Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10799/12.6TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INTERESSE DO MENOR
GUARDA
VISITAS
ALIMENTOS
Nº do Documento: RP2015022310799/12.6TBVNG.P1
Data do Acordão: 02/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na regulação do exercício das responsabilidades parentais, deverão ser observados como princípios fundamentais o interesse do menor e a igualdade entre os progenitores, prevalecendo o interesse do menor, sem prejuízo de outros interesses legítimos e relevantes cuja consideração se imponha no caso concreto.
II - A situação claramente mais modesta da mãe não determina, por si só, a inadequação da guarda do menor.
III - Justifica-se que no período de férias, em que há uma maior disponibilidade, se assegure um contacto mais prolongado do menor com cada um dos seus progenitores, o que não ocorre quando se procede ao respectivo fraccionamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 10799/12.6TBVNG.P1.
5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I-Na regulação do exercício das responsabilidades parentais, deverão ser observados como princípios fundamentais o interesse do menor e a igualdade entre os progenitores, prevalecendo o interesse do menor, sem prejuízo de outros interesses legítimos e relevantes cuja consideração se imponha no caso concreto.
II-A situação claramente mais modesta da mãe não determina, por si só, a inadequação da guarda do menor.
III-Justifica-se que no período de férias, em que há uma maior disponibilidade, se assegure um contacto mais prolongado do menor com cada um dos seus progenitores, o que não ocorre quando se procede ao respectivo fraccionamento.

Acordam, na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
O Ministério Público, em representação do menor B…, intentou a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, sendo requeridos C… e D…, na qualidade de progenitores do menor, ambos melhor identificados nos autos.
1.1 No decurso do processo, frustrando-se a obtenção de acordo, foram estabelecidas regulações transitórias em diferentes termos; instruído o processo com relatórios sociais e concluída a audiência de julgamento, com audição de testemunhas, veio a ser proferida sentença que decidiu a regulação do exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
«1.º – A residência do menor B… será fixada junto da mãe, que exercerá as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente do menor, sendo as questões de particular importância da vida do (…) mesmo (…), exercidas por ambos os progenitores;
2.º – O pai, enquanto progenitor com quem o menor não ficará a residir, poderá exercer o direito de visita do menor B… da seguinte forma:
Fins-de-semana – O progenitor poderá ter consigo o menor em fins-de semana de quinze em quinze dias, das 17:30h (ou no final das actividades pré-escolares ou escolares que o menor vier a frequentar) de sexta-feira até às 21:00h de Domingo;
- nas semanas em que o progenitor não tenha direito a estar com o menor ao fim-de-semana, o progenitor poderá ter consigo o menor entre as 9h30m de quinta-feira (ou indo levar às actividades pré-escolares ou escolares que o menor vier a frequentar, conformando o horário de entrega com as aludidas actividades, por exemplo, se o menor tiver que entrar nas aludidas actividades às 8 horas, o progenitor poderá ir busca-lo às 7h30m, a fim de levar o menor ao estabelecimento de ensino) e as 21 horas de sexta-feira (indo buscá-lo às actividades pré-escolares ou escolares que o menor vier a frequentar);
Páscoa, Natal e Ano Novo: Quanto aos períodos de férias de Páscoa, Natal e Ano Novo, o menor deve passar metade de cada um desses períodos (por referência ao calendário pré-escolar ou escolar oficial) com cada um dos progenitores, cabendo:
- a véspera e o dia de Natal, alternadamente a cada um dos progenitores, sendo que este ano o menor passará a véspera de Natal com a progenitora e o dia de Natal com o progenitor.
- a véspera de Ano Novo e o dia de Ano Novo, alternadamente a cada um dos progenitores, sendo que este ano o menor passará a véspera de Ano Novo com o progenitor e o dia de Ano Novo com o progenitora.
- o domingo de Páscoa ora a um ora a outro, alternadamente, sendo que no próximo ano passará esse dia com o progenitor;
Período do carnaval: Também o período de Carnaval, entendido como o período de segunda a quarta tal como definido no calendário escolar, deve ser passado ora com um, ora com outro, alternadamente, iniciando-se no próximo ano com a progenitora;
Férias de Verão: Nas férias de Verão, o menor deve poder estar com o progenitor quinze dias, dividido em dois períodos de 7 dias interpolados (e iguais períodos com a mãe), devendo as datas respetivas serem acordadas entre pai e mãe até ao dia 31 de Maio de cada ano – sendo que este primeiro ano o período de férias se mostra já acordado, homologando-se aqui o acordo estabelecido.
Dias de aniversário e dia do pai e da mãe:
No dia de aniversário dos progenitores e no dia do pai e da mãe – caso no dia em causa o menor esteja à guarda do outro progenitor – o progenitor respectivo (correspondente ao dia em causa) poderá fazer uma das principais refeições (almoço ou jantar) com o menor, comunicando ao outro com a antecedência de 48 horas a sua opção, isto sem prejuízo das actividades pré-escolares ou escolares que o menor vier a frequentar.
No dia de aniversário do menor, este efectuará cada uma daquelas refeições, alternadamente, com cada um dos progenitores, iniciando-se no próximo dia de aniversário com almoço pela progenitora e jantar pelo progenitor.
As entregas serão efectuadas às 9h30m e às 14h30 (regresso) em casa da progenitora (ou no horário estabelecido no estabelecimento de ensino que o menor vier a frequentar), tratando-se de almoço, ou às 17h30m em casa da progenitora (ou no horário estabelecido no estabelecimento de ensino que o menor vier a frequentar- final das actividades escolares) e às 21 horas (regresso), tratando-se de jantar;
- As conduções do menor serão feitas pelo progenitor ou pelos avós paternos e por referência à residência da progenitora (ou ao estabelecimento de ensino que o menor vier a frequentar).
3.º – O progenitor contribuirá com a quantia de 150,00 € (cento e cinquenta euros) mensais, para o seu filho B…, a título de alimentos, a entregar à mãe, por meio idóneo, até ao dia oito de cada mês.
A quantia devida será anualmente actualizada no mês de Janeiro (iniciando-se em 2015) de acordo com o índice de aumento de preços publicado pelo I.N.E (Instituto Nacional de Estatísticas).
- o progenitor pagará ainda 50% (cinquenta por cento) das despesas médicas, medicamentosas, e de educação (abrangendo estas as despesas curriculares, com propinas, livros e material escolar, e extracurriculares) devidamente comprovadas pela progenitora através do envio de receita/fatura ou recibo e lista dos livros e material/fatura ou recibo, pagamento que deve ser feito junto com a mensalidade seguinte ao seu envio.»
1.2 O requerido, não se conformando com a decisão proferida, interpôs o recurso aqui em apreciação, concluindo a motivação nos seguintes termos:
«I. Os princípios fundamentais a observar, no que respeita à regulação das responsabilidades parentais – o interesse do menor e a igualdade entre os progenitores, não foram respeitados na sentença ora posta em crise.
II. O tribunal “a quo” não teve em consideração factos relevantes, como a capacidade económica (no sentido dos meios a proporcionar) dos progenitores, convivência com outros familiares, condições de habitabilidade, estabilidade emocional e psíquica, entre outros.
III. Ao invés disso, baseou-se em critérios desatualizados e desconexos com a realidade, bem como, potenciadores de desigualdade entre ambos os progenitores e contrários aos reais interesses do menor, concedendo à progenitora todas as presunções e obrigando o pai a demonstrar tudo.
IV. Não se compreende que o tribunal “a quo” tenha fundamentado a decisão de atribuir a um dos progenitores a guarda do menor, sobremaneira, na tenra idade do menor e num relatório social efetuado e que apenas atesta competências educativas de ambos de forma uniforme, adotando critérios subjetivos não devidamente justificativos (como a existência de irmãos uterinos que nunca vivenciaram uma experiência de vida em família no sentido tradicional) e ignorando os circunstancialismos do caso concreto, em termos atuais.
V. Adotou uma interpretação historicista do art.º 180.º, n.º 1, da OTM, quando o deveria ter interpretado em termos atualistas, levando a que a decisão tomada não reflita a situação atual, seja contrária aos interesses do menor e potenciadora de um clima de injustiça e desigualdade injustificada.
VI. O tribunal “a quo”, no que concerne ao regime de visitas, apesar de considerar benéfico um amplo quadro de relacionamento pessoal e direto entre o menor e o progenitor a quem a guarda não foi confiada, decidiu em sentido inverso, colocando em perigo a manutenção da estabilidade emocional e psíquica do mesmo, porquanto afastou o menor da convivência intensa com o pai desde o seu primeiro mês de vida para uma convivência de pai quinzenal.
VII. Atendendo a este circunstancialismo, seria de aguardar uma decisão que, em prol do interesse do menor, contribuísse para a manutenção da sua estabilidade emocional e psíquica, enveredando por uma proximidade significativa do progenitor com o menor.
VIII. Ao invés disso, com a decisão tomada, o tribunal “a quo” manifestou uma insensibilidade pelos interesses do menor, já que, a mesma potencia um afastamento entre o menor e o pai em termos desequilibrados e injustificados, quebrando a harmonia existente, como se todos os casos fossem iguais e de aplicação automática, sendo limitativa do relacionamento existente entre pai e filho.
IX. A livre apreciação da prova não significa arbitrariedade e pura subjetividade, pelo menos, deve ter em consideração as regras da experiência e normalidade.
X. O tribunal “a quo” analisou apenas certa provas, decidindo factos sem qualquer elemento concreto, pura subjetividade e arbitrariedade que acarreta, analisada a decisão judicial, a incerteza de onde emana a sua fundamentação para considerar um progenitor mais capaz do que outro, para diminuir e limitar a proximidade entre o menor e o progenitor, e, fixar um regime de visitas que pela primeira vez na vida do menor afasta o pai do seu convívio.
XI. O ora Recorrente trouxe ao tribunal a notícia de que uma irmã da mãe do menor se tinha encontrado com o recorrente, a seu pedido, para dar nota do facto de o menor não estar a ser bem cuidado. Houve até testemunhas que ouviram essa conversa, ocorrida em local público e que a relataram em audiência. Essa conversa foi totalmente desvalorizada pelo tribunal, que podia e deveria ter chamado a depor a dita irmã de seu nome I…. Ao invés, preferiu seguir a opinião da família da mãe do B… e considera-la persona non grata ignorando o ditado popular que dita que quando se zangam as comadres, contam-se as verdades!
XII. Foi o Recorrente quem teve de levar a juízo todos os indícios de que a criança estava num espaço reduzido, arrendado em nome da avó materna (há nos autos recibos de renda, água, gás e luz); e a fls. 07 dos autos a própria mãe declara que vive com a avó, sua mãe.
XIII. Mesmo assim o tribunal não deu como provado que ali residia a avó do menor, K…, ou seja, que num T1 viviam pelo menos dois adultos, um adolescente e duas crianças.
XIV. Foi também o Recorrente quem deu nota dos problemas com o irmão uterino, juntando aos autos a prova da existência do processo tutelar e chamando a atenção para o facto de ser uma criança com problemas. Há relatórios nos autos (vd fls. 20 ss) nesse sentido.
XV. E foi também o Recorrente quem chamou a atenção do tribunal para o facto de contra a Requerida já ter sido intentada ação de incumprimento de poder paternal, juntando a decisão nesse incidente (cuja existência sempre foi negado por requerida e testemunhas).
XVI. Finalmente, foi o Recorrente quem juntou prova de que a Requerida esteve na disposição de abandonar o filho (ver SMS) e que alterou o seu domicílio mas não quis dizer ao Recorrente em que andar estava a residir o menor (ver SMS de 25/04/2013). Esclareça-se a este propósito que a impugnação de um documento autenticado, como é o caso, não o faz perder a sua força probatória consignada na lei. Apenas a falsidade teria tal efeito e isso não sucedeu.
XVII. E a sentença recorrida omitiu na sua fundamentação factos que ela própria julgou provados e que são relevantes para a decisão final, como os que supra transcrevemos.
XVIII. E não atendeu aos ditames que o artigo 1906.º do C. C. passou a impor, a de uma solução que privilegie a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois pais.
XIX. Isto porque, apesar do conhecimento que tinha do facto da mãe logo na primeira conferência de progenitores apresentar a notícia da queixa-crime conta o pai e avó do menor (nos autos chegou a notícia da acusação proferida e foi depois e junto pelo Recorrente a decisão de não pronúncia), do facto de a mãe obstar a visitas com fundamento em doença do menor, nada fez para prevenir que tal não suceda no futuro. Bem pelo contrário – acolheu na íntegra a pretensão da Recorrida de ter mais um pai quinzenal na vida dos seus filhos.
XX. Não estaremos ainda numa situação em que um progenitor promove o afastamento do outro da vida do menor, mas unicamente porque o menor tem pouco mais do que um ano de vida, sendo difícil a sua manipulação emocional. Mas não temos dúvidas em afirmar (e os autos não nos desmentem, antes o asseguram) que em breve estaremos perante uma situação que hoje se usa denominar de Síndrome de Alienação Parental (doravante designada apenas por SAP).
XXI. Se lermos a solução legislativa brasileira a este propósito (supra transcrita na íntegra), dos autos e como tal da vida deste menor, que se iniciou em Dezembro de 2013, já vislumbrámos situações concretas enquadráveis na lei brasileira pelo que entendemos que se pode afirmar, com toda a segurança, que existe uma clara intenção de afastamento do menor em relação ao pai levada a cabo por parte da progenitora.
XXII. Finalmente – o tribunal não pode nem deve escamotear a conclusão de que algum alarmismo do progenitor poder estar relacionado com situações que vivenciou no período que coabitou com esta e com os seus filhos, em que ouviu conversas, telefonemas, etc.
XXIII. O tribunal tinha de optar pelo progenitor que garanta a proteção, tranquilidade, atenção e afeto indispensáveis ao normal desenvolvimento do menor e de molde a que o seu interesse se concretize de acordo com as orientações legais sobre o conteúdo das responsabilidades parentais.
XXIV. Mas não soube alhear-se do mito de que as crianças estarão sempre melhores em companhia da mulher, porque “mãe é mãe”, presunção da supremacia materna motivada por razões históricas, culturais e sociais, mas contrária aos princípios constitucionais da igualdade entre pai e mãe e da proteção integral da criança e do adolescente.
XXV. Termos em que, dando provimento ao presente recurso, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que fixe a residência do menor junto do pai, que exercerá as responsabilidades parentais relativamente aos atos da vida corrente do menor, sendo as questões de particular importância da vida do mesmo exercida por ambos os progenitores, estabelecendo-se um regime de visitas que garanta a continuidade da relação afetiva com a mãe.
Sem prescindir:
XXVI. O tribunal “a quo”, no que concerne ao regime de visitas, apesar de considerar benéfico um amplo quadro de relacionamento pessoal e direto entre o menor e o progenitor a quem a guarda não foi confiada, decidiu em sentido inverso, colocando em perigo a manutenção da estabilidade emocional e psíquica do mesmo
XXVII. Admitindo-se, por hipótese que apenas teoricamente concedemos, que a guarda continuasse confiada à mãe, então sempre se deveria estabelecer um regime de visitas que favoreça esse relacionamento e que o não quebre, optando-se por atribuir ao progenitor o direito a estar com o menor todos os fins-de-semana enquanto a mãe não encontra emprego ou pelo menos três dos fins de semanas do mês, atribuindo-se numa semana a quarta, quinta e sexta, para que a mãe pudesse ter um fim-de-semana.
XXVIII. E nas férias, atribuindo-se metade das férias a cada um dos progenitores, por que razão optou a sentença por conceder apenas dois períodos de sete dias interpolados e não metade das férias de Verão? Não será correto e mais adequado aos interesses do menor que também no Verão (ou no período para tal previsto no calendário escolar), as férias sejam repartidas? Pugnamos por essa alteração.
XXIX. Mesmo quanto aos alimentos o que se conclui dos autos é que o pai devido à sua profissão tem facilidade em prover as necessidades médicas e medicamentosas do filho. Por isso mesmo deveria ter sido condenado a pagar 50% destas despesas se e quando a progenitora demonstrasse serem urgentes e inadiáveis, já que o progenitor as consegue satisfazer a custo zero ou inferior. Porque tem que ser onerado? Só porque se optou, mais uma vez, por uma decisão tradicional?! A justiça está em tratar do mesmo modo o que é igual, mas de forma distinta o que é diferente. E aqui temos uma situação que se não for tratada de forma diferente é injusta. Deve pois ser consignado que as despesas médicas e medicamentosas serão reembolsadas em 50 % desde que o pai as não possa satisfazer a custo zero ou reduzido.»
Termina afirmando que, atendendo a todo o circunstancialismo referenciado, a sentença deve ser revogada por outra que satisfaça tal intento, julgando-se procedente o presente recurso com as suas correspondentes consequências legais, assim se fazendo como sempre a mais elevada.
1.3 A requerida veio responder, defendendo que a sentença recorrida fez a correcta interpretação e aplicação das regras aos factos, pelo que, à excepção da alteração da pensão alimentar para € 200,00 mensais, deverá no demais ser confirmada.
1.4 O Ministério Público também respondeu, concluindo nos seguintes termos:
«1 – A sentença posta em crise nos presentes autos não enferma de qualquer dos vícios apontados pelo progenitor, antes surgindo como profundamente justa e equilibrada num processo em que, para além do mais, ressalta a profunda conflituosidade ainda hoje existente entre os progenitores do menor.
2 – A mesma sentença, após longo e exaustivo percurso sobre toda a temática em discussão nos autos, em que abordou as plúrimas questões suscitadas pelos progenitores do referido menor, estribou-se devidamente no material probatório disponível – maxime, nos relatórios sociais juntos aos autos – para regular as responsabilidades parentais relativas ao mesmo menor.
3 – Não obstante ter sido expressamente equacionada a possibilidade do exercício em conjunto daquelas responsabilidades, que foi implementado no último regime provisório, em que o menor passaria três dias com cada um dos pais, certo é que (conforme é, aliás, expressamente referido na sentença ora posta em crise) “que face à manutenção da conflitualidade entre os progenitores, não tem atingido os objetivos pretendidos revelando-se objetivamente contrário aos superiores interesses do B…”, não permitiu tal solução, conforme ainda hoje não permitirá, pois que ambos os progenitores não se encontram, ainda, num estádio de evolução e de maturidade no que respeita ao relacionamento entre ambos que aconselhe a implementação de tal regime.
4 – Na verdade, e conforme o consignado na mesma decisão, não é posta em causa a capacidade, idoneidade, vontade e afeto demonstrado por cada um dos pais para cuidar do filho, a verdade é que as circunstâncias de facto não permitem uma guarda e exercício conjunto das responsabilidades parentais.
5 – Foi, pois, num clima de antagonismo, que a sentença ora posta em crise procurou encontrar um trilho de serenidade que, infelizmente, os progenitores se recusam, ainda, em percorrer.
6 – Tal decisão deu corpo àquilo que verdadeiramente está em causa nos autos: o superior interesse do menor B…, procurando alcançar a solução que melhor lhe garanta a possibilidade de um desenvolvimento sadio – tanto ao nível físico, emocional, como psicológico – o qual, todavia, impõe-se reconhecer, muito dificilmente será possível de conseguir se os respetivos progenitores persistirem em assumir um antagonismo tão exacerbado como, infelizmente, os presentes autos abundantemente demonstram.
7 – Neste concreto quadro, não merece qualquer censura a decisão de fixar o domicílio do menor na residência da mãe, a qual exercerá as responsabilidades parentais relativamente aos atos correntes da vida do menor, que desempenha desde o seu nascimento, de forma assertiva e com todo o empenho, demonstrando capacidades para o continuar a fazer.
8 – Na verdade, tal decisão, proferida num quadro em que ambos os progenitores apresentam idênticas competências de parentalidade, apesar de condições, estatuto socioeconómico e profissional dissemelhantes, que não interferem, contudo, nos cuidados que são prestados ao menor, guiou-se primacialmente pelo superior interesse da criança – cf. artigos 1905.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, 180.º da OTM e 3.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança – o qual, no caso concreto, se traduz em procurar a decisão que introduza menores fatores de instabilidade relativamente ao mesmo.
9 – Importando, também, referir que a decisão tomada baseou-se, igualmente, numa refinada análise dos vários factos provados, com especial incidência para o facto de demonstrar ser uma criança sociável, com desenvolvimento intelectual regular, mostrando uma forte ligação afetiva a ambos os progenitores, concluindo que, por todos esses motivos, e pese embora o bom relacionamento que o menor mantém com ambos os progenitores, foi reconhecido que, por ora, a progenitora, por força das circunstâncias, tem estado mais presente no que concerne aos atos da vida corrente do filho, pelo que se considerou que será nessa residência onde o menor terá uma maior estabilidade, em termos das suas relações afetivas e em termos do seu ambiente físico e social, estando mais próximo dos elementos que constituem o agregado familiar da mãe, nomeadamente dos irmãos e da avó materna.
10 – Foi dado especial relevo, e bem, ao critério da não separação dos irmãos, que encontrou plena aplicação neste caso, já que uma decisão que colocasse o menor a residir com o pai, implicaria um corte com a estabilidade das condições de vida do B… que ficaria, de um momento para o outro e na sua idade, sem a presença diária e física dos seus irmãos, com os quais, de acordo com a prova produzida, se relaciona de forma intensa, partilhando diariamente as refeições, as noites, as brincadeiras o afeto próximo dos irmãos, da avó materna e dos primos.
11 – Já no que concerne ao regime de visitas, afigura-se que não assiste razão ao progenitor, pois que, na realidade, se afigura muito equilibrado, viabilizando um contato entre ambos nas semanas em que não tem o direito de estar com ele ao fim de semana, que contempla a pernoita de quinta para sexta-feira.»
Termina afirmando que, atento todo o exposto, a específica natureza dos presentes autos e o superior interesse do menor, deve ser mantida a decisão sob recurso.
2. Colhidos os vistos e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pelo apelante definem a matéria que é objecto de recurso e que cabe aqui precisar, em face do que se impõe decidir as seguintes questões:
● A alegada desconsideração de factos que justificavam a atribuição da guarda do menor ao pai e a não atribuição à mãe.
● A alegada desconsideração da síndroma da alienação parental.
● A alteração dos regimes de visitas e da prestação de alimentos.
II)
Fundamentação
1. Factos relevantes.
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal recorrido julgou provados os seguintes factos:
«Artigos da petição inicial:
1. Os RR são pais do menor B…, nascido a 6-12-2012, menor que, na data da p.i. [14 de Dezembro de 2012], estava ainda internado no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, onde ocorreu o parto;
2. Os RR não são casados entre si nem fazem vida em comum.
3. Os dois filhos mais velhos e menores da progenitora do B…, E…, de 11 anos de idade, e F…, de 4 anos de idade, vivem com a mesma e aos seus cuidados, estando os dois a serem acompanhados no Centro Hospitalar de Gaia, no departamento de pedopsiquiatria e de pediatria de adolescentes.
4. Foi atribuído a guarda e exercício do poder paternal à progenitora relativamente ao menor E… no âmbito do processo de divórcio n.º 37/2005 que correu termos na 2.ª Conservatória do Registo Civil de Vila Nova de Gaia e foi fixada, em temos provisórios, a residência habitual da menor F…, de 4 anos de idade com a progenitora, no âmbito do processo n.º 7168/08.6TNVNG que corre temos neste tribunal [então, Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, que integra actualmente a Comarca do Porto].
5. Por outro lado, correu ainda termos nos serviços do Mº Pº de Vila Nova de Gaia o inquérito tutelar educativo n.º 2104/07.0TA VNG relativamente a um menor, primo do E…, por alegado abuso sexual neste último, tendo sido tais autos arquivados por ausência de prova.
6. Os progenitores do menor B… viveram em união de facto durante um ano, tendo-se dado a separação do casal, quando a progenitora do B… estava de 14 semanas de gestação.
6. (segundo) A gravidez foi vigiada desde o início no Centro de Saúde …, tendo sido diagnosticada diabetes à R. às 24 semanas, tendo sido prescrito medicamento Valeriana.
7. A progenitora do menor B… mostrou-se sempre uma doente vigilante, colaborante, calma e orientada, sem necessidade de medicação para depressão.
8. Provado apenas que a progenitora do B… tem sido uma mãe atenta, cuidadora, responsável, muito preocupada com o bem-estar dos seus filhos;
9. Provado apenas que ambos os progenitores gozam de condições habitacionais e económicas, embora no caso da progenitora com algumas dificuldades, beneficiando da ajuda de familiares; provado ainda que denotam também capacidade para o exercício das responsabilidades parentais; finalmente provado ainda que quando o menor tinha poucos dias o menor precisava mais da progenitora, atenta a dependência biológica inerente à relação mãe/recém-nascido;
*
Artigos das Alegações da Requerida Progenitora
1.º Os progenitores do B… viviam em comunhão de mesa, leito e habitação na casa morada de família pertença em exclusivo do progenitor D…;
3.º Provado apenas que na altura a requerida trabalhava diariamente no Hospital de Gaia, como auxiliar de acção médica, contrato que cessou em Abril de 2012.
4.º Provado apenas que a requerida engravidou do menor B… em Março/2012;
5.º E em Junho de 2012, o requerido convidou a requerida a sair da casa que habitavam, sob o argumento de que “deixara de gostar” dela.
6.º Em Junho de 2012, a requerida deixou tal morada.
8.º Provado apenas que no período de gravidez a requerida foi acompanhada pela família dela.
B – Nascimento do B…:
9.º A requerida participou ao requerido o nascimento do menor, no próprio dia, em simultâneo com a entrada no hospital de Gaia a fim de “dar à luz”.
11.º Após o nascimento, a requerida enviou uma foto do menor acabado de nascer, via s.m.s., sem qualquer resposta.
12.º Provado apenas que o requerido entrou na enfermaria onde a requerida estava com o filho e perguntou se os pais dele podiam subir, ao que a requerida aquiesceu.
13.º Provado apenas que o requerido, nesse dia, visitou o menor.
14.º Provado apenas que o requerido compareceu nos dois dias seguintes, onde permaneceu cerca de 20 minutos cada.
15.º No dia 10-12-2012, a requerida é confrontada com a presença de uma Dr.ª J…, membro da Comissão de Protecção de Menores de Vila Nova de Gaia, a qual noticia que o requerido havia apresentado uma denúncia contra a requerida por temer pela integridade física do menor.
16.º O que deixou a requerida incrédula.
17.º Provado que desde o nascimento do menor e até ser fixado o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais foi a requerida quem cuidou do menor, preparando-lhe as refeições, alimentando-o, dando-lhe banho, massagens após banho, colocando a fralda, vestindo o pijama, e deitando-o, adormecendo-o.
18.º Actos estes, durante os quais, a requerida votava, como vota, o maior carinho, e afeição ao menor, no que era e é por este correspondida.
20.º Provado apenas que o menor B… demonstra ser uma criança sociável, com desenvolvimento intelectual regular, e não manifesta qualquer problema no plano da segurança afectiva quando na presença materna.
21.º Provado que o menor e a mãe têm uma forte ligação afectiva;
C – Da Vivência do Menor após o nascimento:
22.º Provado o menor ficou a viver com a mãe, e também na permanente companhia da avó materna, nas actuais ausências da mãe, em virtude da tentativa desta de retoma do trabalho.
23.º O menor passou a estar também dependente e envolvido pelos cuidados, carinho e afecto quotidiano que lhe vota a avó materna, com a qual já criou fortes laços de proximidade e afectividade.
24.º O local onde vivem é constituído por uma fracção destinada a habitação, em prédio de média qualidade e de relativamente recente construção, que foi a residência da avó materna.
25.º Provado apenas que ao longo do processo têm sido cumpridos os regimes provisórios fixados em Tribunal, sendo a maior parte das vezes o menor recolhido pelos avós paternos.
28.º A requerida nunca impediu o requerido de ver e estar com o menor, sempre que ele manifesta essa vontade.
D – Da Actividade Profissional dos Progenitores
29.º O menor chegou a consumir 6 latas de leite “Aptamil 1”, no valor de €13,29/cada uma;
30.º A requerida está desempregada, e auferiu subsídio de licença de maternidade, contribuindo com valor não concretamente apurado para a alimentação, vestuário, habitação do seu filho.
31.º Por sua vez, inicialmente o requerido trabalhava no Hospital de Gaia e ainda na Casa de Saúde …, tendo entretanto deixado de trabalhar nesta última entidade e no exercício desta actividade aufere actualmente a quantia de cerca 900 € (novecentos euros) mensais.
32.º Provado apenas que o Requerido conduz uma carrinha Audi ..,
33.º Nas despesas referidas relativamente ao menor (nos primeiros meses e até à data das alegações apresentadas), a requerida, durante um mês, gastava o seguinte:
• O menor consome 2 pacotes de fraldas descartáveis, tamanho grande, no valor de €17,00 cada um;
• O menor consome uma embalagem para esterilização de biberões no valor de €11,00;
• O menor consome 2 embalagens de creme para as partes íntimas “Lutsine”, cada no valor de €14,00;
• O menor consome 2 embalagens de toalhetes para limpeza das partes íntimas no valor de €10,00 cada;
• O menor consome champôs, gel de banho e creme para o corpo no que gasta €12,50;
34.º Provado apenas que o menor é visto e acompanhado por médico pediatra.
*
Arts das alegações do Requerido Progenitor
7.º A história dos pais do B… teve início cerca de dois anos antes do seu nascimento, mas terminou antes do seu nascimento, acontecendo a separação de facto por iniciativa do Requerido, mas ainda a gravidez era incipiente.
8.º Provado que esta criança nunca conviveu com a factualidade de ver pai e mãe juntos na mesma casa.
10.º Provado apenas que foi uma gravidez inesperada para o Requerido,
11.º Provado apenas que o Requerido acompanhou a gravidez, sempre que a Requerida o informou;
13.º Provado apenas que a Requerida chegou a fazer planos para ir trabalhar para fora do país, depois do nascimento do menor.
17.º O Requerido habita numa habitação do Tipo 3 e em Novembro começou a limpar e a pintar um dos quartos que destinou ao menor.
18.º No dia do nascimento do B… o Requerido e os seus pais foram vê-lo ao hospital.
21.º Provado apenas que o Requerido conversou com a assistente social do hospital a quem relatou os receios que tinha se a criança fosse entregue aos cuidados da mãe.
22.º Provado apenas que a referida assistente social, na sequência acionou o protocolo habitual fazendo intervir a Comissão de Protecção de Menores.
23.º Que, de facto concluiu que o perigo para o menor era inexistente, naquela altura.
39.º Provado apenas que a Requerida C…, por vezes, sofre de depressão;
42.º Provado apenas que o Requerido quando coabitava com a progenitora e seus filhos, cooperava na prestação de cuidados de higiene, alimentação, saúde e na manutenção das rotinas com as crianças;
43.º Provado que desde que o B… nasceu, o Requerido faz questão de ser um pai presente e, apesar de não concordar com a escolha do pediatra feita pela mãe, por razões financeiras, acompanha-a nas consultas e paga metade das mesmas.
44.º O mesmo fazendo quando a Requerida entende ir à consulta da médica de família, e o avisa desse facto.
46.º Provado que o requerido sofreu pelo facto de a mãe, com atestado médico, ter impedido a visita ao B… por este estar com bronquiolite;
47.º Optando por não ir a casa vê-lo, não por birra ou intransigência, mas porque a Requerida adoptou uma estratégia que passou pela apresentação de queixa-crime, estando nos Serviços do Ministério Público desse Tribunal, na 2.ª Secção a correr o inquérito n.º 1238/12.3PIVNG, no qual o Requerido foi já constituído arguido.
48.º Mesmo apesar de, porque aconselhado nesse sentido, se fazer sempre acompanhar de um dos seus progenitores.
52.º O requerido tem emprego estável e minimamente seguro porquanto é enfermeiro dos quadros do Hospital …, onde aufere desde Fevereiro de 2013 (com os cortes anunciados) 892,43 € líquidos – doc. n.º 1.
53.º E, sempre que era chamado, trabalhava ainda na Casa de Saúde … auferindo mensalmente e em média o valor de € 200.
54.º Vive na casa descrita no relatório da assistente social casa que mantinha sozinho em termos da limpeza e conservação, e onde confecciona as suas refeições.
55.º Porquanto era um homem absolutamente independente.
56.º Provado que o requerido tem retaguarda de apoio familiar constituída pelos seus pais e irmão e pela actual companheira.
57.º Os pais, apesar de trabalharem, fazem-no em estabelecimento por conta própria, tendo a disponibilidade total para se ocuparem do B… em caso de impedimento profissional do Requerido.
59.º Pela sua profissão e experiência, o Requerido é pessoa muito experiente com crianças, tendo trabalhado na especialidade de Pediatria.
60.º Sendo ele quem se ocupa do filho quando o tem nos fins-de-semana concedidos aquando da Conferência de Pais de 20 de Março.
61.º Provado apenas que o Requerido dispõe profissionalmente de adaptabilidade, porquanto apesar de ter horário completo de 35 horas semanais, consegue conciliar com os colegas e de acordo com as chefias os seus horários de trabalho.
62.º Apesar de a maioria das vezes pedir ao pai que vá buscar o menor a casa da mãe, para evitar discussões e por entender que a Requerida lhe guarda respeito.
63.º O Requerido demonstra conhecimento das características individuais do filho, estar atento ao seu desenvolvimento, disponível e empenhado em lhe proporcionar os meios adequados ao seu bem-estar, quando o tem na sua companhia.
64.º E apresenta suficientes capacidades e melhores condições emocionais e psíquicas para cuidar do filho e assegurar a guarda do menor.
65.º Provado apenas que o Requerido promove a expressão afectiva e o envolvimento emocional, evidenciando elevada disponibilidade afectiva e emocional para as necessidades do menor, sobretudo no que diz respeito às necessidades de afecto e segurança emocional, com colocação de limites;
66.º Provado apenas que o filho mais velho da Requerida teve problemas escolares;
68.º Provado apenas que a residência da Requerida progenitora é uma habitação com um quarto, onde vivem pelo menos um adulto e três menores,
69.º Provado apenas que a mãe da Requerida cuida de outras crianças para além dos filhos da Requerida, disponibilizando-se por vezes a ficar com crianças de vizinhos do prédio temporariamente (actividade não remunerada).
75.º Provado apenas que a Requerida está actualmente desempregada;
76.º Por outro lado, tem rendimentos, cf. se retira do relatório social, de 739,25 €, a que acresce o abono e pensão de alimentos do menor B….
77.º E declara ter como despesas 831,90 € mensais;
79.º Provado apenas o que já consta da resposta ao art. 52.º das alegações do Requerido [O requerido tem emprego estável e minimamente seguro porquanto é enfermeiro dos quadros do Hospital …, onde aufere desde Fevereiro de 2013 (com os cortes anunciados) 892,43 € líquidos – doc. n.º 1.];
80.º Provado apenas que o Requerido tem as despesas normais fixas mensais com habitação (incluindo seguro de vida, inerente ao crédito a habitação), despesas normais de Internet, água, gás e electricidade, comunicações, com a quotização devida ao condomínio, e em alimentação em transporte em montante concretamente não apurado;
82.º Provado apenas que o Requerido conta com a ajuda dos seus pais, atenta a quebra do seu rendimento em termos da prestação de serviços na casa de saúde ….
*
Provou-se ainda que:
a) A requerente e o seu filho habitam em casa arrendada, do tipo T1, casa essa que apresenta adequadas condições de habitabilidade e conforto;
b) O quarto é partilhado pela progenitora, pela irmã uterina do menor B… e por este último, sendo que este dispõe de cama própria (cama de grades).
c) Tem os encargos mensais normais decorrentes da renda de casa, consumos de água e luz, telefone, transportes e alimentação;
d) Os rendimentos do agregado familiar são os que constam do relatório social (529, 79 € subsídio de maternidade; 125 € pensão de alimentos (filho E…); abonos de família (filhos B…, E… e F…);
e) O progenitor tem contribuído com a quantia de € 150,00/mês a título de alimentos devido ao menor B….
2. Breve enquadramento legal.
2.1 Os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação, nos termos e enquadramentos que resultam dos artigos 1877.º e seguintes do Código Civil, na certeza de que tais responsabilidades não são “um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral” – Armando Leandro, “Poder Paternal: Natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária”, Temas do Direito da Família – Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Almedina, página 119.
Impõe-se aos pais que, mesmo quando não vivam juntos, evidenciem a maturidade necessária para saberem pôr os filhos em primeiro lugar, na certeza de que estes precisam de ambos os progenitores.
Resulta dos artigos 1911.º e 1912.º do Código Civil, na redacção que resulta da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, que, relativamente à filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores que, tendo vivido em condições análogas às dos cônjuges, fizeram cessar essa convivência e relativamente à filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores que não vivem em condições análogas às dos cônjuges, têm aplicação as disposições dos artigos 1905.º a 1908.º, no capítulo do exercício das responsabilidades parentais.
Decorre das aludidas normas que a regulação do exercício das responsabilidades parentais tem por objecto decidir quanto ao destino dos filhos, fixar os alimentos que lhes são devidos e a forma da respectiva prestação e ainda fixar o regime de visitas no tocante ao progenitor que não tem os menores a seu cargo.
Nos termos do artigo 1906.º do Código Civil, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores (n.º 1); quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores (n.º 2), sendo que o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente (n.º 3). Estabelece o mesmo preceito que “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro” (n.º 5).
Com relevância, o mesmo artigo 1906.º determina que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles (n.º 7).
Os artigos 174.º e seguintes da Organização Tutelar de Menores (OTM), aprovada pelo Decreto-lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, estabelecem regras referentes ao processo de regulação do poder paternal e à resolução de questões a este respeitante. Na parte que aqui releva, o artigo 180.º da OTM estabelece que, na sentença, o exercício do poder paternal será regulado de harmonia com os interesses do menor, podendo este, no que respeita ao seu destino, ser confiado à guarda de qualquer dos pais, de terceira pessoa ou de estabelecimento de educação ou assistência, sendo estabelecido um regime de visitas, a menos que excepcionalmente o interesse do menor o desaconselhe.
Resulta das normas em causa que, na regulação do exercício das responsabilidades parentais, deverão ser observados como princípios fundamentais o interesse do menor e a igualdade entre os progenitores, prevalecendo o interesse do menor, sem prejuízo de outros interesses legítimos e relevantes cuja consideração se imponha no caso concreto.
A lei não define o que deve entender-se por “interesse do menor”, sendo este «um conceito vago e genérico utilizado pelo legislador, por forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado em cada caso concreto», existindo vários factores relativos à criança e aos pais que devem ser ponderados na concretização desse conceito; «o interesse superior do menor deve ser entendido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”» – Almiro Rodrigues, “Interesse do menor, contributo para uma definição”, citado por Tomé d’Almeida Ramião, “Organização Tutelar de Menores, Anotada e Comentada”, 10.ª edição, páginas 28 e 29.
2.2 Na sentença recorrida, começando por se apreciar a titularidade das responsabilidades parentais e o regime de exercício das mesmas, tendo em conta a distinção que o legislador estabelece entre questões de particular importância para a vida do filho e actos da vida corrente do filho, concluiu-se que no caso vertente não nos encontramos perante qualquer situação excepcional contrária aos interesse do menor, entendendo-se que os interesses do menor B… estão plenamente garantidos com o exercício em conjunto das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do mesmo.
Na apreciação do exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos de vida corrente, considerou-se que, depois de uma fase inicial, logo após o nascimento do menor, em que o mesmo ficou a residir com a progenitora, foi progressivamente alargado o período em que passou a estar com o progenitor, no âmbito dos sucessivos regimes provisórios fixados, sendo que no último ficou estabelecido entre os progenitores um regime de guarda ou residência alternada, por períodos de três dias, o qual, face à manutenção da conflitualidade entre os progenitores, não vinha atingindo os objectivos pretendidos, revelando-se objectivamente contrário aos superiores interesses do menor B….
Afastada a hipótese de estabelecer um regime de guarda ou residência alternada, expressou-se a dificuldade de fixação da residência com um dos progenitores, por se considerar que, no caso concreto, ambos os progenitores revelaram possuir adequadas competências parentais.
Percorrendo os diferentes critérios de determinação da guarda, começou por se recusar a aplicação do critério da denominada presunção ou preferência maternal – de acordo com o qual a mãe, por razões biológicas e sociológicas, seria o progenitor mais apto a cuidar dos filhos, sobretudo quando estes são de tenra idade – por se considerar que o mesmo se mostra ultrapassado e prejudicado perante o entendimento de que qualquer dos progenitores poderá desempenhar as responsabilidades parentais com igual capacidade.
Pondera-se depois que, sem ser decisivo, não se pode deixar de reconhecer que, por ora, a progenitora, por força das circunstâncias, tem estado mais presente no que concerne aos actos da vida corrente do filho dos requeridos, numa primeira fase, porque o menor ficou a residir consigo, numa segunda fase, porque, estando desempregada, nos períodos em que o menor se encontra consigo está (quase) em permanência presente na vida corrente do B…, o que já não sucede com o progenitor que estando laboralmente activo tem de se socorrer mais vezes da rectaguarda familiar (os avós paternos e a sua actual companheira); salienta-se no entanto que este não é critério decisivo, na medida em que, ingressando a progenitora também no futuro no mercado laboral, a situação tornar-se-á equiparável.
Ponderando a relação do menor com os irmãos, considera-se que este critério encontra plena aplicação, na medida em que uma decisão que colocasse o menor B… a residir com o progenitor, implicaria um corte (ainda que temperado pelas visitas à progenitora) com a estabilidade das condições de vida do menor que ficaria, de um momento para o outro e na sua idade, sem a presença diária e física dos seus irmãos, com quem se relaciona de uma forma intensa (partilhando diariamente as refeições, as noites, as brincadeiras, o afecto próximo dos irmãos), bem como da avó materna (presença diária na residência), e dos primos (de quem a avó também cuida) para além da progenitora. Extrai daqui que se pode avançar no sentido de que, do ponto de vista dos interesses do menor, a residência do mesmo deve ser fixada junto da progenitora que possui todas as condições para exercer as responsabilidades parentais – tal como até ao momento tem demonstrado, seja quanto ao B…, seja quanto aos seus irmãos.
Pondera-se ainda a relevância da continuidade das relações da criança, justificando a fixação da residência junto da progenitora.
Considera-se depois que não se demonstrou que se possa formular com segurança um juízo de incumprimento futuro das responsabilidades parentais por parte da progenitora.
Conclui-se que, apesar de ambos os progenitores possuírem as condições necessárias e adequadas para prover pelas necessidades do filho de ambos e do facto das condições materiais que o progenitor poderia oferecer serem superiores, porque a determinação em causa não pode aqui ser valorado no âmbito de um critério meramente quantitativo, considera-se que no actual momento o menor B… tem maior proximidade com o agregado familiar da progenitora, que a residência da mesma constitui, no presente momento, aquela residência onde o menor poderá obter uma maior estabilidade em termos de condições de vida, em termos das suas relações afectivas e em termos do seu ambiente físico e social.
À luz das considerações gerais que se deixam enunciadas neste ponto e no antecedente se apreciarão as diferentes questões suscitadas pelo recorrente.
3. A alegada desconsideração de factos que justificavam a atribuição da guarda do menor ao pai e a não atribuição à mãe.
3.1 Desconsideração de factos relevantes, como a capacidade económica dos progenitores, beneficiando a progenitora com todas as presunções e obrigando o progenitor/recorrente a tudo demonstrar.
O recorrente suscita aqui a existência de um tratamento desigual relativamente a cada um dos progenitores e em seu desfavor.
A leitura da sentença recorrida não evidencia tal situação, na certeza de que, como resulta do que antes se deixou enunciado, se reconhece aí que ambos os progenitores revelaram possuir adequadas competências parentais, o que, afastada a hipótese de estabelecer um regime de guarda ou residência alternada perante a manifesta e intensa conflitualidade dos requeridos, expressou a dificuldade de fixação da residência com um dos progenitores.
Resulta da matéria de facto que o recorrente dispõe de uma maior capacidade económica, relativamente à requerida, expressa numa maior estabilidade profissional, numa maior retribuição auferida e nas condições da respectiva habitação.
A sentença recorrida não deixou de ponderar estes factos, sem que tenha daí concluído que as condições de vida da requerida, sendo seguramente mais modestas, fossem de molde a desaconselhar a entrega da guarda da menor à mãe.
Perante as concretas condições actuais que resultam dos elementos que se deixaram mencionados, não há razão consistente para alterar o que se decidiu em primeira instância quanto à guarda da criança, sem prejuízo da apreciação a fazer de seguida dos diferentes pontos especificamente mencionados pelo recorrente.
3.2 Factos que o tribunal alegadamente não considerou.
A este propósito, o recorrente afirma que trouxe ao tribunal a notícia de que uma irmã da mãe do menor se tinha encontrado consigo, a seu pedido, para dar nota do facto de o menor não estar a ser bem cuidado; apesar de haver testemunhas que ouviram essa conversa, a mesma foi totalmente desvalorizada pelo tribunal, que não chamou a depor a dita irmã – o que podia e devia ter feito.
A particular natureza destes processos não impede que opere o princípio da liberdade de julgamento, consagrado no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto controvertido; não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.
Consultados os autos, não se vê documentada a questão agora suscitada pelo recorrente, apesar de se registar que no decurso do julgamento, nomeadamente na sessão de 3 de Abril de 2014, conforme consta da respectiva acta, o tribunal admitiu a audição de testemunhas então indicadas por ambos os progenitores. Acresce que aí se mostra igualmente documentado que o tribunal determinou oficiosamente a inquirição de outras pessoas por considerar relevante a sua audição (despacho proferido na aludida sessão: “Por ter sido mencionado ao longo dos depoimentos que já foram prestados a intervenção no relacionamento entre os progenitores dos avós paternos e da avó materna, presumindo-se que os mesmos têm assim conhecimento dos factos aqui em discussão, determino que se proceda de forma oficiosa à inquirição dos mesmos”).
Perante estes elementos não há razão para afirmar que o tribunal tenha adoptado uma postura de desinteresse pelas questões suscitadas pelos requeridos ou que tenha deixado de ordenar as diligências de prova que fossem relevantes.
Acresce que, como resulta da própria sentença, o tribunal não deixou de ponderar aí as referências feitas à irmã da requerida. Assim, ao aludir aos depoimentos das testemunhas G… e H… menciona as referências à irmã da requerida, dando conta de que a primeira destas testemunhas, reportando-se às condições de vida (familiares, sociais, profissionais, económicas, de habitação) da progenitora, referiu desconhecer as mesmas, só sabendo o que a irmã da progenitora contou, e de que, quanto à segunda destas testemunhas, ex-cônjuge da irmã da requerida, a relevância que dá aos episódios relatados é limitada, «já que se tratou de uma fase temporária da vida da progenitora (“nessa altura a C… estava em baixo”), sem repercussões na vida do menor B…».
Ainda a este propósito se afirma na sentença recorrida:
«Uma última palavra para referir que as referências à irmã da progenitora I… que não chegou a ser ouvida em Tribunal (e à existência de uma conversa de café entre ela e o progenitor) não foram consideradas relevantes pelo Tribunal por se considerar as alegadas declarações não têm qualquer credibilidade, já que as irmãs (eventualmente de uma forma temporária) se encontram de relações cortadas (aliás a irmã I… é considerada persona non grata por toda a sua família)».
Não há razão válida para alterar o entendimento assim expresso pelo tribunal recorrido.
Esta conclusão é extensível ao facto da criança estar com a requerida num espaço reduzido, com referência à casa onde habitam.
Na sentença considerou-se a este propósito que ambos os progenitores gozam de condições habitacionais e económicas, embora no caso da progenitora com algumas dificuldades, beneficiando da ajuda de familiares; o local onde esta vive é constituído por uma fracção destinada a habitação, em prédio de média qualidade e de construção relativamente recente, que foi a residência da avó materna; a residência da requerida progenitora é uma habitação com um quarto, onde vivem pelo menos um adulto e três menores; é uma casa arrendada, do tipo T1, casa essa que apresenta adequadas condições de habitabilidade e conforto; o quarto é partilhado pela progenitora, pela irmã uterina do menor B… e por este último, sendo que este dispõe de cama própria (cama de grades); o requerido vive numa habitação do tipo T3 e em Novembro começou a limpar e a pintar um dos quartos que destinou ao menor.
A situação claramente mais modesta da requerida não determina, por si só, a inadequação da guarda do menor.
O recorrente questiona ainda a existência de problemas com o irmão uterino.
Reportando-se à relação com os irmãos, afirma-se na sentença recorrida:
«(…) Este critério [critério da não separação dos irmãos], no caso concreto, encontra plena aplicação, já que uma decisão que colocasse o menor B… a residir com o progenitor, implicaria um corte (ainda que temperado pelas visitas à progenitora) com a estabilidade da condições de vida do B… que ficaria, de um momento para o outro e na sua idade, sem a presença diária e física dos seus irmãos, irmãos esse com quem, de acordo com a prova produzida, se relaciona de uma forma intensa (partilhando diariamente as refeições, as noites, as brincadeiras, o afecto próximo dos irmãos – e já agora da avó materna (que também é presença diária na residência), e dos primos (de quem a avó também cuida) para além da progenitora.
O Tribunal não tem assim dúvidas em afirmar que, de momento, atenta a idade do menor, a alteração da residência do B… para junto do progenitor não asseguraria o seu superior interesse, já que introduziria de uma forma abrupta uma separação entre o B… e os seus irmãos que certamente o instabilizaria e lhe provocaria sofrimento, ainda que o progenitor (e a sua actual companheira) procurassem compensar esse sofrimento com a adequada afeição e cuidado que certamente dedicariam ao B…».
É certo que correu termos nos serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia inquérito tutelar educativo n.º 2104/07.0TAVNG relativamente a um menor, primo do E…, por alegado abuso sexual neste último, tendo sido tais autos arquivados por ausência de prova.
Este facto, sem prejuízo da necessidade de atenção que suscita, não justifica a alteração da decisão proferida, quando é certo que “a progenitora do B… tem sido uma mãe atenta, cuidadora, responsável, muito preocupada com o bem-estar dos seus filhos”.
O recorrente sustenta ainda a sua pretensão no facto da requerida ter estado para abandonar o filho, pretendendo que o tribunal desconsiderou a relevância aos documentos que se consubstanciam na certificação do conteúdo do registo das mensagens.
A força probatória plena da certificação por advogado da transcrição das mensagens de telemóvel restringe-se ao conteúdo das mesmas, sem pôr em causa a sua relevância probatória, em sentido positivo ou negativo; no caso, o tribunal não deixou de ponderar as aludidas transcrições, de fls. 204 e seguintes e 492, considerando que, perante esse e os restantes elementos de prova, se demonstrava que a requerida chegou a fazer planos para ir trabalhar para fora do país, depois do nascimento do menor. Este elemento não justifica a alegada pretensão de abandono, quando é certo que se demonstra que a requerida, tendo trabalhado diariamente no Hospital de Gaia, como auxiliar de acção médica, deixou de o fazer em Abril de 2012, por cessação do contrato; está desempregada.
Conclui-se que, por esta via, não há fundamento consistente para alterar a decisão proferida em primeira instância, ao determinar que a residência do menor B… será fixada junto da mãe, exercendo esta as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente do menor, sendo as questões de particular importância da vida do mesmo exercidas por ambos os progenitores.
3.3 A desconsideração da síndrome da alienação parental e das causas que determinaram alarmismo do progenitor.
O recorrente afirma a este propósito que em breve estaremos perante uma situação que hoje se usa denominar Síndroma de Alienação Parental (SAP) e que o tribunal não pode nem deve escamotear a conclusão de que algum alarmismo do progenitor pode estar relacionado com situações que vivenciou no período que coabitou com a requerida e com os seus filhos, em que ouviu conversas e telefonemas.
A alienação parental é o afastamento do filho de um dos progenitores, provocado pelo outro, em regra, aquele que tem a custódia do menor; o progenitor em causa, construindo uma imagem negativa do outro, leva o filho a detestar o outro, leva ao afastamento do mesmo.
Atribuída a denominação ao psiquiatra norte-americano Richard Gardner, em 1985, não se trata verdadeiramente de um fenómeno recente, sendo antes um procedimento que se assinala desde sempre perante a separação dos pais e a fixação dos regimes de custódia e de regulação do exercício do poder paternal, muitas vezes como sequela das feridas resultantes da ruptura da relação conjugal e de questões mal resolvidas entre os progenitores.
O progenitor que tem a guarda, para impedir os encontros do menor com o outro progenitor e afastá-lo do convívio com este, usa diferentes artifícios, desde a invocação de doenças inexistentes até falsas imputações e chantagem emocional, com as consequências nefastas que daí resultam para o menor e para o seu relacionamento com ambos os progenitores.
Apesar de cada situação ser um caso, há que estar atento às manifestações que podem evidenciar a aludida situação e impedir qualquer tentativa de progressão do processo de alienação parental, de modo a obstar aos seus efeitos nefastos e, muitas vezes, de difícil reparação.
Sem prejuízo dos procedimentos e diligências que cabe ao tribunal determinar de modo a esclarecer cabalmente a concreta situação do menor e dos respectivos progenitores, não está vedado a estes afirmar e demonstrar factos relevantes para a decisão a proferir em relação à guarda do menor.
No caso em apreciação, regista-se um evidente e indesejável litígio entre os requeridos, progenitores do menor B…; esta situação é afirmada e considerada na decisão recorrida. Apesar disso e perante os factos provados que em sede própria se deixaram enunciados e de onde se destaca com relevância neste ponto que a requerida nunca impediu o requerido de ver e estar com o menor, sempre que ele manifesta essa vontade, não se vê que esteja caracterizada, em relação à requerida, uma efectiva situação de alienação parental e que, com tal fundamento, se justifique a alteração da decisão proferida quanto à guarda do menor.
Considera-se na sentença recorrida que «o progenitor não logrou demonstrar que se possa, com segurança formular um tal juízo futuro de incumprimento das responsabilidades parentais por parte da progenitora.
Com efeito, apesar de terem ocorrido pelo menos dois incidentes no cumprimento do direito de visitas do progenitor (justificado um, com a existência de doença do B… devidamente atestada por médico), tais incidentes não permitem formular o aludido juízo, julgando-se que, por ora, e apesar da conflitualidade ainda existente, a progenitora não obstaculizou de uma forma injustificada a presença do progenitor (e da sua família alargada) junto do B….
Nessa medida, não impõe este critério legal, a conclusão defendida pelo progenitor, mantendo-se por ora a crença por parte do Tribunal que a progenitora cumprirá (e fará por cumprir) o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que se irá fixar».
Esta conclusão não descaracteriza a natureza do presente processo e não impede que, em qualquer momento, se pondere a efectiva verificação do referido síndrome perante factos que o justifiquem; os factos actuais não comprovam a existência de procedimentos da requerida visando que o filho se afaste do respectivo progenitor.
4. A alteração dos regimes de visitas e da prestação de alimentos.
Concluindo-se pela subsistência da decisão que fixou a residência do menor junto da mãe, importa ver se há justificação para alterações no que concerne aos regimes de visitas e de prestação de alimentos.
4.1 No que concerne às visitas, o recorrente afirma que se deveria estabelecer um regime que favoreça o relacionamento e que o não quebre, optando-se por atribuir ao progenitor/recorrente o direito a estar com o menor todos os fins-de-semana enquanto a mãe não encontra emprego ou pelo menos três dos fins-de-semana do mês, atribuindo-se numa semana a quarta, quinta e sexta, para que a mãe pudesse ter um fim-de-semana; quanto às férias de Verão, atribuindo-se metade das mesmas a cada um dos progenitores, questiona que na sentença se concedam apenas dois períodos de sete dias interpolados e não metade das férias de Verão, pretendendo ser correcto e mais adequado aos interesses do menor que também no Verão, ou no período para tal previsto no calendário escolar, as férias sejam repartidas.
Conforme resulta da transcrição anteriormente efectuada, na sentença recorrida e no que concerne a estas questões decidiu-se nos seguintes termos:
«Fins-de-semana – O progenitor poderá ter consigo o menor em fins-de-semana de quinze em quinze dias, das 17:30h (ou no final das actividades pré-escolares ou escolares que o menor vier a frequentar) de sexta-feira até às 21:00h de Domingo;
– nas semanas em que o progenitor não tenha direito a estar com o menor ao fim-de-semana, o progenitor poderá ter consigo o menor entre as 9 h 30 m de quinta-feira (ou indo levar às actividades pré-escolares ou escolares que o menor vier a frequentar, conformando o horário de entrega com as aludidas actividades, por exemplo, se o menor tiver que entrar nas aludidas actividades às 8 horas, o progenitor poderá ir busca-lo às 7 h 30 m, a fim de levar o menor ao estabelecimento de ensino) e as 21 horas de sexta-feira (indo buscá-lo às actividades pré-escolares ou escolares que o menor vier a frequentar);
(…)
Férias de Verão: Nas férias de Verão, o menor deve poder estar com o progenitor quinze dias, dividido em dois períodos de 7 dias interpolados (e iguais períodos com a mãe), devendo as datas respetivas serem acordadas entre pai e mãe até ao dia 31 de Maio de cada ano – sendo que este primeiro ano o período de férias se mostra já acordado, homologando-se aqui o acordo estabelecido».
O denominado regime de visitas visa assegurar o relacionamento e o convívio do menor com o progenitor que não tem a sua guarda, realizando este a sua parentalidade e assegurando-se ao menor a salvaguarda do seu interesse, que passa pelo convívio são e regular com ambos os progenitores, aqui com especial relevância para o que não tem a sua guarda, concretizando-se o princípio enunciado no artigo 36.º, n.º 6, da Constituição.
Ponderado o que se decidiu em primeira instância, no que diz respeito ao regime de visitas dos fins-de-semana, o mesmo mostra-se equilibrado, sem que se veja razão válida para aí proceder a qualquer alteração.
Já no que diz respeito às férias de Verão, afigura-se haver razão para alterar o decidido, de modo a assegurar o contacto do menor com o respectivo progenitor por um período mais prolongado; pondera-se a este propósito que faz sentido assegurar neste período de férias, em que há uma maior disponibilidade, um contacto mais prolongado do menor com cada um dos seus progenitores; por outro lado, considera-se que por vezes se efectuam deslocações em férias para locais diversos, por períodos que ultrapassam os sete dias seguidos, sem que se vejam razões consistentes para obrigar ao seu fraccionamento.
Assim, alterando nesta parte a decisão recorrida, determinar-se-á que o menor B…, nas férias de Verão, deve poder estar com o respectivo progenitor quinze dias consecutivos e por igual período com a mãe, devendo as datas respectivas serem acordadas entre pai e mãe até ao dia 31 de Maio de cada ano.
Conclui-se por isso no sentido da parcial procedência da pretensão do recorrente, nesta parte.
4.2 Relativamente à prestação de alimentos, o recorrente afirma que, o que se conclui dos autos é que o pai, devido à sua profissão, tem facilidade em prover as necessidades médicas e medicamentosas do filho. Por isso mesmo deveria ter sido condenado a pagar 50% destas despesas se e quando a progenitora demonstrasse serem urgentes e inadiáveis, já que o progenitor as consegue satisfazer a custo zero ou inferior.
Na sentença recorrida decidiu-se a este propósito que o progenitor contribuirá com a quantia de 150,00 € (cento e cinquenta euros) mensais, para o seu filho B…, a título de alimentos, a entregar à mãe, por meio idóneo, até ao dia oito de cada mês, sendo a quantia devida anualmente actualizada no mês de Janeiro (iniciando-se em 2015) de acordo com o índice de aumento de preços publicado pelo Instituto Nacional de Estatísticas; determinou-se ainda que o progenitor pagará 50% (cinquenta por cento) das despesas médicas, medicamentosas, e de educação (abrangendo estas as despesas curriculares, com propinas, livros e material escolar, e extracurriculares) devidamente comprovadas pela progenitora através do envio de receita/fatura ou recibo e lista dos livros e material/fatura ou recibo, pagamento que deve ser feito junto com a mensalidade seguinte ao seu envio.
O inconformismo do recorrente restringe-se à sua contribuição relativamente às despesas médicas e medicamentosas, pelo facto de alegadamente poder providenciar pela sua satisfação a custo zero ou inferior.
Em tais circunstâncias, mostra-se prejudicada a pretensão da requerida, ao afirmar na resposta à motivação do recurso que, no confronto dos rendimentos auferidos pelo requerido com aqueles que ela própria aufere e as despesas do menor, se mostra equitativa e adequada a pensão mensal de € 200,00 – na medida em que não há fundamento para alterar a prestação em causa fixada na sentença recorrida (150,00 €).
Com relevância na questão a apreciar, provou-se que o requerido, tendo trabalhado no Hospital de Gaia e na Casa de Saúde …, é enfermeiro dos quadros do Hospital ….
Desde que o B… nasceu, o requerido faz questão de ser um pai presente e, apesar de não concordar com a escolha do pediatra feita pela mãe, por razões financeiras, acompanha-a nas consultas e paga metade das mesmas, o mesmo fazendo quando a requerida entende ir à consulta da médica de família, e o avisa desse facto.
A ponderação destes factos e da generalidade dos que se mostram enunciados no elenco dos factos provados não justificam a pretendida alteração como regra, na certeza de que não está demonstrada a efectiva redução de despesas e que o regime aberto daí resultante seria passível de ser factor de maior litígio.
Obviamente, não fica precludida a possibilidade que sempre existe dos requeridos/progenitores, sensatamente e por acordo, providenciarem por menores custos em termos de cuidados médicos e medicamentosos, sem prejuízo para o menor.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, dando parcial provimento ao recurso, altera-se a sentença recorrida, na parte em que se refere ao regime de visitas, nas férias de Verão, nos seguintes termos:
«Nas férias de Verão, o menor deve poder estar com o progenitor quinze dias consecutivos e igual período com a mãe, devendo as datas respectivas serem acordadas entre pai e mãe até ao dia 31 de Maio de cada ano – sendo que este primeiro ano o período de férias se mostra já acordado, homologando-se aqui o acordo estabelecido».
Mantém-se quanto ao remanescente a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente e da recorrida, na proporção de ¾ para o primeiro e de ¼ para a segunda, sem prejuízo de apoio judiciário de que possam beneficiar.
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Porto, 23 de Fevereiro de 2015.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Rita Romeira