Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1098/22.6T8AVR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: REVOGAÇÃO DO MANDATO JUDICIAL
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP202511261098/22.6T8AVR-B.P1
Data do Acordão: 11/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A revogação do mandato pressupõe duas notificações: uma, dirigida à contraparte processual, com função informativa; outra, dirigida ao mandatário, que tem função extintiva do mandato, como ato exterior que aperfeiçoa o ato jurídico de revogação.
II - Só se torna eficaz no momento em que chega ao conhecimento do seu natural destinatário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1098/22.6T8AVR-B.P1

Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz 3

Apelação (em separado)

Recorrente: AA

Recorrida: Massa Insolvente de AA

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadores Ramos Lopes e Artur Dionísio do Vale dos Santos Oliveira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

Por sentença proferida, em 10.1.2025, no âmbito da presente ação intentada pela Massa Insolvente de AA foram:

A – Declaradas nulas e de nenhum efeito, por simuladas, as doações realizadas pelos 1.ª e 2.º réus AA e BB a favor dos 3.º e 4.º réus CC e DD, com reserva do direito de uso e de habitação, vitalício, simultâneo e sucessivo, referida no ponto 8 dos factos provados e referente aos prédios identificados nos pontos 4, 6 e 7 dos factos provados;

B - Ordenado o cancelamento de todos os registos efetuados nos supra identificados prédios, com base na dita escritura e após a data da mesma;

C – Declarada nula e de nenhum efeito, por simulada, a venda do veículo automóvel BMW, matrícula ..-IG-.., identificado no ponto 9 dos factos provados, efetuada pelos 1º e 2º réus AA e BB ao 5º réu EE;

D – Ordenado o cancelamento de todos os registos efetuados em relação ao identificado veículo com base na dita venda, e após a data da mesma;

Mais foi determinada a improcedência da ação relativamente à venda do veículo Ferrari, matrícula ..-IJ-.., identificado no ponto 9 dos factos provados.

Desta sentença interpuseram recurso, em 25.2.2025, por um lado, os réus AA, CC e DD, e, por outro, o réu EE.

Em 17.3.2025, a Sr.ª Administradora Judicial veio informar o seguinte:

“1. Foi a massa insolvente devidamente notificada das alegações de recurso apresentadas pela insolvente e das alegações de recurso apresentadas pelo 5.º Réu, EE.

2. Para efeitos de apresentação das competentes contra-alegações, por parte da massa insolvente, apresentamos, em 06.03.2025, o competente pedido de proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e, bem assim, nomeação e pagamento da compensação de patrono. (doc. n.º 1)

3. É quanto cumpre informar para que conste dos autos assim como, para efeitos de suspensão do prazo porquanto se aguarda o deferimento daquele pedido e nomeação de patrono”

Anexou o referido pedido de proteção jurídica.

Em 24.3.2025 incidiu sobre este requerimento o seguinte despacho judicial:

“A autora já goza de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e está representada em juízo por advogado constituído (que não veio renunciar à procuração). Pelo exposto, indefere-se o requerido.”

Em 27.3.2025 a Sr.ª Administradora Judicial veio apresentar o seguinte requerimento:

“(…)

2. O Ilustre Mandatário em apreço havia sido constituído, tendo por referência o orçamento apresentado e a aprovação do mesmo por parte da Comissão de Credores, para efeitos de propositura da presente ação.

3. O mandato forense que pode ser conferido pela massa insolvente está circunscrito aos atos que são permitidos por esta, na pessoa dos credores da insolvente.

4. Como é do conhecimento deste Tribunal, nos casos em que há um mandato para a representação da Massa Insolvente é aprovado pelos Credores, no caso pela Comissão de Credores, e pela AI um orçamento para propositura da ação de simulação.

5. Nos presentes autos, aconteceu exatamente isto, ou seja, a Massa Insolvente mandatou o Exmo. Senhor Dr. FF como seu Advogado para intentar a ação e para assumir o patrocínio da Massa Insolvente até que fosse proferida sentença.

6. O mandato conferido àquele advogado terminou nessa altura, sendo que o aludido orçamento não contemplava, desde logo, a interposição de qualquer recurso.

7. Neste seguimento, atenta a prolação de decisão final e a apresentação de alegações de recurso por parte da insolvente e, bem assim, do 5.º réu, mostrando-se necessária a apresentação de contra-alegações, por parte da massa insolvente, foi solicitado orçamento àquele Ilustre Mandatário.

8. Proferida a sentença e terminado o mandato foi solicitada pela aqui subscritora àquele advogado uma nova estimativa de honorários para representar a Massa Insolvente no âmbito dos recursos que vieram a ser interpostos.

9. Sucede que tal orçamento não mereceu a aceitação e aprovação da Comissão de Credores.

10. Desde logo atenta a ausência de saldo na conta da massa insolvente.

11. Facto pelo qual a massa insolvente de qualquer saldo [sic], foi requerido o competente pedido de proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e, bem assim, nomeação e pagamento da compensação de patrono.

12. Nessa sequência, comunicou-se aos presentes autos que foi pedido o apoio judiciário nestes termos.

13. Esteve a Massa Insolvente sempre convicta de que, como foi relatado no processo de insolvência, o mandato conferido ao Dr. FF havia cessado.

14. De forma a não prejudicar os direitos processuais da aqui autora/recorrida por uma falha formal (a falta de renúncia ou revogação expressa do mandato), requer a Vossa Excelência que, no respeito pelo principio da cooperação, seja dada a possibilidade de juntar aos autos a revogação do mandato (doc. n.º 1) com efeitos a 10/01/2025 e, consequentemente, seja admitido que os autos aguardem a nomeação de patrono à Massa Insolvente para que esta possa exercer o seu direito de contra-alegar.”

Juntou revogação da procuração forense emitida ao Sr. Dr. FF com a data de 10.1.2025.

Foi certificada a notificação deste requerimento ao Sr. Dr. FF, acompanhado da revogação da procuração, em 7.4.2025.

Em 8.4.2025 foi proferido o seguinte despacho judicial:

“Atenta a revogação de mandato agora junta, datada de 10 de Janeiro de 2025 bem como requerimento datado de 17 de Março, declaro interrompido o prazo para apresentação de contra-alegações.”

Inconformada com este despacho dele interpôs recurso a ré AA, em 30.4.2025, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. Independentemente da data da revogação do mandato forense, o mandatário da Autora mantém-se nessas funções até ser substituído por novo advogado, não se interrompendo os prazos processuais em curso.

II. Na situação de que cuidamos, não está em causa a “nomeação inicial de patrono” – porque a Autora está representada por advogado desde o início da acção – nem uma situação de “escusa”, ou, nos termos do artigo 47.º do C P Civil, renúncia do mandato por parte do mandatário (que são as situações que justificam a interrupção dos prazos processuais em curso, conforme acórdão da Relação de Coimbra, de 03/11/2020), mas sim uma revogação do mandato por parte da mandante e substituição por novo advogado.

III. Assim, o(s) mandatário(s) constituído(s) pela Autora mantém-se, à presente data, em funções e só com a eventual nomeação de patrono oficioso ou constituição de novo advogado é que o mandato do(s) primeiro(s) cessa, inexistindo qualquer interrupção de prazo processual em curso.

IV. Deve, assim, o despacho recorrido ser revogado e considerar-se que o prazo para contra-alegações decorreu sem interrupções, tendo terminado no dia 9 de Abril (prazo de 40 dias contado da notificação dos recursos à Autora, na pessoa dos respectivos mandatários, que se considera perfeita no dia 28 de Fevereiro, uma vez que as alegações são de 25 de Fevereiro).

Sem prescindir, nem conceder, sempre se dirá o seguinte:

V. Conforme decorre do disposto no artigo 47.º, n.ºs 1 e 2 do CPCivil, é irrelevante a data que a Autora aponha ao instrumento de revogação do mandato, uma vez que este só produz efeitos quando é notificado ao mandante no âmbito do próprio processo judicial.

VI. No caso vertente, o requerimento de 27/03/2025 (ref.ª 51825673), em que a Sr.ª Administradora da Insolvência juntou aos autos o documento com revogação expressa do mandato, foi notificado aos mandatários da Autora através de ofícios com data de 07/04/2025 (ref.ªs 138169489, 138169495 e 138169496).

VII. Assim, nos termos do disposto no artigo 248.º, n.º 1 do CPCivil, consideram-se aqueles notificados da revogação do mandato no dia 10/04/2025.

VIII. Quando a revogação do mandato produziu os seus efeitos – 10/04/2025 – já o prazo para contra-alegações havia terminado – no dia 09/04/2025, conforme atrás já referido;

IX. Assim, nunca poderia declarar-se interrompido um prazo que já havia transcorrido na sua totalidade.

X. Pelo que se conclui que, também desta perspectiva, o despacho recorrido enferma de erro de julgamento, impondo-se a respectiva revogação, considerando-se, consequentemente, que o prazo para contra-alegações decorreu sem interrupções, tendo terminado no dia 9 de Abril.

Em 13.5.2025, quanto a este recurso, foi proferido despacho pela Mmª Juíza “a quo” a determinar que se aguardasse o prazo das contra-alegações.

O patrono entretanto nomeado à recorrida Massa Insolvente de AA, em 6.5.2025, veio apresentar contra-alegações no dia 12.6.2025, tanto relativamente ao recurso interposto da sentença final em 25.2.2025, como ao que foi interposto em 30.4.2025.

As contra-alegações referentes ao recurso interposto em 30.4.2025 foram julgadas extemporâneas por despacho de 6.10.2025 e simultaneamente, nesse mesmo despacho, o recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.

Cumpre então apreciar e decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


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A questão a decidir é a seguinte:

Apurar se foi correta a decisão da 1ª Instância ao declarar interrompido o prazo da autora Massa Insolvente de AA para apresentar contra-alegações, face à revogação do anterior mandato forense.


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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório para o qual se remete.

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Passemos à apreciação do mérito do recurso.

1. Dispõe o art. 47º, nº 1 do Cód. Proc. Civil que «[a] revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária.»

E o nº 2 deste preceito acrescenta que os efeitos da revogação e da renúncia se produzem a partir da notificação.

Deste nº 2 resulta, pois, que tanto a renúncia como a revogação realizam a sua eficácia no momento em que chegam ao conhecimento do seu natural destinatário – art. 224º, nº 1 do Cód. Civil.

Ora, havendo sempre, como dispõe o nº 1, duas notificações – uma à contraparte na relação de mandato e outra à contraparte processual -, a notificação com a qual o efeito se produz é a dirigida ao mandatário, no caso de revogação, ou a dirigida ao mandante, no caso de renúncia, pois enquanto a notificação à parte tem uma função informativa, já a notificação ao mandatário ou ao mandante tem uma função extintiva do mandato, como ato exterior que aperfeiçoa o ato jurídico de revogação ou renúncia – cfr. LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., pág. 122.[1]

Extinto o mandato com a notificação da sua revogação ao mandatário, cumpre ao mandante constituir novo mandatário para que não fique numa situação de falta de patrocínio judiciário. Daí em diante, se a parte pretender praticar algum ato processual em ação que seja exigido patrocínio judiciário por advogado, só poderá fazê-lo mediante a designação de novo advogado – cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., pág. 84.

2. De regresso ao caso dos autos, verifica-se que o instrumento através do qual se operou a revogação do mandato conferido pela autora Massa Insolvente de AA ao Sr. Dr. FF se encontra datado de 10.1.2025.

No entanto, o mesmo só foi trazido aos autos em 27.3.2025 e apenas com a data de 7.4.2025 está, através do Citius, certificada a sua notificação ao Sr. Dr. FF.

Com esta notificação, diversamente do que entende a ré/recorrente, que sustenta que este causídico se manterá em funções até eventual nomeação de patrono oficioso ou constituição de novo advogado, consideramos, em sintonia com a doutrina atrás citada, que tal mandato se extinguiu.

Assim, querendo a autora/recorrida evitar uma situação de falta de patrocínio judiciário, terá que constituir um novo advogado ou solicitar a nomeação de um patrono oficioso.

Acontece que ainda em data anterior à extinção do mandato, em 6.3.2025, a Sr.ª Administradora da Insolvência formulou, junto da Segurança Social, pedido de proteção jurídica para a autora Massa Insolvente de AA nas modalidades de nomeação e pagamento de compensação de patrono e de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Esse pedido de proteção jurídica viria a ser deferido com a consequente nomeação de patrono à autora no dia 6.5.2025, sendo que o mandato anteriormente conferido ao Sr. Dr. FF dever-se-á considerar extinto com referência à data em que o mesmo se terá de considerar notificado da revogação do mandato, ou seja, no dia 10.4.2025 – cfr. art. 248º do Cód. Proc. Civil.

Sabido é que quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo – cfr. art. 24º, nº 4 do Dec. Lei nº 34/2004, de 29.7 [Lei do Apoio Judiciário].

Porém, neste caso, a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do pedido de nomeação de patrono ocorreu em 17.3.2025, data em que ainda se encontrava vigente o mandato conferido pela autora Massa Insolvente de AA ao Sr. Dr. FF, o qual, conforme atrás se expôs, só se poderá considerar extinto em 10.4.2025.

3. A Mmª Juíza “a quo”, por despacho proferido em 8.4.2025, agora sob recurso, veio declarar interrompido o prazo para a autora apresentar contra-alegações, tendo em atenção a junção aos autos do instrumento de revogação da procuração e também do pedido de nomeação de patrono.

Ora, o prazo para a interposição de recurso por parte dos réus, atendendo a que este teve também por objeto a reapreciação da prova gravada, ascendeu a 40 dias, por força do disposto no art. 638º, nºs 1 e 7 do Cód. Proc. Civil.

Esse prazo findou em 25.2.2025, data em que deram entrada no processo os dois recursos interpostos por réus.

O prazo para a autora/recorrida responder às alegações dos recorrentes é idêntico ao de que estes beneficiaram para a interposição do recurso, ou seja, ascende a 40 dias, tendo, por isso, terminado no dia 9.4.2025 – cfr. art. 638º, nº 5 do Cód. Proc. Civil.

Porém, a revogação do mandato conferido ao Sr. Dr. FF, tal como já se afirmou atrás, só produziu os seus efeitos em 10.4.2025, porquanto é esta a data em que aquele se terá que considerar como notificado da revogação.

Mas nesse dia – 10.4.2025 - já o prazo para a autora apresentar resposta aos recursos interpostos pelos réus havia transcorrido, tendo findado no dia anterior – 9.4.2025.

Sucede que não se pode interromper um prazo que se acha decorrido na totalidade, sendo que a possibilidade de prática do ato nos termos do art. 139º, nºs 4 a 8 do Cód. Proc. Civil, não se traduz num alargamento do prazo, mas sim numa possibilidade conferida pela lei de praticar o ato fora do prazo.

Assim, tendo o prazo para contra-alegar cessado em data anterior àquela em que produziu os seus efeitos a revogação do mandato conferido ao Sr. Dr. FF, há que revogar a decisão da 1ª Instância que declarara interrompido esse prazo, com o que procede o recurso interposto.


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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil):

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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela ré AA e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida.

Custas, pelo seu decaimento, a cargo da autora, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.


Porto, 26.11.2025
Rodrigues Pires
João Ramos Lopes
Artur Dionísio Oliveira
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[1] Cfr. também JOSÉ ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., reimpressão, 1982, págs. 128/129.