Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4105/13.0TBVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO PAULO VASCONCELOS
Descritores: SEGURO DE VIDA
DECLARAÇÕES INEXACTAS
ANULAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP202009084105/13.0TBVLG.P1
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ainda que o segurado não soubesse - porque não lhe havido sido esclarecido – qual o objectivo das questões que lhe estavam a ser colocadas - tudo o que se lhe exigia, e a todo e qualquer contraente, era que respondesse com verdade às questões que expressamente lhe foram colocadas no questionário médico como decorrência do dever de proceder de boa- fé a que está sujeito todo aquele que negoceia com outrem para a conclusão do contrato, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 227.º do CCivil.
II - Não exige o art.º 429º do CComercial que, para haver anulabilidade, os factos ou circunstâncias constantes incorrectamente de tais declarações inexactas ou omitidos nas reticentes, se fossem conhecidos pela seguradora, teriam efectivamente determinado a celebração do contrato em termos diferentes daqueles em que o foi: ao dizer “teriam podido influir”, e não “teriam influído”, ou “tenham influído”, contenta-se com a susceptibilidade de as declarações, factos ou circunstâncias em causa, influírem sobre a existência ou condições do contrato, sem exigir que efectivamente as influam, ou seja, considera suficiente que as declarações possam influir, não exigindo que forçosamente influam, até porque não chegou a haver formação de vontade da seguradora com base nesses factos ou circunstâncias desconhecidos por não declarados ou incorrectamente declarados – cfr. neste sentido acórdão do STJ de 24-4-2007 in proc. 07S851, in www.dgsi.pt).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 4105/13.0 TBVLG.P1
(Recurso)
Acordam, em audiência de julgamento, na 3ª Secção
(2ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
B… e C…, com sinais nos autos, inconformados com a sentença do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível do Porto – Juíz 5, de 28 de Maio de 2019, que julgou improcedente a acção de condenação por si intentada contra D…, S.A., e consequentemente absolveu a Ré dos pedidos por si formulados, vieram interpor o presente recurso para este Tribunal e, em sede de alegações, formularam as seguintes conclusões (sintetizadas):
“ 1 – Os Autores celebraram com o E…, S.A. contrato de mútuo para aquisição de uma habitação, tendo-lhes sido emprestada por esta entidade o montante global de €136.800,00 e, virtude desta aquisição com recurso a crédito à habitação, celebraram com a D…, S.A. Contrato de seguro, pelo qual transferiram para esta seguradora os riscos de morte e invalidez absoluta e permanente, assegurando e garantindo o pagamento do capital de €125.000,00 pela D… ao E… S.A. (actual Banco F…, S.A.), em caso de morte ou de invalidez absoluta e permanente por parte deles.

2 – O contrato de seguro celebrado foi feito através do mediador/agente de seguros G…, em representação da D…, por adesão a um clausulado pré-existente.

3 – Aquando do preenchimento do “Questionário Médico”, que integrava a proposta do contrato de seguro, o Autor comunicou à Dra. H… (colaboradora da agência imobiliária através da qual haviam negociado a compra da casa e que lhes havia recomendado a D… e o mediador G…) sofrer de diabetes.

4 – A Dra H… contactou o /agente de seguros G…, o qual perguntou se a diabetes era muito grave, tendo o Autor informado o que sabia, e de acordo com o que havia sido informado por sua vez pela sua médica de família: que tinha uma diabetes ligeira, a qual estava controlada, tomando para o efeito um comprimido todos os dias – ao que o mediador /agente de seguros G…, disse então não ser de fazer menção de tal no Questionário Médico -, pelo que o contrato foi celebrado.

5 – Em Dezembro de 2005 o Autor B… sofreu um AVC, em resultado do qual passou a ter uma incapacidade definitiva global de 80%, sendo incapaz para o trabalho e dependendo completamente de terceiros – o que levou a que os Autores tentassem accionar o seguro de vida e invalidez celebrado coma Ré D…, através do mediador/agente de seguros G….

6- Após um longo tempo de espera (anos), em Outubro de 2013, a D… respondeu aos Autores, comunicando que em virtude do Autor não ter mencionado no Questionário Médico a circunstância de sofrer de diabetes, não consideravam válido o sinistro participado (o AVC) e que, pelo mesmo motivo, anulavam a apólice.

7 – Realizada perícia-médico legal ordenada pelo Tribunal a quo, concluiu a mesma que não foi a diabetes pré existente de B… que provocou o AVC que lhe determinou a incapacidade de 80%, não se verificando, pois, nexo causal entre um e outro evento clínico.

8 – Decidiu o Tribunal a quo na sentença ora recorrida julgar a acção parcialmente provada e totalmente improcedente, absolvendo a Ré D… dos pedidos, dando, pois, integral razão à Ré, sustentando e considerando provado, sinteticamente, que o Autor prestou conscientemente informação que sabia ser falsa; ser irrelevante a verificação do nexo causal entre a condição de saúde não mencionada pelo Autor no Questionário, sendo, por tal, suficiente a inexactidão das declarações prestadas para operar a anulação do contrato de seguro e exoneração de qualquer pagamento por parte da seguradora aqui Ré.

9 – Não se conformam os Recorrentes com o teor da sentença, uma vez que a mesma assenta numa errada, poque deficitária, apreciação da prova produzida e da matéria de facto consequentemente dada como provada – não dando cumprimento ao disposto no nº 5 do art 607º do CPC.

10 – Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 640º CPC, consideram os aqui Recorrentes terem sido os pontos de facto incorrectamente julgados (em sublinhado): - no âmbito dos factos provados –
6.º - Para aceitação do seguro, a ré não exigiu a realização de exames médicos mas apenas o preenchimento do Questionário Médico.
17.º − Ao preencher o Questionário Médico mencionado no ponto 5.º − factos provados −, o autor sabia ser falsa a declaração de que não sofria de diabetes.
18.º − Ao aceitar a proposta de seguro e emitir a apólice n.º ../……, a ré desconhecia que o autor sofria de diabetes mellius, encontrando-se à data a tomar medicação regular como terapia para esta afeção, prescrita por um médico.
19.º − Se tivesse conhecimento de que o autor sofria de diabetes mellius, a ré não teria aceitado cobrir o risco de incapacidade decorrente de acidente vascular cerebral que vitimasse o autor.
- no âmbito dos factos provados –
29.º − O acidente vascular cerebral isquémico, após disseção espontânea da artéria carótida interna direita, sofrido pelo autor não foi causado nem potenciado pela diabetes mellitus de que padecia.

11 – A Autora C… prestou declarações em audiência de julgamento, nas quais o Tribunal a quo considerou que a mesma “Descreveu o processo de contratação do empréstimo, incluindo a declaração de risco. (…) afirmando que “a funcionária do banco e o mediador do seguro conheciam a diabetes do autor, tendo dito que não era relevante.”, que o “ O autor sabia que a sua declaração não correspondia à verdade quando preencheu a cruz que significava que não sofria de diabetes.”, depondo “ de modo claro e coerente”.

12 – Destas declarações resultou, como claro e inequívoco, nomeadamente nas passagens gravadas aos minutos 00:03:58 a 00:05:34 (inclusive); 00:05:55; 00:07:28; 00:11:53 a 00:12:20 (inclusive); 00:12:58 a 00:13:12 (inclusive) e 00:15:01 a 00:15:30 (inclusive), que o Autor sabia não corresponder à verdade todos os dados declarados no questionário médico, mas que esta declaração inexacta se deveu à instrução directa nesse sentido dada pelo agente/mediador de seguros G… – e que os Autores confiaram nessa instrução, por estar a ser prestada precisamente pela pessoa que representava no acto a própria seguradora.

13 – A testemunha arrolada pela Ré, seu funcionário I…, prestou declarações, relativamente às quais entendeu o Tribunal a quo o mesmo: “relatou a importância que a Ré dá ao conteúdo da “declaração médica”, designadamente para o cálculo do prémio (agravamentos) ou decidir da não cobertura. Depôs de modo claro e coerente.

14 – Das declarações da testemunha I…, resultou igualmente, como claro e inequívoco, nomeadamente as passagens 00:11:15 a 00:11:47 (inclusive), 00:15:49 a 00:16:32 (inclusive) ; 00:22:24 a 00:24:18 (inclusive) ; e 00:27:56 a 00:28:47 (inclusive), não apenas o que dispôs o Tribunal a quo, mas também que na verdade, a testemunha não podia afirmar qual a avaliação que a Recorrida faria da proposta de seguros se tivesse chegado ao conhecimento dos serviços de análise de risco a informação da existência de diabetes, tendo-se limitado a dar a sua opinião, e que G… representavam, com efeito, a Recorrida D…, uma vez que afirmou reconhecer o nome deste como sendo mediador /agente da empresa.

15 – Do relatório da perícia médico-legal resultou (na sua página 16), que “ (…) as peritas consideram não haver elementos que lhes permitam estabelecer o nexo de causalidade entre a Diabetes Mellitus e o acidente vascular cerebral isquémico (…)” a relatório este que foi ignorado pelo Tribunal a quo, ao considerar como não provado o facto da diabetes mellitus pré existente do Autor não ter potenciado ou causado o acidente vascular cerebral isquémico.

16 – Atendendo-se, ao teor dos concretos meios probatórios consubstanciados nas:
- transcrições das declarações de parte da Autora C…; transcrições da testemunha I…; informações e conclusões do relatório da perícia Médico-legal (em especial na sua página 16); impunha-se, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do artigo 640 nº 1 do CPC, decisão quanto à matéria de facto diversa da que ora se recorre.

17 – Em cumprimento do prescrito na alínea c) do mesmo nº 1 do 640º, a matéria de facto dada como provada e não provada deveria ter a seguinte redacção:
- dos factos provados
6.º - Para aceitação do seguro, a ré, na pessoa do mediador de Sr. G… não exigiu a realização de exames médicos mas apenas o preenchimento do Questionário Médico.
17.º - Ao preencher o Questionário Médico, mencionado no ponto 5.º - factos provados- o autor sabia ser falsa a declaração que sofria de diabetes, tendo-o feito conforme instruções e esclarecimento expresso do mediador de seguros G…, ao qual foi comunicada claramente pelo autor a sua condição de saúde.

18.º - Ao aceitar a proposta de seguro e emitir a apólice n.º ........., a ré, no acto representada pelo mediador G…, não desconhecia que o autor sofria de diabetes mellitus, encontrando-se à data a tomar medicação regular como terapia para esta afecção, prescrita por um médico.

29º - O acidente vascular isquémico, após dissecação espontânea da artéria carótida interna direita, sofrido pelo autor não foi causado nem potenciado pela diabetes mellitus de que padecia.
- dos factos não provados –
19º - Se tivesse conhecimento que o Autor sofria de diabetes mellitus a ré não teria aceitado cobrir o rico de incapacidade decorrente de acidente vascular cerebral que vitimasse o autor.

18 – No que concerne à análise dos factos e subsequente aplicação da lei, entendeu o Tribunal a quo na sentença de que ora se recorre que:

- seria de aplicar ao caso vertente o artigo 429º do Código Comercial, em virtude da celebração do contrato de seguro e da ocorrência do sinistro terem ambos ocorrido antes de 2008 – o que não se põe em causa -, resultando deste artigo que “toda a declaração inexata, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tomam o seguro nulo”. Consagra este artigo um dever de informação colocado a cargo do tomador do seguro ou do segurado.
- que “ o autor prestou conscientemente declarações inexactas”.
- que “O nexo causal entre as circunstâncias não declaradas e o sinistro é irrelevante – cfr. J. C. MOITINHO DE ALMEIDA, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, Lisboa, Sá da Costa Editora, 1971, pp. 76, n.º 29, e 81, n.º 32. No entanto, ainda que se sustente tal relevância, não pode a questão ser colocada em termos que onerem o segurador com a sua prova.
Em matéria de causalidade, não vale inverter os dados do problema, operando uma verdadeira inversão do ónus da prova. O segurador é livre de escolher os pressupostos da sua decisão de contratar. Se este entende tal decisão depende da prestação de determinada informação, não tem o tomador o poder de, unilateralmente, apodar tal questão de irrelevante, abstendo-se de prestar a informação solicitada.
Não é o segurador que tem de demonstrar que a concretização do risco decorre de um facto que indicou como relevante (e que o tomador omitiu); é o tomador, em ordem em demonstrar que a informação pedida é exorbitante ou irrelevante – isto é, que estamos perante uma solicitação abusiva do segurador −, que tem de demonstrar a inexistência de adequação causal. O mesmo é dizer, no caso, que é ao autor que cabe demonstrar que a diabetes mellitus não aumenta o risco de acidente vascular cerebral.
Há que ter presente que uma coisa é dizer que não é possível reconhecer um nexo causal (não se pode afirmar que existe); coisa bem diferente é afirmar que não existe um nexo causal (pode afirmar-se que não existe). Ora, é legítimo ao segurador, na dúvida (científica) fundada sobre a relevância de uma doença pra a concretização de um risco, fazer depender a sua vontade de contratar do facto de a pessoa segura dela não padecer.
Não resulta dos factos provados que a afeção do autor seja irrelevante na avaliação do risco coberto – ocorrência de um acidente vascular cerebral. Respondendo à segunda questão colocada, há que concluir que as declarações inexatas do autor incidiram sobre um facto relevante na avaliação do risco – e que não se demonstrou ser irrelevante na sua concretização.”
- e que: “O contrato de seguro é anulável, não obstante a vetusta lei comercial apodar o vício gerado pelas declarações inexatas de nulidade – cfr. JÚLIO VIEIRA GOMES, na esteira de MOITINHO DE ALMEIDA, «O dever», cit., pp. 102 e 103.
A ré, recusando o cumprimento, excecionou a anulabilidade do contrato invocado pelos autores (art. 287.º, n.º 2, do Cód. Civil). Da anulação do negócio resulta a sua ineficácia, com efeitos retroativos (art. 289.º, n.º 1, do Cód. Civil). Deixa, pois, a ré de estar obrigada ao pagamento da indemnização pedida.
19 – Discordam deste entendimento os Recorrentes, da decisão quanto à matéria de facto dada como provada e não provada e, consequentemente, ao seu enquadramento legal, sendo que a alteração da matéria de facto nos termos supra escalpelizados pelos Recorrentes, imporá diversa subsunção legal e, consequentemente, diversa decisão final.

20 – Neste sentido (diversa subsunção legal), atente-se ao teor do artigo 60º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual: “Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.”

21 – Dispõe o artigo 6º nº 1 do Decreto-Lei 446/85 que: “ O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerias deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos, cuja aclaração se justifique.”, prosseguindo no seu nº 2: “Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.”,

22 – Prescreve o nº 1 do artigo 227º do Código Civil que: “ Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

23 – Dispõe o artigo 800º nº 1 CC que: “O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.”

24 – Atente-se ao que dispõe o Acórdão proferido no âmbito dos autos nº 3245/13.0TBPRD.P1, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto:
“I - O contrato de seguro pode ser celebrado com a intervenção de um mediador de seguros.
II - Os mediadores de seguros são de três categorias: mediador de seguros ligado; agente de seguros; corretor de seguros.

III - Os poderes de representação dos mediadores de seguros são distintos conforme seja a sua categoria: os mediadores de seguros ligados e os agentes de seguros actuam como representantes da seguradora; o corretor de seguros age autonomamente, não dispondo, por regra, de poderes de representação da seguradora.
IV - Se a mediadora recebe e aceita a subscrição de propostas de seguro e se depois emite as apólices correspondentes àquelas propostas, é de concluir que esta dispõe de poderes de representação conferidos pela seguradora e que pode celebrar, em nome desta, contratos de seguro.
V - O contrato de seguro considera-se validamente celebrado, vinculando as partes, a partir do momento em que houve consenso (por exemplo, verbal ou por troca de correspondência), ainda que a apólice não tenha sido emitida.
(…)”
25 – Com interesse para a questão em apreço, leia-se a comunicação do Juíz Conselheiro Dr. Moitinho de Almeida, no âmbito de Acção de Formação do Conselho Superior de Magistratura, Porto, 22/06/2009, a qual tinha por tema “A protecção do tomador do seguro e dos segurados no novo regime legal do contrato de seguro” – este novo regime legal (à data de Junho de 2009), referia-se, pois, ao Dec. Lei 72/2008, o qual – já se mencionou -, não afasta a aplicação do artigo 429º do Código Comercial ao caso vertente, em virtude da celebração do contrato e do sinistro terem ambos ocorrido em momento anterior ao da entrada em vigor daquele Decreto Lei – no entanto, sendo uma comunicação concernente ao novo regime legal, aborda também o venerando Juíz Conselheiro aspectos que se mantêm, provindos do anterior regime legal. Desta comunicação, será então de reter:

“No que respeita à conclusão do contrato, consagra o princípio do mandato aparente (artigo 30.°), princípio que, em nosso entender, é um princípio geral do direito26 e resultava já do artigo 23.° do Decreto-Lei n.°178/86, de 3 de Julho sobre o contrato de agência. Mas, no que respeita às comunicações através de mediadores de seguros estabelece-se que só produzem efeitos, quando estes actuem em nome e com poderes de representação da seguradora (artigo 31.°, n.°1)27. Observe-se, porém, que no entender da generalidade da doutrina portuguesa, o artigo 800.°, n.°1 do Código 25 H.D. Hansen, in Ulmer, Brandner, Hensen, AGB-Recht, Kommentar zu den §§305-310 und UKLag, Colónia, 2006, p.1739, n.°1021. 26 Neste sentido, foi consagrado no artigo 3:2001 dos Princípios do Direito Europeu dos Contratos, elaborados pela Comissão de Direito Europeu dos Contratos. 27 Solução contrária à consagrada nos direitos francês, espanhol, italiano, alemão, austríaco e suíço –J.C. Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro, Estudos, cit., págs.172 e segs. 24 Civil é aplicável à responsabilidade pré-contratual28e, assim, a seguradora é responsável pelos prejuízos causados por actos e omissões dos seus agentes, designadamente quando o segurado não beneficie da cobertura porque o questionário preenchido pelo agente não reflectia as circunstâncias a ele correctamente comunicadas”.
E ainda a nota de rodapé, na mesma página da comunicação:
“J.C. Moitinho de Almeida, op.cit.p.175. Com efeito, as mesmas razões que determinam a responsabilidade civil objectiva do devedor por actos e omissões de quem utiliza para o cumprimento da prestação valem no que se prende com a fase pré-contratual: quem recorre a uma estrutura empresarial na celebração e execução doe contratos deve suportar os riscos que esta envolve.”

26 – Tudo sopesado, temos, pois que, G…, enquanto mediador da Recorrida D… recebeu e aceitou a subscrição das propostas de seguro dos Recorrentes, tendo depois sido emitidas as apólices correspondentes àquelas propostas, pelo que terá, necessariamente de se concluir que aquele dispunha de poderes de representação conferidos pela D… e que podia celebrar, em nome desta, contratos de seguro.

27 – Os Recorrentes aderiram a uma proposta contratual pré-existente, apresentada pelo representante da companhia de seguros.

28 – Assentando o contrato de seguro apresentado por G… em nome da D… em clausulado contratual geral, cabia-lhe o dever de informar os Recorrentes de todos os aspectos nele compreendidos cuja aclaração se justificasse e devendo prestar (isto parta ambas as partes) todos os esclarecimentos razoáveis solicitados – o que não se verificou.

29 – O Recou não ocultou a sua condição de saúde, antes pelo contrário.

30 – Foi a própria seguradora D…, aqui Recorrida, na pessoa do mediador G…, e com intervenção da colaboradora da agência imobiliária Dra. H…, que determinou não ter a diabetes de que sofria o Recorrente relevância suficiente de modo a que justificasse a sua menção no questionário médico.

31 – Os Autores, quando subscreveram o seguro, tinham 9 anos – idade em que é preciso, fazer vários exames de prevenção clínica, como será de conhecimento geral – o que se revelou indiferente para a D…, bastando-se a seguradora com o preenchimento do questionário médico.

32 – O dever de boa fé foi observado pelo Recorrente.

33 –O contrato de seguro que subjaz aos presentes autos foi celebrado pelos Recorrentes com G…, o qual actuou em nome e com poderes de representação por parte da recorrida D…, tendo-lhe sido dada a conhecer, antes da celebração do contrato, uma circunstância que poderia assumir relevância, e a qual este reputou por irrelevante.

34 – Por confiarem na informação que lhes foi transmitida pelo próprio representante da companhia de seguros, vêm-se os Recorrentes a braços com uma situação que poderá levar, caso o Douto Tribunal “ad quem” mantenha o teor da sentença recorrida, a danos de elevada monta, caso não vejam o sinistro verificado abrangido pela cobertura da apólice.

35 – Situação esta que não deveria ser permitida à luz do que dispõe o artigo 800º nº 1 CC, bem como pelo mencionado Ac. Do TRP nº 2059/12.9T2AVR.P1, já que, anular o contrato atendendo aos moldes em que o mesmo comprovadamente foi celebrado consubstancia, pois, em verdadeiro abuso de direito por parte da D…, ou mesmo um “venire contra factum proprium”.

36 – A subsunção legal da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal a quo, consubstanciou a violação dos preceitos legais contidos no artigo 60º da Constituição da República Portuguesa, artigo 6º do Decreto-Lei 446/85, artigos 227º nº 1 e 800º nº 1 do Código Civil – cuja reparação se impõe, com o provimento do presente recurso.”
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A ora Recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.
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Colhidos os vistos legais vem o processo submetido `a audiência de julgamento.
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II – DA FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos que se passam a transcrever:
1.º − Em 15 de dezembro de 2004, os autores, mediante o pagamento do preço de €120.000,00, declararam adquirir o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º 217/19851030.
2.º − A solicitação dos autores, o banco E…, S.A. (atual Banco F…, S.A.), declarou conceder-lhes os dois empréstimos.
a. Um empréstimo no montante de €107.500,00, pelo prazo de 252 meses, para pagamento do preço referido no ponto 1.º − factos provados;
b. Um empréstimo no montante de €29.300,00, pelo prazo de 252 meses.
3.º − Em 13 de dezembro de 2003, os autores subscreveram o documento intitulado Solução Previdência D1…, junto de fls. 96 a 103, que aqui se dá por transcrito, visando transferir para a D…, S.A., os riscos de morte e invalidez absoluta e permanente, assegurando e garantindo o pagamento do capital de €125.000,00 por parte da ré a favor do à data E…, S.A. (atual Banco E…, S.A.), através de cláusula beneficiária irrevogável, em caso de morte ou invalidez absoluta e permanente de um dos réus.
4.º − Este documento é integrado pelo segmento intitulado Questionário Médico, também preenchido pelos autores, junto de fls. 98 a 102, que aqui se dá por transcrito.
5.º − O mencionado Questionário Médico foi preenchido, além do mais, do seguinte modo:

Dados Clínicos (ambos os sexos)
(…)
2. Sofre ou já sofreu de perturbações (responder sim ou não às questões seguintes)
Não Sim (…) (…) (…)
l) do metabolismo (por ex. diabetes, gota)?X
(…) (…)
11. Toma medicamentos regularmente? X Não  Sim
(…)
Declara ter respondido em consciência a todas as questões anteriores e tomado conhecimento que, em caso da omissão ou de declarações inexatas de factos importantes para a apreciação do risco, a D… poderá proceder à anulação do contrato.

6.º − Para aceitação do seguro, a ré não exigiu a realização de exames médicos mas apenas o preenchimento do Questionário Médico.

7.º − Do documento intitulado Solução Previdência D1…, subscrito pelos autores, consta a final, designadamente:
a. “Asseguro que as declarações precedentes são exatas, completas e verdadeiras, e proponho que as mesmas sirvam de base à emissão desta adesão sob pena de resolução da mesma”;
b. “Declaro ter tomado conhecimento das Condições Gerais e Especiais deste Seguro”.

8.º − A ré aceitou o pedido dos autores, emitindo a apólice de seguro n.º ../……, com início em 13 de dezembro 2004 e fim em 12 de zembro de 2044 (fls. 285 a 297).

9.º − Nos termos do documento intitulado Solução Previdência D1…, respeitante à apólice n.º ../……, junto a fls. 286:
a. “Para efeitos do presente considera-se: (…) Invalidez Absoluta e Permanente − A incapacidade total da Pessoa Segura, com caracter permanente e irreversível, e desde que cumulativamente: i. As lesões sofridas, após completa consolidação tenham caráter irreversível e correspondam a um mínimo de 60% de depreciação de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor à data do Acidente ou do diagnóstico da doença que esteja na origem da Invalidez Absoluta e Permanente; ii. A Pessoa Segura fique permanentemente impossibilitada de exercer qualquer atividade lucrativa” [Condições Gerais − art. 1.º (Definições), n.º 1, al. r)].
b. “1. As declarações prestadas pelo Tomador do Seguro e pela Pessoa Segura servem de base à aceitação do contrato. // 2. O presente contrato só poderá ser resolvido nos casos e circunstâncias nele expressamente referidos ou previstos na lei. // 3. A D… compromete-se, todavia, uma vez decorrido um ano sobre a data de início das coberturas, a não invocar a existência de omissões ou declarações inexatas para efeitos de resolução do contrato ou da adesão salvo se, da parte de quem as omitiu ou produziu, tiver havido má-fé. 4. Entende- se por má-fé o conhecimento por parte do Tomador do Seguro ou da Pessoa Segura de que as declarações são inexatas ou incompletas” [Condições Gerais − art. 3.º (Incontestabilidade)].

10.º − Nos termos do documento intitulado Solução Previdência D1…, respeitante à apólice n.º ../……, junto a fls. 286 (fls. 294), “A D… garante, em caso de invalidez Absoluta e Permanente de uma das Pessoas Seguras o pagamento antecipado do capital seguro em caso de Morte indicado no Certificado Individual de Adesão” (Condições Especiais − Complementar de Invalidez Absoluta e Permanente − art. 1.º, n.º 1).

11.º − O autor à data de emissão da apólice de seguro n.º ../…… tinha 49 anos de idade e a autora 46 anos de idade.

O sinistro e seus efeitos

12.º − Em 25 de dezembro de 2005, o autor sofreu um acidente vascular cerebral após dissecação espontânea da artéria carótida direita.

13.º − Em resultado deste acidente, o autor passou a sofrer de uma incapacidade permanente parcial de 75%, ficando definitivamente impossibilitado de exercer qualquer actividade profissional.

14.º − Em 13 de janeiro de 2006, o Serviço de Neurologia do Hospital J…, emitiu o documento intitulado Carta de Alta, junto a fls. 298, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Antecedentes
Pessoais: diabetes mellitus, não insulinodependente, diagnosticada há 5 anos, mal controlada; Há 2 anos foi avaliado por oftalmologia e não apresentaria retinopatia.
Tabagismos (20 cigarros/dia).
Medicação: Glucobay um comprimido imediatamente antes do pequeno almoço e do almoço.
Familiares: Sem história de doença cerebrovascular

A diabetes preexistente

15.º − Na data do preenchimento do Questionário Médico mencionado no ponto 5.º − factos provados −, o autor sofria de diabetes mellius, tendo o autor conhecimento deste facto.

16.º − Em tal data, o autor encontrava-se a tomar medicação regular como terapia para esta afeção, prescrita por um médico, tomando para o efeito um comprimido por dia.

17.º − Ao preencher o Questionário Médico mencionado no ponto 5.º − factos provados −, o autor sabia ser falsa a declaração de que não sofria de diabetes.

18.º − Ao aceitar a proposta de seguro e emitir a apólice n.º .../….., a ré desconhecia que o autor sofria de diabetes mellitus, encontrando-se à data a tomar medicação regular como terapia para esta afeção, prescrita por um médico.
19.º − Se tivesse conhecimento de que o autor sofria de diabetes mellitus, a ré não teria aceitado cobrir o risco de incapacidade decorrente de acidente vascular cerebral que vitimasse o autor.

O surgimento do litígio

20.º − Os autores participaram à ré a ocorrência do acidente sofrido pelo autor.

21.º − Em 8 de outubro de 2013, a ré remeteu aos autores a carta junta a fls. 302, onde consta, para além do mais que aqui se dá por transcrito:

“Pela complexidade na convergência de todos os elementos consentâneos à efectiva apreciação do assunto, não nos foi possível responder em tempo útil. Pelo facto apresentamos desde já as nossas cordiais desculpas.
Face ao preâmbulo, e na posse de todos os elementos clínicos relevantes, a D…, S. A. vem pela presente informar V. Exa. da tomada de posição definitiva relativamente à participação de Sinistro de Invalidez Absoluta e Permanente, pelo que informamos:
O Segurado encontra-se legalmente comprometido, antes da celebração do contrato de seguro, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo Segurador.
Em caso de incumprimento do referido, o contrato é anulável, não sendo o Segurador obrigado a garantir qualquer sinistro participado ao abrigo de doença não informada no ato de subscrição.
Na data da contratação da presente apólice, a 13 de Dezembro de 2004, juntamente com a proposta de seguro V. Exa. preencheu um questionário médico o qual serviu de base à aceitação do risco inerente a esta apólice, não tendo sido identificadas quaisquer doenças ou lesões prévias ao preenchimento do referido questionário, nomeadamente situações clínicas que tivessem dado origem a atos médicos e/ou tratamentos antes da data de contratação da apólice em assunto.
Na documentação clínica remetida para a D…, S. A., é manifesto a existência de múltiplos antecedentes do foro clínico, que não foram referenciados no Questionário Médico respetivo que serviu de base à emissão desta apólice.
Desta forma lamentamos informar que não podemos considerar como válido o sinistro participado pelas razões atrás expostas, e, pelas mesmas razões informamos que procedemos à anulação desta apólice por omissão de informação conforme plasmado no artigo 9º, ponto 1, das condições gerais das apólices (Riscos Excluídos) e nos termos do artigo 14º das mesmas condições gerais (Resolução da Adesão), e nos termos dos artigos 24º (nº 1 e nº 2) e 25º (nº 1 e nº 3) do regime jurídico do Contrato de Seguro.
Mais informamos que nesta data demos conhecimento ao Banco F… da decisão de procedermos à resolução da apólice”.

22.º − Em 2 de janeiro de 2006, o valor do capital em dívida dos empréstimos referidos no ponto 2.º − factos provados − era de €132.309,74.

23.º − Após 2 de janeiro de 2006, os autores procederam ao pagamento da quantia de €49.727,96, sendo à data de 27 de fevereiro de 2015 o valor em dívida de €82.581,51.

24.º − Em 3 de janeiro de 2014, a ré emitiu e enviou à autora 36 avisos/recibos referentes à apólice em apreço, para pagamento por transferência bancária a partir de conta domiciliada no Banco F…, S.A..

25.º − Em 2 de dezembro de 2013, a ré foi citada para a ação, tendo apresentado contestação em 10 de janeiro 2014.
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Mais deu como não provados os seguintes factos:

26.º − O Questionário Médico foi apresentado aos autores pelo agente de seguros que representava ou fazia a mediação de contratos de seguros, no interesse da ré, como uma mera formalidade, tendo aquele agente preenchido o mesmo após questioná-los acerca da eventual existência de alguma doença grave.

27.º − Os autores limitaram-se a assinar o questionário depois de preenchido pelo agente de seguros, sem se aperceberem de qualquer omissão ou informação inexata.

28.º − O acidente vascular cerebral isquémico, após disseção espontânea da artéria carótida interna direita, sofrido pelo autor foi causado ou potenciado pela diabetes mellitus de que padecia.

29.º − O acidente vascular cerebral isquémico, após disseção espontânea da artéria carótida interna direita, sofrido pelo autor não foi causado nem potenciado pela diabetes mellitus de que padecia.
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III – DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Veio o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível do Porto – Juíz 5, de 28 de Maio de 2019, que julgou improcedente a acção de condenação intentada pelos ora Apelantes contra D…, S.A., e consequentemente absolveu a Ré dos pedidos por si formulados.

Em síntese, o Tribunal a quo julgou procedente a arguida excepção de anulabilidade do contrato de seguro de vida com a consequente anulação do mesmo, considerando provado que: o Autor prestou conscientemente informação que sabia ser falsa; é irrelevante a verificação do nexo causal entre a condição de saúde não mencionada pelo Autor no Questionário, sendo, por tal, suficiente a inexactidão das declarações prestadas para operar a anulação do contrato de seguro e exoneração de qualquer pagamento por parte da seguradora aqui Ré.

Insurgem-se contra este entendimento os ora Apelantes ao alegarem que a sentença assenta numa errada, porque deficitária, apreciação da prova produzida e da matéria de facto consequentemente dada como provada – não dando cumprimento ao disposto no nº 5 do art 607º do CPC.
Assim, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 640º CPC, discordam da apreciação /valoração feita pelo Tribunal a quo quer quanto à prova testemunhal quer quanto à prova documental carreada para o processo e à consequente resposta à matéria de facto dada como provada – artigos 6.º, 17.º a 19.º - e não provada – artigo 29.º (cfr. conclusões 10ª a 17.ª).
Por outro lado, a subsunção legal da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal a quo, consubstanciou a violação dos preceitos legais contidos no artigo 60º da Constituição da República Portuguesa, artigo 6º do Decreto-Lei 446/85, artigos 227º nº 1 e 800º nº 1 do Código Civil – cuja reparação se impõe, com o provimento do presente recurso ( cfr. conclusão 36.ª)
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As conclusões das alegações definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração – cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC.
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1 – DA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Resulta do artigo 6:º dos factos dados como provados que:
Para aceitação do seguro, a ré, não exigiu a realização de exames médicos mas apenas o preenchimento do questionário médico”.
Pretendem os Apelantes que o artigo 6.º passe a ter a seguinte redacção:
Para aceitação do seguro, a ré, na pessoa do mediador de Sr. G… não exigiu a realização de exames médicos mas apenas o preenchimento do questionário médico
Sucede que em momento nenhum da produção de prova resultou que G… tenha tido qualquer interferência na decisão da D… em não solicitar exames médicos previamente à emissão da apólice.
Na verdade, o que resultou de forma notória foi que a decisão de não solicitar exames médicos prévios à emissão da apólice não está no poder decisório de nenhum mediador que trabalhe com/para a Recorrida, porquanto nenhuma decisão de cariz técnico – entenda-se médico – é tomada pelos mediadores.
Tal como resulta das declarações da testemunha da Ré, K… - vide acta de julgamento de 20.05.2019; início de gravação 14:23:08 e fim de gravação 14:35:00; passagem 00:00:00 a 00:03:03:29 , a decisão da D… em não solicitar a realização de exames médicos – sempre que os questionários médicos não apresentem evidência de pré-existências – está relacionada com a política assumida pela própria empresa. Resulta ainda dessas declarações que, em processos cujo valor do prémio seguro seja inferior a €180.000,00 e que do questionário médico não resulte evidências de pré existências a D… – o que acontece com o caso sub judice - não solicita a realização de exames médicos antes de emitir a apólice.
Também das declarações do Dr. L…, médico da D…, resulta que essa é uma decisão do seu departamento não sendo, por isso, de admitir que o mediador possa ter tido alguma intervenção nessa matéria. - vide acta de julgamento de 20.05.2019; início de gravação 14:35:00 e fim de gravação 14:50:33; passagem 00:02:40 a 00:03:03:57.]
Ainda que se consiga perceber qual a intenção do recorrente em querer assacar responsabilidades ao referido mediador, o certo é que tal intenção não poderá proceder porque não é sustentada por nenhum facto trazido aos autos.
Acresce que, e ainda que o questionário tivesse a informação que o Apelante marido sofria de diabetes mellitus, também não cabia ao mediador exigir ou prescindir da realização de exames médicos, na medida em que após o preenchimento e assinatura da proposta de adesão e do questionário médico os documentos são enviados para a D…, cabendo à sua área técnica analisar o questionário médico e decidir se é, ou não, necessário solicitar relatórios médicos, exames ou informações complementares.
Ou seja, o mediador G…, ou qualquer outro mediador, não tem nenhum poder/autonomia para decidir sobre a necessidade de realizar ou prescindir de exames médicos seja em que momento for.
E uma vez que foi decisão da Recorrida e não de G…, não exigir a realização de exames médicos prévios não é de aceitar a nova redacção ao artigo 6.º pretendida pelos Apelantes.
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Resulta do artigo 17.º o seguinte facto: “Ao preencher o questionário médico, mencionado no ponto 5.º - factos provados- , o autor sabia ser falsa a declaração de que não sofria de diabetes”
Pretendem os Apelantes que o referido artigo passe a ter a seguinte redacção:
Ao preencher o questionário médico, mencionado no ponto 5.º - factos provados- o autor sabia ser falsa a declaração que sofria de diabetes, tendo-o feito conforme instruções e esclarecimento expresso do mediador de seguros G…, ao qual foi comunicada claramente pelo autor a sua condição de saúde
A redacção que os Apelantes pretendem dar ao artigo 17º não está, de todo, de acordo com a prova produzida no processo, nomeadamente em sede de julgamento.
Em primeiro lugar é de referir que não subsistem dúvidas que o Recorrente marido quando preencheu o questionário médico sabia que tinha diabetes mellitus, e não o tendo declarado no questionário médico, prestou falsas declarações. Tal facto resulta, não só das declarações de parte da Recorrente como das alegações de recurso.
Assim, numa primeira versão, constante da Resposta junta aos autos em 14.03.2014, foi alegado que o questionário médico lhes foi apresentado “ pelo agente de seguros que representava ou fazia a mediação de contratos de seguros no interesse da ré, como uma mera “pró-forma”, tendo aquele Agente preenchido o mesmo após questioná-los acerca da eventual existência de alguma doença grave– vide artigo 14.º da Resposta, tendo os Recorrentes se limitado “ (…) a assinar o questionário depois de preenchido pelo Agente de Seguros, sem se aperceberem de qualquer omissão ou informação inexacta” – vide artigo 15.º da Resposta.
Em sede de julgamento, mais concretamente das declarações da parte da recorrente, foi apresentada uma outra versão dos factos da qual resultou que o questionário médico foi preenchido na sede de uma empresa imobiliária e que o referido mediador nem sequer estava presente.
Conforme resulta das declarações de parte da Autora, os Recorrentes foram auxiliados pela empresa imobiliária, mais concretamente pela Dr.ª H…, no preenchimento quer da proposta quer do questionário médico, não tendo o referido mediador tido qualquer intervenção directa nos factos em discussão nos autos.
De acordo com a tese apresentada pelos Apelantes em julgamento – diversa da que foi alegada em fase de articulados – a Dr.ª H… – após ter sido confrontada com a doença do recorrente - terá ligado ao mediador G… para saber se era relevante ou não a indicação da diabetes e que este lhe terá dito que não.
Ora, desde logo, o Recorrente não devia ter dúvidas que devia responder com verdade ao questionário médico. Se sabia da doença que padecia não se percebe a dúvida que o assolou, evidenciando essa conduta que aguardava que lhe validassem o comportamento de não declarar uma doença que sabia que tinha.
Portanto, sabendo, como resulta provado que sabia, que tinha diabetes só tinha que o declarar.
Não vale sequer argumento que não lhe foi explicado a importância que as respostas tinham para a Recorrida, argumento que apenas agora, em sede de recurso, é suscitado pelo Apelante.
Sobre este (novo) facto cumpre esclarecer que os recursos não se destinam a suscitar questões novas, mas tão somente a obter a reapreciação de questões já decididas no tribunal a quo pelo que será de retirar este novo facto da apreciação do Tribunal ad quem .
E ainda que o Recorrente não soubesse - porque não lhe havido sido esclarecido – qual o objectivo das questões que lhe estavam a ser colocadas - tudo o que se lhe exigia, e a todo e qualquer contraente, era que respondesse com verdade às questões que expressamente lhe foram colocadas no questionário médico como decorrência do dever de proceder de boa- fé a que está sujeito todo aquele que negoceia com outrem para a conclusão do contrato, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 227.º do CC.
Isto porque o que está subjacente ao processo é a omissão no questionário médico da declaração da existência de uma doença, conhecida do Apelante, e que determinou a forma como a Recorrida decidiu contratar.
Na verdade, nada tendo sido declarado no questionário médico a Recorrida presumiu por um lado não haver qualquer facto susceptível de agravar o risco por si assumido, e por outro que seria desnecessário solicitar qualquer exame, relatório ou informação clinica adicional.
Acresce que, e ainda sobre o dever de informação e comunicação, é entendimento do Supremo Tribunal Justiça que o questionário médico não constitui cláusula contratual geral do contrato de seguro para efeitos de vinculação da seguradora aos referidos deveres:
Do que aqui se trata é da postura do candidato ou proponente do seguro relativamente a perguntas simples e claras sobre o seu estado de saúde, baixas e internamentos, meras declarações de ciência que, destinadas embora a serem valoradas pela contraparte na sua declaração negocial, não continham qualquer declaração de vontade relativamente à qual se possa falar de adesão ou valoração” – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-07-2011, disponível in www.dgsi.pt
Nesses termos, e conforme escreve Moitinho de Almeida o questionário médico consiste “ numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado assente na probabilidade das informações e na boa fé deste último com vista a evitar um complexo de averiguações e exames, não devendo redundar em prejuízo daquele” – in “ Contrato de Seguro” pág. 74.
Além do mais, nem sequer é de admitir como plausível que o Recorrente desconhecesse a essencialidade das respostas que lhe estavam a ser solicitadas, uma vez que é do conhecimento comum que a situação clínica de quem pretende celebrar um contrato de seguro vida, como aquele que está em causa nos autos, é de extrema relevância para a entidade que vai assumir o risco decorrente de situações de doença ou morte.
O que aliás parece resultar do comportamento do Recorrente é que tinha perfeito conhecimento que caso declarasse a doença havia uma forte probabilidade de a Recorrida vir exigir mais exames e eventualmente agravar o prémio ou no pior dos cenários recusar assumir o risco.
No entanto, e do que releva para o processo é que em momento algum ficou provado que a conversa telefónica tenha sido com o G… nem que tenha sido ele a “dar a ideia” de nada se declarar dada a irrelevância da doença.
Ou seja, não tendo sido ouvida em julgamento os alegados intervenientes do telefonema não pode resultar provada esta nova versão dos factos, nomeadamente que o mediador G… tenha tomado conhecimento da doença do Apelante e lhe tenha dado a indicação para omitir esse facto.
Face ao exposto, forçoso é concluir que dos factos trazidos aos autos não resulta a intervenção directa do mediador no preenchimento do questionário médico ou na sugestão de preenchimento sendo de aceitar que os documentos lhe terão sido entregues, já preenchidos, e que a única coisa que terá feito foi reencaminhá-los para a Recorrida, ou seja que não teve conhecimento do verdadeiro estado de saúde do Apelante marido, motivo pelo qual não se poderá assumir o conhecimento prévio da Recorrida.
Por conseguinte, não se mostrando provada a intervenção do mediador no preenchimento do questionário médico nem do seu conhecimento prévio da doença do Recorrente andou bem o Tribunal a quo na apreciação feita ao depoimento de parte da Recorrida nada sendo a apontar à redacção dada ao artigo 17.º dos factos dados como provados.
*
Resulta do artigo 18.º dos factos provados o seguinte:
Ao aceitar a proposta de seguro e emitir a apólice n.º ........., a ré desconhecia que o autor sofria de diabetes mellitus, encontrando-se à data a tomar medicação regular como terapia para esta afecção, prescrita por um médico
Os Apelantes pretendem a alteração do artigo 18.º e que este passe a ter a seguinte redacção:
Ao aceitar a proposta de seguro e emitir a apólice n.º .........., a ré, no acto representada pelo mediador G…, não desconhecia que o autor sofria de diabetes mellitus, encontrando-se à data a tomar medicação regular como terapia para esta afecção, prescrita por um médico
Como adiantamos supra no ponto anterior, não tendo resultado provada a intervenção do mediador no processo de preenchimento do questionário médico, nomeadamente no que respeita ao conhecimento e sugestão de não indicação da doença pré existente porque a mesma era irrelevante, não se pode admitir uma outra redacção para o artigo 18.
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O Tribunal a quo deu como provado no artigo 19.º que “ Se tivesse conhecimento que o Autor sofria de diabetes mellitus a ré não teria aceitado cobrir o rico de incapacidade decorrente de acidente vascular cerebral que vitimasse o Autor
Os Apelantes pretendem que este facto seja dado como não provado.
Sucede que das declarações prestadas pelo Dr. L…, médico responsável pela área técnica da Recorrida, resulta de forma clara que caso a Recorrida tivesse tido conhecimento, antes da emissão da apólice, de que o Apelante marido tinha diabetes mellitus, mal controlados, não teria emitido a apólice sem antes exigir informação clínica adicional, por forma a aferir do verdadeiro estado saúde do Apelante - vide acta de julgamento de 20.05.2019; início de gravação 14:35:00 e fim de gravação 14:50:33; passagem 00000:0:05:42 a 00:06:06 :18; 00:07:00 a 00:08:56; 00:09:21 a 00:10:40.]
Refere-se a propósito no acórdão do STJ de 24-4-2007 (proc. 07S851, in www.dgsi.pt): «…não é qualquer declaração inexacta ou reticente que desencadeia a possibilidade de anulação do seguro: tem de se tratar de declarações inexactas ou reticentes quanto a factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro e que teriam podido influir sobre a existência ou as condições do contrato, aqui se notando desde já, face aos termos desse artigo, que, ainda que não pudessem ter influência sobre a existência do contrato, bastaria que a pudessem ter sobre as condições do mesmo para poderem originar a sua anulação».
Salientando-se, ainda: «Não exige, porém, aquele art.º 429º, que, para haver anulabilidade, os factos ou circunstâncias constantes incorrectamente de tais declarações inexactas ou omitidos nas reticentes, se fossem conhecidos pela seguradora, teriam efectivamente determinado a celebração do contrato em termos diferentes daqueles em que o foi: ao dizer “teriam podido influir”, e não “teriam influído”, ou “tenham influído”, contenta-se com a susceptibilidade de as declarações, factos ou circunstâncias em causa, influírem sobre a existência ou condições do contrato, sem exigir que efectivamente as influam, ou seja, considera suficiente que as declarações possam influir, não exigindo que forçosamente influam, até porque não chegou a haver formação de vontade da seguradora com base nesses factos ou circunstâncias desconhecidos por não declarados ou incorrectamente declarados».
Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo ao dar como provado o facto descrito no artigo 19.º
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Os Apelantes pretendem ainda que o facto dado como não provado no artigo 29.º seja considerado como provado, fundamentando essa sua pretensão no relatório pericial realizado ao Apelante marido.
Resulta do artigo 29.º dos factos dados como não provados o seguinte:
“ O acidente vascular isquémico, após dissecação espontânea da artéria carótida interna direita, sofrido pelo autor não foi causado nem potenciado pela diabetes mellitus de que padecia
Vejamos.
Da leitura do relatório pericial, mais concretamente suas conclusões, resulta “ (…) não haver elementos que permitam estabelecer o nexo da causalidade entre a Diabetes Mellitus e o acidente vascular cerebral isquémico após dissecação espontânea da artéria carótida interna direita
Ora, não tendo o relatório sido peremptório quanto à (in)existência do nexo causal o Tribunal a quo optou, e bem, em não extrapolar as considerações do relatório e decidiu não ter resultado provado nenhuma das situações, conforme bem resulta dos artigos 28.º e 29 dos factos dado como não provados.
Cumpre esclarecer que como bem resulta da sentença “ O nexo causal entre as circunstâncias não declaradas e o sinistro é irrelevante”.
Ou seja, o facto de não ter sido possível estabelecer ou afastar o nexo causal entre a doença pré existente e o sinistro em nada prejudica a análise e decisão da questão jurídica em discussão, ou seja, decidir sobre a anulabilidade do contrato.
Porque se é verdade, e resulta provado, que a declaração de doença pré existente é essencial para a Recorrida a questão do nexo causal, para efeitos do artigo 429.º do Código Comercial é absolutamente irrelevante, pelas razões a expor infra.
Face ao exposto, é forçoso concluir que não tendo sido apresentada qualquer prova inequívoca sobre o nexo causal entre a doença pré-existente e o sinistro andou bem o Tribunal a quo em dar como não provados ambos os cenários.
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2 DA APRECIAÇÃO DE DIREITO
No que se refere à matéria de direito entendeu o Tribunal a quo serem quatro as questões fundamentais a decidir:
a) a declaração inicial de risco;
b) A irrelevância causal da patologia preexistente;
c) A validade do contrato de seguro;.
d) A confirmação do negócio anulável.
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Analisemos as diversas questões suscitadas em separado, com ressalva da última questão que fica prejudicada com a resposta dada à da alínea c).
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a)No que concerne à declaração inicial do risco, andou bem o Tribunal a quo, que em jeito de conclusão refere que:
No caso dos autos, o segurador atribuiu importância à circunstância de a pessoa segurada sofrer de diabetes. Perante o questionário, um “bom pai de família” compreende que tem o dever de esclarecer a outra parte sobre a matéria. Como se disse, o proponente deve razoavelmente ter por significativas as circunstâncias previstas no questionário.
Resultou provado que, “na data do preenchimento Questionário Médico mencionado no ponto 5.o −factos provados −, o autor sofria de diabetes mellitus, tendo o autor conhecimento deste facto”, e que, “em tal data, o autor encontrava-se a tomar medicação regular como terapia para esta afeção, prescrita por um médico, tomando para o efeito um comprimido por dia”. O autor faltou à verdade sobre seu estado de saúde. Sem margem para equívocos ou interpretações menos conseguidas: “ao preencher o Questionário Médico mencionado no ponto 5.o − factos provados −, o autor sabia ser falsa a declaração de que não sofria de diabetes”.
Respondendo à primeira questão colocada, há que concluir que o autor prestou conscientemente declarações inexatas.”
Como já referimos no ponto anterior sobre o dever de informação e comunicação, é entendimento do Supremo Tribunal Justiça que o questionário médico não constitui cláusula contratual geral do contrato de seguro para efeitos de vinculação da seguradora aos referidos deveres:
Do que aqui se trata é da postura do candidato ou proponente do seguro relativamente a perguntas simples e claras sobre o seu estado de saúde, baixas e internamentos, meras declarações de ciência que, destinadas embora a serem valoradas pela contraparte na sua declaração negocial, não continham qualquer declaração de vontade relativamente à qual se possa falar de adesão ou valoração” – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-07-2011, disponível in www.dgsi.pt
Ainda de acordo com o referido aresto o “questionário é uma das formas de declaração inicial do risco pelo candidato tomador do seguro ou pessoa segura que tem por objectivo a ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto”.
Concluindo que “o “questionário” não constitui cláusula contratual geral do contrato de seguro para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação dessas cláusulas em contratos de adesão».
Ou seja, ao contrário do alegado pelos Recorrentes, a Recorrida, no que respeita ao questionário médico e ao seu preenchimento não ao está obrigada ao dever de informação e esclarecimento, pelo que a tese apresentada pelos Apelantes não poderá proceder.
Com efeito, tratando-se de um seguro de vida, os segurados, aquando da contratação, inteiraram a seguradora do seu estado de saúde, da sua situação nosológica, através do preenchimento de um questionário médico.
Neste sentido, o Apelante marido preencheu um boletim de adesão, no qual se incluía o referido questionário médico, constituindo por diversas questões, tendo o Recorrente respondido negativamente às seguintes:
Sofre ou sofreu de perturbações metabolismo (por ex. diabetes, gota)
Toma medicamentos regularmente?” – vide questionário médico junto à contestação como documento n.º 1.
Os questionários médicos, incluindo as afirmações do Apelante, formam o repositório das declarações de risco dos Apelantes, enquanto pessoas seguras, nas quais a Recorrida confiou e em função das quais determinou o risco que assumia ao contratar com os Recorrentes e as condições em que o faria.
Como assinala MOITINHO DE ALMEIDA (obra citada, p. 73) o «contrato de seguro é um contrato assente na boa-fé, pois o segurador, quer na sua decisão de assumir os riscos, quer na determinação da contraprestação (prémio), confia no segurado, nas informações por este fornecidas na declaração inicial do risco».
Acrescentando mais adiante (p. 74): «O segurado deve declarar todas as circunstâncias que tenham influência na opinião do risco do segurador, quer dizer, todas as circunstâncias que por qualquer forma sejam susceptíveis de tornarem o sinistro mais provável ou mais amplas as suas consequências (probabilidade e intensidade do risco)», sendo que esta apreciação prévia do risco “ (...) constitui um aspecto fundamental na disciplina do contrato de seguro (...)”sendo que a norma do artigo 429.º do Código Comercial tem como objectivo dar concretização a esta necessidade de determinar com exactidão o risco do contrato de seguro” – vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 524/99 de 29 de Setembro de 1999.
Não obstante o Recorrente saber que tinha diabetes optou por nada declarar quanto à referida doença, “faltando à verdade sobre o seu estado de saúde.”, não deixando “margem para equívocos ou interpretações menos conseguidas” que sabia serem falsas as declarações que estava a prestar.
Face ao exposto nada há a apontar à análise feita pelo Tribunal a quo a esta primeira questão.
*
b) Em segundo lugar, o Tribunal a quo entendeu que da perícia realizada ao Apelante marido não resulta de forma inequívoca a existência ou inexistência de um nexo causal entre a diabetes e o sinistro.
Vejamos.
Para efeitos de nulidade do contrato o artigo 429.º do Código Comercial não exige a existência deste nexo causal, sendo que os elementos que relevam, para efeitos de nulidades, são a pré existência, a não declaração da mesma e a susceptibilidade destas duas influenciarem a seguradora na decisão de contratar.
Como explica MOITINHO DE ALMEIDA (obra citada, p. 76), é irrelevante a verificação de nexo causal entre as circunstâncias não declaradas ou irregularmente declaradas e o sinistro.
Também do já citado acórdão do STJ de 6-7-2011 resulta que “ Imprescindível à anulabilidade é apenas a omissão ou a declaração inexacta que sejam susceptíveis de influenciar a seguradora na decisão de contratar, irrelevando que o óbito venha a ocorrer devido a outra doença e, por isso, que exista ou não nexo causal entre a doença omitida nas declarações prestadas na proposta e a que efectivamente se revelou letal».
É, assim, inócuo que não se tenha estabelecido qualquer nexo entre as circunstâncias inexactas e omitidas e o acidente vascular cerebral sofrido pelo Autor.
Por outro lado, resultando provada a omissão de informação sobre o estado de saúde dos Recorrentes e a susceptibilidade dessa omissão influenciar a seguradora na decisão de contratar – facto aceite pelos Recorrentes - outra não podia ser a decisão do Tribunal a quo sobre a nulidade do contrato.
*
c) Por último, no tocante à validade do contrato de seguro o Tribunal a quo determinou a aplicação do artigo 429.º do Código Comercial – por julgar estarem preenchidos todos os seus pressupostos – e entendeu que “ A ré recusando o cumprimento, excepcionou a anulabilidade do contrato invocado pelos Autores (artigo 287.º n.º 2 do Código Civil)”, resultando dessa anulação a ineficácia do mesmo com efeitos retroactivos, justificação essa, aliás, dada pela Recorrida para recusar o pagamento do sinistro.
Ora, face à factualidade dada como provada interpretação diversa dada ao artigo 429.º e aos seus efeitos não é de aceitar.
Isto porque a hipótese levantada pelos Apelantes pressupõe que:
i) o mediador teve uma intervenção directa na contratação, nomeadamente no preenchimento do questionário medico;
ii) teve conhecimento que o Apelante marido tinha diabetes;
iii) por entender que a indicação da diabetes era irrelevante indicou que não o referisse no contrato .
Ora, nenhum dos factos identificados nas alíneas anteriores resultou provado (cfr. ponto 1), pelo que os mesmos não poderão ser equacionados numa outra solução jurídica.
Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo sobre anulação do contrato e dos seus efeitos relativamente ao sinistro reclamado.
*
Em conformidade, improcedem in totum as conclusões da alegação dos Apelantes, sendo de negar provimento ao recurso e confirmar na íntegra a sentença recorrida.
*
IV – DECISÃO
Acordam, pois, os juízes que compõem a 3ª Secção (2ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao presente recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos Apelantes.

Porto, 8 de Setembro de 2020
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço
Judite Pires