Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
678/20.9T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: SENTENÇA
CONHECIMENTO SEQUENCIAL DAS EXCEPÇÕES
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRINCÍPIO DA ADESÃO
CRIME DENUNCIADO
Nº do Documento: RP20211118678/20.9T8VCD.P1
Data do Acordão: 11/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O nº 1 do artigo 608º do Código de Processo Civil dispõe a sequência legal que a sentença deve observar no conhecimento das exceções: “(…) o tribunal conhece em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua procedência lógica.”
II - Essa precedência lógica, no que respeita às exceções dilatórias, é a constante da sistematização dos artigos 278º nº 1 e 577º do Código de Processo Civil, iniciando-se o seu conhecimento com a incompetência do tribunal (alínea a) e assim sucessivamente.
III - Se o tribunal, procedendo a esta análise sequencial, conclui pela sua incompetência material fica prejudicado o conhecimento das demais exceções (dilatórias ou perentórias) ou das questões que na ação se colocam, uma vez que a procedência daquela conduz de imediato à absolvição da instância.
IV - Para efeitos de aplicação da alínea c) do nº 1 do artigo 72º do Código de Processo Penal, não importa o crime denunciado. O que releva é o crime imputado aos arguidos e que consta da acusação e do despacho pronuncia, ou, havendo sentença, o crime pelo qual os RR foram condenados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 678.20.9T8VCD.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

B… demandou C… e D…, todos com os sinais dos autos tendo formulado os seguintes pedidos:
a) Considerar verificados todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos dos Réus.
b) Condenar os Réus a pagar solidariamente ao Autor a quantia de € 12.560,00 a título de danos patrimoniais e € 30.000,00 a titulo de danos não patrimoniais.
Fundamenta-se a ação em danos decorrentes de lesões sofridas pelo Autor em resultado de agressões físicas de que foi vitima por parte dos RR, tendo estes sido condenados pela prática das mesmas em processo crime.
Acomodou esta ação cível em separado na alínea d) do artigo 72º do Código de Processo Penal.
Os Réus contestaram, tendo o R. C… invocado a violação, pelo Autor, do artigo 71º do CPP.
O Autor convocou ainda ao disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 72.º do Código de Processo Penal, para sustentar o pedido cível em separado

A SEU TEMPO FOI PROFERIDO DESPACHO SANEADOR QUE JULGOU PROCEDENTE A EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA EM RAZÃO DA MATÉRIA, ABSOLVENDO OS RR DA INSTÂNCIA.

Do despacho recorrido, assenta no essencial, na fundamentação que o Autor, na petição inicial deduziu pedido cível em separado ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º1 do artigo 72.º do CPP, pelo que o Tribunal apenas tem de apreciar a eventual subsunção a esta hipótese concreta. (…) Não se verificando qualquer das hipóteses previstas no artigo 265.º do CPC, não pode o Autor, na resposta à exceção, invocar e sustentar que está em causa qualquer outra alínea do artigo 72.º, n.º 1, do CPP, uma vez que o teria de ter feito na petição inicial.
Na não verificação do pressuposto previsto na aliena d) do nº 1 do artigo 72º porque os danos sofridos eram conhecidos pelo Autor em toda a sua extensão à data do despacho de pronúncia.

APELOU O AUTOR QUE LAVROU (EM SÍNTESE E AO QUE INTERESSA) AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
A – O direito do Autor à indemnização por factos ilícitos, não prescreveu.
(…)
C - O objeto da presente ação consiste no pedido de uma indemnização por via de uma sentença condenatória em processo crime, ou seja, o facto ilícito de que emerge o pedido civil é um crime, logo enquadra-se no n.º 3 do art.º 498.º do CC.
(…)
(…)
L – Os recorridos em sede de contestação invocaram a exceção da prescrição do direito ao reconhecimento à indemnização peticionado pelo recorrente à qual o Recorrente respondeu.
M – O Tribunal “a quo” em sede de prolação da sentença não se pronunciou quanto A exceção da prescrição invocada pelos Recorridos a o Recorrente respondeu.
(…)
O - Tal omissão constitui uma nulidade da sentença prevista no n.º 1, alínea d) do art.º 615.º do Código de Processo Civil, sendo por via disso declarada nula a sentença proferida.
P - Salvo melhor parecer e com o devido respeito que se impõe, o recorrente não aceita a fundamentação da douta sentença em crise quando diz que “(…) Em primeiro lugar cumpre dizer que o Autor, na petição inicial, fundamentou a dedução do pedido cível em separado no disposto na alínea d) do n.º1 do artigo 72.º do CPP, (…)
Q - O Autor/ Recorrente na petição inicial em momento algum faz referência ao art.º 72.º n.º 1, al. d) do CPP, antes pelo contrário, o Autor estriba os seus fundamentos de direito em disposições legais previstas no Código Civil conjugadas com as respetivas disposições do Código Penal.
(…)
S - O Recorrente não podia de forma alguma ter deduzido pedido de indemnização civil no processo penal, atento a que à data desconhecia as lesões permanentes, estéticas, incapacidades permanentes definitivas e funcionais, e estava perante crime semipúblico pelo que pode optar por o fazer em separado com mais segurança e certeza.
T - O Recorrente respondeu a matéria das exceções invocados pelos recorridos na sua contestação e invocou ainda a norma prevista no art.º 72.º n.º1 c) do C.P.P.
U - O processo-crime teve início em 22 de dezembro de 2015 com apresentação da queixa pelo ofendido (…) Os factos de que o Recorrente foi vítima enquadram o crime de ofensas à integridade Física simples p.p no art.º 143.º do Código Penal, tratando-se de um crime de natureza semipúblico.
V - Em sede de inquérito o ofendido, aqui Recorrente, não manifestou a intenção de deduzir pedido de indemnização cível, nem posteriormente em sede de instrução existe qualquer requerimento formulado pelo Autor / Recorrente em que manifeste essa intenção.
X - O recorrente nunca foi notificado do despacho de acusação e de pronúncia para formular o pedido cível.
Y - Posto isto, não se vislumbra por que razão o tribunal “a quo” não decidiu enquadrar o pedido do Recorrente no art.º 72.º n.1, al. c) do C.P.P que prevê as hipóteses em que o pedido pode ser deduzido em separado, perante o Tribunal Civil.
AB – Assim, uma vez que se trata de um crime de ofensas à integridade física simples p.p no art.º 143.º do Código Penal, e por via disso ser um crime de natureza semipúblico, em que o ofendido/Recorrente em sede de inquérito não manifestou a intenção de deduzir pedido de indemnização cível, nem posteriormente em sede de instrução existe qualquer requerimento formulado pelo Autor em que manifeste essa intenção, tendo requerido apenas a sua Constituição de Assistente ao abrigo do disposto nos termos dos art.º 68, n.1, A, art.º 68, n.º 3 e 70.º n.º 1 todos do C.P.P.
Decidindo como decidiu a douta sentença recorrida, violou o disposto no art. no n.º 1, alínea d) do art.º 615.º do Código de Processo Civil; os art.ºs 306, 483.º, n.º1; 562; 566, n.º1; 496, n.º1 e 498.º n.º3 todos do Código Civil e o disposto no art,º 72.º, n.º1 al. c) e d) do Código de Processo Penal.

RESPONDERAM OS RECORRIDOS A SUSTENTAR A IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO

OBJETO DO RECURSO:
O OBJETO DO RECURSO É DELIMITADO PELAS CONCLUSÕES DA ALEGAÇÃO DO RECORRENTE, RESSALVADAS AS MATÉRIAS QUE SEJAM DE CONHECIMENTO OFICIOSO (ARTIGOS 635º, N.º 3, E 639º, N.ºs 1 E 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL).
Em consonância e atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1-Saber se há interesse em agir e como tal legitimidade na invocação da nulidade do saneador sentença por omissão de conhecimento da prescrição (artigo 615 nº 1, alínea do código de processo civil (CPC).
2-Saber se os autos devem prosseguir de acordo com o artigo 72º nº 1, alíneas c) e d) do código de processo penal (CPP).

O MÉRITO DO RECURSO:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I
Nulidade da sentença por omissão (artigo 615 nº 1, alínea d) do código de processo civil:
O não conhecimento da prescrição pelo tribunal recorrido não constitui decisão desfavorável ao Apelante, pelo que, não lhe assiste legitimidade para recorrer nesta parte. (artigo 631º nº 1 do CPC, diploma, a que, doravante, pertencem as normas indicadas sem outra menção).
Sem prejuízo, e por razões meramente académicas, dir-se-á que mesmo que assim não fosse, falece-lhe a razão.
A nulidade por omissão é um dos vícios da sentença. Trata-se de vício relacionado com a disposição do artigo 608º nº 2.
Tem consagração expressa no artigo 615º nº 1, alínea d), cujo regime é também aplicável aos despachos judiciais. (art. 613º nº 3).
Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cujas decisões esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Pode afirmar-se, por isso, que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia, apenas, se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.

O nº 1 do artigo 608º, por seu turno, dispõe a sequência legal que a sentença deve observar no conhecimento das exceções: “sem prejuízo (…) o tribunal conhece em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua procedência lógica.”
Essa precedência lógica no que respeita às exceções dilatórias é conforme a sistematização dos artigos 278º nº 1 e 577º, iniciando-se o seu conhecimento com a incompetência do tribunal (alínea a) e assim sucessivamente.
Ora, se o tribunal, procedendo a esta análise sequencial, conclui pela sua incompetência material fica, desde logo, prejudicado o conhecimento das demais exceções (dilatórias ou perentórias) ou das questões que na ação se colocam, uma vez que a procedência daquela conduz de imediato à absolvição da instância.
No caso dos autos, tendo sido declarada a incompetência absoluta do tribunal, o conhecimento de todas as demais questões ficou prejudicado, pois.
Não tinha, por isso, de se conhecer da prescrição.
Não se verifica, por consequência, a suscitada nulidade da sentença.

II
(In)competência material do tribunal - violação do principio da adesão obrigatória do pedido cível em processo penal:
No tocante à exceção ao principio da adesão obrigatória em processo penal consagrada na alínea c) do nº 1 do artigo 72º do Código de Processo Penal e bem assim, ao facto de não estar o tribunal recorrido impedido de conhecer deste fundamento, vejamos:
O tribunal recorrido acolheu o entendimento que a competência material do tribunal é aferida perante a estrutura imprimida pelo autor à sua petição tendo concretamente em consideração a causa de pedir conjugada com o pedido que, assente nesses factos articulados, é formulado contra o réu.
Sufragamos, sem reservas, este entendimento.

Não vinculação do tribunal ao direito alegado pelo autor:
Sucede que, o tribunal não está vinculado à qualificação ou alegação jurídica das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – artº 5º, nº 3.
Daqui decorre, que o tribunal fica habilitado e com o dever de decidir quaisquer questões de direito, nomeadamente, a aplicabilidade de uma ou mais alíneas do artigo 72º do CPP, desde que a materialidade necessária ao seu conhecimento conste da petição inicial.
Isto posto,
O apelante vem sustentar que alínea c) do nº 1 do artigo 72º do CPP se aplica ao caso por se tratar de crime de ofensas corporais p. e p pelo artigo 143º do Código Penal, pelo qual foi feita a denúncia.
Porém, não é o crime denunciado que está em causa. Para estes efeitos releva o crime que consta do despacho pronúncia (resulta dos autos que o inquérito foi arquivado quanto às ofensas praticadas no Autor pelos arguidos e que estes vieram a ser pronunciados. No caso concreto terá de considerar-se, mesmo, o crime pelo qual os RR foram condenados uma vez que esta ação é posterior à sentença condenatória.

Consta do artigo 25º da petição inicial que a «conduta dos arguidos constitui à luz do nosso ordenamento jurídico crime, p. e p., pelos artigos 143º n.º 1 e 145º n.º 1, alínea a) e 2º (por via do art. 132º nºs. 1 e 2 h), todos do Código Penal, tendo corrido termos o processo crime sob n.º 630/15.6PAVCD, no Juízo Local Crime de Vila do Conde –J1, no qual, os RR foram condenados por sentença transitada em julgado em 27 de Março de 2019».
Da certidão da sentença resulta que os ora RR foram ali condenados pela prática na pessoa do Autor de um crime p. e p. pelos artigos 143º n.º 1 e 145º n.º 1, alínea a) e 2º (por via do art. 132º n.ºs 1 e 2 h) todos do Código Penal.
Portanto, o tribunal tinha elementos factuais para conhecer do requerido uma vez que não estava limitado pela alegação do direito constante da petição.
No entanto, e contrariamente ao que vem sustentado no recurso, não está, aqui, em causa um crime de ofensas corporais simples, p. e p. pelo artigo 143º do Código Penal, o qual depende efetivamente de queixa.
Os arguidos foram pronunciados, pela prática de um crime p. e p. pelos artigos 143º n.º 1 e 145º n.º 1, alínea a) e 2º (por via do art. 132º ns. 1 e 2, h) todos do Código Penal, na sequência da abertura de instrução, requerida, pelo ora Apelante, em face do despacho de arquivamento do inquérito pelos factos imputados aos ali arguidos/ ora RR/Apelados.
Este tipo de crime é de natureza publica (artigo 145º do Código Penal).
Tanto basta para afastar a aplicabilidade da alínea c) do artigo 72º do Código Penal, reclamada pelo Apelante.

III.
Da (in)aplicabilidade da alínea d) do artigo 72º do CPP
No que diz respeito ao fundamento da alínea d) do artigo 72º do CPP, sufragamos inteiramente a decisão recorrida.
O que resulta do teor da petição inicial é que à data de 18.01.2016 as lesões sofridas pelo Autor já estavam consolidadas.
O despacho de pronúncia é de 1.10.2018, conforme certidão junta, pelo que, já era conhecida, pelo Autor, a extensão das lesões sofridas, nesta data, o que afasta a aplicabilidade, ao caso, da alínea d) do artigo 72º nº 2 do CPP.
Com efeito e como ficou acentuado no Acórdão do STJ revista 199/17.7T8TCS.S1 de 22.22.2018 in www.dgsi.pt, convocado, na decisão recorrida “O direito adjetivo civil permite a dedução de pedidos genéricos quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, sendo o pedido, nestes casos, concretizado através de incidente de liquidação (…) Reconhecendo-se que o lesado, ao tempo da acusação, conhecia os danos sofridos, em toda a sua dimensão, conquanto não soubesse o seu valor exato, tal situação não é subsumível à exceção do princípio de adesão, importando, isso, sim, o respetivo exercício, de modo obrigatório, submetendo o direito ao ressarcimento por factos qualificados como ilícito criminal, ao regime processual penal. (…) Não se pode confundir a eventual persistência dos danos ao longo do tempo e o seu agravamento com o desconhecimento dos danos ou da sua extensão, estas sim, razões que sustentam a exceção à regra da adesão obrigatória”.
Em tal caso, como dispõe o artigo 75º nº 2 e 3 do CPP, caberia ao “lesado deve formular o pedido cível no prazo de 20 dias seguintes à notificação do despacho de acusação ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar (nº2);
Não assiste, pelo exposto, razão ao recorrente.
SEGUE DELIBERAÇÃO:
IMPROCEDE A APELAÇÃO. CONFIRMA-SE A DECISÃO RECORRIDA.
Custas pelo Apelante.

Porto, 18 de novembro de 2021
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
Carlos Portela