Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
361/21.0T9AVR.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL
ADMOESTAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RP20240306361/21.0T9VFR.P2
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL / CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A admoestação não pode ser aplicada às contraordenações ambientais expressamente classificadas pelo legislador como sendo contraordenações graves atenta a “relevância dos direitos e interesses violados”.
II - Nos termos do artigo 20.º-A da LQCA a suspensão da execução da coima só é admissível nos casos em que também seja aplicada à arguida uma sanção acessória.

(Sumário da responsabilidade da relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º361/21.0T9AVR.P2

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO

Nos autos de contraordenação n.º361/21.0T9AVR do Juízo Local Criminal de Aveiro, Juiz 1, por sentença proferida em 20/9/2022, foi declarada a nulidade da decisão administrativa da Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), por omissão na concretização dos factos integradores do elemento subjetivo e, em consequência, absolvida a arguida “A..., Lda.” da prática de uma contraordenação p. e p.  pelos arts.12.º, n.º2, 18.º, n.º2, alínea h) do DL n.º46/2008, de 12/3 e 22.º, n.º3, alínea b) da Lei n.º50/2006, de 29/8, que lhe foi imputada.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, o qual, por decisão desta Relação proferida em 22/2/2023, foi julgado provido em consequência determinado o prosseguimento dos autos.

Por sentença proferida em 6/10/2023, alterando parcialmente a decisão da autoridade administrativa, a arguida “A..., Lda” foi condenada pela prática de uma contraordenação p. e p. pelos arts.12.º, n.º2 e 18.º, n.º2, alínea h) do DL n.º46/2008, de 12 de março e art.2.º, n.º3, alínea b) da Lei n.º50/2006, de 29 de agosto (na redação da Lei n.º114/2015, de 28 de agosto), na coima de €7000,00.

A arguida, inconformada com a decisão, interpôs recurso para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada, as seguintes conclusões (transcrição):

1 – A decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao decidir como decidiu dando como provado o ponto 3 dos factos provados no segmento que “agia sob as ordens e direcção desta” e como não provado o constante das alíneas a) e b) dos factos dados como não provados, além de não ter sopesado que a arguida é primária.

2 – E, assim violou o disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º do C.P.P.

3 – Ao ter decidido como decidiu o Tribunal “ a quo” violou nomeadamente as disposições legais contidas no n.º1, dos artigos 41.º , 8.º, 58.º, do Decreto-Lei N.º 433/82, de 27 de Outubro, artigo 379.º, n.º1, alínea a) do C.P.P., artigo 20-A, da Lei 50/2006, de 29/8 com as sucessivas alterações, artigo 20.º-A, artigo 23-A, ambos da Lei 114/2015, de 28 de Agosto, artigos 40.º, 71.º, 72.º, do Código Penal.

4 – Acresce que o Artigo 20.º-A, da Lei N.º 50/2006, de 29 de Agosto, com a epigrafe “Suspensão da Sanção”, não limita tal suspensão apenas quanto às contraordenações ligeiras;

5 – Donde decorre que todas as sanções, mesmo as relativas a contraordenações graves e/ou muito graves, podem ter a sua execução suspensa.

6 - Incorrendo assim em manifesto erro na apreciação da prova produzida, e violação dos princípios do direito probatório, e aplicação do direito aos factos, e ainda do princípio da legalidade.

7 – Na eventualidade de não se verificarem todos os pressupostos de que dependa a aplicação da admoestação no processo de contraordenação deve ter lugar a atenuação especial da coima, já que não resulta provado qualquer dano ambiental

8 – E, ainda ser suspensa a execução da sanção.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao Recurso, e em consequência ser a douta Sentença revogada e substituída por douto Acordão nos termos supra requeridos.

O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento (referência 29500).

Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeito do art.416.º, n.º1, do C.P.Penal, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, devendo ser integralmente mantida a decisão recorrida (referência 17616302).

Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2, do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Decisão recorrida

A decisão recorrida tem o seguinte teor na parte que ora releva:

“A. De Facto

Factos provados

Produzida a prova e discutida a causa, com interesse para a decisão de mérito a proferir, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 10-11-2015, cerca das 17 horas, a Guarda Nacional republicana de Aveiro, fiscalizou o veículo de mercadorias com a matricula ..-..-VL, propriedade de “A..., Lda.” junto ao estacionamento do viaduto da ..., em Aveiro.

2. Nessas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o veículo conduzido por AA, efectuava o transporte de cerca de 2m3 de materiais resultantes de obras de construção e demolição, mais concretamente, pedras, tijolos e adobos, oriundos de uma obra de reconstrução de edifício situado no Largo ..., em Aveiro, que era levada a cargo pela “A..., Lda.” a coberto do Alvará de Obras de Reconstrução n.º..., emitido no processo n.º..., da Câmara Municipal ....

3. AA era funcionário da “A..., Lda.” e agia sob as ordens e direcção desta.

4. Os resíduos descritos em 2 destinavam-se a ser transportados e depositados em contentor colocado no estaleiro da “A..., Lda.”, sito em ..., Oliveira do Bairro, para posterior encaminhamento para a empresa “B..., Lda.”, com sede em Vagos.

5. No local da obra, devido à inexistência de espaço, não era viável a colocação de contentor para deposição de resíduos.

6. A “A..., Lda.” era responsável pelo transporte dos citados materiais, fazendo-o sem se acompanhar de guia de acompanhamento de resíduos (GAR).

7. A arguida tem como objecto social a construção civil, compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, promoção imobiliária e arrendamento de bens imóveis, dispondo do capital social de €10.000,00.

8. A arguida tinha a obrigação de conhecer e cumprir com o prescrito para o exercício da respectiva actividade e relativo ao transporte de resíduos de construção e demolição.

9. Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando elementos que retirem ilicitude aos factos ou censurabilidade à sua conduta.

10. Após a fiscalização referida em 1, em 10-11-2015, foi emitida pela “A..., Lda.” a “guia de transporte n.º......” em que é descrita a designação “resíduos de construção” na quantidade de “0,90”.

11. No ano de 2015 a sociedade arguida/recorrente declarou, para efeitos de IRC, lucro tributável no montante de €60.899,84.


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Factos não provados

Não se provou qualquer outro facto com pertinência para a decisão da causa ou que se mostre em oposição com os dados como provados.

Nomeadamente, não se provou que:

A. O dito funcionário, por sua livre e própria iniciativa, decidiu, no fim do seu horário de trabalho, proceder a tal transporte.

B. À revelia da recorrente e sem tal corresponder às suas ordens ou à direcção/ordens de quem, nela, assume funções de fiscalização.

C. Aliás, efectuava o transporte na sua carrinha pessoal e não em qualquer veículo da recorrente.


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Motivação da matéria de facto

O Tribunal fundou a sua convicção, no que diz respeito à matéria de facto dada como provada, na ponderação, à luz das regras da experiência, do conjunto da prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento (artigo 127.º do Código de Processo Penal, aplicável por remissão do artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas).

No que tange às declarações prestadas pelo legal representante da sociedade arguida/recorrente, as mesmas julgaram-se credíveis, muito embora a tentativa de convencer o Tribunal quanto à emissão de guia de transporte como válida para o transporte de resíduos de construção e demolição, bem como no que respeita à fiabilidade e suficiência da exibição do número de “código AT” para o transporte daquele tipo de resíduos.

De todo o modo, o Tribunal, tendo por base o teor dos depoimentos prestados por BB e AA, acabou por compreender que não era habitual aquele tipo de transporte de resíduos por parte da sociedade arguida, sendo que existiam dúvidas quanto ao tipo de documento necessário e adequado para o efeito. Apesar de tal não desculpar a conduta da arguida/recorrente, pois que a legislação em vigor à data da prática dos factos não era nova nem desconhecida para a mesma, a verdade é que face à inusitada falta de espaço no local da obra para acomodar um contentor destinado à recolha de resíduos de construção e demolição, se compreendeu que tanto a gerência como os funcionários da arguida/recorrente tentaram encontrar uma solução que minimizasse o dano para o meio ambiente e que facilitasse a  limpeza da obra.

É bom de ver que, apesar de o funcionário ter efectuado o transporte sem prévia comunicação à gerência ou à pessoa responsável pela emissão das guias, também é inelutável que da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, a orientação vigente para aquela obra especifica era a de proceder ao transporte com a emissão de uma mera guia de transporte, o que não preenchia, nem preenche os legais critérios para os denominados RDC’s. Por esta ordem de razões, não se poderá concluir pela inexistência da verificação do elemento subjectivo, pelo menos no tocante ao enquadramento da conduta como negligente, pela falta de cuidado e diligência em apurar da suficiência de uma guia de transporte para a movimentação espacial de RDC’s.

E, muito embora datas posteriores não estejam em apreço nos presentes autos, a verdade é que, da análise dos documentos constantes de fls. 21-33, se verifica que a conduta persistiu pelo menos durante, pelo menos, mais 13 transportes da mesma natureza (por verificação do local de carga e data de emissão das guias de transporte), o que significa que, mesmo alertada pela autoridade competente para a prática de contra-ordenação, a conduta posterior ao facto não foi alterada.

Por conseguinte, a responsabilidade da sociedade arguida/recorrente pela prática dos factos está inabalavelmente presente.

Por outro prisma, o Tribunal levou em consideração o teor dos depoimentos prestados pelos militares da Guarda nacional republicana – CC e DD – os quais depuseram com seriedade e com manifestação de memória dos factos (ainda que previamente avivada pela leitura do auto de noticia), não demonstrando qualquer interesse pessoal ou profissional para prejudicar a sociedade arguida/recorrente.

Resta deixar expresso que a tipologia, natureza e origem dos resíduos, bem como as circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática dos factos objectivos não foram questionados (cfr. fls. 7-9).

No que tange à situação económico-financeira da sociedade, o Tribunal levou em consideração, não só as declarações prestadas pelo gerente da sociedade, como também o teor da prova documental constante dos autos a fls. 34-43.

Finalmente, regras de experiência comum, que permitem inferir com base nos factos objectivos dados como provados a intenção da arguida/recorrente, pois que se trata de presunção natural que quem se dedica, com carácter de regularidade, à actividade de construção civil, da qual resulta a produção de resíduos de construção e demolição, se informa sobre as obrigações que sobre si impendem e as proibições inerentes à gestão dos resíduos e que, ao transportar RCD’s sem a competente guia de acompanhamento, pode estar a contrariar disposições legais, age sem o necessário cuidado e se conforma com o resultado.


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B. De Direito

À arguida/recorrente, é imputada a prática de uma contra-ordenação p. e s. pelo n.º2 do artigo 12º e alínea h) do n.º2 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º46/2008, de 12 de Março e 22º, n.º3, alínea b) da Lei n.º50/2006, de 29 de Agosto (na redacção da Lei n.º114/2015, de 28 de Agosto) – transporte de RCD’s sem a competente guia de transporte.

Segundo preceitua o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º178/2006, de 5 de Setembro, o regime geral de gestão de resíduos aplica-se às operações de gestão de resíduos, compreendendo toda e qualquer operação de recolha, transporte, armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação de resíduos, bem como às operações de descontaminação dos solos e à monitorização dos locais de deposição após o encerramento das respectivas instalações.

Exclui-se do âmbito de aplicação do diploma as circunstâncias taxativamente enumeradas no n.º2 da citada norma legal, sendo de realçar que a actividade prosseguida pela arguida/recorrente não se encerra nesse quadro de exclusões.

De acordo com as definições contidas no artigo 3.º:

“Abandono” (alínea a) a renúncia ao controlo de resíduo sem qualquer beneficiário determinado, impedindo a sua gestão;

“Armazenagem” (alínea b) a deposição controlada de resíduos, antes do seu tratamento e por prazo determinado, designadamente as operações R 13 e D 15 identificadas nos anexos i e ii do presente decreto-lei, do qual fazem parte integrante;

“Resíduos” (alínea ee)) são “quaisquer substâncias ou objectos de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer”, sendo que “resíduo de construção e demolição” (alínea gg)) é o proveniente de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação e demolição e da derrocada de edificações.

Existe um “centro de recepção de resíduos” (alínea e)), ou seja, “a instalação onde se procede à armazenagem ou triagem de resíduos inseridos quer em sistemas integrados de gestão de fluxos de resíduos quer em sistemas de gestão de resíduos urbanos”.

O “detentor” (alínea l)) é a pessoa singular ou colectiva que tenha resíduos, pelo menos, na sua simples detenção, nos termos da legislação civil, o “produtor de resíduos” (alínea z)) é “qualquer pessoa, singular ou colectiva, cuja actividade produza resíduos (produtor inicial de resíduos) ou que efectue operações de pré-processamento, de mistura ou outras que alterem a natureza ou a composição desses resíduos” e, o “produtor do produto” (alínea aa)) é “qualquer pessoa, singular ou colectiva, que desenvolva, fabrique, embale ou faça embalar, transforme, trate, venda ou importe produtos para o território nacional no âmbito da sua actividade profissional”.

Há ainda que referir que a “gestão de resíduos” (alínea p)), ou seja, a recolha, o transporte, a valorização e a eliminação de resíduos, incluindo a supervisão destas operações, a manutenção dos locais de eliminação no pós-encerramento, bem como as medidas adoptadas na qualidade de comerciante ou corrector, consoante a fase em que os resíduos se encontrem, pertence a todos os que contactam com tais resíduos.

Finalmente, é importante considerar que “descarga” (alínea i)) é a operação de deposição de resíduos.

Ora, sendo a gestão de resíduos realizada de acordo com os princípios gerais fixados nos termos do Decreto-Lei n.º46/2006 e n.º178/2006 e demais legislação aplicável e em respeito dos critérios qualitativos e quantitativos fixados nos instrumentos regulamentares e de planeamento, facilmente se conclui que é proibida a realização de operações de armazenagem, tratamento, valorização, eliminação de resíduos não licenciadas, bem como o seu abandono, incineração no mar, queima a céu aberto e a sua deposição no solo (artigo 9.º do Decreto-Lei n.º178/2006).

Assim sendo, haverá que atentar que mesmo as operações de armazenamento e triagem (para além de tratamento, valorização e eliminação de resíduos) estão sujeitas a licenciamento por questões de saúde pública e protecção do ambiente (artigo 23.º) e apenas se excluem de tal necessidade as operações de recolha e de transporte de resíduos, bem como a de armazenagem de resíduos que seja efectuada no próprio local de produção por período não superior a um ano e, ainda, as de valorização energética de biomassa (para além daquelas que são referidas no artigo 25.º).

Feitas estas considerações generalistas, vejamos em concreto a contra-ordenação imputada à arguida/recorrente, p. e s. pelo n.º2 do artigo 12º e alínea h) do n.º2 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º46/2008, de 12 de Março e 22º, n.º3, alínea b) da Lei n.º50/2006, de 29 de Agosto (na redacção da Lei n.º114/2015, de 28 de Agosto)

 “1 - Ao transporte de RCD aplica-se o disposto na Portaria n.º 335/97, de 16 de Maio, com excepção dos n.os 5, 6 e 7 relativos à utilização da guia de acompanhamento de resíduos.

2 - O transporte de RCD é acompanhado de uma guia cujo o modelo é definido por portaria do membro do Governo responsável pela área do ambiente.”

(artigo 12.º do Decreto-lei n.º46/2008, de 12 de Março)

“(…) 2 - Constitui contra-ordenação ambiental grave:

a) O incumprimento do dever de assegurar a gestão de RCD, a quem, nos termos do previsto no artigo 3.º, caiba essa responsabilidade, com excepção dos casos previstos no n.º 1;

b) O não cumprimento da obrigação de assegurar, na obra ou em local afecto à mesma, a triagem de RCD ou o seu encaminhamento para operador de gestão licenciado, em violação do disposto no artigo 8.º, na alínea c) do n.º 3 do artigo 10.º ou na alínea c) do artigo 11.º;

c) A realização de operações de triagem e fragmentação de RCD em instalações que não observem os requisitos técnicos a que estão obrigadas nos termos do n.º 3 do artigo 8.º;

d) A deposição de RCD em aterro em violação do disposto no artigo 9.º;

e) A não elaboração do plano de prevenção e gestão de RCD, nos termos do artigo 10.º;

f) A inexistência na obra de um sistema de acondicionamento em violação do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 10.º ou na alínea b) do artigo 11.º;

g) A manutenção de RCD no local da obra após a sua conclusão ou a manutenção de RCD perigosos na obra por prazo superior a três meses, em violação do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 10.º ou na alínea d) do artigo 11.º;

h) O incumprimento das regras sobre transporte de RCD, a que se refere o artigo 12.º; (…)”

(artigo 18.º do Decreto-lei n.º46/2008, de 12 de Março)

Por isso mesmo, nos termos do disposto pelos artigos 3.º, n.º1, 18.º, n.º2, alínea h) e 4 do Decreto-Lei n.º46/2008, de 12 de Março e 22.º, n.º2, alínea b) da Lei n.º50/2006, de 29 de Agosto constitui contra-ordenação ambiental grave, punível com coima de €12.000,00 a €72.000,00 para pessoas colectivas e a título de negligência, ou com coima de €36.000,00 a €216.000,00 para pessoas colectivas e a título de dolo (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º114/2015, de 28 de Agosto) – o transporte de resíduos como em situações como a dos autos.

Estipula o artigo 9.º da Lei n.º50/2006 que “as contra-ordenações são puníveis a título de dolo ou de negligência” e “salvo disposição expressa em contrário, as contra-ordenações ambientais são sempre puníveis a título de negligência”.

A negligência pode ser entendida sob duas perspectivas:

- negligência consciente: caracterizada pelo facto de o agente querer a acção violadora do dever objectivo de cuidado, prevendo o resultado típico, mas não se conformando com a sua verificação, e,

- negligência inconsciente: que se verifica quando o agente não previu – como podia e devia, por ser previsível para um homem médio do tipo social do agente situado no concreto circunstancialismo em que este actuou – a realização da contra-ordenação.

Constata-se, portanto, que o essencial da definição de negligência reside na primeira parte do artigo transcrito, a qual contém o tipo de ilícito – a violação do cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está obrigado, isto é, a violação do cuidado objectivamente violado – e o tipo de culpa – a violação do cuidado que o agente é capaz de prestar, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais (neste sentido, vide Prof. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, pág. 352), e, no mesmo sentido, Simas Santos e Leal Henriques (in, Código Penal anotado, Editora Rei dos Livros, Volume II, pág. 180), ao afirmarem que “a culpabilidade afirma-se quando o sujeito, no caso concreto, tendo a possibilidade de agir de acordo com o direito, não o faz, o que equivale por dizer que não observou a diligência pessoal possível para evitar o resultado danoso”.

Por outro lado, é ainda necessário que exista o elemento “previsibilidade”, isto é, que o agente, nas circunstâncias em que se encontra tenha possibilidade de agir com observância de determinado dever de cuidado, e possa, segundo a experiência geral, representar como possível que da sua conduta imprudente sobrevenha a ofensa ao meio ambiente e à saúde pública, mas também falta de cumprimento dos normativos legais atinentes à delimitação e gestão de resíduos.

Por seu turno, o artigo 15º do Código Penal, dispõe o seguinte “age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto”.

Tendo presente estes normativos legais, atenta a factualidade apurada, e mais uma vez atendendo à actividade desenvolvida pela arguida/recorrente (uma empresa de construção civil), deveria esta estar informada sobre as regras relativas ao transporte de resíduos de construção e demolição, nomeadamente no que concerne à necessidade de proceder a tal tarefa na posse de uma guia de acompanhamento de resíduos e não unicamente de guia de transporte.

É de senso comum que, para o transporte de qualquer mercadoria, é necessária uma guia de transporte pois que em sede de fiscalização pelas entidades competentes a mesma é sempre solicitada (vejamos até o caso das pessoas singulares que transportem mercadorias que hajam adquirido em estabelecimento comercial, têm de se fazer acompanhar, consoante os casos da factura que comprova a compra ou até mesmo de guia de transporte emitida para o efeito).

Por maioria de razão, no que respeita a resíduos de construção e demolição, não se poderia pretender que a realidade fosse díspar. Sucede é que as exigências legais são acrescidas, pois que o risco da deposição de materiais de construção e demolição em locais inapropriados constitui sério risco para o meio ambiente, sendo necessário salvaguardar que existe correcção e correspondência entre os materiais resultantes dessa actividade e aqueles que recebem o tratamento adequado.

Nessa medida, e dado o contexto genérico da prática dos factos, não se poderá concluir que a arguida/recorrente tenha agido com todo o cuidado que lhe era devido para dar cumprimento às regras ambientais, pelo que subsistirá a sua punibilidade a título de negligência.

Assim se conclui, que a arguida/recorrente se constituiu autora material de uma contra-ordenação prevista e sancionável pelas disposições conjugadas dos artigos 12.º, n.º2, 18.º, n.º2, alínea h) do Decreto-Lei n.º46/2008, de 12 de Março e 22.º, n.º3, alínea b) da Lei n.º50/2006, de 29 de Agosto, a título de negligência, nos exactos termos da decisão administrativa.


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V. Determinação da medida da coima

Da factualidade dada por assente concluímos pelo preenchimento de condutas que integram a contra-ordenação p. e s. pelas disposições conjugadas dos artigos 12.º, n.º2, 18.º, n.º2, alínea h) do Decreto-Lei n.º46/2008, de 12 de Março e 22.º, n.º3, alínea b) da Lei n.º50/2006, de 29 de Agosto.

A arguida/recorrente questionou o montante da coima, pugnando pela sua substituição por sanção de admoestação, pelo que não poderá o Tribunal deixar de se pronunciar quanto ao (des)acerto da medida da coima.

Na decisão administrativa foi fixada a coima no montante de €12.000,00, tendo por base os critérios previstos no artigo 20.º, 22.º e 27.º da Lei n.º50/2006, de 29 de Agosto, ou seja, a gravidade da conduta, a culpa do agente, a sua situação económica e o benefício económico que o mesmo retirou da prática da contra-ordenação.

A coima representa um mal que de nenhum modo se liga à personalidade do agente, antes servindo como especial advertência ou reprimenda conducente à observância de certas proibições ou imposições legais, pelo que não é conatural a uma tal sanção uma dimensão de retribuição ou expiação de uma culpa ética, como a não será a da ressocialização do agente (cfr. Prof. Figueiredo Dias, in O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, estudo publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, I, 1983, pág. 317 a 336, e, republicado em Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Coimbra Editora – 1998, pág. 19 a 33).

Em todo o caso, como sanção que é, a coima só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção dos bens jurídicos e de conservação e reforço da norma jurídica violada (cfr. Desembargador Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas 2003, pág. 58), pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral (como refere o Prof. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 5º Tema – Do Direito Penal Administrativo ao Direito de Mera Ordenação Social, 2001, pág. 150 e 151), sendo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida.

Cumpre analisar:

(i) Gravidade

No que concerne à gravidade da contra-ordenação, esta depende do bem ou interesse que a tipificação tutela e do benefício retirado e resultado ou prejuízo causado pelo agente.

Atendendo às considerações tecidas relativamente à ratio da protecção do regime jurídico consagrado na legislação em matéria de gestão e protecção dos recursos naturais (estamos perante contra-ordenação que tutela o ambiente e a defesa da sua qualidade), importa referir que os factos imputados têm que ser aferidos atendendo à actividade exercida e ao facto de a arguida/recorrente pôr em causa, com as suas condutas (ainda que indirectamente), o direito a um ambiente sadio, como constitucionalmente consagrado. Reitera-se, nesta parte, a referência supra, quanto à previsão que foi feita pelo legislador relativamente à punibilidade da conduta, por oposição à manutenção dos resíduos no local da obra ou ao seu aproveitamento na própria obra, pois que caso a opção legislativa fosse no sentido de não importar a localização da permanência temporária dos resíduos em qualquer local o teria feito – não se tratando, por isso de lacuna ou deficiência legislativa.

No entanto, apesar da gravidade em abstracto da sua conduta, e uma vez que não foi criada a convicção no Tribunal de que com a sua actuação a arguida/recorrente pretendeu prosseguir um objectivo manifestamente contrário à preservação do ambiente, ou que tenha obtido um benefício económico com a prática de tais factos, não se vislumbra uma intensa gravidade da prática do facto.

Porém, tal não significa que a gravidade seja reduzida ou diminuta, principalmente se considerarmos que não foi feita qualquer pesagem ou classificação dos resíduos de forma a conseguir estabelecer-se que aqueles que foram encaminhados do local da obra, foram efectivamente transportados para o estaleiro da arguida/recorrente e posteriormente para a sociedade B....

Acresce que não havia ainda sido efectuada qualquer fiscalização por parte da SEPNA da Guarda Nacional Republicana em data prévia à destes factos e que, posteriormente, não é conhecida a prática de qualquer outra contra-ordenação.

(ii) Culpa

Há que ter em atenção, neste particular, que a arguida/recorrente agiu com negligência, preterindo o cumprimento dos cuidados a que estava adstrita e que não deveria desconhecer.

Neste sentido, não se poderá considerar que o grau de culpa seja reduzido ou diminuto e antes num patamar mediano dadas a actividade de construção civil a que a arguida/recorrente se dedica, pelo menos desde o ano de 2001.

(iii) Situação económica

No que à situação pessoal e económica da arguida/recorrente respeita, o que se apurou é que o seu orçamento não é elevado, porém, também não regista qualquer prejuízo (nem sequer em termos contabilísticos ou fiscais).

(iv) Benefício económico

Por último, no que respeita ao benefício económico retirado, é certo que não se apurou nem se quantificou qualquer valor a esse respeito, mas não poderá deixar de se ter em consideração que a arguida/recorrente, poderia reaproveitar aqueles RDC’s noutras obras, também que não se apurou que, em data posterior, os tenha efectivamente encaminhado para uma empresa de gestão de resíduos, desconhecendo-se, portanto, se existiu ou não qualquer tipo de benefício económico.

De tudo o que ficou acima exposto, resulta que se mostram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo sancionatório, porém, também não é intensa a gravidade da infracção e da culpa, como foi negligente o comportamento da arguida/recorrente.

Não obstante, não houve da parte da arguida/recorrente uma adesão ao Direito, na medida em que não confessou totalmente a prática dos factos, mas assumiu a sua gravidade dos factos, pelo que se decide aplicar em concreto a possibilidade de atenuação especial da coima, mas já não a aplicação de sanção de admoestação.

Nesta medida, face ao estatuído pelas disposições conjugadas dos artigos 23.º-A e 23.º-B da Lei n.º50/2006, de 28 de Agosto, a medida das coimas é reduzida para metade nos seus montantes mínimo e máximo, o que redunda na coima abstracta de:

- €6.000,00 a €36.000,00 no que respeita à contra-ordenação de transporte de RCD’s sem a competente guia de acompanhamento de resíduos (GAR).

Por outro lado, cumpre deixar expresso que a gravidade da conduta não se revelou tão elevada que possa ser mantido o valor fixado para cada uma das coimas na decisão administrativa em recurso e, consequentemente, alterando parcialmente a decisão administrativa, decide-se condenar a arguida/recorrente no pagamento da coima de €7.000,00.”

Apreciação

É entendimento uniforme da jurisprudência que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo da apreciação das matérias de conhecimento oficioso.

Face às conclusões apresentadas, as questões trazidas à apreciação deste tribunal são as seguintes:

- impugnação da matéria de facto, concretamente do ponto 3 dos factos provados e das alíneas a) e b) dos factos não provados

- a sanção aplicada deve ser suspensa na sua execução, caso o tribunal não aplique a admoestação.

1ªquestão: o recorrente impugna o ponto 3 dos factos provados e as alíneas a) e b) dos factos não provados, entendendo que estas alíneas devem integrar a factualidade provada assim como no ponto 3, o segmento “agia sob as ordens e direção desta (da arguida)” deve ser dado como não provado.

Estabelece o art.75.º do RGCOC (diploma que aprovou o Regime Geral das Contraordenações e Coimas):

“1. Se o contrário não resultar deste diploma, a 2ªinstância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.

2. A decisão de recurso poderá:

a) alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida, salvo o disposto no artigo 72.º-A;

b) Anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.

Atento o preceituado neste normativo, os poderes cognitivos do Tribunal da Relação, nos recursos de contraordenação, estão, em regra, restringidos à matéria de direito.

O Tribunal da Relação pode conhecer ainda de facto, mas apenas nas hipóteses que constam do art. 410.º nº 2 do C.P.Penal , aplicável ex vi dos arts. 41.º n.º 1 e 74.º nº 4 do citado DL 433/82, ou seja, por aplicação dos preceitos reguladores do processo penal, que é o direito subsidiário do processo contraordenacional, nada obsta a que o tribunal conheça dos vícios referidos, caso se verifiquem e resultem do texto da decisão recorrida, pois como se afirma no AFJ de 19/10/1995,  D.R., I – A Série, de 28/12/1995 “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”.

No caso em apreço, a recorrente invoca erro de julgamento, segundo a qual “o que desde logo decorre do depoimento das testemunhas em sede de Audiência de Julgamento, nomeadamente do próprio AA” (sic).

A impugnação da matéria de facto com base em erro de julgamento não pode ser conhecida por este Tribunal, pelo que é de rejeitar, neste aspeto, a pretensão da recorrente.

Invoca ainda a recorrente o vício previsto no art.410.º, n.º2, alínea a) do C.P.Penal, dado ter alegado, em sede de impugnação judicial, que é primária, o que não consta da factualidade assente.

Os vícios previstos no art.410.º, n.º2, do C.P.Penal têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos àquela, para a fundamentar.

A insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, vicio previsto na alínea a) do n.º2 do art.410.º, verifica-se quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição.

Em face da factualidade dada como provada, concretamente os pontos 7, 8 e 11, resulta que foram apurados os factos necessários para a determinação da sanção. Refira-se ainda que, apesar da sentença recorrida não referir expressamente que a recorrente é primária, resulta do teor da mesma que na determinação da sanção não se ponderou a existência de antecedentes contraordenacionais, afirmando-se mesmo que não havia sido sujeita anteriormente a fiscalização pela GNR e que, posteriormente, não é conhecida a prática de qualquer outra contraordenação.

Improcede, assim, este fundamento do recurso.

2ªquestão: a recorrente pretende que lhe seja aplicada a sanção de admoestação, dado que é primária, não teve qualquer benefício económico com a contraordenação praticada e não provocou dano ambiental.

A lei-quadro das contraordenações ambientais não prevê expressamente a aplicação de admoestação.

No entanto, nos termos do art. 2.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, é subsidiariamente aplicável às contraordenações ambientais o regime geral das contraordenações, aplicando-se em consequência o instituto de admoestação previsto no art. 51.º do RGCOC.

Segundo dispõe o art. 51.º, do RGCOC, pode ser aplicada a sanção de admoestação “quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique”.

Assim, a aplicação da admoestação no processo de contraordenação depende de ser reduzida a gravidade da infração e da culpa do agente.

As contraordenações ambientais, tendo em conta a relevância dos direitos e interesses violados, nos termos do art. 21.º, n.º 1, da Lei n.º50/2006, de 29/8 (Lei Quadro das Contraordenações Ambientais), classificam-se em leves, graves e muito graves.

Como refere o AFJ n.º6/2018, publicado no DR, I SÉRIE, 219, de 14/11/2018[1], que afasta a aplicação da admoestação a contraordenação ambiental grave, embora diversa da contraordenação em causa nos presentes autos, “A gravidade de uma infração é determinada pela gravidade da ilicitude pressuposta pelo legislador. Ao classificar uma dada infração como grave o legislador considerou-a, em abstrato, portadora de uma ilicitude considerável, o que terá desde logo determinado uma moldura da coima com limites mínimos e/ou máximos superiores àqueles que foram determinados para as contraordenações que entendeu como sendo de gravidade menor ou de média gravidade. Depois, em função do caso concreto, e dentro dos limites da coima prevista pelo legislador, ir-se-á determinar a medida concreta da sanção em atenção às finalidades de punição das coimas e em atenção à culpa do agente. Todos estes elementos poderão ser determinantes para que se entenda que, pese embora se trate de uma contraordenação grave, portadora de uma ilicitude, em abstrato, grave, atento o caso concreto dever-se-á entender que o agente deverá ser punido com uma sanção próxima do seu limite mínimo.

Porém, não se pode considerar que, atento o caso concreto, a ilicitude da conduta diminua de gravidade, depois de o legislador a ter classificado como sendo uma contraordenação grave, porque portadora de uma ilicitude considerada grave. Na verdade, sempre que o legislador, de forma geral e abstrata, classifica a infração como sendo grave, não poderá o julgador modificar a lei atribuindo menor gravidade àquela ilicitude. Por isto, não pode deixar de se entender que a classificação legal de uma contraordenação como grave afasta logo a possibilidade de o julgador considerar que aquela mesma contraordenação grave afinal é de “reduzida gravidade”.

O legislador, ao classificar as contraordenações como graves, muito graves ou leves pretendeu assegurar o princípio da proporcionalidade entre as infrações e as sanções previstas. Este princípio não é assegurado sempre que atenta a gravidade da infração se decide pela aplicação de uma sanção que pressupõe a reduzida gravidade daquela.

Pelo que, estando subjacente à admoestação uma menor ilicitude da conduta (assim, Augusto Silva Dias, ob. cit., p. 167), somos forçados a considerar que esta sanção não poderá ser aplicada às contraordenações expressamente classificadas pelo legislador como sendo contraordenações graves atenta a “relevância dos direitos e interesses violados” (art. 21.º, da lei-quadro das contraordenações ambientais)”.

O raciocínio explanado neste AFJ é inteiramente aplicável à situação dos autos, embora estes se reportam a outra contraordenação ambiental, mas também qualificada como grave. Face à argumentação aí expendida, improcede, pois, este fundamento do recuso.

A questão da atenuação especial da coima não se coloca, pois o tribunal a quo já optou pela mesma, pelo que só por mero lapso a recorrente a peticiona.

Por último, cabe apreciar a pretendida suspensão da execução da coima aplicada, sustentando a recorrente a sua pretensão no art.20.º-A da Lei n.º50/2006, de 29/8.

Estabelece o art.20.º-A, sob a epígrafe Suspensão da sanção:

“1 - Na decisão do processo de contraordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas:

a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;

b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.

2 - Nas situações em que a autoridade administrativa não suspenda a coima, nos termos do número anterior, pode suspender, total ou parcialmente, a execução da sanção acessória.

3 - A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais, à reparação de danos ou à prevenção de perigos para a saúde, segurança das pessoas e bens e ambiente.

4 - O tempo de suspensão da sanção é fixado entre um e três anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória.

5 - A suspensão da execução da sanção é sempre revogada se, durante o respetivo período, ocorrer uma das seguintes situações:

a) O arguido cometer uma nova contraordenação ambiental ou do ordenamento do território, quando tenha sido condenado pela prática, respetivamente, de uma contraordenação ambiental ou do ordenamento do território;

b) O arguido violar as obrigações que lhe tenham sido impostas.

6 - A revogação determina o cumprimento da sanção cuja execução estava suspensa.”

 As sanções acessórias aplicáveis pela prática de contraordenações graves e muito graves são as previstas no art.30.º da Lei n.º50/2006, de 29/8, o qual dispõe:

“1 - Pela prática de contraordenações graves e muito graves podem ser aplicadas ao infrator as seguintes sanções acessórias:

 a) Apreensão e perda a favor do Estado dos objetos pertencentes ao arguido, utilizados ou produzidos aquando da infração;

 b) Interdição do exercício de profissões ou atividades cujo exercício dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública;

c) Privação do direito a benefícios ou subsídios outorgados por entidades ou serviços públicos nacionais ou comunitários;

 d) Privação do direito de participar em conferências, feiras ou mercados nacionais ou internacionais com intuito de transacionar ou dar publicidade aos seus produtos ou às suas atividades;

e) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos que tenham por objeto a empreitada ou concessão de obras públicas, a aquisição de bens e serviços, a concessão de serviços públicos e a atribuição de licenças ou alvarás;

f) Encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade administrativa;

g) Cessação ou suspensão de licenças, alvarás ou autorizações relacionados com o exercício da respetiva atividade;

 h) Perda de benefícios fiscais, de benefícios de crédito e de linhas de financiamento de crédito de que haja usufruído;

i) Selagem de equipamentos destinados à laboração;

j) Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;

l) Publicidade da condenação;

m) Apreensão de animais.

2 - No caso de ser aplicada a sanção prevista nas alíneas c) e h) do número anterior, deve a autoridade administrativa comunicar de imediato à entidade que atribui o benefício ou subsídio com vista à suspensão das restantes parcelas dos mesmos.

3 - No caso do recebimento pelo infrator da totalidade ou parte do benefício ou subsídio, pode o mesmo ser condenado a devolvê-lo

4 - As sanções referidas nas alíneas b) a j) do n.º 1 têm a duração máxima de três anos, contados a partir da data da decisão condenatória definitiva

5 - Quando se verifique obstrução à execução das medidas previstas nas alíneas f), i) e j) do n.º 1 do presente artigo, pode igualmente ser solicitada às entidades competentes a notificação dos distribuidores de energia elétrica para interromperem o fornecimento desta.

6 - No caso de ser aplicada a sanção prevista na alínea m) do n.º 1, deve a autoridade administrativa comunicar de imediato à entidade licenciadora da respetiva atividade, para que esta a execute.”

 Não há um entendimento uniforme na jurisprudência acerca da possibilidade de suspender a execução da coima.

 Há uma corrente jurisprudencial que vem entendendo que a circunstância de não ter sido aplicada pela autoridade administrativa uma sanção acessória não é impeditiva de, no âmbito da impugnação judicial, o tribunal aplicar uma sanção acessória de forma a poder suspender a execução da coima[2]. Outra jurisprudência é no sentido de a suspensão da execução da coima sem que, em simultâneo, seja executada uma sanção acessória, esvaziar o art.20.º - A de conteúdo útil, redundando numa solução que o legislador pretendeu afastar[3].

Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que a suspensão da execução da coima, sem a execução de uma sanção acessória, contraria o espírito do legislador, uma vez que o n.º2 do art.20.º-A  não prevê a suspensão (total ou parcial) da execução da sanção acessória, nos casos em que a autoridade administrativa suspenda a coima.

De acordo com o citado art.20.º-A, a suspensão da coima só é admissível nos casos em que tenha sido aplicada à recorrente uma sanção acessória, o que não ocorreu no caso presente. A “guia de transporte n.º......” em que é descrita a designação “resíduos de construção” na quantidade de “0,90” não pode ser entendida como equivalendo ao cumprimento de uma  sanção acessória, mas antes ao termo da situação ilícita que determinou a prática da contraordenação.

In casu, não tendo sido aplicada qualquer sanção acessória nem se mostrando adequada a aplicação de nenhuma das previstas no art.30.º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, não se verificam os pressupostos de que depende a suspensão da execução da coima.

Por todo o exposto, improcede o recurso.

III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto pela arguida “A... Lda.”

Custas pela recorrente, fixando-se em 3 Uc a taxa de justiça.

(texto elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários)


Porto, 6/3/2024
Maria Luísa Arantes
Lígia Trovão
Pedro Afonso Lucas
___________________
[1] Fixou a seguinte jurisprudência: «A admoestação prevista no art. 51.º, do DL 433/82, de 27-10, não é aplicável às contraordenações graves previstas no art. 34.º, n.º 2, do DL 78/2004, de 03-04».
[2] v. Ac.R.Coimbra de 22/2/2023, proc. 1422/22.1T8GRD.C1, relatado pela Desembargadora Alice Santos, Ac.R.Guimarães de 5/11/2018, proc. 291/17.8T8PVL.G1, relatado pelo Desembargador Jorge Bispo.
[3] v. Ac.R.Porto, de 8/1/2020, proc. 1101/19.7Y2VNG.P1, relatado pela Desembargadora Liliana Páris Dias, Ac.R.Coimbra de 13/9/2023, proc. 3612/22.8T9LRA.C1, relatado pela Desembargadora Alcina Ribeiro