Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
36/13.1PCPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PENA RELATIVAMENTE INDETERMINADA
Nº do Documento: RP2014051136/13.1PCPRT.P1
Data do Acordão: 11/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Justifica-se a condenação da arguida em pena relativamente indeterminada se vem praticando sucessivos crimes de trafico de estupefacientes por virtude dos quais esteve presa durante mais de 14 anos por quando está em liberdade reincide na prática do crime sendo incapaz de interiorizar a censurabilidade da sua conduta e a admonição contida nas anteriores condenações, revelando uma propensão para delinquir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 36/13.1 PCPRT.P1
Recurso Penal
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

No âmbito do processo comum que, sob o n.º 36/13.1 PCPRT, corria termos pela (entretanto extinta) 4.ª Vara Criminal da Comarca do Porto, foi submetido a julgamento, por tribunal colectivo, a arguida B…, melhor identificada nos autos, mediante acusação do Ministério Público que lhe imputou a prática de factos susceptíveis de consubstanciarem um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto e punível pelos artigos 21.º e 25.º, al. a), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, após deliberação do Colectivo, foi proferido acórdão (fls. 534 e segs.), datado de 11.07.2014 e depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, os juízes que compõem este Tribunal julgam parcialmente procedente a douta acusação pública formulada e, em consequência condenam, ao abrigo do art.º 83.º n.º 2, a arguida B… numa pena relativamente indeterminada entre um limite mínimo de 2 anos e 4 meses de prisão e o máximo de 9 anos e 6 meses de prisão, com referência a uma pena concreta de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 21.º e 25.º, da Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-A e I-B”.
Inconformada, almejando a redução para dois anos da pena de prisão e suspensão da respectiva execução, veio a arguida interpor recurso da decisão condenatória para este Tribunal da Relação, com os fundamentos que explanou na respectiva motivação e que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral):
I. “A arguida B…, não se conforma com o douto acórdão de fls. … dos autos pelo qual foi condenada ao abrigo do disposto no artigo 83.º, n.º 2 numa pena relativamente indeterminada entre o limite mínimo de 2 anos e 4 meses de prisão e o máximo de 9 anos e 6 meses de prisão, com referência a uma pena concreta de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 21.º e 25.º, da Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-A e I-B.
II. Sem prescindir, salvo o devido respeito e melhor opinião, que é muito e merecido, o Tribunal a quo não deu, no douto Acórdão posto em crise, cabal cumprimento o disposto no n.º 2 do artigo 374° do Código Processo Penal, uma vez que, não fez uma exposição completa dos motivos de facto e direito que fundamentaram e determinaram a concreta pena aplicada;
III. Ora, ao não fundamentar devidamente a sua decisão, nem esclarecer devidamente todo o processo lógico mental de formação da convicção que lhe permitiu determinar e aplicar aquela concreta pena aplicada, o Acórdão aqui posto em crise não habilita nem possibilita ao tribunal superior - no caso este Tribunal da Relação do Porto - nem tão pouco ao recorrente, fazer uma avaliação segura e cabal da razão de ciência da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório;
IV. Pelo exposto o douto Acórdão é nulo, nos termos e para os efeitos, das disposições conjugadas dos artigos 379°, n.º 1, alínea a) e 374°, n.º 2, todos do Código Processo Penal, o que aqui se suscita e invoca para os devidos e legais efeitos;
V. Sem prescindir, a arguida confessou os factos que vieram a ser dados como provados, manifestou e demonstrou arrependimento. Factos esses que deveriam ter sido dados como provados e não o foram, sendo certo que o próprio Tribunal a quo reconhece essa confissão e a essencialidade da mesma para a formação da sua convicção - cfr. douta motivação - e para dar como provada a factualidade assente quanto ao crime em julgamento. Acresce que, no que se refere ao arrependimento o Tribunal a quo, apesar de declarado e alegado pela arguida/recorrente de forma credível e sincero sem prescindir os antecedentes daquela, não deu o mesmo como provado, nem sequer como não provado;
VI. O que se configura ser uma omissão de pronúncia, porque a confissão e o arrependimento foram alegados, são juridicamente relevantes, e resultaram da prova produzida, nomeadamente das declarações da arguida, e no que se refere à confissão, do próprio texto do douto acórdão;
VII. Tendo a discussão da causa por objecto os factos alegados e constantes da acusação, os factos alegados pela defesa e os factos que resultarem da prova produzida em audiência, teria o Tribunal a quo que, no seu douto Acórdão, pronunciar-se sobre a confissão e sobre o arrependimento da arguida, dando como provado ou como não provada essa factualidade, porque relevante para a decisão da causa, designadamente para a determinação da medida da pena e correcta determinação do enquadramento jurídico da conduta do arguida, pelo que, o Tribunal a quo ao não dar cumprimento ao disposto no artigo 374°, n.º 2 omitindo pronúncia, do que resulta a nulidade do douto Acórdão nos termos do disposto no artigo 379°, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do Código Processo Penal, nulidade que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos - cfr. nesse sentido o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14 de Novembro de 2011, prolatado no processo n.º 24/09.2PEGMR.G1;
VIII. Este vício afecta o acto decisório em si mesmo, bem como os actos que dele dependem e que podem ser afectados pela nulidade - artigo 122° n.º 1 do Código Processo Penal, o que tudo se suscita para devido e legal efeito;
IX. Pelo exposto, foi incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada, devendo, de acordo com a prova produzida, nomeadamente as declarações da arguida, ter sido dado como provado a confissão e o arrependimento desta, não só que o arguida confessou os factos apurados, mas também porque esta verbalizou e demonstrou arrependimento colaborando com a realização da justiça - cfr. nesse sentido declarações da arguida e depoimento testemunha C… que supra parcialmente se transcreveram e que aqui damos por reproduzidas para todos os efeitos legais;
X. A escolha da pena reconduz-se, numa perspectiva politico-criminal a um movimento de luta contra a pena de prisão. A este propósito dispõe o art.° 70° do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Assim exprime, o legislador, a preferência pelas penas não privativas da liberdade;
XI. É certo que a única vantagem que a pena de prisão pode apresentar face a qualquer outra pena não privativa da liberdade, reside precisamente na circunstância de corresponder ainda hoje ao sentimento generalizado da comunidade a convicção de que, em muitos casos criminais, a privação de liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das suas expectativas, se em seu entender “fazer-se justiça”, abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do transgressor;
XII. Todavia não se poderá corresponder a tal sentimento generalizado da comunidade, condenando em penas de prisão efectiva. Antes de mais há que atender às constatações da moderna criminologia tendentes à afirmação de que “aquele que cumpre uma pena de prisão é desinvestido profissional e familiarmente, sofre o contágio prisional, fica estigmatizado com o labéu de ter estado na prisão e não é compensado, muitas vezes, com uma efectiva socialização”. Para além de que a privação da liberdade pode representar um peso diferente consoante a personalidade de quem a sofre sem que essa diferente “sensibilidade à privação da liberdade” possa ser adequadamente levada em conta na medida da pena. Não se olvidem, por fim, embora num plano diferente, os elevadíssimos custos financeiros públicos do sistema prisional;
XIII. Por conseguinte, a opção pela pena de prisão só se justificará quando tal for imposto pelos fins das penas — previstos no art.º 40°, n.º 1 do Código Penal: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (sublinhado nosso);
XIV. Estes fins — comummente designados pela doutrina como prevenção geral positiva ou de integração e prevenção especial positiva ou de socialização traduzem respectivamente o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face ao atentado contra a vigência da norma penal e a necessidade de efectuar um raciocínio de prognose em relação aos efeitos da pena na futura conduta do Arguido em vista da sua ressocialização - cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal II, Parte Geral, As Consequências Jurídicas do Crime”, Secção de Textos da Universidade de Coimbra, 1988, pág. 229 e ss. e “Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Noticias, Ano 1993, pág. 198 e ss. e por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça dc 12.03.97 no processo n° 1057/96);
XV. Conforme já supra referimos e alegamos, salvo o devido respeito e melhor opinião, o Tribunal a quo não deu, também aqui, cabal cumprimento o disposto no n.º 2 do artigo 374° do Código Processo Penal, uma vez que, não fez uma exposição completa dos motivos de facto e direito que fundamentaram a escolha e determinação da medida da pena. Ora, ao não fundamentar devidamente a sua decisão no que a medida da pena respeita, limitando-se a referir e a considerar as circunstâncias legais que impunham a a arguida/recorrente, uma pena relativamente indeterminada, não tendo em momento algum referido ou valorado qualquer circunstância que depusesse a favor da arguida B…, nem sequer considerado as concretas necessidades de prevenção especial, nem fundamentado suficientemente a concreta opção pela concreta dosimetria da pena, esclarecendo a opção por aquela exacta medida da pena, o Tribunal a quo não permitiu, nem permite sindicar a sua opção e concreta medida da pena aplicada, impossibilitando a este tribunal superior - no caso este Tribunal da Relação do Porto —, e a própria recorrente, de poder fazer uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e daquela concreta escolha da pena indeterminada e do respectivo processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório;
XVI. No caso em apreço, a Recorrente já tem 58 anos de idade, vive sozinha, procurou afastar-se do bairro social de origem por este ser problemático, é uma pessoa em estado avançado de envelhecimento, aparentando idade muito superior;
XVII. Acresce que, em reclusão, a recorrente irá ver coarctado um futuro - que se estreita - um caminho de rectidão e honestidade que tem pela frente e que irá encontrar, o qual face às circunstâncias e condições de vida - cigana e condenada - nem sempre foi fácil, mais a mais, face à educação permissiva e sem valores no que se refere a comportamento anti-jurídicos, por parte dos seus pais, que infelizmente, como acontece com muitos cidadãos de etnia cigana não foram capazes, ou não souberam ou não tiveram as oportunidades necessárias, para adoptar e assimilar os valores fundadores da nossa cultura judaico-cristã, nem foram capazes de assimilar a necessidade e imperatividade de ter um comportamento conforme ao direito;
XVIII. É intenção da recorrente, sem prescindir o desbaratar de diversas oportunidades passadas - sem ser contudo irrelevante ter estado casada (e ainda se manter civilmente nesse estado) com um indivíduo de etnia cigana e traficante que impunha unilateralmente a sua vontade à recorrente - é sua intenção percorrer um novo caminho de comportamento conforme ao direito, e em reclusão, continuará a tomar contacto com a realidade das prisões que tem, como é por todos conhecido e reconhecido, um efeito pernicioso e absolutamente contrário aos interesses de reinserção social que o nosso ordenamento institui;
XIX. Efectivamente, a liberdade é um dos valores, senão o mais importante da existência humana. Pela sua possibilidade muitos homens se submeteram e submetem a tortura. Morreram e morrem. No horizonte da utopia a sua conquista os fez abrir mão do bem estar, carreira e família;
XX. Assim, a recorrente, apesar de se encontrar sujeita a medida de coacção de prisão preventiva, pretende dar um novo rumo à sua vida, inerente à vontade de trabalhar e fazer de si uma MULHER, não apela a condescendência da justiça, mas sim que nela aposte e lhe dê uma merecida e justa oportunidade de retomar o correcto caminho;
XXI. Nesta ordem de ideias, e mesmo tendo por assentes os factos dados como provados, em nosso entendimento que a concreta pena aplicada, esta é manifestamente exagerada, desproporcionada e desajustada e contrária aos fins das penas e às concretas exigências de prevenção geral e especial;
XXII. Antes deveria a arguida ter sido condenada em pena determinada, e tendo em conta os factos apurados, e o seu papel meramente instrumental no crime em julgamento, nunca essa pena deveria ser superior a 2 anos de prisão, ou se assim não se entendesse, devendo ser a mesma suspensa na execução, conforme supra referiremos, ficando assim cumprida a finalidade da punição;
XXIII. Acresce que, salvo o devido respeito, não se encontram preenchidos os pressupostos para aplicação de uma pena relativamente indeterminada, não sendo para tal suficiente a prática (e condenação) pela recorrente de crimes em momento anterior, nem uma alegada reincidência, sendo necessária uma avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade da recorrente, a qual no caso concreto, sem prescindir os vários contactos com a justiça – a que não é alheia a etnia cigana e a sua subordinação ao marido, o qual para além de toxicodependente também era traficante - não revela uma acentuada inclinação para o crime, sendo certo que, inclusivamente, a gravidade da sua conduta, em termos de crimes praticados, vem diminuindo, sendo manifestamente episódica e instrumental, no momento da condenação o seu comportamento é ajustado e conforme ao direito, tendo inclusivamente, conforme supra referido, confessado factos dados como provados e colaborado com a justiça e demonstrado arrependimento por ter cometido o crime que cometeu, por ter aceite, numa situação que reputou de desespero e necessidade para obter dinheiro para comprar medicamentos para a filha, ser correio e ter assim ter ido ao Porto buscar aquele produto estupefaciente para ser entregue a terceiro, que identificou.
XXIV. Os factos provados não densificam o pressuposto material de tal aplicação, sendo manifesta que a inclinação para o crime não é acentuada, não se verificando qualquer perigosidade criminal, inexistindo fundado receio de que a recorrente possa vir novamente a praticar factos da mesma espécie;
XXIV. Disposições violadas: Foram violados, o artigo 25°, Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, e os artigos 40°, 50°, 70°, 71°, 83° do Código Penal e artigos 62°, 63, 64°, 113°, 119°, 120°, n.° 2, d), 125°, 126°, 127°, 340°, 369°, 374°, 379°, 410°, n.° 2 do Código Processo Penal e 32° da Constituição da República Portuguesa, e as demais disposições que V. Exias suprirão”.
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Admitido o recurso e notificado o Ministério Público, veio este responder à respectiva motivação, pugnando pela sua improcedência.
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Nesta instância, na intervenção a que alude o n.º 1 do art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que, secundando a posição expressa pelo Magistrado do Ministério Público na 1.ª instância e aderindo à essência argumentativa da resposta, pronuncia-se pelo não provimento do recurso.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, com resposta do recorrente a reafirmar a sua pretensão de que lhe seja reduzida a pena e que esta seja suspensa na sua execução.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II – Fundamentação
São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que delimitam o objecto do recurso e fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigo 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj[1]), sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
O recorrente argui a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação da decisão em matéria de escolha e determinação da pena e por omissão de pronúncia.
Além disso, insurge-se contra a aplicação de pena relativamente indeterminada e manifesta o entendimento de que, não só se justifica uma diminuição da pena de prisão, mas também a suspensão da respectiva execução.
Por isso são duas as questões a enfrentar:
- se o acórdão condenatório revela omissões que o ferem de nulidade;
- se estão reunidos os pressupostos da pena relativamente indeterminada ou se, pelo contrário, é possível formular um juízo de prognose positivo sobre o comportamento futuro da arguida/recorrente, de molde a justificar a suspensão da execução da pena de prisão.
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Identificadas as questões a decidir e delimitado o objecto do recurso, importa conhecer os factos provados:
1. Por acórdão proferido em 03.05.1996 no processo comum colectivo 50/96 do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Braga, alterado em parte pelo acórdão do STJ de 27.02.1997, transitado em julgado em 10.03.1997, a arguida foi condenada, pela prática, com termo em 20.09.1995, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do D. L. n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos de prisão.
2. Por acórdão proferido em 11.04.1997 no processo comum colectivo 33/97 do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Braga, confirmado por acórdão do STJ de 05.11.1997, a arguida foi condenada pela prática em 08.07.1996, de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão.
3. Por acórdão proferido em 07.05.1997 no processo comum colectivo 167/96 do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Braga, transitado em julgado em 19.05.31997, a arguida foi condenada pela prática em 01.07.1996, de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão.
4. Por acórdão de 23.03.1998 foi efectuado o cúmulo jurídico desta pena (167/96) com as penas a que a arguida foi condenada nos processos 50/96 e 33/97, tendo a mesma sido condenada na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão.
5. Por acórdão proferido em 16.01.1998 no processo comum colectivo 96/97 - posteriormente NUIPC 17/96.8GTBRG da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga -, transitado em julgado em 28.10.1998, a arguida foi condenada pela prática, desde, Maio a 10.09.1996, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 24.º, al. b) e c) do D. L. n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 8 anos de prisão e de dois crimes de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 2 do Código Penal na pena de 2 meses de prisão por cada um deles.
6. Efectuado cúmulo jurídico destas penas (NUIPC 17/96.8GTBRG) com as penas a que foi condenada nos processos 50/96, 167/96 e 33/97, respectivamente, de 4 anos, 9 meses e 1 ano de prisão, foi a arguida condenada na pena única de 10 anos de prisão.
7. Por acórdão de 09.06.1999 proferido no processo comum colectivo NUIPC 17/96.8GTBRG, transitado em julgado em 25.06.1999, as duas penas de 2 meses de prisão pelos crimes de receptação culposa foram declaradas extintas por amnistia nos termos dos artigos 7.º, al. d) da Lei n.º 29/99 de 12 de Maio e 128.º, n.º 2 do Código Penal e, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 29/99 de 12 de Maio foi perdoado 1 ano à pena única de 15 meses de prisão resultante do cúmulo jurídico das penas de 1 ano de prisão e 9 meses de prisão pelos crimes de receptação dolosa. Nos termos do artigo 2.º, n.º 3 da Lei n.º 29/99 de 12 de Maio efectuado o cúmulo jurídico do remanescente da pena, ou seja, 3 meses de prisão, com as penas de 8 anos e 4 anos de prisão pelos crimes de tráfico de estupefacientes, sendo a arguida condenada, por decisão transitada em julgado, na pena única de 9 anos e 5 meses de prisão.
8. A arguida esteve presa preventivamente à ordem do processo comum colectivo 50/96, desde 20.09.1995 até 03.05.1996, data em que foi libertada por decurso do prazo máximo de prisão preventiva.
9. Entretanto, indiciada da prática dos factos pelos quais veio a ser condenada no processo comum colectivo NUIPC 17/96.8GTBRG, a arguida esteve presa preventivamente à ordem do mesmo desde 10.09.1996 até 23.05.1997, data em que, emitidos mandados de desligamento/ligamento, iniciou o cumprimento da pena de prisão de 4 anos a que fora condenada no processo comum colectivo 50/96.
10. Em 23.12.1998, a arguida iniciou o cumprimento da pena única de 9 anos e 5 meses de prisão à ordem do processo comum colectivo NUIPC 17/96.8GTBRG, cujo termo ocorreria em 27.06.2005.
11. Por decisão de 06.06.2002, proferida no processo 132/00.5TXPRT do 2.º Juízo do TEP Porto, para se efectivar em 21.07.2002 foi concedida liberdade condicional à arguida, a qual vigorava até 27.06.2005.
12. Entretanto, indiciada da prática dos factos pelos quais veio a ser condenada no processo comum colectivo NUIPC 44/03.0PEBRG da Vara Mista do Tribunal Judicial de Braga, a arguida, em 26.01.2004 - quando se encontrava em liberdade condicional – foi presa preventivamente.
13. Por acórdão proferido em 12.11.2004 no processo comum colectivo NUIPC 44/03.0PEBRG, alterado em parte pelo acórdão do TRG de 05.12.2005, transitado em julgado em 26.12.2005, por factos de Julho de 2003 a 26.01.2004, a arguida foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do D. L. n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 6 anos e 6 meses, e de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 3 meses, e em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos e 7 meses de prisão.
14. Essa pena ficou computada com 5/6 para 21.07.2009 e com termo em 26.08.2010.
15. Por decisão de 07.06.2006, proferida no processo 132/00.5TXPRT-A do 2.º Juízo do TEP Porto foi revogada a liberdade condicional concedida à arguida em 06.06.2002 a operar desde 21.07.2002 a 27.06.2005, tendo sido ordenado o cumprimento do remanescente da pena a que tinha sido condenada no processo comum colectivo NUIPC 17/96.8GTBRG.
16. Atingidos os 5/6 da pena do NUIPC 44/03.0PEBRG, a arguida foi desligada deste e ligada ao cumprimento do remanescente da pena à ordem do processo comum colectivo NUIPC 17/96.8GTBRG, cujo termo foi fixado em 27.06.2012.
17. Nessa data, a arguida iniciou o cumprimento da liberdade condicional obrigatória pelos 5/6 da pena a que tinha sido condenada no processo comum colectivo NUIPC 44/03.0PEBRG, cujo termo foi fixado para 02.08.2013.
18. Por acórdão, não transitado em julgado, proferido em 26.02.2014 no processo comum colectivo NUIPC 42/12.3PEGMR da 1.ª Vara de Competência Mista de Guimarães, a arguida foi condenada pela prática em 10.12.2012 de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a) do D. L. n.º 15/93 de 22 de Janeiro na pena de 3 anos de prisão.
19. Em Outubro de 2013, a arguida combinou com um individuo de etnia cigana conhecido por E…, vir buscar produto estupefaciente ao Porto e transportá-lo até Braga, recebendo por tal actividade a quantia de 100€, ao que acrescia o pagamento das despesas do transporte, no valor de 60€.
20. Nessa conformidade, a arguida, no dia 17.10.2013, contactou com o D…, com quem contratou o transporte desde a cidade de Braga até ao …, no Porto, para aí se encontrar com um individuo que lhe tinha sido indicado pelo tal E… que lhe ia entregar o estupefaciente.
21. Chegada ao bairro a arguida recebeu a encomenda, tendo-a guardado.
22. Pouco depois, cerca das 16h55m, e quando se preparava para abandonar o referido bairro no táxi conduzido pelo D…, a arguida foi interceptada por elementos da PSP.
23. Nessas circunstâncias, a arguida tinha consigo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 23,181 gramas, a quantia de €215,00 (duzentos e quinze euros), um telemóvel de marca Sony Ericson, modelo …, com o número de série ……………, no valor de €10,00, um telemóvel de marca Nokia, modelo …, com o número de série ……………, com cartão n.º …………, no valor de €10,00, um telemóvel de marca Samsung, com o número de série ……………, com o valor de €10,00 e um telemóvel de marca Alcatel, com o número de série ……………, com o cartão SIM ………, no valor de €10,00.
24. Conduzida à esquadra da PSP, a fim de ser sujeita a revista, a arguida tentou esconder as duas embalagens de cocaína que trazia consigo junto a um vaso, a fim de evitar a sua detenção.
25. A arguida detinha o estupefaciente com que foi encontrada, com o intuito de o transportar até Braga e entregar ao referido “E…”.
26. O dinheiro que tinha na sua posse resultou do pagamento da quantia de 160 € por parte do tal “E…” – 100€ pelo serviço e 60€ para o táxi -, sendo que os outros 55€ tiveram proveniência não apurada.
27. A arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.
28. A arguida sabia que não lhe era lícito receber, comprar, por à venda, vender, deter, adquirir, guardar, transportar, distribuir ou ceder cocaína (cloridrato), substância cuja natureza estupefaciente e características psicotrópicas bem conhecia e que detinha, com o intuito de obter ganhos económicos.
29. Apesar de a arguida ter sofrido as descritas condenações, estas não constituíram suficiente reprovação e advertência para evitar novas práticas delituosas, antes tendo a arguida optado, de forma culposa, por continuar a praticar actos ilícitos tal como aqueles porque anteriormente havia sido condenada.
30. As condenações anteriormente aplicadas à arguida, assim como as penas de prisão que cumpriu, não constituíram dissuasão suficiente para a afastar da prática de novos ilícitos criminais, como bem demonstram os factos dos presentes autos.
31. A arguida possui os antecedentes criminais supra referidos e que constam do CRC de fls. 508 a 516, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
32. Do seu relatório social resulta o seguinte:
I – Dados relevantes do processo de socialização
B… é oriunda de um agregado familiar de etnia cigana, tendo o seu processo de crescimento e acompanhamento educativo decorrido de acordo com as regras e hábitos culturais específicos da sua etnia de pertença.
Decorrente de um estilo de vida com elevada mobilidade, e face à desvalorização do papel da escola no desenvolvimento dos indivíduos, particularmente no caso das mulheres, foi orientada para o desempenho de tarefas domésticas e de futuro cônjuge, não chegando a frequentar o ensino.
O exercício laboral circunscreveu-se ao apoio à actividade dos pais, venda ambulante, e a que deu continuidade após se autonomizar do agregado de origem.
Estabeleceu união de facto com 12 anos de idade, no seio da sua etnia de pertença, da qual tem seis filhos, um já falecido. O seu percurso de vida em termos comunitários está associado ao …, em Braga, onde reside uma comunidade cigana significativa, e que está associado a problemáticas criminais nomeadamente tráfico de estupefacientes.
O seu envolvimento com o sistema de justiça penal remonta pelo menos a 1995, data em que foi co-arguida do companheiro F…, acusada da prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
Posteriormente regista outros confrontos com o sistema de justiça, por tráfico de estupefacientes, sendo condenada numa pena de 9 anos e 5 meses de prisão, com concessão de liberdade condicional aos dois terços da pena em 21.07.2002, porém a prática de factos idênticos em 2003/2004 conduziram-na a nova condenação, desta feita na pena de 6 anos e 7 meses, e consequente revogação da liberdade condicional e cumprimento do remanescente em falta da anterior pena. Neste contexto, veio a ser-lhe concedida a liberdade condicional aos 5/6 da pena perfeitos em 27/06/2012.
II – Condições sociais e pessoais
Após a colocação em liberdade em 27/06/2012, a arguida reintegrou o meio sócio-familiar correspondente ao …, tendo dado início ao acompanhamento da liberdade condicional junto da equipa da DGRSP territorialmente competente. Mantendo residência com o cônjuge e um neto, a dinâmica familiar mostrava-se prejudicada pela toxicodependência e envolvimento em actividades conotadas com o tráfico de estupefacientes por parte do primeiro, o qual veio a ser preso em Setembro 2012.
Preservava o convívio e o apoio de outros familiares residentes no mesmo bairro, subsistindo formalmente da manutenção da venda ambulante e da pensão.
Correspondia genericamente às obrigações no âmbito da execução da liberdade condicional, comparecendo nas entrevistas agendadas, porém sem se lograr contactá-la nas ocasiões em que a equipa responsável pelo acompanhamento se deslocou ao …. Confrontada, alegava que permanecia grande parte do tempo disponível em Guimarães, junto de uma filha com 4 descendentes a quem prestava apoio. Porém, posteriormente, veio a informar que havia arrendado um apartamento sito na …, nº .., .º Esq., Braga, no início de 2013, com o argumento de se desvincular do meio social correspondente ao … e das dinâmicas aí persistentes ao nível do tráfico e consumo e estupefacientes.
Caracteriza o quotidiano que protagonizava como de dificuldade económica, em virtude de subsistir da escassa venda ambulante e da pensão, sendo com estes rendimentos que garantia as necessidades do neto que consigo vivia, com 20 anos de idade, e apoiava a sua filha residente em Guimarães e com descendentes menores.
Futuramente, afirma que fixará residência no apartamento que mantém arrendado na morada supra referida, pelo qual paga €200 mensais, desenvolvendo um quotidiano direccionado para o apoio ao neto acima referido e aos filhos, como vendedora ambulante, embora já com limitações inerentes à sua saúde. Refere igualmente que está ultrapassado o desentendimento conjugal que invocava na fase inicial do actual período de privação da liberdade, projectando agora retomar o relacionamento.
Em meio prisional desde 18.10.13, B… não tem tido visitas regulares, tendo alegado a situação de carência da filha que vive em Guimarães e do filho residente em Braga, porém este descendente afirmou-nos não pretender apoiar a arguida, face à sua opção de vida desviante, onde se insere a prática de crimes de tráfico de estupefacientes, e a sua desresponsabilização do exercício parental.
III – Impacto da situação jurídico-penal
B… deu entrada neste estabelecimento prisional em 18.10.2013, à ordem dos presentes autos.
Entretanto, no processo nº 42/12.3PEGMR da 1ª Vara Mista de Guimarães foi condenada na pena de 3 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, decisão de que interpôs recurso.
Tem sido capaz de manter um comportamento de acordo com o normativo institucional, de adoptar uma interacção cordata com os intervenientes no sistema prisional, e paralelamente tem permanecido ocupada no sector oficinal, factos a que não serão alheios os seus antecedentes criminais e experiências de reclusão passadas, e como tal é conhecedora das dinâmicas institucionais e jurídico-penais que pensa poderem ser-lhe favoráveis.
A arguida verbaliza vontade em reorganizar a sua vida futura de forma responsável, contudo, revela um discurso desculpabilizante quando avalia os seus confrontos com o sistema de justiça penal, as penas de prisão que já cumpriu e a reincidência na prática do mesmo tipo de crime (tráfico de estupefacientes).
IV – Conclusão
B… não dispõe de competências pessoais potenciadoras de uma inserção adequada e expectável ao normativo social vigente, fruto de um processo de socialização deficitário e num quadro cultural, hábitos de vida, e normas características da sua etnia de pertença.
O seu trajecto criminógeno coloca à evidência a persistência de lacunas ao nível da interiorização dos normativos legais vigentes, característica que nem mesmo o anterior cumprimento de penas de prisão e posterior concessão de medidas de flexibilização modificou até à data.
As condições de reinserção social de que dispõe actualmente são similares às que têm acompanhado o seu trajecto de vida, com inserção laboral precária e de subsistência, com vivência em redes de interacção comunitárias de cariz criminógeno, e com deficits ao nível do apoio familiar.
Pelo exposto, as necessidades de reinserção social da arguida revelam-se acentuadas, com enfoque para uma intervenção técnica direccionada para a sua motivação tendo em vista a interiorização da obrigatoriedade do respeito pelos normativos legais vigentes.

Factos não provados
Não ficaram provados os seguintes factos:
- que em Outubro de 2013 a arguida se tivesse dedicado à comercialização de produtos estupefacientes, designadamente, cocaína, que vendia aos consumidores que a procuravam para adquirir tal produto.
- que para levar a cabo tal actividade, a arguida adquiria quantidades não apuradas de produto estupefaciente, nomeadamente, cocaína, que depois cortava, pesava e embalava em doses individuais, para vender aos consumidores que a procuravam.
- que para adquirir o produto estupefaciente, a arguida se deslocava desde a sua residência, sita na cidade de Braga, até ao …, no Porto, local conotado com o tráfico de estupefacientes.
- que para efectuar tais deslocações, a arguida contactava telefonicamente D…, taxista, que contratava para a transportar até ao referido Bairro, o que aconteceu, pelo menos, em 10 ocasiões.
- que a arguida destinava a droga com que foi encontrada à venda a consumidores, resultando a quantia monetária de anteriores vendas de estupefaciente.
- que a arguida apenas não tivesse concretizado a venda da cocaína a terceiros, mercê da intervenção da PSP.
- que os quatro telemóveis que a arguida trazia eram utilizados pela arguida para estabelecer contactos com os consumidores e na sua actividade de tráfico.
- que durante o período sobre que versa a presente acusação, a arguida não tivesse exercido qualquer actividade profissional remunerada.
- não resultaram também provados outros factos alegados na acusação, na contestação ou alegadas durante a discussão da causa e que se mostrem em contradição com os factos dados como provados ou por eles prejudicados.
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A exigência legal de fundamentação das decisões judiciais, em particular das sentenças, só é cabalmente satisfeita se contiver a enumeração dos factos provados e não provados e, bem assim, uma exposição completa, mas concisa, dos motivos de facto e de direito e a indicação do elenco de provas que serviram para formar a convicção do tribunal, sendo que a formação dessa convicção há-de decorrer de uma valoração racional e crítica - de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, designadamente de psicologia judiciária - das provas, de modo que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos (assim garantindo o controlo crítico da lógica da decisão, permitindo aos sujeitos processuais o recurso da mesma decisão com perfeito conhecimento da situação e ao tribunal de recurso aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam, ou não, o raciocínio e a avaliação da 1.ª instância sobre o material probatório que teve à sua disposição e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar)[2] e promover a sua aceitabilidade, ou seja, “de modo tal que quando confrontados terceiros com o decidido possam estes aderir ou afastar-se, também racionalmente, da valoração feita”[3].
Como se pode ler no acórdão do STJ, de 28.02.2007 (disponível em www.dgsi.pt), satisfaz a exigência legal de fundamentação a sentença que descreve “o iter lógico e racional trilhado pelo colectivo, de modo a poder afirmar-se que a condenação procede de uma apreciação correcta das provas, apresentando-se como uma peça coerente, fundada, convincente e à margem do arbítrio, não enfermando de contradições ou lacunas de pensamento, não violadora das regras da experiência e do bom senso, capaz de se impor quer aos sujeitos processuais quer à comunidade mais vasta dos cidadãos, seus destinatários”. Ou como se esclarece no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98, de 02.12.1998, “a fundamentação do tribunal colectivo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao Tribunal Superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório”.
A recorrente censura a decisão recorrida por não “esclarecer devidamente todo o processo lógico mental de formação da convicção que lhe permitiu determinar e aplicar aquela concreta pena aplicada” e por isso “não habilita nem possibilita ao tribunal superior - no caso este Tribunal da Relação do Porto - nem tão pouco ao recorrente, fazer uma avaliação segura e cabal da razão de ciência da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório” (conclusão III).
No entanto, não se alcança onde pretende chegar a recorrente ao referir-se ao “processo… de formação da convicção que lhe permitiu determinar e aplicar aquela pena aplicada”, pois esse processo (de determinação da pena) não é uma questão de convicção nem uma decisão sobre matéria de facto.
No procedimento de escolha e determinação da pena, o tribunal deve indicar as razões de facto e de direito por que optou por determinada pena (naturalmente, quando seja possível fazer uma opção) e quais os factores que influíram na fixação do quantum da pena.
Parece que é a essa fundamentação que se refere a recorrente (cfr. conclusão XV), mas, como mais adiante veremos, não lhe assiste razão, pois o acórdão recorrido contém uma longa e exaustiva fundamentação da pena aplicada.
Mas, no entendimento da recorrente, nula seria, ainda, a sentença porque confessou os factos e manifestou arrependimento e esses factos “deveriam ter sido dados como provados e não o foram” (conclusão v), ou melhor, “teria o Tribunal a quo que, no seu douto Acórdão, pronunciar-se sobre a confissão e sobre o arrependimento da arguida, dando como provado ou como não provada essa factualidade, porque relevante para a decisão da causa” (conclusão VII) e, não o tendo feito, incorreu em “omissão de pronúncia, porque a confissão e o arrependimento foram alegados, são juridicamente relevantes, e resultaram da prova produzida, nomeadamente das declarações da arguida, e no que se refere à confissão, do próprio texto do douto acórdão” (conclusão VI).
Importa, antes de mais, frisar que o tribunal não está obrigado a indicar ou fazer qualquer exame crítico sobre factos que não foram alegados, nem resultaram da discussão da causa.
Os factos provados e não provados cuja enumeração tem de constar da fundamentação da sentença são os descritos na acusação (pública e/ou particular), os alegados pela defesa e os demais factos relevantes (quer para a imputação objectiva e subjectiva de um crime, quer para a determinação da pena) que resultarem da discussão da causa.
Mas também é entendimento corrente que essa enumeração se refere, apenas, aos factos essenciais e que, relativamente à enumeração dos factos não provados, não se exige a mesma minúcia que para os provados e fundamental é que da fundamentação da sentença resulte a certeza de que foram apreciados e objecto de ponderação pelo tribunal.
Neste caso, a confissão da arguida (que não foi integral e sem reservas) não integra o elenco de factos provados, mas não são legítimas quaisquer dúvidas de que foi devidamente tida em conta pelo tribunal: não só porque é mencionada na fundamentação probatória do acórdão, mas também (e sobretudo) porque é, expressamente, referida como circunstância com influência na determinação da pena (cfr. página 17 do texto do acórdão).
Quanto ao invocado arrependimento, convém deixar claro que a arguida não o alegou na contestação (em que se limitou a negar a prática dos factos, a arguir a ilegalidade da sua detenção e a oferecer “o merecimento dos autos em tudo o que resultar em sua defesa), mas nem por isso foi ignorado pelo tribunal.
Embora não explicitamente referido, o tribunal entendeu que a arguida não revelou genuíno arrependimento e por isso não o considerou facto provado, depreendendo-se que assim foi porque na enunciação da “factualidade não provada” se afirma que “não resultaram também provados outros factos…que se mostrem em contradição com os factos dados como provados” e, entre estes, está o facto de a arguida revelar “um discurso desculpabilizante quando avalia os seus confrontos com o sistema de justiça penal, as penas de prisão que já cumpriu e a reincidência na prática do mesmo tipo de crime (tráfico de estupefacientes)”.
Aliás, esse “discurso desculpabilizante” está bem patente na passagem das declarações que prestou em audiência e que transcreve na motivação do recurso para defender que o arrependimento deveria ter sido dado como provado.
De resto, está bem de ver que o invocado arrependimento colide frontalmente com os fundamentos da aplicação de pena relativamente indeterminada.
Por tudo o exposto, improcede a arguição de nulidade do acórdão recorrido.
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Das várias operações que o procedimento de determinação da pena envolve, a primeira a realizar é a determinação da moldura penal cabida ao(s) crime(s) praticado(s).
Se ao legislador compete estatuir as molduras penais para cada crime, valorando para o efeito a gravidade máxima e mínima que o ilícito de cada um dos tipos pode assumir, e oferecer ao juiz uma directriz, tanto quanto possível precisa, sobre os critérios de que este deve socorrer-se na escolha e na determinação concreta da pena, ao juiz cabe a tarefa de, por um lado, determinar a moldura penal cabida aos factos provados e, por outro, dentro desta moldura penal, encontrar o quantum concreto de pena a cominar ao arguido.
A primeira operação a realizar é, pois, a determinação da moldura penal cabida a cada crime, o que passa, não só por apurar qual a pena que a norma incriminadora estatui, mas também por verificar se ocorrem circunstâncias modificativas, que fazem com que se alterem, baixando (circunstâncias modificativas atenuantes) ou elevando (agravantes modificativas), os limites mínimo e/ou máximo da moldura da pena correspondente ao crime cometido.
Essas circunstâncias podem ser arrumadas em duas categorias: as que operam ope legis e aquelas que, para actuarem, carecem da intervenção judicial, dependem de um juízo de valor positivo por parte do julgador (operam ope judicis).
A ilicitude do facto consideravelmente diminuída que pode fundamentar uma atenuação especial da pena (artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal) já foi considerada quando do enquadramento jurídico-penal da conduta da arguida no artigo 25.º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pelo que não pode ser, novamente, tomada em conta, agora na determinação da pena.
Outra circunstância susceptível de modificar os limites da moldura penal correspondente ao crime cometido (elevando o limite mínimo) é a reincidência.
Como se evidenciou na decisão recorrida, mostram-se verificados, no caso, todos os pressupostos da reincidência. No entanto, decidiu-se que o caminho a seguir devia ser outro – o da aplicação de pena relativamente indeterminada – e não podem ser aplicados, em simultâneo, os dois institutos, prevalecendo este último.
Depois de doutas considerações sobre as vantagens e, sobretudo, os malefícios da pena de prisão e de invocar o artigo 70.º do Código Penal que, é sabido, estabelece uma directriz clara, dirigida ao julgador, no sentido de dar preferência à pena não detentiva quando prevista em alternativa com pena privativa da liberdade, a recorrente conclui que “a opção pela pena de prisão só se justificará quando tal for imposto pelos fins das penas” (conclusão XIII).
Determinada a moldura penal cabida aos factos provados, pode acontecer (e em muitos casos assim acontece) que a respectiva norma incriminadora preveja uma dualidade de punição, uma pena compósita alternativa: prisão ou multa, as duas penas principais que o nosso sistema penal conhece.
Ao julgador exige-se, então, que faça uma escolha, que eleja entre essas duas espécies de pena aquela que se mostra mais adequada no caso concreto e o art.º 70.º do Cód. Penal fornece-lhe o já mencionado critério orientador: deve dar preferência à pena não detentiva sempre que esta realize de forma adequada as finalidades da punição.
Mas a preferência pela pena não detentiva pressupõe que, no caso concreto, seja aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade. No entanto, não é caso.
Com efeito, a arguida/recorrente foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade do artigo 25.º, al. a), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que estatui, não uma pena compósita alternativa (prisão ou multa), mas, apenas, a pena de prisão de um a cinco anos.
Saber se é de aplicar uma pena substitutiva da pena de prisão é questão que só se coloca depois de fixada a concreta medida da pena.
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Como se refere na decisão recorrida, e decorre do disposto no art.º 71.º, n.º 1, do Cód. Penal, é em função do binómio prevenção-culpa que se há-de encontrar a medida da pena, assim se satisfazendo a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a exigência de que a vertente pessoal do crime limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.
Tende a ser consensual na jurisprudência o acolhimento da doutrina[4] de que a pena visa finalidades, exclusivamente, preventivas (de prevenção geral e de prevenção especial), cabendo à culpa a função de impedir excessos, sendo pressuposto (não pode haver pena sem culpa) e limite inultrapassável da pena (em caso algum a medida desta pode ultrapassar a medida da culpa).
O momento inicial, irrenunciável e decisivo da fundamentação da pena repousa numa ideia de prevenção geral, uma vez que ela (pena) só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídico-penais.
Na primeira instância, depois de pertinentes considerações sobre os critérios legais de determinação das penas, justificou-se assim a pena aplicada:
“Assim sendo temos que ponderar as seguintes circunstâncias:
- a ilicitude do facto, dentro do ilícito do art.º 25.º é média, atento, por um lado a qualidade do produto e a sua quantidade, embora mitigado pelo facto de estarmos perante um simples transporte e não existirem actos de venda;
- as exigências de prevenção geral são de elevada intensidade;
- a culpa é elevada, atento o dolo;
- a prevenção especial também se faz sentir com muita intensidade, atento os antecedentes criminais da arguida, que já tinha sido condenada anteriormente e por várias vezes pela prática deste ilícito, tendo cumprido pena de prisão. A este propósito há que referir que entre 20.05.1995 e 27.06.2012, a arguida teve o total de dias em liberdade (ainda que condicional ou sujeita a medida de coacção) de 3 anos, 8 meses e 1 dia, o que é bem exemplificativo das necessidades muito elevadas da prevenção especial.
Por fim, há que referir que a arguida confessou a prática dos factos.
Todos estes factos ponderados, afigura-se-nos como adequado e suficiente aplicar ao arguido a pena de prisão de 3 anos e 6 meses de prisão”.

Como, facilmente, se constata, não tem fundamento a alegação de que o tribunal a quo “não deu (…) cabal cumprimento o disposto no n.º 2 do artigo 374° do Código Processo Penal, uma vez que, não fez uma exposição completa dos motivos de facto e direito que fundamentaram a escolha e determinação da medida da pena” e que não valorou “qualquer circunstância que depusesse a favor da arguida (…), nem sequer considerado as concretas necessidades de prevenção especial” (conclusão XV).
Prevenção geral positiva ou de integração, tendo-se em vista uma concepção integrada de intimidação que actue dentro do campo marcado por padrões ético-sociais de comportamento que a ameaça da pena visa justamente reforçar, é, como se referiu, o elemento decisivo de fundamentação da pena.
É esta ideia de prevenção geral positiva, enquanto finalidade primordial visada pela pena, que dá conteúdo ao princípio da necessidade da pena consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição Portuguesa.
São as exigências de prevenção geral que hão-de definir a “moldura da prevenção” (em que o quantum máximo da pena corresponderá à medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar e o limite inferior é aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar), dentro da qual cabe à prevenção especial (por regra, positiva ou de (res)socialização) determinar a medida concreta.
A determinação da medida da pena em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto e as chamadas consequências extra-típicas) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Neste conspecto, cabe destacar a particular premência das necessidades de prevenção geral (não só positiva ou de integração, mas também negativa ou de intimidação), pois que “os tráficos de estupefacientes são comunitariamente sentidos como actividades de largo espectro de afectação de valores sociais fundamentais, e de intensos riscos para bens jurídicos estruturantes, e cuja desconsideração perturba a própria coesão social, não só pelo enorme perigo e dano para a saúde dos consumidores de produtos estupefacientes, como por todo o cortejo de fracturas sociais que lhes anda associado, quer nas famílias, quer decorrente de infracções concomitantes, quer ainda pela corrosão das economias legais com os ganhos ilícitos resultantes das actividades de tráfico” (acórdão do STJ, de 13.01.2010; Cons. Henriques Gaspar).
Não é a circunstância de a arguida, neste caso, se ter limitado a, por encomenda de um tal “E…”, deslocar-se ao Porto e aí ter recebido do fornecedor cerca de 23 gramas de cocaína que iria transportar para Braga que faz com que as necessidades de prevenção sejam menores, conhecida que é a importância que têm estes “elos” (ditos “mulas”) na cadeia de distribuição-comercialização (e, por conseguinte, na disseminação) da droga. É a sua intervenção que permite aos que estão num patamar superior da cadeia (aos “G…” e H…) escapar ao controlo policial e ficar impunes.
Por tudo isto são cada vez mais prementes as necessidades de prevenção geral (também negativa ou de intimidação), acentuando-se as exigências repressivas, em detrimento da reinserção social.
Neste contexto, a medida de 2 anos e 6 meses de prisão (coincidente com o meio da pena) afigura-se-nos corresponder ao limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar.
Como limite superior (a tal medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar), afigura-se-nos ajustada a medida de 4 anos de prisão (que corresponde ao limite mínimo da medida legal da pena do crime de tráfico de estupefacientes na formulação matricial do artigo 21.º do Dec. Lei n.º 15/93).
Dentro dessa sub-moldura penal, cabe à prevenção especial [por regra, positiva ou de (res)socialização] a função de encontrar o quantum exacto da pena.
São gritantes as carências de socialização da arguida/recorrente, que tem revelado grande dificuldade em ajustar-se às normas de convivência social e uma persistente atitude de desresponsabilização (patente no discurso de desculpabilização que apresenta).
As fortes exigências de prevenção especial apontam para uma pena coincidente com o referido limite superior da sub-moldura penal.
Relevante para a determinação do grau de culpa (e, portanto, para a definição do limite da pena) são os factores elencados no art.º 71.º, n.º 2, do Cód. Penal e que, basicamente, têm a ver, quer com os factos praticados, quer com a personalidade do agente que os cometeu.
De acordo com a lição do Professor Figueiredo Dias (“Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 245), porque a culpa jurídico-penal é “censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito”, há que tomar em consideração todas as circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídica cometida (o dano, material ou moral, causado pela conduta e as suas consequência típicas, o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, o modo de execução do facto, o grau de conhecimento e a intensidade da vontade nos crimes dolosos, a reparação do dano pelo agente, o comportamento da vítima, etc.) e a personalidade do agente [condições pessoais e situação económica, capacidade para se deixar influenciar pela pena (sensibilidade à pena), falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, e conduta anterior e posterior ao facto].
A arguida agiu com dolo directo (e é difícil conceber outra modalidade de dolo nos crimes de tráfico de estupefacientes), modalidade em que predomina o elemento volitivo. Daí que, por regra, a vontade criminosa do agente seja mais intensa.
Para enquadrar jurídico-penalmente os factos no tráfico de estupefacientes de menor gravidade, houve que concluir pela acentuada diminuição da ilicitude.
No entanto, dentro do tráfico de menor gravidade, é óbvio que pode ser diferentemente graduada a ilicitude das respectivas condutas (a moldura penal é suficientemente ampla para ter em conta essa graduação).
Um “dealer” que vende, apenas, haxixe não pode ser punido do mesmo modo que aquele que se dedica à venda de cocaína e/ou heroína.
A qualidade e a quantidade dos produtos estupefacientes traficados, são elementos que não podem deixar de pesar na determinação do grau de ilicitude das diversas condutas.
Por outro lado, não pode deixar de se valorar gradativamente a perigosidade intrínseca e social dos vários tipos de drogas, sendo geralmente reconhecido que é maior a perigosidade da cocaína e da heroína.
Ora, a quantidade de cocaína que a arguida detinha (cerca de 23 gramas), no contexto do pequeno tráfico, é muito significativa.
À confissão dos factos, tendo a arguida sido detida em flagrante delito, não pode ser atribuído o relevo atenuativo que ela reivindica, até porque a confissão, por si só, não é sinal de arrependimento.
Além das fortes carências de socialização que evidencia, a arguida/recorrente já sofreu várias condenações (na sua maioria, também, por crimes de tráfico de estupefacientes) e, desde 1995, a sua trajectória de vida tem sido passada entre a instituição prisional e o meio exterior, o que nos permite afirmar que revela indiferença ao aviso de conformação jurídica da sua vida contido nessas anteriores sentenças condenatórias.
A sucessão de crimes praticados pela arguida denota grande dificuldade em manter uma conduta lícita, o que releva, não só por via da culpa, mas também por via da prevenção especial. Prevenção que não tem de actuar, sempre e só, ao nível da (res)socialização. Neutralização, intimidação ou (re)inserção social são meios especial-preventivos sempre ao serviço de um objectivo: impedir ou fazer desistir o delinquente de cometer futuros crimes.
Neste caso, tem de prevalecer a função de advertência e de inocuização.
Por tudo o que fica exposto, não vislumbramos razões atendíveis para que a pena de 3 anos e 6 meses de prisão (um pouco acima da que lhe foi aplicada em 26.02.2014, no âmbito do processo comum n.º 42/12.3 PEGMR, também por tráfico de menor gravidade) deva considerar-se “exagerada, desproporcionada e desajustada e contrária aos fins das penas e às concretas exigências de prevenção geral e especial”, como a qualifica a recorrente. É, pelo contrário, perfeitamente adequada à culpa da arguida e a medida necessária para satisfazer as muito fortes exigências de prevenção (quer geral, quer especial).
*
A arguida pretende que este tribunal sindique a decisão da primeira instância de negar a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.
Pode considerar-se uniforme a jurisprudência no sentido de que a suspensão da execução da pena não é uma faculdade de que o juiz pode, ou não, usar, mas antes um poder-dever, isto é, um poder vinculado. Por isso que a decisão do tribunal, qualquer que ela seja, exige uma fundamentação específica, devendo explicitar as razões do juízo de prognose (positivo ou negativo) que formule quanto ao comportamento futuro do condenado (cfr., entre outros, os acórdão do STJ, de 20.02.2003, CJ/Acs STJ, 2003, T. I, 206, e de 11.02.2010, www.dgsi.pt/jstj, e o acórdão do TRL de 27.01.2010, www.dgsi.pt/jtrl; jurisprudência que acolhe a doutrina de Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, p. 341-342), constituindo a falta de pronúncia expressa uma nulidade que é de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do Cód. Proc. Penal (cfr. acórdão do STJ, de 20.02.2008, www.dgsi.pt/jstj).
Estando verificado o requisito formal da suspensão da execução da pena (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos), há que indagar se ocorre o respectivo pressuposto material.
O tribunal “a quo” entendeu que não e justificou assim a conclusão a que chegou:
“Nos termos do art.º 50.º do C. Penal, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições de sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
In casu e tendo em conta os antecedentes criminais da arguida, é evidente que a simples censura e a ameaça de prisão não são suficientes para afastar o arguido da criminalidade, antes sendo necessário uma postura firme deste Tribunal para evitar que a arguida volte a delinquir”.
Sendo considerações de prevenção geral e de prevenção especial de (res)socialização que estão na base da aplicação das penas de substituição, o tribunal só deve recusar essa aplicação “quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente” ou, não sendo o caso, a pena de substituição só não deverá ser aplicada “se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”[5].
Apesar da parcimónia na fundamentação da sua decisão, do trecho transcrito resulta bem claro que o tribunal «a quo» assentou a sua decisão na impossibilidade de formular um juízo de prognose favorável relativamente à conduta futura da arguida devido aos seus antecedentes criminais.
Para contrariar este juízo de prognose negativo formulado na sentença recorrida, a recorrente limita-se a alegar “o seu papel meramente instrumental no crime em julgamento (conclusão XXII).
O juízo de prognose de que aqui se fala nada mais é que uma previsão sobre o comportamento futuro do arguido, ou seja, trata-se de saber se, tendo em conta a sua personalidade, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste, é possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sobretudo se bastarão para afastar o arguido da criminalidade, pois é esta a finalidade precípua do instituto da suspensão[6].
Comecemos pela conduta anterior e posterior ao facto.
Antes de mais, importa salientar que este factor só será relevante para a questão aqui equacionada se e na medida em que estiver conexionado com o facto e assim possa relevar para a determinação das exigências de prevenção, sobretudo de prevenção especial.
Se é certo que, como já se referiu, a existência de condenações anteriores constitui um índice de exigências acrescidas de prevenção, também se aceita facilmente que a existência de condenação ou condenações anteriores “não é impeditiva, a priori, da concessão da suspensão”[7].
Ora, como já se acentuou, os crimes anteriormente cometidos são quase todos de tráfico de estupefacientes (das seis condenações já sofridas, não incluindo a deste processo, quatro são por crimes de tráfico de estupefacientes e dois por receptação) e por isso é manifesta a conexão entre todos os crimes reiterados, ou seja, estamos perante uma reiteração homótropa.
Mas o que mais sobressai e justifica o juízo de prognose negativo que o tribunal de 1.ª instância formulou é a circunstância de, logo que sai da cadeia, a arguida voltar a delinquir, sinal claro de uma inclinação para o crime.
Já vimos que, pelas razões apontadas, a confissão feita (que não foi integral e sem reservas) não pode relevar significativamente a favor de um juízo de prognose positivo, tanto mais que dela (confissão) não pode deduzir-se qualquer arrependimento genuíno.
A arguida não tem hábitos de trabalho e não será agora, nesta idade, que vai adquiri-los. Tal como não será, certamente, a venda ambulante a que se dedicava, quando em liberdade, que lhe vai permitir angariar meios de subsistência.
A arguida não beneficia de qualquer apoio familiar.
A ressocialização do arguido parte da sua vontade de querer nortear-se pelo respeito dos valores ético-jurídicos comunitários e de respeitar os bens jurídicos penalmente tutelados, postura que tem de manifestar-se em atitudes comportamentais que, objectivamente, elucidem que está realmente interessado no caminho da reinserção social.
Porém, os factos apurados não indicam que seja esse o caminho que a arguida quer, genuinamente, trilhar.
Se há casos em que a formulação de um juízo de prognose negativo não deixa qualquer dúvida, este é, seguramente, um deles.
Se é certo que se deve privilegiar a socialização em liberdade, não é menos certo que a defesa do ordenamento jurídico não pode ser postergada, sob pena de se sacrificar a função de tutela de bens jurídicos que a pena, irrenunciavelmente, desempenha[8].
Em conclusão, não merece censura a decisão recorrida de denegar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada à arguida.
*
A arguida/recorrente insurge-se, por último, contra a aplicação da pena relativamente indeterminada.
Não questiona a verificação, no caso, do pressuposto formal da aplicação dessa pena, mas rejeita que tenha uma personalidade com acentuada inclinação para o crime.
Isto porque, no dizer da recorrente, “a gravidade da sua conduta, em termos de crimes praticados, vem diminuindo, sendo manifestamente episódica e instrumental, e no momento da condenação o seu comportamento é ajustado e conforme ao direito” (conclusão XXIII).
O acórdão condenatório contém uma extensa, exaustiva e proficiente fundamentação e por isso são dispensáveis outras considerações.
É inquestionável que a propensão para a prática de crimes tem de persistir na altura da condenação (em que é aplicada a pena relativamente indeterminada), mas a única razão que se descortina para que a recorrente sustente que nesse momento o seu comportamento já era “ajustado e conforme ao direito” reside na circunstância de, por estar em prisão preventiva, não ter podido continuar a actividade de tráfico de estupefacientes a que se dedica quando se encontra em liberdade.
No entanto, sobra claro que a sucumbência da arguida B… é, consequência de uma qualidade desvaliosa enraizada na sua personalidade e não fruto de causas fortuitas, acidentais, exclusiva ou predominantemente exógenas.
Como se assinala no acórdão recorrido, desde meados da década de 90 do século passado que a arguida/recorrente vem cometendo crimes de tráfico de estupefacientes e, desde então e até ser, por último, detida (em Outubro de 2013), esteve privada da liberdade, entre quatro paredes de um estabelecimento prisional, durante mais de 14 anos (!!!). Essa situação só tem uma explicação plausível: quando está em liberdade, a arguida reincide nas práticas delitivas. Assim aconteceu da última vez que saiu em liberdade condicional (em 27.06.2012), pois que, decorridos alguns meses (em 10.12.2012), cometeu novo crime de tráfico de estupefacientes e em 17.10.2013 praticou os factos que constituem o objecto deste processo.
A recidiva da arguida só se explica por ela ser incapaz de interiorizar a censurabilidade da sua conduta (incapacidade revelada no seu discurso desculpabilizante) e a admonição contida nas anteriores condenações.
Por isso que, se fosse posta em liberdade neste momento, muito provavelmente, voltaria à actividade de tráfico de estupefacientes porque é notória a sua propensão para delinquir.
IIIDispositivo
Em face do exposto, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso de B… e confirmar a decisão recorrida.
Por ter decaído, pagará o recorrente as custas do processo, fixando-se em quatro UC´s a taxa de justiça devida (artigos 513.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, 1.º, n.º 2, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo dos disposto na al. j) do n.º 1 do art.º 4.º do mesmo Regulamento).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).

Porto, 05-11-2014
Neto de Moura
Maria Luísa Arantes
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[1] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I – A, de 28.12.1995.
[2] A chamada função endoprocessual da fundamentação.
[3] Paulo Saragoça da Matta, “A livre apreciação da prova e a fundamentação da sentença”, in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, 251.
[4] Cujo expoente máximo é, sabidamente, o Professor Figueiredo Dias (cfr. a sua obra “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2004, 75 e segs., que, neste ponto, seguimos de perto).
[5] Professor Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, 333.
[6] Como afirma o Professor Figueiredo Dias, Ob. Cit., 343, é na “prevenção da reincidência” que se traduz o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização.
[7] Ainda, Figueiredo Dias, Ob.Cit., 344.
[8] Uma das dimensões da prevenção geral positiva é o restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva e individual e é através da condenação penal, enquanto reafirmação efectiva da validade das normas violadas e, portanto, da importância dos bens jurídicos lesados, que essa mensagem de confiança é dada.