Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
318/05.6TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: INÊS MOURA
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
DENÚNCIA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA
Nº do Documento: RP20170420318/05.6TVPRT.P1
Data do Acordão: 04/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 93, FLS.159-175)
Área Temática: .
Sumário: I - De acordo com o disposto no art.º 28.º n.º 1 do Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho a denúncia do contrato de agência é permitida, tratando-se de um contrato celebrado por tempo indeterminado, mas deve ser comunicada por escrito ao outro contratante, com a antecedência aí prevista, que varia consoante a duração da relação contratual das partes.
II - Havendo uma declaração unilateral de cessação do contrato que não observa a forma escrita, de acordo com o disposto no art.º 220.º do C.Civil a declaração negocial é nula, tudo se passando por isso como se não tivesse tido lugar.
III - Para que possa ser determinada a inversão do ónus da prova nos termos do art.º 344.º n.º 2 do C.Civil, torna-se necessária a verificação cumulativa de dois requisitos: o primeiro exige que a prova de um determinado facto se tenha tornado impossível, por acção ou omissão da parte a quem não compete fazer a sua prova; o segundo impõe a existência de um comportamento culposo da mesma.
IV - A indemnização de clientela não é uma indemnização no sentido próprio e estrito do termo, já que não visa a reparação de danos sofridos, antes visa a atribuição de uma compensação ao agente baseada no princípio de que o principal continua a beneficiar da clientela por si angariada, vendendo os seus produtos aos clientes já depois da cessação do contrato de agência, obtendo ganhos que advêm da anterior actividade do agente, sendo o seu valor determinado equitativamente e não de acordo com os critérios previstos no art.º 562.º ss. do C.Civil para a obrigação de indemnizar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 318/05.6TVPRT.P1
Apelação 1ª

Relator: Inês Moura
1º Adjunto: Paulo Dias da Silva
2º Adjunto: Teles de Menezes
Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do C.P.C.)
1. De acordo com o disposto no art.º 28.º n.º 1 do Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho a denúncia do contrato de agência é permitida, tratando-se de um contrato celebrado por tempo indeterminado, mas deve ser comunicada por escrito ao outro contratante, com a antecedência aí prevista, que varia consoante a duração da relação contratual das partes.
2. Havendo uma declaração unilateral de cessação do contrato que não observa a forma escrita, de acordo com o disposto no art.º 220.º do C.Civil a declaração negocial é nula, tudo se passando por isso como se não tivesse tido lugar.
3. Para que possa ser determinada a inversão do ónus da prova nos termos do art.º 344.º n.º 2 do C.Civil, torna-se necessária a verificação cumulativa de dois requisitos: o primeiro exige que a prova de um determinado facto se tenha tornado impossível, por acção ou omissão da parte a quem não compete fazer a sua prova; o segundo impõe a existência de um comportamento culposo da mesma.
4. A indemnização de clientela não é uma indemnização no sentido próprio e estrito do termo, já que não visa a reparação de danos sofridos, antes visa a atribuição de uma compensação ao agente baseada no princípio de que o principal continua a beneficiar da clientela por si angariada, vendendo os seus produtos aos clientes já depois da cessação do contrato de agência, obtendo ganhos que advêm da anterior actividade do agente, sendo o seu valor determinado equitativamente e não de acordo com os critérios previstos no art.º 562.º ss. do C.Civil para a obrigação de indemnizar.
Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
B…, Ldª veio propor contra a R. C…, SRL. a presente acção declarativa de condenação com a forma de processo ordinário, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de €77.788,75.
Alega, em síntese, que celebrou com a R. um contrato de agência, destinando à angariação e clientela no mercado nacional e promoção e venda de aços, mediante o pagamento de uma retribuição de 3% do produto das vendas; o contrato foi reafirmado em 1993 e sem justificação a R. pôs termo ao contrato em 03-02-2003, apropriando-se da clientela angariada pela A. Considera-se a A. credora de indemnização pela denuncia indevida do contrato no valor de €11.134,99, pela clientela no valor de €19.552,76 e pelo pagamento de comissões em falta, no montante de €47.101,00.
Devidamente citada a R. veio contestar. Começa por invocar a excepção da incompetência internacional do tribunal e a caducidade do direito à indemnização, alegando ainda que desde 2001 que a A. nada angariou para a R., nem intermediou qualquer venda. Impugna os factos alegados e pede a improcedência da acção.
A A. vem responder pedindo a improcedência das excepções invocadas e concluindo como na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção da incompetência do tribunal e relegou para final o conhecimento das restantes excepções, por dependerem de prova a produzir.
Foram fixados os factos assentes e organizada a base instrutória que veio a sofrer reclamação da R. que foi desatendida.
Já em audiência de julgamento foi determinada a notificação da A. para juntar aos autos todas as facturas de vendas de produtos da R. feitas nos 5 anos anteriores a Fevereiro de 2003, bem como toda a facturação que tenha feito de comissões à R. durante o mesmo período.
Em resposta, vem a A. a 18/04/2007 juntar aos autos 50 documentos e requerer a notificação da R. para juntar aos autos os originais ou fotocópias devidamente autenticadas, de todas as facturas de vendas dos seus produtos em Portugal no período de cinco anos anteriores a Fevereiro de 2003. Mais refere: “A Autora não facturava as comissões que recebia da Ré. Recebia essas comissões por transferências bancárias ou cheques enviados pela Ré que esta calculava e enviava à Autora quando recebia o preço dos produtos que vendia aos seus clientes. Por isso não pode cumprir com essa notificação, pois não possui facturação das comissões pelo que, pede a Vsª Exª dispensa de o fazer.”
Por despacho de fls. 506 foi indeferido o meio de prova requerido pela A., no sentido da R. ser notificada para juntar aos autos a documentação requerida.
Não se conformando com o decidido a A. veio interpor recurso de tal decisão, na sequência do que foi proferido acórdão por este tribunal que anulou o despacho de fls. 506 de 7 de Maio de 2007 bem como o processado ulterior, incluindo a sentença entretanto proferida, tendo sido determinado o prosseguimento dos autos com a junção dos elementos probatórios requeridos pela A.
Na sequência do assim decidido e ordenado, veio a R. dizer a fls. 767 que a partir de 31/12/2001 deixou de vender directamente os seus produtos em Portugal pelo que após tal data lhe não é possível juntar os documentos ordenados, solicitando prazo para juntar as facturas das vendas realizada no período de 1998 a 31 de Dezembro de 2001 e verificar se o pode fazer, uma vez que podem ter sido destruídos alguns, já que de acordo com a lei Italiana não está obrigada a manter documentos com mais de 10 anos.
A 26/10/2009 vem a C1…, após notificação do tribunal, juntar aos autos documentos que refere serem comprovativos dos seus negócios em Portugal até Fevereiro de 2003, intermediados e debitados pela A. Mais informa que as comissões que a A. lhe facturou foram pagas por si, conforme os documentos bancários que identifica.
A fls. 830 ss. vem a R. juntar aos autos a documentação existente nos seus arquivos referente às vendas em Portugal (facturas, notas de comissões da B…, Ldª e documentos comprovativos dos pagamentos das comissões) dos anos de 1999, 2000 e 2001. Mais refere que não é possível juntar as facturas de vendas dos anos de 1998, que já foram destruídos e que a partir de 31/12/2001 deixou de vender os seus produtos em Portugal.
Sobre estes documentos constantes de fls. 832 a 907 vem a A. pronunciar-se, nos termos de fls. 913 ss., dizendo em síntese, que os mesmos são insuficientes e requer a inversão do ónus da prova por considerar que a R. agiu com culpa ao destruir documentos relativos à relação comercial entre as partes que se discute nesta acção, violando o princípio da cooperação, requerendo por fim um exame à contabilidade da R.
A 20/05/2010 foi proferido despacho a indeferir o pedido de exame pericial à contabilidade da R., que veio a ser objecto de recurso de agravo por parte da A., tendo o tribunal procedido à reparação do agravo.
Após outras vicissitudes processuais, por despacho de 10/02/2012 foi ordenada a realização de perícia à contabilidade da R. com vista ao apuramento das vendas por ela feitas em Portugal nos 5 anos anteriores a Fevereiro de 2003 e facturação que tenha feito de comissões à R. no mesmo período de modo a permitir a resposta ao art.º 13.º da base instrutória.
Foi solicitado a diligência probatória ao abrigo do Regulamento (CE) 1206/2001 de 28 de Maio de 2001.
O exame determinado resultou inconclusivo por o perito nomeado ter informado que a R. já não tem em arquivo a documentação da contabilidade relativa aos anos de 1998 a 2003 já não existe (fls. 1331 ss).
Por despacho de fls. 1364 de 14 de Junho de 2015, foi entendido que “a R. actuou de forma culposa, tornando impossível à A. a prova que a esta incumbia por referência ao art.º 13.º da base instrutória, a implicar a inversão do ónus da prova, nos termos do art.º 344.º n.º 2 do CC e 519.º n.º 2 do C.P.C. (hoje art.º 417.º n.º 2do NCPC).
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
Em audiência de julgamento vem a A. proceder à ampliação do pedido, de forma a abranger os juros de mora vencidos e vincendos à taxa de juro comercial, até integral pagamento, o que foi admitido no entendimento de se tratar de um desenvolvimento do pedido inicial.
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de €47.101,00 a título de comissões, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, acrescido de €10.000,00 a título de indemnização de clientela, absolvendo a R. do demais pedido.
É com esta decisão que a R. não se conforma e dela vem interpor recurso, concluindo pela revogação da sentença proferida e sua absolvição do pedido, recorrendo também da decisão intercalar proferida a 14/06/2015 a fls. 1364, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
I – Caducidade do direito de reclamar a indemnização de clientela e do direito de acionar dai derivados.
I.1 – A indemnização de clientela regula-se agora pelo Art.º 33 do Dec.Lei nº118/93 que alterou o anterior Decreto Nº178/96.
I.2 – O Número 4 desse Art.º 33 considera que se extingue o direito a tal indemnização se o agente não a reclamar no prazo de 1 ano da data da cessação do contrato: - e não proponha a acção no prazo de um ano após essa comunicação.
I.3 – A presente acção entrou em Juízo no dia 24 de Janeiro de 2005.
I.4 – A carta a pedir a indemnização de clientela é datada de 26 de Janeiro de 2004.
I.5 – A douta sentença recorrida considera que:
- Tal cessação do contrato ocorreu em data não posterior a Abril de 2002. Ponto 9 da matéria dada como provada.
- A carta a pedir a indemnização de clientela é datada de 26 de Janeiro de 2004. Especificação – alínea A).
- Que o prazo de 5 anos para o cálculo da indemnização de clientela se conta do doc. de fls.17 datado este de 3 de Fevereiro de 2003.
I.6 – Se o contrato, como diz a sentença, terminou em data não posterior a Abril de 2002, quando foi enviada à A. a carta datada de 26 de Janeiro de 2004 já tinha caducado o respectivo direito por ser ultrapassado o prazo de 1 ano previsto na disposição legal referida em I.1.
I.7 – E também já tinha caducado o direito de propor a acção, que só ocorreu em 2005 (Janeiro).
I.8 – O direito a pedir a indemnização de clientela já estava extinto na data do pedido feito em 26 de Janeiro de 2004 (doc. de fls.19), assim como o direito de accionar também o estava.
I.9 – A douta sentença ao declarar não verificado tal caducidade (a reclamar a indemnização e a de propor a acção) interpretou erradamente os factos e ao A. a indemnização de clientela violou a disposição legal atrás citado (n.º4 do artigo 33º do DL 178/96)
I.10 – Daí resultando a procedência das excepções da caducidade invocadas, pelo que a A. deva ser absolvida do pedido feito a tal indemnização.
I.11 - Errada é também a decisão de considerar que o prazo de 5 anos para cálculo de indemnização de clientela se deve calcular da data do doc. de fls.17 porque esse documento nem sequer foi emitido pela Ré, como aliás a própria sentença reconhece na sua página 23 contrariando nessa parte o alegado pela A. na P.I. (Arts.15. e 16 da P.I.).
II – O contrato verbal da agência entre a A. e a Ré seu inicio e seu fim.
II.1 – Tendo em consideração o que conta a alínea A) da especificação e do ponto 6 dos factos provados resulta que o contrato de agência A./Ré foi verbal, iniciado antes de 1993 em data não apurada, tendo sido enviada a A. pela Ré em 7 de Julho de 1993 um contrato escrito que a Ré se recusou a assinar.
II.3 – A douta sentença é contraditória quanto à data da cessação desse contrato entre a A. e a Ré:
- Diz-se no ponto 9 da matéria provada considera que o contrato cessou em data não posterior a Abril de 2002.
- Mas considera também no Ponto 11 que pelo doc. de fls.17 que é datado de 3 de Fevereiro de 2003 que o prazo de 5 anos se conta a partir dai os 5 anos para cálculo de indemnização de clientela, data do doc. de fls.17.
II.4 – O documento de Fls.17 não foi emitido pela A. mas sim pela Sociedade Espanhola C1… para quem a A. passou a angariar clientela a partir de 1 de Janeiro de 2002, e com a qual teve um contrato de agencia para a venda de produtos de aço em Portugal.
II.5 – A A. cessou a venda dos seus produtos em Portugal em 31 de Dezembro de 2001 e a partir do dia 1 de Janeiro de 2002 a A. voluntariamente passou a angariar clientes para a Sociedade Espanhola C1… para esses produtos.
II.6 – A A. não facturou qualquer comissão à Ré a partir de 31 de Dezembro de 2001.
II.7 – Pelo contrário passou a A. a partir de 2002 a debitar comissões à referida Sociedade Espanhola.
II.8 – A C1… é uma sociedade de direito espanhol, constituída em 15 de Dezembro de 1998 com personalidade jurídica e administração própria (vide documento de fls.33 a 47 dos autos junto com a Contestação).
II.9 – O doutro Tribunal interpretou erradamente os factos e deu como provadas datas divergentes quanto à data da cessação do contrato A./Ré, o que constituiu a nulidade presente na alínea C) do Nº1 do Art.615 do CPC que aqui expressamente se argui.
III – Prova por documentos provenientes da contabilidade da Ré e da sociedade espanhola C1….
III.1 – A A. nega ter tido qualquer contrato de agência com a sociedade espanhola C1… (vide depoimento do seu gerente identificado no ponto 5 destas alegações).
III.2 – Os documentos trazidos aos autos pela C1… a Fls. 790 e seguintes, demonstram que a A. efectivamente angariou em Portugal clientes para os produtos de aço que a mesma vendia e debitou comissões à C1… a partir de 1 de Janeiro de 2002. O mesmo fez a Ré em relação aos anos de 1999, 2000 e 2001 a fls….dos autos.
III.3 – Tendo o contrato de agência entre a A. e a C1… terminado por comunicação escrita de Fls.17 em 3 de Fevereiro de 2003.
III.4 – Ao interpretar erradamente os factos e ao confundir e misturar indevidamente o contrato de agência entre a A. e a Ré, e o contrato de agência entre a A. e a C1… foi cometido a nulidade da alínea C) do n.º 1 do Art.º 615.º do C.P.C.
IV – A questão da inversão do ónus de prova, despacho de Fls.1364 a 1365 dos autos de 14 de Junho de 2015.
IV.1 – Na data deste despacho de Junho de 2015, já estava em vigor o actual Código de Processo Civil pelo que não podia ser feita a inversão ónus de prova em relação ao Art.º 13 do questionário, peça processual que deixou de existir na actual versão do C.P.C. a partir da data da sua entrada em vigor.
IV.2 – Exactamente por isso o Mº Juiz na douta sentença não utiliza o questionário elaborado pelo seu antecessor no processo para definir os factos provados.
IV.3 – O Mº Juiz deixou de lado o questionário anterior, alinhando os factos provados na douta sentença sem qualquer outra referência ao “falecido” questionário.
IV.4 – A inversão do ónus de prova em relação a um facto constante desse questionário, torna ininteligível a decisão, o que constitui a nulidade nos termos da 2ª parte da alínea C) do nº1 do Art.º 615.º do C.P.C. sem prescindir.
IV.5 – A A. é uma sociedade comercial portuguesa que tem por isso contabilidade organizada a qual por isso deve conter prova documental de todos os débitos a terceiros pelos serviços prestados e todos os recebimentos daí resultantes.
IV.6 – A A. não apresentou qualquer documento comprovativo das vendas feitas à Ré, alegando não os ter.
IV.7 – Os documentos juntos pela Ré a fls. 830 e seguintes e os documentos juntos pela C1…. a fls.790 e seguintes mostram que a A. tinha perfeito conhecimento das vendas efectuadas quer pela Ré, quer pela C1…. em relação aos clientes portugueses que a A. lhes angariou nos períodos de tempo em causa para os 2 sucessivos contratos de agencia.
IV.8 – A A. propositadamente não juntou os documentos constitutivos do seu direito como resulta imperativamente do disposto no Art.º 342.º do Código Civil.
IV.9 – Pelo contrário a A. sempre colaborou com o Tribunal e trouxe aos autos a documentação em seu poder, quando foi notificada para esse efeito em 22 de Maio de 2009.
IV.10 – A conservação dos documentos contabilísticos em Itália é obrigatória apenas durante 10 anos (vide parecer junto aos autos em 17.02.2016) e por isso a Ré não era obrigada a conservá-los por período superior, não lhe podendo ser atribuída qualquer culpa por respeitar a sua lei nacional.
IV.11 – A inversão do ónus de prova feita pelo Tribunal em 2015 representa um claro erro de interpretação da lei e um procedimento ilegítimo do douto julgador, em beneficio da A.
IV.12 – O douto despacho de 14 de Junho de 2005 é um despacho interlocutório à data sem recurso autónomo e que foi proferido contra as regras do ónus de prova imposto pelo Art.342 do Código Civil quanto aos factos constitutivos dos direitos da A.
IV.13 – A A. não apresentou qualquer prova desses factos constitutivos do seu direito, mentindo até quanto à não existência da sua contabilidade dos documentos de suporte dos débitos de comissões e recebimento dos mesmos que efectivamente emitiu e que efectivamente recebeu.
IV.14 – A Ré não procedeu culposamente, quando notificada para o efeito, os documentos ainda existentes na sua contabilidade vários anos após o início da acção em 2005.
IV.15 – O douto despacho de fls.1364/1365 de 14 de Junho de 2015 que ordenou a inversão do ónus de prova e a sua reconfirmação pela douta sentença agora proferida, interpretaram erradamente os factos e aplicaram erradamente ao caso o disposto no Art.º 344.º do Código Civil e violaram o disposto no Art.º 342.º do mesmo Código sem prescindir.
V – Reapreciação de prova (Art.662 do CPC) – Em face do anteriormente alegado nos pontos I a IV destas alegações pretende a A. solicitar a V. Exa. a reapreciação de prova. Assim:
V.1 – Ponto 9 – Diz a douta sentença que a cessação do contrato de agencia tem de ser feita por escrito sob pena de nulidade (Art.º 220.º do C.C.).
V.2 – Neste ponto 9 dá-se como provado que a cessação do contrato foi verbal, feita em momento não posterior a Abril de 2002.
V.3 – Não foi produzida prova (diz a sentença) quanto à data da cessação do contrato de agência entre a A. e a Ré (o Tribunal fala em data não determinada para essa cessação) mas simultaneamente reporta que tal aconteceu em data não posterior a Abril de 2002.
V.4 – Apurou-se pela prova testemunhal e depoimento da parte do gerente da A. que em Abril de 2002 houve um encontro numa feira em Dusseldorf, na presença do director comercial e do gerente da C1… da Ré em que o gerente da A. tentou reatar o contrato de agencia com a Ré que terminara em 31 de Dezembro de 2001 tendo sido informado por esse director comercial que o contrato como a A. dizia tinha terminado no final de 2001.
V.5 – Nenhum documento escrito resultou dessa reunião que foi uma mera conversa entre os participantes.
V.6 – Assim sendo deverá a matéria do referido Art.º 9.º ser dada como não provada e retirada dos factos provados na sentença.
V.7 – Em sua substituição pretende-se que seja dado como provado que a Ré deixou de vender os seus produtos em Portugal a partir de 31 de Dezembro de 2001 e que a partir de 1 de Janeiro de 2002 a A. passou a angariar clientela em Portugal para a C1….
V.8 – A A. não alegou nem fez qualquer prova de existência de qualquer contrato de Distribuição entre a Ré e a C1… nem foi junto aos autos prova desse contrato.
V.9 – A C1… teve um contrato de agência verbal com a A. desde 1 de Janeiro de 2002 até Fevereiro de 2003, para venda de produtos em Portugal e durante esse período a A. debitou e recebeu as respectivas comissões.
V.10 – A A. não alegou ou provou qual o conteúdo do eventual contrato de distribuição entre C1… e a Ré, sendo certo que essa alegação era obrigatória na redação do C.P.C. então vigente.
V.11 – Contrariamente ao que se diz no ponto 10 da matéria assente quem beneficiou da actividade da A. pela venda em Portugal em 2002 e 2003 foi a C1… que por isso pagou as respectivas comissões.
V.12 – Solicita-se que a V. Exa. que a matéria do ponto 10 seja dado como não provada.
V.13 – Quanto à matéria do número 11 dos factos provados não é verdade, nem ficou provado que a Ré a partir de 03 Fevereiro de 2003, data do documento de Fls.17 tenha ficado privada de qualquer clientela que tivesse angariado para a Ré.
V.14 – Porque se recusou a assinar o contrato escrito que lhe foi proposto pela C1…, ficou sim sem poder angariar clientes para a C1….
V.15 – Contrariamente ao que se diz na matéria deste ponto 11. Quando cessou o contrato com a Ré, a A. não ficou privada de qualquer clientela que lhe tivesse angariado.
V.16 – A A. aceitou que tal clientela passasse para a C1…. em 31.12. 2001 e logo no dia 1 de Janeiro de 2002 passou a angariar encomendas em Portugal para a C1… dos produtos anteriormente vendidos pela Ré, debitando-lhe as comissões dessa actividade que dela recebeu.
V.17 – Em relação a este ponto 11. deve apenas dar-se como provado que a A. aceitou que a clientela que angariou para a Ré passasse para a C1…, passando a fazer-lhe encomenda e recebendo as respectivas comissões.
V.18 – Quanto ao Ponto12 da matéria dada como provada, a A. no Art.15 da P.I. diz que a Ré rescindiu o contrato de agência em 3 de Fevereiro de 2003 (o que não é verdade pois o Doc. de Fls.17 não foi emitido pela A.).
V.19 – Mais alega (Arts. 25.º e 26.º da P.I.) que nos 5 anos anteriores a 3 de Fevereiro de 2003 recebeu um total de comissões de €97.763,80 tendo ficado por pagar €47.101.
V.20 – Acontece que neste ponto n.º 12 dá-se apenas como provado o que já contava da alínea D) dos factos assentes, ou seja, que a A. recebeu comissões no valor de €50.662,80 sem qualquer indicação a que período a que esse valor se reportava.
V.21 – Já se referiu e aqui se repete que a 3 de Fevereiro de 2003 não foi a data da cessação do contrato entre a A. e a Ré mas sim o da cessação do contrato com a C1….
V.22 – O ponto 12 é uma mera repetição do que está no n.º4 da matéria assente e como tal deve ser eliminada.
VI – As incongruências e ilegalidades da douta sentença e a sua necessária revogação.
VI.1 – A douta sentença nunca poderia (como fez) ter condenado a Ré. no pagamento à A. da quantia de €47.101.00, porque nada se provou quanto a este facto.
VI.2 – Tal facto é constitutivo do direito da A. (Art.º 342.º do C.P.C.) e por ela deveria ter sido provado- e não foi - nada justificando a inversão do ónus de prova.
VI.3 – Não se provou também quais os valores das comissões nos últimos 5 anos anteriores ao documento de Fls.17 nem para o respectivo cálculo das comissões pode partir-se da data desse doc. de fls.17 (que não foi emitido pela Ré).
VI.4 – Provou-se que a A. e a Ré terminaram por acordo o contrato de agência em 31 de Dezembro de 2001 quando a A. deixou de comercializar os seus produtos em Portugal.
VI.5 – Prova desse acordo é o facto da Ré, a partir de 1 de Janeiro de 2002, ter passado a ser voluntariamente e concretamente agente da sociedade C1…, tendo-lhe debitado as comissões por esses serviços e recebido dele o respectivo pagamento.
VI.6 – Não é devido a indemnização de clientela (por ter caducado tal direito quer de reclamação quer de propositura da Acção) e nada justifica que tenha sido fixado em €10.000,00 o valor dessa indemnização.
A A. veio responder ao recurso interposto, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608 n.º 2 in fine:
- da impugnação da matéria de facto;
- da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al c) do C.P.C.
- da caducidade do direito à indemnização de clientela;
- da inversão do ónus da prova;
- da indevida condenação da R. no pagamento de comissões e do valor atribuído a título de indemnização de clientela.
III. Fundamentos de Facto
- da impugnação da matéria de facto
Vem a Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, indicando a sua discordância quanto aos factos tido como provados nos pontos 9, 10, 11 e 12 da decisão de facto.
Por terem sido por ela observados os requisitos previstos no art.º 640.º n.º 1 e n.º 2 al. a) do C.P.C. quanto à impugnação da decisão de facto, procede-se à sua apreciação.
Quanto ao ponto 9) da decisão de facto, o mesmo tem a seguinte redacção:
9) Verbalmente a ré comunicou à A. a cessação do contrato referido em 1) em data não apurada mas não posterior a abril de 2002 [resposta ao item 8º da base instrutória].
Pretende a R. que tal matéria de facto seja considerada não provada e que em substituição se considere provado que: “A Autora e a Ré terminaram o contrato verbal de agência por acordo 31/12/2001 pelo facto da Ré ter deixado de vender os seus produtos em Portugal.”
Em primeiro lugar importa referir que a decisão da matéria de facto tem por objecto os factos alegados pelas partes nos seus articulados, sendo certo que a R. na sua contestação nunca veio invocar qualquer cessação do contrato de agência por acordo das partes, antes aí referindo que o contrato se extinguiu por ter deixado de comercializar os seus produtos em Portugal, dizendo que “o referido contrato acabou naturalmente quando a A. deixou de mediar vendas para a R.” (art.º 42.º da contestação).
Invoca a Recorrente como meios de prova susceptíveis de fundamentar a alteração pedida, os documentos juntos a fls. 790 ss., o depoimento de parte do gerente da A. e o depoimento da testemunha D…, nos excertos da gravação que indica.
Os documentos juntos aos autos a fls. 790 a 806 são documentos juntos pela Sociedade C1… e representam uma conta corrente, cópias de facturas e de documentos bancários que demonstram a actividade mantida entre a A. e esta sociedade, revelando o pagamento de comissões feitas à A. no ano de 2002.
Já os depoimentos invocados também não mostram a existência de qualquer acordo entre a A. e a R. com vista a pôr fim ao contrato de agência que entre elas vigorava.
Senão vejamos.
O depoimento de parte visa a prova por confissão, pretendo obter da parte ou de quem a representa o reconhecimento de factos que lhe são desfavoráveis. As declarações da parte que não representam o reconhecimento de factos que lhe são desfavoráveis, têm de ser valoradas com toda a cautela, não podendo olvidar-se que as partes estão directamente interessadas no desfecho da acção e que, por isso, não raras vezes prestam declarações de forma não isenta e comprometida com a sua posição no processo. Na medida em que incidem muitas vezes sobre factos controvertidos que lhe são favoráveis, as declarações da parte não podem ser consideradas como suficientes para determinar a verificação desses mesmos factos, a menos que a sua conjugação com outros elementos de prova permita conclui-lo.
Na situação em presença, o depoimento do legal representante da A. tem escasso valor probatório, sendo patente o seu comprometimento com a posição que a A. assume nos autos e que se revela em diversas situações contrariada pela evidência que resulta de outros meios de prova mais fiáveis.
No excerto do depoimento do legal representante da A. invocado pela Recorrente, verifica-se que o mesmo nega a existência de um contrato com a empresa espanhola C1…, referindo que entendeu que era a R. que estava a pôr fim ao contrato de agência com o envio do documento junto aos autos a fls. 17.
Este documento junto a fls. 17 é enviado não pela R. mas pela sociedade C1…, S.A., dele constando “a R. que deverá cessar a partir de tal data qualquer tipo de actividade que realize em nome da C1… SL” revelando também os documentos de fls. 790 a 806, conforme já se referiu, o relacionamento comercial estabelecido entre a A. e esta empresa, desta forma contrariando as declarações prestadas pelo legal representante da A.
Com interesse para esta matéria, referiu ainda o legal representante da A. que numa feira em Março/Abril falou com a R. para “rever o que é que se passava” e que esta lhe disse que tinham entregue a Espanha a representação dos clientes com Portugal, considerando o contrato findo com a A.
Já o depoimento da testemunha D…, no excerto indicado pela Recorrente, foi no sentido de ter acordado com a A. que esta passasse a trabalhar para a C1…, o que aconteceu, mas refere que A. nunca quis assinar o contrato. Também esta testemunha refere a existência de uma reunião em Dusseldorf em que esteve presente com o legal representante da A. e com o Sr. E…, que enquanto Director Comercial da R. disse àquele que o contrato com a R. tinha cessado e que se a testemunha aceitasse podia ser representante da C2…. Reitera que a A. queria trabalhar para a C1… mas sem contrato, que nunca quis assinar e que foi isso que esteve na origem de ter posto fim ao mesmo, porque não queria problemas com as Finanças em Espanha.
Da conjugação de todos estes elementos de prova já se vê que não é possível concluir pela existência de qualquer acordo das partes, enquanto encontro de vontades manifestado livremente, entre a A. e a R. no sentido de pôr fim ao contrato a partir de 31/12/2002, antes os mesmos permitem dizer, como consta do facto considerado provado, que a R. comunicou verbalmente à A. a cessação do contrato, em data não apurada mas não posterior a Abril de 2002, data aproximada em terá tido lugar a reunião aludida nos depoimentos.
Não se justifica por isso a alteração do ponto 9 da decisão de facto.
Quanto aos pontos 10 e 11 da decisão de facto, os mesmos têm a seguinte redacção:
10) Tendo continuado a beneficiar da clientela angariada pela autora através da atividade do seu distribuidor “C1…”, incluindo nos termos referidos em 11) [resposta aos itens 9º e 11º da base instrutória].
11) Após fevereiro de 2003 a autora ficou privada da clientela por si angariada na sequência do referido em 9) e do mail enviado por “C1…” de fls. 17, através da qual passara a angariar clientes e promover a venda dos mesmos produtos à mesma clientela no período de janeiro de 2002 a fevereiro de 2003. Não tendo a A. representação de qualquer outra empresa que fornecesse/forneça os mesmos produtos da ré [resposta ao item 12º da base instrutória].
Pretende a Recorrente que o facto enunciado no ponto 10 seja tido como não provado e que se altere a redacção do ponto 11 para passar a ser a seguinte:
“A partir de 01/01/2002, por contrato verbal de agência a A. passou a representar como agente a sociedade espanhola C1…, para a venda de produtos específicos de aço em Portugal, tendo-lhe debitado e recebido as respectivas comissões e tendo o contrato terminado em 03/02/2003, por comunicação escrita da C1… (dos. fls. 17) porque a A. se recusou a subscrever o respectivo contrato de agência.”
Em primeiro lugar, importa referir que esta alteração à matéria de facto proposta pela Recorrente não encontra qualquer correspondência no teor dos art.º 9.º, 11.º e 12.º da base instrutória a que estes pontos de factos se destinaram responder.
A Recorrente invoca para fundamentar a pretendida alteração o documento junto aos autos a fls. 33 ss. e o depoimento da testemunha D… nos execertos de gravação que identifica, concluindo que a beneficiária da clientela angariada pelo A. foi a C1… e não a R.
O documento de fls. 33 representa a cópia do documento notarial de constituição da sociedade C1…, revelador da personalidade jurídica própria desta empresa, enquanto entidade juridicamente distinta da R.
Já a testemunha indicada, a propósito desta questão refere essencialmente, que a partir de Janeiro de 2002 e até Fevereiro de 2003 a A. foi agente da C1…, nunca tendo querido assinar a proposta de contrato escrita que lhe foi apresentada, esclarecendo a forma como a actividade se desenvolvia e lhe eram pagas as comissões e explicando os documentos que juntou aos autos e que se encontram a fls. 790 ss.
Esta circunstância da A. ter mantido uma actividade comercial com a empresa C1… em 2002 e 2003 já se encontra expressa no ponto 11 da decisão de facto, que alude à privação da clientela pela A. na sequência da cessação dos dois contratos, fazendo referência ao que consta do ponto 9 dos factos provados e ao mail que se encontra a fls. 17 dos autos, enviado pela C1… à A. a pôr fim ao contrato. O que o ponto 10 dos factos provados atesta é que após a comunicação da cessação do contrato pela R. esta continuou a beneficiar da clientela angariada pela A. (não directamente) mas através do seu distribuidor que era a C1…, o que parece evidente a partir do momento em que enquanto distribuidor da R., esta empresa também lhe adquiria os produtos que vendia.
Os meios de prova indicados pela Recorrente não são por isso susceptíveis de determinar a alteração destes factos dados como provados, já que não infirmam a resposta que foi dada pelo tribunal a quo, mas antes permitem fundamentá-la.
Quanto ao ponto 12 da decisão de facto, é a seguinte a sua redacção:
12) Nos últimos cinco anos que precederam o que se refere em 11), a autora auferiu comissões de valor não inferior a €50.662,80 [resposta ao item 13º da base instrutória].
Pretende a Recorrente que este facto não pode ser dado como provado por nem sequer corresponder ao alegado pela A. nos art.º 24.º e 25.º da petição inicial e contrariar o alegado no art.º 15.º da mesma. Refere que, partindo a A. do documento de fls. 17 que não é subscrito pela R. mistura os dois contratos que tiveram lugar sucessivamente.
Não invoca a Recorrente em concreto qualquer meio de prova susceptível de, no seu entender, fundamentar a alteração que propõe.
Com respeito a esta matéria importa ter em conta o que consta do ponto 4 da decisão de facto que não foi impugnado, resultando do acordo das partes e que é o seguinte: “Do montante referido em 13.º da base instrutória, a autora recebeu pelo menos €50.662,80”.
A redacção do art.º 13.º da base instrutória é a seguinte: “Nos últimos cinco anos que precederam o que se refere em 8) a autora auferiu um total de comissões de €97.763,80?” O que se refere em 8) é o envio a 03/02/2003 do documento junto a fls. 17 pela C1…. Pergunta-se por isso no art.º 13.º da BI se nos cinco anos que precederam a data de 03/02/2003 a A. auferiu de comissões o valor de €97.763,00, tendo apenas resultado provado (ponto 12 da decisão de facto) que naquele período auferiu comissões de pelo menos €50.662,80.
A mais do que no ponto 4 dos factos provados está neste ponto de facto a delimitação temporal do recebimento daquele valor de comissões.
Alega a Recorrente que tal não corresponde a matéria alegada pela A., contrariando o que a mesma refere nos art.º 24.º e 25.º da petição inicial, mas não tem razão já que nestes artigos a A. se refere ao valor das comissões que auferiu nos cinco anos que precederam a denúncia (que a mesma alega no art.º 15.º ter tido lugar através do documento que lhe foi enviado a 03/02/2003), pelo que não há qualquer contradição. A matéria em causa corresponde precisamente ao alegado pela A. (excepto quanto ao valor) embora a mesma não tenha distinguido as comissões que recebeu da R. das que recebeu da C1… – mas isso é uma questão diferente, que já não se coloca ao nível da decisão de facto, mas jurídica, no sentido de saber em que medida é que as comissões que se provou que a A. recebeu naquele período podem fundamentar a indemnização de clientela por ela solicitada à R.
Não indicando a Recorrente qualquer meio de prova que, no seu entender, justifique a alteração proposta, improcede a mesma.
Pelo que fica exposto, já se vê que improcede na totalidade a impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente.
*
São os seguintes os factos provados:
1) A autora celebrou com a ré um contrato mediante o qual se obrigou a angariar clientela e correspondentes vendas de produtos especiais de aço [al. A) dos factos assentes].
2) A comissão a que a autora tinha direito era de 3% [al. B) dos factos assentes].
3) Por carta de 26/01/04, a autora pediu à ré o pagamento de uma indemnização e das comissões que se encontravam por liquidar [al. C) dos factos assentes].
4) Do montante referido em 13º da base instrutória, a autora recebeu, pelo menos, €50.662,80 [al. D) dos factos assentes].
5) A autora dedica-se à representação, agência exclusiva, divulgação e promoção de vendas em Portugal de produtos de fábricas estrangeiras [resposta ao item 1º da base instrutória].
6) Em 07/07/93 e na sequência do contrato referido em 1) que já estava em vigor entre as partes, foi enviado à aqui A. o fax de fls. 7/8 dos autos acompanhado do doc. de fls. 393, 394, 392 e 395 a 401 [sendo a ordem de envio do fax a correspondente à paginação antes referida e cuja tradução se encontra a fls. 1436 a 1440 e 1465 e 1471 (quanto à última página daquele texto) – vide ata de fls. 1449] correspondente ao clausulado de um contrato de agência escrito em exclusividade sem representação para produtos de aço ali descriminados no “anexo A” e que a aqui A. deveria devolver à R. assinado em sinal de aceitação e confirmação do mesmo. O que esta não fez [resposta ao item 2º da base instrutória].
7) Nos termos do clausulado referido em 6) a autora continuava a exercer as funções referidas em 1), angariando clientela e promovendo a venda de forma exclusiva por referência aos produtos referidos no “anexo A”, por período indeterminado [resposta aos itens 3º e 4º da base instrutória].
8) A A. continuou a sua atividade referida em 1) após o envio do fax referido em 6), angariando mais clientes para a aqui R. a quem incumbia depois outorgar os respetivos contratos, sendo a comissão referida em 2) calculada sobre o produto das vendas efetuadas em Portugal e promovidas pela autora [resposta aos itens 5º a 7º da base instrutória].
9) Verbalmente a ré comunicou à A. a cessação do contrato referido em 1) em data não apurada mas não posterior a abril de 2002 [resposta ao item 8º da base instrutória].
10) Tendo continuado a beneficiar da clientela angariada pela autora através da atividade do seu distribuidor “C1…”, incluindo nos termos referidos em 11) [resposta aos itens 9º e 11º da base instrutória].
11) Após fevereiro de 2003 a autora ficou privada da clientela por si angariada na sequência do referido em 9) e do mail enviado por “C1…” de fls. 17, através da qual passara a angariar clientes e promover a venda dos mesmos produtos à mesma clientela no período de janeiro de 2002 a fevereiro de 2003. Não tendo a A. representação de qualquer outra empresa que fornecesse/forneça os mesmos produtos da ré [resposta ao item 12º da base instrutória].
12) Nos últimos cinco anos que precederam o que se refere em 11), a autora auferiu comissões de valor não inferior a €50.662,80 [resposta ao item 13º da base instrutória].
13) A autora comprometeu-se para com a ré a não representar no mercado português outros produtores de aço inoxidável dentro dos produtos que a R. fabricava e de que a A. era representante em Portugal [resposta ao item 15º da base instrutória].
Com referência à apreciação do recurso interposto do despacho intercalar, que determinou a inversão do ónus da prova, são ainda relevantes os factos que constam do relatório elaborado, que resultam dos documentos e peças processuais dos autos.
IV. Razões de Direito
- da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al c) do C.P.C.
Invoca a Recorrente a nulidade da sentença por considerar que é contraditório o tribunal dar como provado que a cessação do contrato teve lugar em data não posterior a Abril de 2002 para depois concluir que a denúncia do contrato teria de observar a forma escrita sob pena de nulidade.
O art.º 615.º n.º 1 do C.P.C. dispõe sobre as causas de nulidade da sentença, prevendo na al. c) que tal acontece quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Verifica-se uma contradição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos invocados, de facto e de direito, conduzem, de uma forma lógica ou necessária a uma decisão diferente, revelando um vício de raciocínio do julgador. Como nos diz, a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2011, no proc. 2903/05.7TBCSC.L1.S1 in. www.dgsi.pt: “A nulidade do acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão só ocorre quando a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente.
A Recorrente não é rigorosa quando alude aos factos que foram considerados provados pelo tribunal, tirando por isso consequências do que deles não resulta.
O que ficou provado no ponto 9 da decisão de facto foi que a R. comunicou verbalmente à A. a cessação do contrato, em data não apurada mas posterior a Abril de 2002, ou seja, o que o tribunal deu como provado foi a data em que a R. comunicou a cessação do contrato e não a data em que o contrato cessou, considerando depois que tal declaração não constituiu uma forma válida de pôr fim ao contrato, atentas as exigências legais.
A este respeito, refere a sentença recorrida: “O meio utilizado para esta comunicação enquanto denúncia contratual não é válido – padece de vício de forma sancionado com a nulidade, conforme decorre dos art.º 28.º n.º 1 acima citado e 220.º do CC já que para a mesma é exigida a forma escrita. A implicar fica por demonstrar a data em que a relação contratual se extinguiu validamente e por que via (vide art.º 24.º do DL 178/86).
Em face do exposto, verifica-se que não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão que possa determinar a nulidade da sentença, nos termos previstos no art.º 615.º n.º 1 al c) do C.P.C., antes se verifica que os fundamentos de facto e de direito são perfeitamente compatíveis, apresentando-se como corolário lógico da decisão sobre esta questão.
- da caducidade do direito à indemnização de clientela
Alega a Recorrente que a data de 03/02/2003 não a obriga, por não ter sido ela quem pôs fim ao contrato nessa data, não podendo por isso contar-se a partir daí o prazo de um ano para a A. exercer o seu direito à indemnização de clientela, que antes tem de contar-se a partir de 31/12/2001 data em que terminou o seu contrato com a A.
A este respeito considerou a sentença recorrida não estar verificada a caducidade invocada por não ter ficado provada a data em que cessou a relação contratual entre as partes, tendo sido enviada pela A. à R. em 26/01/2004 carta a solicitar o pagamento de uma indemnização de clientela e tendo sido a acção instaurada a 24/01/2005.
Não é controvertido o entendimento seguido na sentença proferida, também ele subscrito pelas partes nos seus articulados, de que entre a A. e a R. foi celebrado um contrato de agência, qualificação que encontra acolhimento nos factos que resultaram provados, pelo que nos abstemos de aqui apreciar a verificação dos seus requisitos.
O contrato de agência vem regulado no Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 118/93 de 13 de Abril.
Estabelece o art.º 1.º do diploma mencionado que: “Agência é o contrato mediante o qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos em certa zona ou determinado círculo de clientes, de modo autónomo e estável e mediante retribuição.
É o art.º 33.º deste diploma que regula a chamada indemnização de clientela, dispondo:
1- Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos cumulativamente, os requisitos seguintes:
a) o agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;
b) a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;
c) o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).
2- Em caso de morte do agente a indemnização pode ser exigida pelos herdeiros.
3- Não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente ou se este, por acordo com a outra parte, houver cedido a terceiro a sua posição contratual.
4- Extingue-se o direito à indemnização se os agentes ou seus herdeiros não comunicarem ao principal, no prazo de um ano a contar da cessação do contrato que pretendem recebê-la, devendo a acção judicial ser proposta dentro do ano subsequente a esta comunicação.
Esta indemnização corresponde no essencial, a uma compensação devida ao agente após a cessação do contrato, pelos benefícios que o principal continua a auferir com a clientela angariada pelo agente. É como que uma compensação pela “mais valia” que este lhe proporciona, graças à actividade por si desenvolvida, na medida em que o principal continue a aproveitar-se dos frutos dessa actividade após o termo do contrato de agência.
A finalidade da indemnização de clientela não é sancionatória, antes reside no facto de a cessação do contrato proporcionar ao principal novos contratos com a clientela angariada pelo agente. Daí esta indemnização ser devida, independentemente da forma de cessação do contrato- Vd. neste sentido, António Pinto Monteiro, in. Contrato de Agência, pág. 59.
O art.º 24.º do Decreto-Lei 178/86 estabelece as formas de cessação do contrato de agência: acordo das partes; caducidade; denuncia e resolução.
Verifica-se, mais uma vez, que a Recorrente fundamenta a sua pretensão na alteração da decisão recorrida fazendo apelo a factos que não resultaram provados, como seja que o contrato celebrado entre a A. e a R. terminou a 31/12/2001.
No caso concreto e com respeito à cessação do contrato celerado entre as partes apenas se provou o que consta do ponto 9 da decisão de facto, ou seja, que a R. comunicou verbalmente à A. a cessação do contrato em data não apurada, mas não posterior a Abril de 2002.
Esta iniciativa da R. que representa uma declaração unilateral da sua parte, em como tem como terminado o contrato celebrado com a A., configura uma situação de denúncia do contrato pela R.
A denuncia que consiste numa declaração unilateral receptícia, através da qual uma parte põe termo a uma relação jurídica, contrariamente à resolução, não carece de ser motivada e visa pôr termo a uma vinculação indefinida dos contraentes.
De acordo com o disposto no art.º 28.º n.º 1 do diploma referido a denúncia do contrato é permitida, uma vez que estamos perante um contrato celebrado por tempo indeterminado, mas deve ser comunicada por escrito ao outro contratante, com a antecedência aí prevista, que varia consoante a duração da relação contratual das partes.
Esta norma exige porém que a denuncia do contrato seja comunicada por escrito ao outro contraente, o que se compreende por razões de certeza e de segurança jurídica, até tendo em vista que a partir dela são contabilizados prazos para o exercício de direitos, como seja, desde logo, o direito à indemnização de clientela.
No caso em presença, a declaração da R. de cessação do contrato não observou a forma escrita, pelo que, nos termos do disposto no art.º 220.º do C.Civil que estabelece a sanção para a declaração negocial que não observe a forma prescrita na lei, como foi o caso, é nula, tudo se passando por isso como se não tivesse tido lugar.
Como já se viu, o n.º 4 do art.º 33.º do Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho, na redacção do Decreto-Lei 118/93 de 13 de Abril, estabelece que o direito à indemnização de clientela se extingue se o agente não comunicar ao principal, no prazo de um ano a contar da cessação do contrato, que pretende recebê-la, devendo a acção judicial ser proposta dentro do ano subsequente a esta comunicação.
Temos aqui estabelecido um prazo de caducidade do direito, que se extingue pelo decurso do tempo, quando não exercido, de acordo com o estabelecido no art.º 298.º n.º 2 do C.Civil, excepção que é invocada pela R. a propósito da indemnização de clientela.
Tratando-se de um facto impeditivo do direito do A., competia à R. a sua prova, nos termos do disposto no art.º 342.º n.º 2 do C.Civil. Ora, no caso em presença, a R. não logrou provar a data em que cessou o contrato com a A., a partir da qual havia que contar o prazo de um ano para a reclamação da indemnização de clientela pela A., não podendo sequer o tribunal socorrer-se da data de Abril de 2002 em que teve lugar a declaração verbal que a mesma fez à A., pelo facto de tal declaração não constituir uma denuncia válida do contrato, por não ter observado a forma legal, já que, conforme também se refere na decisão recorrida “o facto de a A. entretanto ter iniciado relação comercial com a C1… não implica só por si o fim daquela outra relação comercial.
Forçoso se torna concluir que a R. não logrou fazer prova dos factos susceptíveis de integrar a excepção da caducidade por si invocada, desde logo por não ter ficado provada a data em que cessou de forma válida o contrato entre as partes, a partir da qual se inicia o prazo para a A. exercer o seu direito, confirmando-se por isso a improcedência de tal excepção.
- da inversão do ónus da prova
Insurge-se a Recorrente contra a decisão do tribunal de 14/06/2015 que determinou a inversão do ónus da prova quanto à matéria do quesito 13.º da base instrutória, referindo que juntou todos os documentos que tinha em seu poder, não lhe podendo ser imputada qualquer culpa pelo facto de não ter documentos contabilísticos por mais de 10 anos, uma vez que a legislação Italiana a isso não obriga as empresas.
Nesta decisão intercalar que é objecto de recurso foi entendido que a R. actuou de forma culposa tornando impossível à A. a prova da matéria do art.º 13.º da base instrutória.
O art.º 417.º do C.P.C., com a epígrafe “Dever de cooperação para a descoberta da verdade”, equivalente ao anterior art.º 519.º dispõe:
“1.Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, devem prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
2. Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.”
Por seu turno, o art.º 344.º n.º 2 do C.Civil estipula que há inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado.
Diz-nos Lebre de Freitas, in. Código do Processo Civil, Anotado, Vol. 2.º, pág. 409: “O comportamento do recusante pode, mais drasticamente, determinar, quando verificado o condicionalismo do artigo 344.º, n.º 2 CC, a inversão do ónus da prova. Tal acontece quando a recusa impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova”.
Assim, para que possa ser determinada a inversão do ónus da prova torna-se necessária a verificação cumulativa de dois requisitos: o primeiro exige que a prova de um determinado facto se tenha tornado impossível, por acção ou omissão da parte a quem não compete fazer a sua prova; o segundo impõe a existência de um comportamento culposo da mesma.
Tal como nos diz, a propósito da não junção de um documento ao processo pela parte contrária, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/05/2010, no proc. 1325/03.9TBTNV.C1, in. www.dgsi.pt : “Assim, para que tal inversão do ónus da prova possa ocorrer, necessário se torna que da não junção do documento em causa resulte a impossibilidade da prova de que o referido cheque se destinava ao pagamento da quantia mutuada, não sendo, para tal, suficiente que daí resulte a maior dificuldade da demonstração de tal facto e que a não junção resulte de comportamento culposo do autor. Desde que não verificados tais requisitos, apenas poderá o tribunal apreciar livremente o valor probatório da recusa, mas não a inversão do ónus da prova.”
Revertendo agora para o caso em presença e avaliando o comportamento processual de ambas as partes, constata-se que nenhum destes requisitos se encontra verificado.
Senão vejamos.
O facto em questão, relativamente ao qual o tribunal a quo decidiu inverter o ónus da prova, é o expresso no art.º 13.º da base instrutória que tem a seguinte redacção: “Nos últimos cinco anos que precederam o que se refere em 8) a autora auferiu um total de comissões de €97.763,80?”
O ónus da prova desta matéria é da A., já que estamos perante um facto constitutivo do direito de crédito que a mesma alega ter sobre a R., tendo em conta o disposto no art.º 342.º n.º 1 do C.P.C.
Desde logo não se vislumbra como é que para a A. que é uma sociedade comercial com obrigatoriedade de dispor contabilidade organizada, esta prova se revela impossível sem recorrer aos elementos contabilísticos da parte contrária.
A alegação feita pela A. na sua petição inicial é muito precisa e é no sentido de que auferiu o valor de €97.763,80 de comissões da R., sendo que a A. nunca diz nos autos que não sabe qual o valor de comissões que lhe é devido pela celebração dos contratos que mediou. Ora, para chegar a tal valor a A. tem necessariamente de se socorrer dos seus documentos e do seu suporte contabilístico, senão, onde iria buscar a determinação de tal valor? Tratando-se de montantes por ela auferidos ou devidos de comissões, tal suporte documental tem de existir através de notas de comissões, de notas de encomenda ou de facturas, sendo obrigatório para empresa ter contabilidade organizada e manter os seus documentos de contabilidade pelo menos durante o período de 10 anos, conforme estipula o art.º 40 do C.Comercial, o mesmo prazo que a Lei Italiana estabelece como obrigatório para as suas empresas manterem os documentos de contabilidade no art.º 2220 do C.Civil Italiano.
Constata-se aliás que a alegação da A. quanto ao valor das comissões relativas ao período em questão é muito precisa, não podendo deixar de revelar que a mesma dispõe de elementos que permitem alcançá-lo. Verifica-se que a A. ao pronunciar-se sobre os documentos juntos pela R. vem dizer que os mesmos não estão completos, que no ano de 2000 auferiu pelo menos €13.201,00 de comissões impugnando o valor avançado pela R. nos seus documentos de €5.743,69, o que revela que a A. não pode deixar de ter elementos de informação que lhe permitem avançar com tais valores.
Constata-se ainda que dos documentos juntos a fls. 790 ss. pela C1… constam diversas facturas emitidas pela A. no ano de 2002, não sendo por isso credível a sua alegação de que não facturava as comissões à R. O legal representante da A., em declarações prestadas em audiência de julgamento refere que, embora nem sempre emitam factura, emitem “nota de comissão”. Também a testemunha F…, que foi funcionária da A. ligada à contabilidade, quando ouvida em audiência de julgamento diz “conhecer” a R. através de contratos e facturas e relativamente ao valor total das comissões diz tê-lo confirmado através de dossiers da A., dizendo desconhecer porque não foram juntos aos autos.
Afigura-se que a prova dos factos alegados pela A. a ela competia, tendo a mesma a obrigação de ter os elementos contabilísticos e de suporte que permitem a verificação dos factos alegados, tais como notas de encomenda ou de comissões, facturas, notas de débito ou documentos bancários, já que se trata, alegadamente, da prova de comissões por vendas por si angariadas e que pelo menos em parte lhe foram pagas pela R., sendo que a postura da mesma nos autos revela que a mesma deles dispõe.
Não pode por isso dizer-se que foi a R. que tornou impossível a prova de tal matéria quando, no momento em que é solicitada a perícia à sua contabilidade refere já não ter na sua posse os documentos que a lei Italiana não obriga a manter, sendo certo que, em momento anterior procedeu à junção aos autos de diversos elementos e documentos que lhe foram solicitados pelo tribunal.
Verifica-se aliás uma atitude de cooperação da R. que, na sequência do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que determinou a sua notificação para juntar os documentos que haviam sido requeridos pela A. e após solicitar prazo para a pesquisa de tais elementos, veio juntar a 02/03/2010 o que referiu serem os comprovativos dos pagamentos das comissões feitas à A. nos anos de 1999 a 31/12/2001, apenas referindo estarem em falta os documentos relativos ao ano de 1998 por já os ter destruído e não estar obrigada a mantê-los de acordo com a legislação Italiana e não ter documentos posteriores, por ter sido em 31/12/2001 que cessou a sua actividade com a A., conforme aliás vem sempre alegando nos autos.
Em conclusão, não pode dizer-se que a R. com o seu comportamento tornou impossível à A. a prova da matéria em questão, na medida em que o exame à sua contabilidade não seria a única forma da A. demonstrar o valor das comissões por si auferidas, conforme se viu, nem tão pouco que aquela actuou de forma culposa ou censurável, recusando a colaboração que lhe foi solicitada pelo tribunal, ao referir já não ter a documentação relativa aos anos pretendidos no momento em que foi determinada aquela perícia, o que não permite concluir por uma recusa de colaboração da mesma, não estando por isso justificada a alteração do ónus da prova, à luz do art.º 344.º n.º 2 do C.Civil, como determinou o tribunal a quo.
Impõe-se por isso a revogação do despacho de 14/06/2015 que assim o decidiu.
- da indevida condenação da R. no pagamento de comissões e do valor atribuído a título de indemnização de clientela
Alega a Recorrente que a A. não logrou fazer prova nos autos dos elementos constitutivos do direito que se arroga, confundindo propositadamente os dois contratos de agência que vigoraram, inicialmente com a R. e a partir de 2002 com a C1…, pugnando pela revogação da decisão que a condena a pagar o valor de comissões que entende não serem devidas, tal como a indemnização de clientela.
A sentença recorrida a respeito do valor das comissões reclamadas entendeu ter de considerar-se o valor alegado de €97.763,80 de comissões devidas, por força da inversão do ónus da prova, a que tem de deduzir-se o valor pago de €50.662,80 condenando a R. no pagamento de €47.101,00.
Como já se referiu, é pacífico que entre as partes teve lugar um contrato de agência, sujeito ao regime jurídico do Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 118/93 de 13 de Abril.
A propósito da remuneração do agente no âmbito do contrato de agência, diz-nos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/06/2009 no proc. 08B0984, in. www.dgsi.pt: “Sem prejuízo de poder ser convencionado qualquer outro meio adicional de pagamento dos serviços prestados pelo agente (fixo ou variável), a retribuição concretiza-se normalmente através do pagamento de uma comissão, regulada nos artigos 16º a 18º e habitualmente calculada em função dos contratos promovidos, negociados ou concluídos pelo agente. Na falta de convenção das partes, será calculada de acordo com os usos ou, na falta destes, com a equidade (artigo 15º).
O direito à comissão vem previsto no art.º 16.º do diploma referido, que no seu n.º 1 dispõe: “O agente tem direito a uma comissão pelos contratos que promoveu e, bem assim, pelos contratos concluídos com clientes por si angariados, desde que concluídos antes do termo da relação de agência.”
O art.º 18.º n.º 1 estabelece, sem prejuízo de acordo das partes em sentido diferente, que: “O agente adquire o direito à comissão logo e na medida em que se verifique uma das seguintes circunstâncias: a) o principal haja cumprido o contrato ou devesse tê-lo cumprido por força do acordo concluído com o terceiro; b) o terceiro haja cumprido o acordo”.
No contrato de agência que se discute nos autos, a remuneração do agente consiste numa retribuição pela actividade desenvolvida no interesse do principal, não podendo falar-se, no caso, de retribuição em sentido estrito como contrapartida de uma actividade, mas antes de uma remuneração que é obtida pela venda de cada produto, através do pagamento de uma comissão na percentagem acordada de 3% do valor das vendas.
Na situação em presença, não ficou provado que a A. angariou clientes e vendas de produtos para a R. que lhe permitiram auferiu o valor de comissões que reclama nos autos, de €97.763,80, já que apenas se apurou que a mesma auferiu no período dos 5 anos anteriores a Fevereiro de 2003 a quantia de €50.662,80 a título de comissões, sendo que este valor foi por ela recebido.
Como se referiu, não há justificação para a inversão do ónus da prova quanto à matéria do art.º 13.º da base instrutória, que contempla a matéria alegada pela A. relativa às comissões a que, na sua perspectiva, tem direito, competindo-lhe, nos termos do disposto no art.º 342.º n.º 1 do C.Civil, a prova do valor das mesmas, no âmbito da relação contratual mantida com a R.
Resultando apenas apurado que a A. auferiu o valor de €50.662,80 a título de comissões, nos cinco anos anteriores a 03/02/2003, valor que recebeu, já se vê que se impõe a revogação da sentença proferida, na parte em que condena a R. no pagamento de €47.101,00 a título de comissões, acrescido de juros de mora desde a citação, por não ter ficado provada a existência deste direito de crédito que reclama da R.
No que se refere à indemnização de clientela, foi a mesma fixada em €10.000,00 com recurso à equidade, partindo o tribunal a quo do princípio que a A. tinha auferido €97.763,00 de comissões nos últimos 5 anos (o que já se viu, não resultou provado) tendo entendido que a R. continuou a beneficiar da clientela angariada pela A. através do seu distribuidor, que dela ficou privada após Fevereiro de 2003.
A respeito da indemnização de clientela, além da caducidade do direito da A., a Recorrente questiona o facto da sentença recorrida confundir dois contratos de agência: o primeiro celebrado com a R. que terminou a 31/12/2001 e o segundo que a A. manteve com a C1… e a que esta pôs termo em 03/02/2003, com o documento de fls. 17. Conclui que a sentença não pode ater-se a esta data e aos 5 anos anteriores para fixar o valor da indemnização de clientela, não se justificando o valor indemnizatório atribuído.
O art.º 33.º n.º 1 do diploma mencionado confere o direito à indemnização de clientela, desde que verificados cumulativamente os requisitos estabelecidos nas suas diversas alíneas e que são:
“a) o agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;
b) a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;
c) o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).”
O art.º 34.º refere-se ao cálculo da indemnização de clientela, dispondo: “A indemnização de clientela é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos; tendo o contrato durado menos tempo, atender-se-á à média do período em que esteve em vigor.”
É pacífico que a indemnização de clientela não é uma indemnização no sentido próprio e estrito do termo, já que não visa a reparação de danos sofridos, sendo o seu valor determinado equitativamente e não de acordo com os critérios previstos no art.º 562.º ss. do C.Civil para a obrigação de indemnizar. Diz-nos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/05/2016 no proc. 2470/08.0TVLSB.L1.S1 in. www.dgsi.pt: “Entende-se comummente que, nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 11/11/2010 (cit.), “a forma como a lei define os requisitos e os termos da indemnização da clientela revelam que é a preservação do equilíbrio de cada contrato que ela visa proteger, repartindo entre o concedente (o principal, no caso da agência) e o concessionário (o agente) os benefícios que se projectam após a cessação do contrato, em consequência da actividade desenvolvida pelo concessionário (pelo agente) durante a sua vigência; basta ter em consideração o modo de cálculo da indemnização, assente na média anual das remunerações do contrato terminado.”
A indemnização de clientela visa a atribuição de uma compensação ao agente baseada no princípio de que o principal continua a beneficiar da clientela angariada pelo agente, vendendo os seus produtos aos clientes já depois da cessação do contrato de agência, obtendo ganhos que advêm da anterior actividade do agente, desde que verificados os requisitos do art.º 33.º n.º 1. Como nos ensina António Pinto Monteiro, in. Contrato de Agência, anotação ao Decreto-Lei 178/86 de 25 de Junho, pág. 59: “É como que uma compensação pela «mais valia» que este lhe proporciona, graças à actividade por si desenvolvida, na medida em que o principal continue a aproveitar-se dos frutos dessa actividade, após o termo do contrato de agência.”
A sentença recorrida decidiu a este respeito:
“Dos factos provados – mormente 1), 8), 10) e 11) - resulta que através da longa relação de agência estabelecida entre A. e R. angariou a A. novos clientes para a aqui R., a qual continuou a beneficiar da clientela angariada pela autora através da atividade do seu distribuidor. Sendo que após fevereiro de 2003 de tal clientela ficou a A. privada, não tendo a mesma qualquer outra representação de outra empresa que forneça os mesmos produtos da R.. A implicar que a R. deixou de receber após a referida data de fevereiro de 2003 qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos com os clientes que por si havia sido angariados para a R.
Os requisitos das als. a) a c) do n.º 1 do artigo 33º do DL citado estão assim a nosso ver preenchidos, habilitando a A. a exigir da R. a peticionada indemnização de clientela. (…)
Para o cálculo da indemnização – a fixar em termos equitativos releva assim o valor das comissões auferidas nos últimos 5 anos sobre os quais acima já nos pronunciámos e cujos considerandos são aqui igualmente válidos a propósito da inversão do ónus de prova por referência à matéria do item 13º da base instrutória.
Valor este o dos 5 anos no montante de €97.763,80 o que significa um valor anual de €19.552,76.”
Avaliando esta argumentação, verifica-se que a Recorrente tem razão quando refere que a sentença recorrida confunde o contrato de agência celebrado com a R. e a actividade que a A. passou a dada altura a exercer para a C1… e que resulta do ponto 11 dos factos provados.
Os factos provados a que alude o excerto da sentença recorrida referido são os seguintes:
1) A autora celebrou com a ré um contrato mediante o qual se obrigou a angariar clientela e correspondentes vendas de produtos especiais de aço.
8) A A. continuou a sua atividade referida em 1) após o envio do fax referido em 6), angariando mais clientes para a aqui R. a quem incumbia depois outorgar os respetivos contratos, sendo a comissão referida em 2) calculada sobre o produto das vendas efetuadas em Portugal e promovidas pela autora.
10) Tendo continuado a beneficiar da clientela angariada pela autora através da atividade do seu distribuidor “C1…”, incluindo nos termos referidos em 11).
11) Após fevereiro de 2003 a autora ficou privada da clientela por si angariada na sequência do referido em 9) e do mail enviado por “C1…” de fls. 17, através da qual passara a angariar clientes e promover a venda dos mesmos produtos à mesma clientela no período de janeiro de 2002 a fevereiro de 2003. Não tendo a A. representação de qualquer outra empresa que fornecesse/forneça os mesmos produtos da ré [resposta ao item 12º da base instrutória].
Os últimos cinco anos que precederam a data que se refere em 11) em que a A. auferiu comissões de valor não inferior a €50.662,80 reportam-se em parte a um período do tempo em que a mesma angariava clientes e promovia a venda dos produtos para a C1…, depois da R. lhe ter comunicado a cessação do contrato, como resulta do ponto 11 dos factos provados, verificando-se aliás que o e-mail que consta de fls. 17 dos autos, declarando pôr fim ao contrato, foi enviado não pela R. mas antes pela C1…, respeitando por isso a contrato com ela celebrado e não ao contrato de agência a que aludem os pontos 1 e 8 dos factos provados celebrado com a R.
Do valor das comissões auferidas pela A. não está sequer descriminado qual o montante que resulta de angariações e promoção de vendas feita para a R. no âmbito do contrato de agência com ela celebrado, das que foram feitas para a C1…, empresa para a qual a A. passou a angariar clientes e a promover as vendas dos mesmos produtos, o que fez no período de Janeiro de 2002 a Fevereiro de 2003, como ficou apurado.
Em face do exposto, já se vê que os factos que resultaram provados são manifestamente insuficientes para termos como preenchidos os requisitos previstos no art.º 33.º e 34.º que permitem concluir pelo direito da A. a haver uma indemnização de clientela por parte da R.
Além do mais, a A. invoca que o contrato de agência celebrado com a R. cessou em 03/02/2003 com o envio do documento junto aos autos a fls. 17, o que não ficou provado, na medida em que tal documento não lhe foi enviado pela R., mas pela empresa C1…, pessoa jurídica distinta da R., para quem a A. passou a angariar clientela e a promover a venda dos mesmos produtos, após Janeiro de 2002, tendo-lhe a R. comunicado a cessação do contrato (ainda que de forma não válida) em data não posterior a Abril de 2002; por outro lado, não ficou provado que, pela clientela que a R. veio a beneficiar indirectamente, através da actividade do seu distribuidor C1… (ponto 10 dos factos provados), a A. não tenha recebido retribuição, já que o valor que se apurou das comissões por ela auferidas se reportam ao período de 5 anos antes da cessação do contrato com aquela empresa, não tendo a A. descriminado o valor das comissões auferidas em cada ano dos cinco anos anteriores, não tendo ficado apurado qualquer elemento que permita dizer qual a medida do alegado benefício da R., depois da cessação do contrato com a A.
A A. não logrou fazer prova da verificação dos elementos constitutivos do seu alegado direito à indemnização de clientela, como lhe competia, nos termos do art.º 342.º n.º 1 C.Civil, constatando-se aliás, neste aspecto, que quase nada de concreto foi alegado de modo a permitir ao tribunal concluir que após a cessação do contrato com a R. a mesma beneficiou consideravelmente da actividade desenvolvida pelo A. e que esta deixou de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos com clientes angariados pela A. após a cessão do contrato: nomeadamente não referiu a A. quantos eram os seus clientes e quantos continuaram a manter relações comerciais com referência aos produtos da R., qual o volume de negócios que os mesmos representam para a R., etc.
A lei não se basta com a existência de um qualquer beneficio para a R. antes exigindo que a mesma venha a beneficiar de forma considerável da actividade desenvolvida pela A. e os factos provados quanto a esta questão são escassos e insuficientes para nos poderem levar a concluir que houve esse benefício considerável para a R. A mera angariação de clientela para a R. insere-se no requisito previsto na alínea a) e neste caso, embora um juízo de prognose nos dê conta da probabilidade da ocorrência de um beneficio para a R. por alguns clientes da A. terem continuado a adquirir os seus produtos ao novo fornecedor, o que é certo é que a lei exige especificamente um benefício considerável, o que implica que o ganho da R., alicerçado na actividade da A., após a cessação do contrato, se revista de alguma dimensão.
Tal como nos diz Menezes Leitão, in. A Indemnização de Clientela do Contrato de Agência, pág. 52: “Trata-se de um pressuposto essencial, já que o fundamento da indemnização de clientela é o facto de a actividade do agente, embora enquadrada numa relação contratual duradoura, poder ter efeitos benéficos para a outra parte”.
Ora, os factos apurados não nos permitem quantificar nem caracterizar a clientela, nem diferenciar os negócios eventualmente celebrados ou perspectivados celebrar de forma a podermos concluir que a R. teve um benefício considerável, após a cessação do contrato, devido à actividade desenvolvida pela A., conforme é requisito da alínea b) do art.º 33.º ou sequer que a mesma não tenha recebido comissões pelas vendas angariadas posteriormente, como é previsão da al. c) já que a partir de Janeiro de 2002 passou a angariar clientes e a promover a venda dos produtos da R. para outra empresa.
Finalmente, não se apuraram sequer os factos a que alude o art.º 34.º e que devem servir de ponto de partida para a fixação da indemnização de clientela, não podendo considerar-se, como se fez na sentença proferida, as comissões auferidas pela A. nos últimos 5 anos anteriores a Fevereiro de 2003, já que de acordo com os factos provados estas se referem também à angariação de clientes e promoção das vendas que a A. a partir de Janeiro de 2002 passou a fazer para a C1… e não para a R., não havendo qualquer descriminação dos valores das comissões auferidas em cada ano pela A., o que também não foi alegado de forma concretizada.
Nestes termos, impõe-se a revogação da decisão recorrida que determinou o valor de €10.000,00 a título de indemnização de clientela a prestar à A. pela R.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se procedente o recurso interposto pela R., revogando-se a sentença proferida e absolvendo a R. dos pedidos contra ela formulados nestes autos pela A.
Custas pela Recorrida.
Notifique.
*
Porto, 20 de Abril de 2017
Inês Moura
Paulo Dias da Silva
Teles de Menezes