Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0754861
Nº Convencional: JTRP00040643
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
SENTENÇA
COMPLEMENTO
Nº do Documento: RP200710150754861
Data do Acordão: 10/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 314 - FLS 155.
Área Temática: .
Sumário: I - Decretada a insolvência com carácter limitado, qualquer interessado pode pedir que a sentença seja complementada, que a sentença prossiga com carácter pleno
II - Neste caso, interessado será todo aquele que invoca ser titular de um certo direito, ainda que esse direito se encontre a ser discutido em juízo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1- Nos Juízos Cíveis da Comarca do Porto, no Processo de Insolvência de Pessoa Singular, em que é Requerente B………. e Requerida C………. veio D………., SA requerer o complemento de sentença, nos termos que constam de fls. 28 (fls. 1007 do processo principal).[1]

2 – Notificada a Requerida C………. veio esta defender o indeferimento do requerido uma vez que a requerente não é titular de qualquer crédito.

3 – Foi então proferido o despacho de fls. 2 a 5 que deferiu o requerido[2].

4– Deste despacho veio a requerida C………. interpor recurso, nos termos de fls. 41 a 43, formulando as seguintes conclusões:
1ª- Veio a entidade “D………., S.A.”, alegando um pretenso direito de crédito sobre a requerida (justificando assim a sua qualidade de interessada) requerer o complemento da sentença da declaração de insolvência no que concerne às al. e) a g) e i) a n) do artigo 36 n.º 1 do CIRE
2ª- Alegou para o efeito ser titular sobre a insolvente de um crédito, consubstanciado num direito de indemnização resultado de prejuízos sofridos como consequência da litigância de má-fé da insolvente nos autos de acção ordinária n.º …./03.9TVPRT da . Secção da . Vara Cível do Porto
3ª- Tal pretenso direito de crédito (alegado pela referida “D………., SA”) não existe, pelo menos em termos relevantes para legitimar e possibilitar à referida D………., SA “deitar mão” do requerido complemento da sentença.
4ª- A referida “D………., SA” não tem sobre a requerida qualquer direito de crédito.
5ª- É sim a requerida que, nos autos identificados (n.º …./03.9TVPRT da . Secção da .ª Vara Cível do Porto) e aos quais está agora apenso um alegado arresto, faz valer um direito sobre a requerente D………., SA.
6ª- O crédito alegado pela D………., SA não só é absolutamente litigioso como não poderá nunca consubstanciar um crédito sobre a massa insolvente e, claro está, justificar a qualidade de interessada da requerente para efeitos de requerer o complemento de sentença.
7ª- E como se trata de crédito litigioso, objecto de integral contestação por parte da devedora, a sua verificação só poderia ser feita após o seu reconhecimento judicial nos termos do CIRE
8ª- Violou a sentença recorrida por erro de interpretação os artigos os artigos 36° e 39 do CIRE
Conclui pedindo a procedência do presente recurso.

5 – Nas contra-alegações a Recorrida D………., SA defendeu a manutenção do decidido.

II – FACTUALIDADE PROVADA
Encontram-se provados os seguintes factos:
1) D………., SA veio requerer o complemento de sentença, alegando, para tanto, ser titular de crédito sobre a insolvente.
2) Esse direito de crédito foi indiciariamente reconhecido na providência cautelar de arresto (Proc. n.º …./03.9TVPRT da . Secção da .ª Vara Cível do Porto) na qual foi proferida decisão a reconhecer a probabilidade da existência desse direito e a ordenado o arresto de várias participações sociais pertencentes à insolvente.
3) A requerente do complemento de sentença comprovou nos autos a efectivação de depósito à ordem do Tribunal correspondente ao montante fixado pelo tribunal.

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 nº 3 do Código de Processo Civil.
A) A questão concreta de que cumpre decidir nos presentes recursos é apenas a seguinte:
1ª – Deve ser deferido o complemento de sentença quando o seu requerente invoca ser titular de um direito de crédito litigioso?
Vejamos.
Dispõe o artigo 39º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Dec. Lei nº 53/2004, de 18/3, sob a epígrafe «Insuficiência da massa insolvente», que “concluindo o juiz que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, faz menção desse facto na sentença de declaração da insolvência e dá nela cumprimento apenas ao preceituado nas alíneas a) a d) e h) do artigo 36º, declarando aberto o incidente de qualificação com carácter limitado”.
Acrescenta o nº 2 alínea a) do mesmo preceito que no caso referido no número anterior, “qualquer interessado pode pedir, no prazo de cinco dias, que a sentença seja complementada com as restantes menções do artigo 36º”.
“O requerente do complemento da sentença deposita à ordem do tribunal o montante que o juiz especificar…..”, n.º 3 do mesmo preceito.
Por último o n.º 5 do art. 39 estabelece que “requerido o complemento da sentença nos termos do n.º 2 e 3, deve o juiz dar cumprimento integral ao artigo 36, observando-se em seguida o disposto nos artigos 37 e 38, e prosseguindo com carácter pleno o incidente de qualificação da insolvência.
“Não sendo requerido o complemento da sentença, o devedor não fica privado dos poderes de administração e disposição do seu património, nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência, ao abrigo das normas deste código”, n.º 7 al. a) do artigo 39 do CIRE - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Tendo presentes estes princípios jurídicos, sumariamente enunciados e face àquela factualidade provada, será que a Requerente D………., SA podia requerer o complemento de sentença? Ou seja será que ela deve ser considerada “interessada” (art.39 n.º 2 al. a)?
A decisão que decretou a insolvência da ora Recorrente foi com carácter limitado[3] pelo que “qualquer interessado” podia ter pedido que a mesma fosse complementada nos termos do artigo 36 (ou seja que a sentença tivesse carácter pleno).
Solicitar o complemento da sentença é, no fundo, pedir que o processo de insolvência prossiga nos termos comuns, pois que se não for requerido o complemento da sentença, “a declaração de insolvência não desencadeia a generalidade dos efeitos que normalmente lhe estão ligados, ao abrigo das normas do Código, mantendo-se o devedor também na administração e disposição do património que exista”.[4]
A Requerente D………., SA alega ser titular de crédito sobre a insolvente, crédito esse que foi indiciariamente reconhecido na providência cautelar de arresto (Proc. n.º …./03.9TVPRT da . Secção da .ª Vara Cível do Porto) na qual foi proferida decisão a reconhecer a probabilidade da existência desse direito e a ordenado o arresto de várias participações sociais pertencentes à insolvente.
Será tal facto bastante e suficiente para que seja considerada um “interessado”?
Interessado é aquele que tem interesse em alguma coisa, “aquele a quem uma decisão diz respeito” que “tem ou toma interesse por alguma coisa”, Cfr. Grande Dicionário da Língua Portuguesa.
O conceito de “interessado” para efeitos deste normativo deve ter um âmbito mais amplo do que o de “parte legítima” (legitimidade) não se confundindo – sendo mais amplo – com o “interesse em agir”.
Interessado será todo aquele que é titular de um interesse, ainda que em litígio, tendo interesse em contradizer (aqui se aproximando da “legitimidade”).
Será ainda interessado todo aquele que mostre interesse no objecto do processo ou interesse no próprio processo (será interessado todo aquele que mostre, assim, um interesse em agir).
“Qualquer interessado”, nos termos do artigo 39 n.º 2 al. a do CIRE será todo aquele que invoca ser titular de um certo direito, ainda que esse direito se encontre a ser discutido em juízo.
Deste modo, não será o facto de a validade do direito ou o conteúdo, a extensão, desse direito estar a ser discutido em juízo que retira ao requerente o interesse (a legitimidade, o interesse em agir) nos presentes autos, ou seja a qualidade de interessado.
A Requerente D………., SA deve ser considerada interessada uma vez que é titular de um direito de crédito – como se afirma na decisão recorrida, é titular de um crédito sobre a requerida (ainda que perfunctoriamente reconhecido) – o qual lhe foi “indiciariamente reconhecido na providência cautelar de arresto (Proc. n.º …./03.9TVPRT da . Secção da .ª Vara Cível do Porto) na qual foi proferida decisão a reconhecer a probabilidade da existência desse direito e a ordenado o arresto de várias participações sociais pertencentes à insolvente”, cfr. facto provado II-2.
Em suma e em conclusão, sendo a Requerente D………., SA titular de um direito de crédito, ainda que litigioso mas indiciariamente reconhecido, é a mesma “interessada” nos termos do artigo 39 n.º 2 al. a) do CIRE, podendo deste modo requerer o complemento de sentença.
A decisão recorrida não merece, assim, qualquer censura, pelo que se impõe a improcedência desta questão e, consequentemente do recurso.

IV – Decisão

Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência decide-se confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente

Porto, 15 de Outubro de 2007
José António Sousa Lameira
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
José Rafael dos Santos Arranja

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[1] Em resumo alega ser titular de um crédito que se mostra reconhecido na decisão junta a fls. 1010 a 1025 dos autos principais.
[2] É do seguinte teor o despacho recorrido:
“A fls. 1007 veio D………., S.A. requerer o complemento de sentença alegando, para tanto, ser titular de crédito que se mostra reconhecido na decisão junta de fls. 1010 a 1025.
Notificada a requerida pugna pela inatendibilidade do requerido em virtude de entender não ser a requerente titular de qualquer crédito sobre ela.
Apreciando.
Tal como resulta do art. 39 n.º 3 do CIRE qualquer credor pode, requerer o complemento da sentença contanto que preste a caução que vier a ser fixada nos termos estabelecidos no n°5 do citado inciso normativo.
Destarte considerando que a requerente é interessada para o aludido efeito, já que é titular de crédito sobre a requerida (ainda que perfunctoriamente reconhecido), sendo certo que comprovou nos autos a efectivação de depósito à ordem do Tribunal correspondente ao montante fixado por despacho exarado a fls. 1086 dos autos, haverá, pois, que complementar a sentença exarada a fls.650 e segs. com as indicações mencionadas nas als. e), f), g), i), j), 1), m) e n) do art. 36° do CIRE.
Porque assim, em conformidade com o disposto no n°4 do citado art.39° do CIRE, sendo certo que em consonância com os elementos que entretanto foram carreados para os autos a insolvente tem o seu domicílio na ………., nº …, .° andar esq., nesta cidade do Porto, fixando-se, pois, nesse domicílio a residência da insolvente, determina-se:
- que a devedora entregue imediatamente ao administrador da insolvência os documentos referidos no art. 24° do CIRE que ainda não constem do processo;
- a apreensão, para imediata entrega ao administrador da Insolvência de todos os bens da devedora arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no n°1 do art. 150° do CIRE;
- se declare aberto o incidente de qualificação de insolvência com carácter pleno;
- se designe o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos
- designa-se para a realização da assembleia de apreciação do relatório a que alude o art. 156° do CIRE o próximo dia 25 de Junho pelas 14 horas;
- dê publicidade à sentença com observância do disposto no art. 38°, n°1 do CIRE;
- solicite o registo oficioso da declaração de insolvência e da nomeação de administrador na Conservatória do Registo Civil (cfr. art.° 38°, n.° 2, al. a) do CIRE);
- diligencie pela inclusão das informações respeitantes à declaração de insolvência e à identificação do administrador da insolvência na página informática do Tribunal (cfr. art.° 38°, n.° 3, al. b) do CIRE);
- comunique a declaração de insolvência ao Banco de Portugal para que este proceda à sua inscrição na central de riscos de crédito (cfr. art.° 38°, n.° 3. al. c) do CIPE).
Advertem-se os credores do insolvente de que devem comunicar prontamente ao administrador da insolvência a existência de quaisquer garantias reais de que beneficiam (cfr. art.° 36°, al. n).
Advertem-se os devedores do insolvente de que as prestações a que estejam obrigados deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não ao próprio insolvente (cfr. art.° 36°. al. mn).
Valor da causa para efeitos de custas (o mencionado no art.° 301° do CIRE).
Custas pela massa insolvente (cfr. art.° 304° do CIRE)”.
[3] Ou seja não se tratava de uma insolvência com carácter e âmbito total, pleno, mas sim de uma insolvência com carácter e efeitos parciais, efeitos limitados na terminologia legal.
[4] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, vol. I, p. 205.