínsita na dita disposição testamentária, ao invés, v.g. da fixação, sentido e alcance do termo usado no disposto no art. 2103º -C, CC.
O actual artigo 2263º CC tem o seu antecedente no art. 1832º do Código Civil de 1867 e a mesma doutrina já se encontrava no Digesto Portuguez de Correia Teles que por sua vez o extraiu do art. 414º do Código da Prússia; - cf. Sucessões e Direito Sucessório, José Tavares, 2º Edição, nº 84 (pág. 371), que definia o legado da casa com tudo que se achar dentro dela sublinhando de resto, todas as outras cousas que se encontrarem dentro da casa, dinheiro, jóias, mobílias e roupas, etc., ficam fazendo parte do legado.
Todavia na esteira do pensamento do insigne Prof. Antunes Varela, acompanhamos o sentido da expressão – recheio – adoptada pelo legislador e que na prática é correntemente usado para designar todo o conteúdo útil normal da casa (desde o mobiliário, as roupas, os serviços de mesa, o trem de cozinha, até os candeeiros, roupeiros, utensílios das casas de banho e objectos de decoração).
Termos em que no sentido corrente da expressão todo esse conjunto de bens que constitui o recheio da casa deve compreender-se no legado instituído à interessada C…, dominado, cremos pela vontade da testadora. Ao invés, sustentamos o sentido de que a expressão não deve abranger, na falta de disposição em contrário – os objectos em ouro e prata de uso pessoal da inventariada (fls. 75) e objecto de avaliação (fls. 153/4) pelo que decide-se pela sua inclusão na relação de bens pelos valores constantes da certidão da avaliação.».
c) Emerge da acta da conferência preparatória realizada em 4 de Novembro de 2019 o seguinte, transcreve-se:
«Retomada a conferência preparatória, após concluído no âmbito da Lei 48/2018, 14/8, acção de acompanhamento de F…, cônjuge da interessada herdeira testamentária, e na sequência do adiamento da conferência preparatória realizada no dia 16 de Fevereiro de 2017 (fls. 181), interrompida no dia 9 de Março de 2017 (fls. 189) face ao consignado (e comprovado) “síndrome demencial” do referido F…, suprido perla aplicação da medida de representação geral nos termos do art. 145.º, n.º 2, a) CC, constata-se a reiterada ausência da interessada, E… e do ora acompanhante, sendo certo, de que, não se fizeram legalmente representar à semelhança da ilustre mandatária que não dispõe nos autos nem se fez acompanhar de mandato com poderes especiais para a legítima representação nesta conferência da interessada faltosa.
Destarte, abdicando a interessada ausente, E…, de discutir as questões subjacentes ao direito de escolha e composição dos quinhões e da deliberação sobre aprovação do passivo, e mais uma vez revelando-se infrutífera a conferência preparatória, o notário designou o dia 21 de Novembro em curso pelas 16:00h para a conferência de interessados com vista adjudicação dos bens nos termos do art. 49.º RJPI, devendo as propostas em carta fechada ser entregues no Cartório Notarial por valor não inferior a 85% do valor base dos bens indicados na respectiva relação de bens (fls. 162), facto de que os presentes foram neste acto devidamente notificados.
Nada mais havendo a tratar, o Notário deu por encerrada esta conferência pelas dezassete horas e cinco minutos da qual se lavrou o presente auto que por ele revisto, vai ser assinado por ele e pelo secretário.”
d) Subsequentemente, a interessada/reclamante E…, apresentou requerimento por via do qual requereu a designação de nova conferência preparatória, por violação do contraditório, cf. art. 20.º da CRP e arts. 3.º, 4.º, 188.º do CPC aplicáveis ex vi art. 82.º do RJPI, e mais requereu a avaliação actualizada dos bens imóveis.
e) Apreciando o requerido foi proferido pelo Exmo. Notário o seguinte despacho de 20-11-2019, transcreve-se:
«Vem a interessada, E…, por requerimento de 2019.11.19 através da sua ilustre mandatária impetrar de que: i) Na conferência preparatória de 4 de Novembro em curso, não compareceu por motivo de doença. ii) Que, a conferência deveria ter sido adiada por justo impedimento. iii) Que, o Notário não podia ter decidido os seus direitos sem o exercício do contraditório, incorrendo a conferência em nulidade. iv) Por requerimento de 2019.11.20, apresentou atestado médico da sua constituinte consignando que está impossibilitada de se ausentar do seu domicilio por um período estimado de 4 dias. Requer: A designação de nova conferência preparatória e uma avaliação actualizada dos bens imóveis.
Cumpre apreciar.
A interessada, E…, reiteradamente, tem primado pela ausência às conferências preparatórias conforme foi sublinhado na acta desta última (continuação da conferência interrompida em 9-3-2017 e iniciada em 16-02-2017), e de cujo conteúdo factual descritivo e narrativo se dá por integralmente reproduzido.
Alega para a última falta motivos de doença não comprovada nem justificada no prazo legal.
Destarte decorridas três sessões estão esgotados os fundamentos legais para o adiamento da conferência preparatória conforme sublinhado no n/ despacho de 2017.02.14.
A interessada E… faltou 3 vezes à realização da conferência sem motivos atendíveis e ao invés, de que, vem sustentado o notário nada decidiu em matéria dos seus direitos.
Sem prescindir, recordar de que, avaliação do único bem imóvel pertencente à herança da inventariada (e não bens imóveis, como refere) foi por aquela interessada requerido com apoio judiciário e as despesas já suportadas pelo IGFEJ. Acresce que a morosidade no regular e normal prosseguimento dos presentes autos de que não olvidamos de sublinhar só à interessada, E… pode ser imputado, como respiga inclusive do atestado apresentado hoje aos autos. Dito isto, encerrada a fase da conferência preparatória é inatendível a designação de nova conferência e novas diligências nos termos requeridos.
Na defluência do expedido decide-se:
i) Considerar intempestivo e extemporâneo o requerimento nº ……. apresentado pela interessada E…; ii) Negar in totum os pedidos formulados; iii) Confirmar a data de 21/11/2019 – 16:00h para a realização da conferência de interessados, agendada na presença do restante único interessado e sem oposição da mandatária presente da interessada sistematicamente ausente. iv) Dizer que a interessada, E… sempre poderá fazer-se representar na conferência de interessados através de mandatário com procuração com poderes especiais. Notifique-se. Porto, 2019.11.20.»
f) Realizou-se conferência preparatória em 21 de Novembro de 2019, em que esteve presente a requerente e cabeça-de-casal C…, e, regularmente notificados, não compareceram, a interessada/reclamante E… e o acompanhante do cônjuge, Exmo. Sr. G…, e a il. Mandatária da interessada E….
g) Notificada, nomeadamente para se pronunciar sobre a forma à partilha, a interessada/reclamante E…, apresentou requerimento por via do qual requereu que a conferência de interessados realizada no dia 21 de Novembro de 2019, seja declarada nula, por violação do art. 49.º do RJPI e do art. 140.º do CPC aplicável ex vi art. 82.º do RJPI, e do contraditório da interessada, cf. arts. 20.º da CRP e arts. 3.º, 4.º, 188.º do CPC, aplicáveis ex vi do art. 82.º do RJPI, e mais requereu a avaliação do bem imóvel pelo lapso de tempo decorrido desde a avaliação ab initio, pela suspensão do processo e pela alteração ocorrida nos valores do imobiliário na cidade do Porto.
h) Por despacho de 12-12-2019 o Exmo. Sr. Notário apreciou e decidiu o seguinte, transcreve-se:
«Vem a interessada, E… impetrar de forma extemporânea a nulidade da realização da conferência de interessados e o pedido de (nova) avaliação do único bem imóvel pertencente à herança da inventariada. Dito isto e sem embargo da impertinência nesta fase dos autos dos pedidos formulados no sobredito requerimento, importa esclarecer a interessada de que a data da conferência de interessados foi marcada pelo Notário na presença da sua mandatária, sem qualquer oposição manifestada e desde logo aquela notificada. Acresce que, o acordo previsto no art. 49º RJPI, apenas engloba o(s) mandatário(s) constituído(s) no(s) auto(s), excluindo-se deste acordo os interessados que não tenham constituído mandatário ou que regularmente convocados não compareceram;- art. 151º NCPC ex vi art. 82º RJPI. Nesse sentido e sem prescindir, sublinhar de que a interessada, E… foi regularmente convocada para a continuação da conferência preparatória (2019.11.04) de que injustificadamente faltou e devidamente notificada para antedita conferência de interessados (2019.11.21).
Termos em que, na ausência de oposição da sua mandatária constituída na fixação da data da conferência de interessados nada impunha o adiamento da diligência pelos motivos invocados, sendo por conseguinte desnecessário o assentimento ou a presença da interessada E…, sistematicamente ausente, ou que, o seu (des)interesse se possa sobrepor à exigência legal da celeridade processual do processo.
No mais e pelos fundamentos ante acta, sustentar a intempestividade do pedido de nova avaliação do imóvel devendo os autos prosseguir a sua regular e normal tramitação.
Honorários pela interessada 1 UC, acrescida do IVA à taxa legal;- art. 539º nº 1 CPC e art. 18º nº 5 – Port. 278/2013, 26/8 – Anexo II. Notifique-se. Porto, 2019.12.12.».

IV. O mérito do recurso:
Antes de entrar na apreciação do mérito do recurso, convém começar por precisar qual é o respectivo objecto.
As alegações de recurso apresentadas não são tão claras quanto deviam ser, apresentando uma redacção confusa e deficiente que dificulta sobremaneira a compreensão das questões suscitadas e dos fundamentos pelos quais se pretende que as mesmas sejam decididas diferentemente.
Não obstante isso, parece manifesto que a recorrente suscita todo um conjunto de questões que já suscitou anteriormente perante o tribunal judicial e sobre as quais recaiu já uma sentença transitada em julgado!
As questões da validade (?) do legado, dos não adiamentos das conferências realizadas pelo notário com fundamento na falta da interessada, da necessidade de realizar uma segunda avaliação do imóvel, da tomada de posição sobre a forma de satisfazer o passivo da herança, da falta de constituição de mandatário pela cabeça-de-casal e da falta de notificações à cabeça de casal, foram todas suscitadas na impugnação judicial do despacho notarial determinativo da forma à partilha e como tal sobre elas veio a recair a sentença judicial proferida pelo tribunal de comarca que julgou a impugnação totalmente improcedente.
Pouco importa agora saber se as questões podiam ser suscitadas naquela oportunidade.
Independentemente disso, as questões foram suscitadas perante o tribunal, ao qual foi pedido que fiscalizasse a intervenção e as decisões do notário e as revertesse, e o tribunal aceitou a competência para se pronunciar sobre tais questões e acabou por as decidir.
Tendo essa sentença transitado em julgado, a decisão então proferida produziu caso julgado, formal e material, situação que impede qualquer outro tribunal de se pronunciar de novo sobre tais questões e de as decidir novamente, de forma convergente ou divergente do que foi decidido pelo tribunal de comarca na sentença mencionada (artigos 619.º e 620.º do Código Civil).
Por conseguinte, esta Relação não se pronunciará sobre nenhuma das referidas questões agora novamente suscitadas na presente apelação.
A única questão que cabe apreciar reside, pois, em saber se foi omitida a notificação do interessado credor de tornas para reclamar o seu pagamento.
Conforme referido, as deficiências das alegações de recurso não permitem compreender com rigor os aspectos do vício que a recorrente pretende arguir. Se bem interpretamos o que vem dito, sobretudo no corpo das alegações, o que a recorrente pretende suscitar é que nem ela nem a respectiva mandatária foram notificadas para aquela finalidade.
A ser assim, a questão suscitada faz emergir de imediato a necessidade de distinguir entre a arguição de nulidades e o recurso de decisões judiciais.
Como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil – Novo Regime, é necessário “distinguir as nulidades de procedimento das nulidades de julgamento, pois que, nos termos do art. 668.º, n.º 4, quando as nulidades se reportem à sentença e decorram de qualquer dos vícios assinalados nas als. b) a e) do n.º 1, a sua invocação deve ser feita em sede de recurso, só se admitindo o uso da reclamação para o próprio juiz perante decisão irrecorrível, seja qual for a causa da irrecorribilidade. (…) Sem embargo dos casos em que são de conhecimento oficioso, as nulidades devem ser arguidas perante o juiz, de cuja decisão cabe recurso nos termos gerais. A solução deve ser aplicada aos casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que tenha inquinado a sentença, mas que não se reporte a qualquer das alíneas do art. 668.º. (…) em tal situação, não se verifica qualquer erro de julgamento.”
E isto é assim porque as nulidades processuais que não se reconduzam a alguma das nulidades previstas no artigo 668.º, alíneas b) a e), do Código de Processo Civil1, têm de ser arguidas perante o tribunal onde ocorreu a nulidade ou a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade foi cometida, só podendo ser objecto de recurso a ulterior decisão que este tribunal venha a proferir na sequência da reclamação da nulidade. Trata-se da regra que justifica o aforismo corrente de que “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se” - cf. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, 2.º vol., pág. 507 -.
Tal regra encontra-se estabelecida no regime de arguição e conhecimento das nulidades processuais prescrito nos artigos 186.º a 202.º do Código de Processo Civil. Segundo o artigo 196.º, a não ser que devam considerar-se sanadas, o tribunal conhece oficiosamente das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º, mas das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, excepto nos casos especiais em que se encontra prevista a possibilidade de conhecimento oficioso (por exemplo o artigo 566.º).
Por outro lado, nos termos dos artigos 198.º e 199.º, existem limites temporais à arguição das nulidades: as nulidades a que se referem os artigos 186.º e 193.º só podem ser arguidas até à contestação ou neste articulado, considerando-se sanadas se o não forem até esse momento; as nulidades previstas nos artigos 187.º e 194.º podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas; as outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição é de 10 dias a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio no processo ou foi notificada para qualquer termo dele.
Quanto ao momento do conhecimento das nulidades rege o artigo 2006.º que determina que das nulidades previstas no artigo 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e no artigo 194.º o juiz conhece logo que delas se aperceba, podendo suscitá-las em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas; que das nulidades previstas nos artigos 186.º e 193.º, se não o tiver feito antes, o juiz conhece no despacho saneador ou, não havendo despacho saneador, até à sentença final; que das outras nulidades conhece logo que sejam reclamadas.
Por força deste regime, entendendo que foi cometida qualquer nulidade processual antes de ser proferida a sentença, o interessado na sua arguição deve suscitá-la perante o tribunal a fim de este decidir a reclamação apresentada. Perante a decisão e caso não concorde com ela, o interessado poderá então, nos termos gerais (artigo 691.º do Código de Processo Civil) apresentar recurso da decisão que decidiu a reclamação. O que não pode é suprimir a obrigação de arguir a nulidade perante o tribunal onde a nulidade foi cometida e suscitar a sua apreciação e decisão apenas perante o tribunal de recurso.
Isso é assim também por outro motivo. O objecto de um recurso “é constituído por um pedido e um fundamento, sendo que o pedido consistirá normalmente na pretensão de se ver revogada a decisão impugnada, enquanto o fundamento na invocação de um vício no procedimento (error in procedendo) ou no julgamento (error in iudicando)” - neste sentido Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre O Novo Processo Civil”, pág. 453, citado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-10-2006, in www.dgsi.pt -.
O recurso é, com efeito, um meio específico de impugnação de uma decisão judicial, com ele pretende-se obter o reexame das questões submetidas à apreciação do tribunal recorrido e não criar decisões sobre matéria nova que não foi antes submetida ao exame do tribunal recorrido.
As excepções a essa regra são apenas as situações de conhecimento das nulidades da própria sentença recorrida (designadamente a omissão de pronúncia sobre questões que devia conhecer e não conheceu), as questões de conhecimento oficioso, as questões inerentes à mera qualificação jurídica diversa da factualidade alegada e finalmente as questões que resultem da alteração do pedido, por acordo das partes, já em segunda instância - cf. Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra de 24-01-2012, in www.dgsi.pt -. Tudo o mais serão questões novas que ao não terem sido suscitadas junto do tribunal a quo, não cabem no âmbito do poder de apreciação do tribunal ad quem.
Nos presentes autos a recorrente não arguiu (inicialmente) a nulidade processual da falta de notificação para reclamar o pagamento de tornas perante a entidade competente para tramitar o inventário. Quando a arguiu perante o tribunal a quo este já tinha proferido sentença e esgotado o seu poder jurisdicional pelo que não se pronunciou sobre a questão, manifestando, todavia, em despacho, tratar-se de questão a suscitar perante o notário. Depois a recorrente interpôs recurso da sentença proferida pelo tribunal de comarca suscitando nas alegações de recurso a questão da omissão da notificação.
Nos termos do artigo 76.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário aplicável aos autos, da decisão judicial do tribunal de 1.ª instância homologatória da partilha cabe recurso de apelação, no qual podem ser impugnadas em simultâneo as decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário.
Como vimos, para além de dever ter sido previamente arguida perante a entidade competente para tramitar o inventário, o notário, e de só a respectiva decisão poder depois ser objecto de recurso, essa é ainda uma questão nova que está excluída dos poderes de cognição deste tribunal.
Para que este tribunal tivesse poderes de cognição para se pronunciar sobre a apontada nulidade processual teria sido necessário, ao menos, que a interessada tivesse recorrido da decisão da Mma. Juíza a quo proferida sobre o requerimento de arguição dessa nulidade, isto é, da decisão de não tomar conhecimento dessa questão por a ter considerado da competência da entidade que dirigia as diligências do processo de inventário, o notário.
Uma vez que nem isso aconteceu, está totalmente vedado a esta Relação apreciar pela primeira vez e em primeira instância um vício que não pode em circunstância alguma deixar de ser qualificado como uma nulidade processual.
Em conclusão, o recurso improcede totalmente.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso totalmente improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Não há lugar ao pagamento de custas do recurso por a recorrente ter sido dispensada do pagamento de taxa de justiça e a recorrida não ter respondido ao recurso e suportado qualquer taxa de justiça.
*
Porto, 21 de Outubro de 2021.
*
Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 643)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva

[a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]