Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MANUEL DOMINGOS FERNANDES | ||
Descritores: | COMPROPRIEDADE PROPRIEDADE COMUM PATRIMÓNIO COMUM UNIÃO DE FACTO INSOLVÊNCIA APREENSÃO DE BENS INDIVISIBILIDADE DA HIPOTECA APREENSÃO DE QUOTA DO DIREITO COMUM HIPOTECADO | ||
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Nº do Documento: | RP20130923812/13.5TBMTS-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/23/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | ARTº 1403º, 1408º, 688º, 689º, 696º DO CÓDIGO CIVIL ARTº 149º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ARTº 862º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | I- O bem imóvel adquirido por duas pessoas não unidas pelo casamento representa sempre uma situação de compropriedade que se presume na proporção de ½ para cada um (art.º 1403.º n.º 2, segunda parte, do Código Civil). II- Assim quando uma delas é declarada insolvente o que deve ser apreendido para a massa insolvente é o direito a ½ indivisa desse bem e não o direito de meação no mesmo. III- Tal como pode ser constituída hipoteca sobre uma quota de uma coisa ou direito comum, também pode ser objecto de apreensão em processo de insolvência apenas uma quota da coisa ou direito comum hipotecado. IV- A indivisibilidade da hipoteca é respeitada, permitindo-se ao credor hipotecário reclamar a totalidade do seu crédito para ser pago pelo produto da venda dessa quota da coisa ou direito onerado. V- Feita a venda judicial de uma quota da coisa ou direito onerado, a hipoteca extingue-se em relação a essa quota e a garantia que ela representava transfere-se para o produto da venda. VI- Nos termos do artigo 826.º nº 2 do C.P.Civil, logo que do processo conste haver penhora de todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, não pode deixar de ter lugar uma única venda. VII- Esta obrigação abrange todos os processos, independentemente da prioridade de realização da penhora ou seu registo, sendo, pois, o seu regime imperativo. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 812/13.5TBMTS-B.P1 Origem-Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, 1º Juízo Cível Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues 5ª Secção Sumário: I- O bem imóvel adquirido por duas pessoas não unidas pelo casamento representa sempre uma situação de compropriedade que se presume na proporção de ½ para cada um (art.º 1403.º n.º 2, segunda parte, do Código Civil). II- Assim quando uma delas é declarada insolvente o que deve ser apreendido para a massa insolvente é o direito a ½ indivisa desse bem e não o direito de meação no mesmo. III- Tal como pode ser constituída hipoteca sobre uma quota de uma coisa ou direito comum, também pode ser objecto de apreensão em processo de insolvência apenas uma quota da coisa ou direito comum hipotecado. IV- A indivisibilidade da hipoteca é respeitada, permitindo-se ao credor hipotecário reclamar a totalidade do seu crédito para ser pago pelo produto da venda dessa quota da coisa ou direito onerado. V- Feita a venda judicial de uma quota da coisa ou direito onerado, a hipoteca extingue-se em relação a essa quota e a garantia que ela representava transfere-se para o produto da venda. VI- Nos termos do artigo 826.º nº 2 do C.P.Civil, logo que do processo conste haver penhora de todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, não pode deixar de ter lugar uma única venda. VII- Esta obrigação abrange todos os processos, independentemente da prioridade de realização da penhora ou seu registo, sendo, pois, o seu regime imperativo. ** I-RELATÓRIOPor apenso ao processo de insolvência onde foi declarada insolvente B…, veio o Exmo. Administrador da Insolvência apresentar a relação dos créditos reconhecidos nos termos do artigo 129º, nº 1, do C.I.R.E.. A aludida lista não mereceu a impugnação de nenhum dos credores. * Apesar de não ter havido impugnações a Srª juiz do processo considerou que a lista a lista definitiva de credores/créditos reconhecidos e não reconhecidos, apresentada a fls. 19 e 20 (cfr. fls. 9 e 11) dos autos pelo Exmº Administrador da insolvência, não estava isenta de reparos no que tange ao crédito reclamado pela C…. Com efeito, considerou que tal crédito não pode haver-se como garantido pelas hipotecas referenciadas pelo Sr. Administrador, para efeitos da sua verificação e graduação já que nenhum bem integra a massa insolvente sobre o qual incida esse direito real de garantia e, como tal, deveria o mesmo crédito ser considerado como comum. * Afinal, proferiu sentença tendo graduado os créditos pela ordem seguinte:- Em primeiro lugar, todos os créditos comuns, obtendo pagamento rateado pelo produto de toda a massa falida; - Satisfeitos estes, e em segundo lugar, o crédito subordinado. * Não se conformando com o assim decidido veio a recorrente, C…, interpor o presente recurso concluindo as suas alegações nos seguintes termos: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida no presente apenso de reclamação de créditos, que graduou o crédito reclamado pela C… como comum. 2. Ora, a Apelante, por discordar totalmente de tal entendimento, não se pode conformar com tal decisão. 3. Pois, a referida decisão estabelece, em suma, que “o credor hipotecário não goza de qualquer prioridade de pagamento na venda do direito de meação apreendido, já que a sua garantia não incide sobre tal direito mas sobre o próprio bem.” 4. Contudo, salvo o devido respeito, a decisão proferida enferma de manifesto lapso na determinação das normas aplicáveis e na qualificação jurídica dos factos. 5. O ora apelante veio reclamar créditos como credora garantida da ora insolvente na medida em que concedeu através de Escritura Pública, outorgada em 03.05.2006, um empréstimo no montante de 55.000,00 € (cinquenta e cinco mil euros), a B… e a D…, para aquisição de habitação própria permanente; e de Escritura Pública, outorgada em 03.05.2006, um empréstimo no montante de 20.000,00 € (vinte mil euros), a B… e a D…, para investimentos múltiplos não especificados em bens imóveis. 6. Em garantia dos dois empréstimos supra mencionados foram constituídas duas hipotecas sobre a fracção autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 544/…, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 485, registadas pela AP. 28 de 2006/04/07 e AP. 30 de 2006/04/07, respectivamente. 7. Do registo consta que o bem imóvel foi adquirido pela insolvente, B…, e por D…, enquanto solteiros, maiores. 8. Pelo que o bem adquirido não integra comunhão conjugal, mas pertence aos adquirentes em compropriedade. 9. Dispõe o artigo 1403º, n.º 1 do Código Civil que existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. 10. Na falta de indicação em contrário no título constitutivo, as quotas dos comproprietários presumem-se quantitativamente iguais. 11. Com a declaração de insolvência procede o Administrador de Insolvência à apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, nomeadamente o bem indiviso de que a insolvente é titular, ou seja, a quota ideal de que é comproprietária. 12. Sendo a ora apelante credora com garantia real sobre o imóvel, a hipoteca confere-lhe o direito a ser paga pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. 13. O direito de propriedade de cada um dos comproprietários está onerado em termos qualitativamente iguais, assim como também quantitativamente (quota de ½ para cada um), pela hipoteca. 14. Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores baseado na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. 15. O direito da comproprietária insolvente referente à aludida fracção autónoma, ou seja, apenas na proporção de metade do prédio terá de ser apreendido para a massa insolvente. 16. Isto porque o outro comproprietário não efectuou a declaração prevista no n.º 2 do artigo 862º do Código de Processo Civil, ou seja, não declarou pretender que a venda tivesse por objecto a totalidade da fracção autónoma, esta ater-se-ia ao direito da insolvente (direito de propriedade, na proporção de ½ sobre o prédio). 17. Por força das regras da venda em execução, o direito da insolvente seria transmitido livre dos direitos de garantia que o onerassem (n.º 2 do artigo 824º do Código Civil), ou seja, a garantia hipotecária da ora apelante caducaria nessa parte, passando a onerar tão só o direito do outro comproprietário. 18. Dai o interesse da ora apelante em reclamar o seu crédito e ver o mesmo reconhecido e graduado como garantido, a fim de poder obter a sua satisfação sobre o produto da venda da aludida quota (n.º 3 do artigo 824º do Código Civil). 19. Pelo exposto, deverá ser verificado e reconhecido o crédito reclamado pela apelante C… como garantido, e eventualmente ser o mesmo pago em parte pelo produto da venda da metade indivisa que foi apreendida. 20. Acresce ainda que o comproprietário do bem imóvel foi igualmente declarado insolvente no âmbito do processo de insolvência n.º 1354/13.4TBMAI, do 3º Juízo do Tribunal da Maia. 21. Com a declaração de insolvência priva o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao Administrador de Insolvência. 22. Ora sendo o Administrador de Insolvência comum a ambos os processos de insolvência e encontrando-se em cada um apreendido para a respectiva massa insolvente a ½ indivisa do mesmo bem, este poderia e deveria ser vendido na totalidade no âmbito do processo de insolvência mais antigo. 23. E o produto da venda repartido entre ambos os processos de insolvência. 24. Ora sendo o bem imóvel vendido na totalidade, tem a credora reclamante o direito de se fazer pagar, com a preferência conferida pelo artigo 686º do Código Civil, pelo produto da venda do imóvel. 25. E para tal, terá o seu crédito de se admitido e graduado como garantido. 26. Assim, não existirão quaisquer dúvidas que a hipoteca abrange toda a fracção e, na situação de compropriedade, a hipoteca incide sobre os direitos dos diversos comproprietários. A entender-se de outra forma facilmente se esvaziaria a garantia real proporcionada pela hipoteca. 27. Contudo, caso não seja sufragada a tese da aqui recorrente, sempre se dirá que mesmo que seja vendida a metade indisiva da fracção a hipoteca não poderá caducar, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 824º do Código Civil. * Não foram apresentadas contra-alegações.* Após os vistos legais cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil. ** No seguimento desta orientação é apenas uma a questão a decidir:- saber se a recorrente goza ou não de garantia decorrente da hipoteca e, portanto, de prioridade de pagamento, na venda do direito de meação relativamente ao imóvel identificado no auto de apreensão. ** A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOOs factos a considerar provados para a decisão do presente recurso são os que constam do presente relatório, que aqui se dão por reproduzidos e ainda os seguintes: 1º)- A recorrente concedeu através de escritura pública, outorgada em 03.05.2006, um empréstimo no montante de 55.000,00 € (cinquenta e cinco mil euros), a B… e a D…, para aquisição de habitação própria permanente; 2º)- Também por escritura pública, outorgada em 03.05.2006, a recorrente concedeu um empréstimo no montante de 20.000,00 € (vinte mil euros), a B… e a D…, para investimentos múltiplos não especificados em bens imóveis; 3º)- Em garantia dos dois empréstimos supra mencionados foram constituídas duas hipotecas sobre a fracção autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 544/…, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 485, registadas pela AP. 28 de 2006/04/07 e AP. 30 de 2006/04/07, respectivamente; 4º)- Do registo consta que o bem imóvel foi adquirido pela insolvente, B…, e por D…, enquanto solteiros, maiores; 5º)- No âmbito da presente insolvência foram apreendidos os seguintes bens: Verba nº 1º – Meação da insolvente na fracção sobre a fracção autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 544/…, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 485; Verba nº 2º- Veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Volkswagen, modelo …, com a matrícula ..-..-JD (avariado); Verba nº 3- Veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Kia, modelo …, com a matrícula ..-..-IB (avariado) (certidão do autos de apreensão de fols. 210); 6º)- D… foi, no âmbito do processo nº 1354/13.4TBMAI a correr termos no 3º Juízo Cível da Maia, declarado insolvente por sentença de 15/04/2013 devidamente transitada em julgado (cfr. certidão de sentença constante de fols. 199 e seguintes; 7º)- Nesses autos foi também apreendido para a massa insolvente metade indivisa da fracção autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 544/…, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 485 (cfr. certidão de fols. 206); 8º)- Em ambos os processos de insolvência supra referidos encontra-se registado para as respectivas massas insolventes ½ indivisa da citada fracção (cfr. cópia do registo de fols. 195); 9º)- Quer no âmbito dos presentes autos quer nos referentes ao insolvente D… o imóvel referido na verba nº 1 constante do ponto 4º) ainda não foi objecto de venda (informações certificadas a fols. 198 e 208). * III- O DIREITOFace à factualidade supra descrita apreciemos então única questão que vem posta no recurso: - saber se a recorrente goza ou não de garantia decorrente da hipoteca e, portanto, de prioridade de pagamento, na venda do direito de meação apreendido sobre imóvel. Na sentença recorrida considerou-se não gozar o crédito da aludida a garantia. A esse propósito discorreu-se do seguinte modo: “Com referência ao crédito identificado na lista de créditos reconhecidos como titulado pela "C…", na parte em que emerge de contratos de mútuo com hipoteca, considerou o Sr. Administrador da Insolvência que o mesmo se encontra garantido por duas hipotecas constituídas sobre a dita fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma habitação sita no rés-do-chão esquerdo, com entrada pelo nº .., do prédio urbano, constituído no regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nºs .. a .. da freguesia…, concelho da Maia, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 544 e inscrita na matriz respectiva sob o artº 485. Sucede, porém, que no âmbito da presente insolvência apenas foi apreendido o direito à meação da insolvente sobre o referenciado imóvel e não o próprio imóvel em si mesmo. Do teor da certidão predial constante de fls. 36 a 42 dos autos principais de insolvência, bem se vê que o imóvel em causa foi adquirido em Abril de 2006 pela insolvente e por D…, ingressando assim no património comum de ambos. Como é consabido, a titularidade de um direito à meação não permite que se faça reflectir esse direito numa parte concreta ou na totalidade do bem sobre o qual incide, sendo que o mesmo também não prejudica o gozo que o contitular possa fazer do bem. Assim, o adquirente em venda judicial do direito à meação no imóvel poderá exercer os direitos do insolvente mas sofrerá os constrangimentos inerentes (cfr. neste sentido o Acórdão do STJ de 09.02.2012, proferido no processo n.º 2752/07.8TBTVD.L1, disponível em www.dgsi.pt). A apreensão do direito à meação sobre imóvel e sua posterior venda não prejudica a posição de terceiro titular do outro direito de meação sobre o bem, assim como a venda desse direito nunca prejudicará a sequela que o credor hipotecário goza para a perseguição do objecto do seu direito real de garantia. Atento o que ficou dito e por simetria, terá de concluir-se que o mesmo credor hipotecário não goza de qualquer prioridade de pagamento na venda do direito de meação apreendido, já que a sua garantia não incide sobre tal direito mas sobre o próprio bem. Revertendo para a situação dos autos, bem se vê que não poderá haver-se o crédito acima referenciado como garantido pelas referidas hipotecas para efeitos da presente sentença de verificação e graduação de créditos, já que nenhum bem integra a massa insolvente sobre o qual incida esse direito real de garantia. Como tal, deverá o mesmo crédito ser considerado como comum”. * Não nos parece que se tenha decidido com acerto.Vejamos porquê. Antes demais, diga-se, que nada temos a objectar em relação ao facto de o Sr. juiz do processo ter, não obstante a falta de impugnação da lista credores reconhecidos por parte do administrador da insolvência (artigo 129.º nº 3 do CIRE), procedido à verificação da conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da citada lista, por ser esse também o nosso entendimento.[1] * Decorre do nº 1 do artigo 128.º do CIRE que:1- Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem: a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros; b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas; c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável; d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes; e) A taxa de juros moratórios aplicável. Resulta, portanto, deste normativo que decretada a insolvência os credores são convocados para fazerem valer os seus direitos de crédito e, nessa medida e conforme a graduação do seu crédito, obterem pagamento. A apelante invocou ser titular de créditos emergentes de mútuos concedido à insolvente e a terceiro, os quais estão garantidos por hipoteca constituída sobre uma fracção autónoma pertencente aos mutuários, como aliás resulta da factualidade acima descrita. Da certidão do registo consta que o bem imóvel sobre o qual incidem as hipotecas em causa, foi adquirido pela insolvente, B…, e por D…, enquanto solteiros, maiores. Como assim e ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, o referido bem imóvel não ingressou no património comum de ambos. Na verdade, sendo a insolvente e o referido D… solteiros à data da aquisição do imóvel ele não integra qualquer património comum, antes pertence a ambos em compropriedade e que se presume na proporção de ½ para cada um (art.º 1403.º n.º 2, segunda parte, do Código Civil), ou seja, o que existe é uma propriedade em comum, aliás, não consta dos autos que a insolvente e o referido D… sejam casados. É preciso notar que uma coisa é o património comum e outra coisa é a propriedade comum ou compropriedade. Com efeito, como dizem os Professores Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira[2] “os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela.” Acrescenta-se na mesma obra e na mesma página que se trata “de um património que pertence em comum a várias pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade”. De facto, enquanto nesta (compropriedade) há uma comunhão de quotas aquela outra é uma comunhão sem quotas, os vários titulares do património colectivo são sujeitos de um único direito, e de um direito uno, o qual não comporta divisão mesmo ideal, não tem pois cada um deles algum direito de que possa dispor ou que lhe seja permitido realizar através da divisão do património comum. “Esta particular fisionomia do património colectivo radica no vínculo pessoal que liga entre si os membros da colectividade e que exige que o património colectivo subsista enquanto esse vinculo perdurar”.[3] Os cônjuges não podem dispor da respectiva meação nos bens comuns antes de estar dissolvido o casamento ou de ser decretada a separação de pessoas e bens entre eles, bem como não lhes é permitido pedir a partilha dos mesmos bens antes da dissolução do casamento. Feita esta precisão de conceitos, estatui o nº 1 do artigo 686.º do C. Civil que “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo” (n.º 1 do art.º 686.º do Código Civil). A hipoteca pode incidir sobre a propriedade plena, de imóveis ou de bens móveis que para esse efeito sejam equiparados a imóveis [n.º 1, alínea a) e f) do art.º 688.º do Código Civil], mas também sobre direitos reais menores como o direito de superfície [alínea c) do n.º 1 do art.º 688.º] e o usufruto [alínea e) do n.º 1 do art.º 688.º], assim como, separadamente, sobre as partes de um prédio susceptíveis de propriedade autónoma sem perda da sua natureza imobiliária (n.º 2 do art.º 688.º). Também pode constituir-se hipoteca de quota de coisa ou direito comum (art.º 689.º n.º 2). Assim, pode o proprietário pleno de imóvel evitar onerar a totalidade do seu direito, constituindo hipoteca apenas sobre uma parte ideal do imóvel[4], assim como pode o comproprietário constituir hipoteca apenas sobre o seu direito, para o que não carece de autorização dos outros comproprietários (art.º 1408.º do Código Civil). A menos que haja convenção em contrário, “a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito” (art.º 696.º do Código Civil). Por igualdade de razão se, em relação a prédio hipotecado, se constituir supervenientemente compropriedade, salvo convenção em contrário, a oneração hipotecária afectará cada um dos direitos ou quotas que a integram. No caso dos autos, a hipoteca foi constituída com a intervenção de ambos os comproprietários. O direito de propriedade de cada um dos comproprietários está onerado, em termos qualitativamente iguais, assim como também quantitativamente (quota de ½ para cada um), pela hipoteca. Nos termos do disposto no artigo 149.º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente ainda que hajam sido arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social ou que hajam sido objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831º e seguintes do Código Civil. No caso concreto o Srº Administrador procedeu a apreensão dos bens da insolvente, tendo apreendido para a massa insolvente, entre outros a meação da insolvente na fracção sobre a fracção autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 544/…, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 485. Diz-se na decisão recorrida que, no âmbito da presente insolvência, apenas foi apreendido o direito à meação da insolvente sobre o referenciado imóvel e não o próprio imóvel em si mesmo. É verdade que assim foi. Todavia, tal apreensão mostra-se incorrecta. Efectivamente, o que o Srº Administrador deveria ter apreendido para a massa insolvente era o direito a ½ indivisa da mencionada fracção, e não a meação dessa fracção como, aliás, o fez no processo de insolvência referente ao D… (cfr. certidão de fols. 206). Efectivamente, como atrás já se referiu não estamos perante um património comum, mas sim perante uma propriedade comum ou compropriedade. Ora, não integrando a referida fracção qualquer comunhão conjugal, não poderia ter sido apreendida a sua meação mas antes o direito a ½ indivisa da mesma. De facto, só se houvesse comunhão conjugal é que o conteúdo exacto do direito à meação apreendido para a massa insolvente apenas se determinaria em separação de bens, após efectivação da liquidação do passivo do casal e partilha dos bens comuns [artigos 1715º, nº 1, alínea d), do Código Civil e 141º, nº 1, alínea b) e nº 3, do CIRE]. Como assim, não se estando perante a cita comunhão conjugal, o que deveria ter sido apreendido para a massa insolvente era o direito a ½ indivisa da fracção em causa. Desta feita, haverá pois que proceder-se à correcção da citada apreensão o que, diga-se, a tal não obsta o seu registo. Com efeito, o que se encontra registado é precisamente ½ indivisa da citada fracção para cada uma das massas insolventes. Diante do exposto, temos de convir que o crédito reclamado pela recorrente goza, efectivamente, da garantia que lhe advém da hipoteca, pois que, como já supra se referiu, o direito de propriedade de cada um dos comproprietários está onerado, em termos qualitativamente iguais, assim como também quantitativamente (quota de ½ para cada um), pela hipoteca, ou seja, tal garantia subsiste mesmo que apenas tenha sido apreendido para a massa insolvente metade indivisa da fracção. Nem a isso se opõe a característica da indivisibilidade da hipoteca atrás referida. A indivisibilidade apenas significa que pela totalidade do crédito responde sempre todo o bem e qualquer das suas partes. Indivisibilidade não significa intangibilidade do bem, mas tão só a faculdade de vincular todo o bem e qualquer das suas partes à satisfação de todo o crédito. Significa, portanto, que o titular de uma quota-parte indivisa do bem não pode exigir que essa quota-parte apenas responda pela satisfação da parte do crédito correspondente à quota na coisa. Mesmo uma quota-parte de metade do bem pode ter de servir para pagar a totalidade do crédito. Apesar de apenas estar apreendida metade indivisa do bem onerado e de a insolvente ser apenas um dos devedores, a recorrente não veio aos autos reclamar somente metade do seu crédito. Ela reclamou a totalidade sendo que, em resultado disso, a metade indivisa vai ser afecta à satisfação da totalidade do crédito. É nisso que consiste a indivisibilidade e que corresponde ao respeito por esta característica da hipoteca. Por conseguinte, nada obsta a que a hipoteca se extinga quanto a esta quota-parte do bem onerado porque em relação a ela, a garantia está já accionada e concretizada na medida do possível. Portanto, deverá ser verificado e reconhecido o crédito reclamado pela apelante C… como garantido na parte respectiva. Para além do que fica dito, importa ainda atentar num outro aspecto. Conforme decorre do 826.º nº 2 do C.P.Civil, logo que do processo conste haver penhora de todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, não pode deixar de ter lugar uma única venda. Esta obrigação abrange todos os processos, independentemente da prioridade de realização da penhora ou seu registo, sendo, pois, o seu regime imperativo. No caso concreto, estamos perante dois processos de insolvência (o presente e que corre termos pelo 3º Juízo Cível da comarca da Maia com o nº 1354/13.4TBMAI) onde, em ambos, foi apreendida para a massa insolvente o direito a ½ indivisa da fracção supra em descrita, sendo que, em nenhuma delas ocorreu ainda a sua venda (factos descritos em 6º a 9º). Não está na disponibilidade das partes, nem do Tribunal. A norma visa terminar com uma situação de compropriedade, evitando o processo de divisão de coisa comum, além de trazer a vantagem de tornar mais fácil e rentável a venda, com poupança de esforço e gastos. É mais uma manifestação da sabida aversão do legislador pela compropriedade ou comunhão. Por outro lado, a matriz da venda judicial encontra-se no regime jurídico previsto para o processo executivo. Não devemos esquecer que a insolvência é um processo de execução universal (cfr. artigo 1.º do CIRE). De acordo com o disposto no artigo 17.º do CIRE no âmbito do processo de insolvência, tudo o que à venda diga respeito será regulado, em primeiro lugar, pelas normas especiais constantes do mesmo CIRE, e, não as havendo, pelas normas do C.P.Civil. Nas disposições do artigo 158º e segs. do CIRE não está prevista a hipótese em apreço, nomeadamente no seu artigo 159º, que, manifestamente, não visa regular o caso presente. É, pois, aplicável à situação o disposto no artigo 826.º nº 2, do C.P.Civil, devendo, portanto a venda da fracção em causa ter lugar no âmbito deste processo, por ter sido neste que ocorreu em primeiro lugar a apreensão da sua ½ indivisa, com posterior divisão do produto obtido pelas duas massas insolventes. * IV-DECISÃOPelos fundamentos acima expostos acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em revogar a decisão e, consequentemente, em determina-se que: a)- se proceda à correcção do auto de apreensão no que tange à Verba nº 1 substituindo-se a expressão “Meação (…)” por “ o direito a ½ indivisa (…)”; b)- os créditos reclamados pelo recorrente “C…” na parte em que emergem dos contratos de mútuo gozam da garantia que lhes advém da hipoteca, devendo ser graduados em conformidade; c)- se proceda, nestes autos, à venda da fracção autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 544/…, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 485, registadas pela AP. 28 de 2006/04/07 e AP., com posterior divisão do respectivo produto em partes iguais pelas duas massas insolventes. * Custas pela massa insolvente (artigo 304.º do CIRE). * Porto, 23 de Setembro de 2013. Manuel Domingos Alves Fernandes Manuel José Caimoto Jácome Carlos Alberto Macedo Domingues ________________ [1] Cfr. nosso Acórdão proferido no processo n.º 1724/12.5TBMAI-B.P1R in www.dgsi.pt. [2] Curso de Direito da Família, Volume I, 3ª edição, Coimbra Editora 2003, da autoria dos Professores Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, página 550, [3] Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, obra citada pág. 551. [4] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume I, Coimbra Editora, anotação ao artigo 688.º. |