Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
271/14.5TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
RENDA
ALTERAÇÃO
COMUNICAÇÃO
DILAÇÃO
Nº do Documento: RP20150601271/14.5TJPRT.P1
Data do Acordão: 06/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Ao prazo de 30 dias mencionado no n.º 1 do artigo 31.º do NRAU, não acresce a dilação de 5 dias prevista no n.º 1, alínea a), do art.º 245.º do Código de Processo Civil.
II – Nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do NRAU, as comunicações entre senhorio e inquilino são realizadas por carta registada com aviso de recepção; se a carta não for recebida pelo inquilino, mas por terceira pessoa, o senhorio deve remeter sempre nova carta, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 10.º do NRAU, sendo irrelevante que a primeira carta tenha sido entregue ao inquilino por quem a recebeu.
III – A norma constante do n.º 3 do artigo 10.º do NRAU encontra-se estabelecida a favor do inquilino e os direitos que para ele derivam da mesma não podem ser modificados, muito embora ele possa prescindir deles.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 271/14.5TJPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Instância Local – Secção Cível – J7.
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Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
I – Ao prazo de 30 dias mencionado no n.º 1 do artigo 31.º do NRAU, não acresce a dilação de 5 dias prevista no n.º 1, alínea a), do art.º 245.º do Código de Processo Civil.
II – Nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do NRAU, as comunicações entre senhorio e inquilino são realizadas por carta registada com aviso de recepção; se a carta não for recebida pelo inquilino, mas por terceira pessoa, o senhorio deve remeter sempre nova carta, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 10.º do NRAU, sendo irrelevante que a primeira carta tenha sido entregue ao inquilino por quem a recebeu.
III – A norma constante do n.º 3 do artigo 10.º do NRAU encontra-se estabelecida a favor do inquilino e os direitos que para ele derivam da mesma não podem ser modificados, muito embora ele possa prescindir deles.
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Recorrente……………..B…, Lda., com sede em Rua …, n.º …, ….-… Porto.
Recorrida………………C…, residente na …, n.º .., ….-… Porto.
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I. Relatório
a) A Autora, ora recorrida, instaurou a presente acção com o fim de obter a resolução do contrato de arrendamento que celebrou com a Ré, bem como o pagamento das rendas em dívida e respectivos juros de mora.
Como fundamento alegou a falta de pagamento de rendas por período superior a dois meses, nos termos do artigo 1083.º, n.º 3, do Código Civil.
Alegou que comunicou à Ré o aumento de renda, nos termos previstos no novo regime de arrendamento urbano aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (doravante designada por «NRAU», Novo Regime do Arrendamento Urbano) [1], mas esta não respondeu dentro do prazo, pelo que a nova renda passou a vigorar entre as partes.
A falta de pagamento de rendas invocada resulta precisamente do facto da Ré não ter pago a nova renda.
A Ré veio dizer que respondeu tempestivamente à proposta de aumento de renda, tendo comunicado à Autora a sua discordância relativamente ao aumento pretendido e propondo outra renda e duração do contrato.
Justificou a tempestividade da sua resposta alegando que a carta remetida pela Autora foi recebida por pessoa diversa da Ré, o que gerou, segundo o disposto no artigo 10.º, n.º 3, do NRAU, a obrigação da Autora enviar nova carta, o que não fez, pelo que resposta da Ré não podia e não pode deixar de ser tempestiva.
A Autora respondeu argumentando que a carta enviada chegou efectivamente às mãos da Ré no dia 31 de Maio de 2013, pelo que o prazo para responder terminou trinta dias depois, sendo certo que a resposta da Ré a essa carta foi remetida por carta remetida em 04 de Julho de 2013, depois de esgotado o prazo, pelo que a exigência do envio de uma segunda carta sempre faria incorrer a Ré em abuso de direito.
No final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«a) considero o contrato de arrendamento celebrado pelo período de 2 anos, com início em 01/08/2013, mediante a renda mensal de 300.00 € (trezentos euros);
b) declaro resolvido o contrato de arrendamento em causa nos autos, por falta de pagamento de rendas por período superior a 2 meses, nos termos do artigo 1083º nº 3 do CC;
c) condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de 827,20 € (oitocentos e vinte sete euros e vinte cêntimos), acrescidos e juros de mora vencidos, a partir da citação e até integral pagamento e, bem assim, as rendas, entretanto, vencidas, até efectiva entrega do locado».
Considerou-se na fundamentação da sentença que não recaía sobre a Autora o dever de remeter uma segunda carta e, por isso, a resposta da Ré tinha sido extemporânea, pelo que entrou em vigor a renda indicada pela Autora que a Ré não pagou e daí a resolução do contrato e consequente despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas.
b) É desta decisão que vem interposto o presente recurso, cujas conclusões são as seguintes:
«A - A Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, para concluir do modo que o fez, deu como provado, entre outros factos, que a pessoa que assinou o aviso de recepção respeitante à comunicação da Autora a comunicar a sua intenção de actualizar a renda para o valor unitário mensal de €300,00 e bem assim, da celebração de novo contrato pelo prazo certo de 2 anos, foi D…;
B - Mais, deu como provado, ainda no mesmo Ponto 28, de que D…, não era nem representante legal, nem funcionário, nem empregado da Ré, mas sim quem explorava o respectivo estabelecimento.
C - Por sua vez, já na motivação, a juíza “a quo” pese embora não tenha considerado D… como funcionário ou sequer prestador de serviços da Ré, deu como assente que aquele tem uma relação contratual com a ré, a da exploração de estabelecimento comercial instalado no arrendado, donde resulta a incumbência de transmitir à ré a correspondência à mesma dirigida.
D - Remata este raciocínio, referindo que o aviso de recepção assinado por este D…, que equivale a ser assinado, não por pessoa diferente do destinatário, mas vai mais além ainda, considera que equivale ao respectivo aviso de recepção ser assinado pela própria Ré, ora Recorrente.
E - Ora, com o devido respeito, que é muito, a sentença proferida foi longe demais com esta afirmação/conclusão. Ora, não obstante a sede da empresa estar sediada na morada do estabelecimento, não pode de modo algum, equiparar-se uma pessoa alheia à própria empresa, e muito menos confundir-se com ela.
F - Ora é ir muito além do razoável considerar que o Sr. D… equiparasse ao representante legal da Ré, assim se teriam de considerar todas as correspondência até aqui recebida por aquele.
G - Pois é óbvio que, não estando representante legal da empresa ré na morada onde foi entregue a carta da Autora de 30.5.2013, que pudesse e tivesse assinado o aviso de recepção da carta para aumento de renda e redução do período de duração do contrato de por tempo indeterminado para dois anos de duração, não se pode, de modo algum equiparar aquele terceiro, ainda que com uma relação contratual com a ré, com a própria ré, sob pena de subverter os conceitos jurídicos e desvirtuar a personalidade jurídica da própria ré, confundindo aquele com esta.
H - Quanto muito, e no máximo poderia o Tribunal “a quo” equiparar aquele terceiro, cessionário do estabelecimento comercial, veja-se D…, como funcionário da empresa, ou colaborador, conforme pede a Autora na sua P.I., e conclui em sede de alegações. Não pode o Tribunal ir mais além do que isso, do que lhe é pedido, isso é ir além da lei e do pedido.
I - Ora no caso da Sentença ter dado como assente que o Sr. D… que assinou o aviso de recepção da carta da Recorrida de 30.5.2013 era equiparado a funcionário ou colaborador da Recorrente, poderia nesse caso eventualmente se considerar que a sociedade Recorrente tinha sido notificada da aludida carta, isto nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 223.º do C.P.C..
J - Contudo, a Meritíssima Juíza “a quo”, deu como não provado tal facto, o qual consta da Douta Sentença sob alínea B) referente aos factos não provados, para a qual se remete.
L - E posto isso, não poderia chegar à conclusão a que chegou no final da pág. 8 da sua Douta Sentença, onde refere, e aqui se transcreve: “Daqui resulta que não deverá ter-se por assinado por pessoa diferente do destinatário, mas sim pela própria ré, pessoalmente, o aviso de recepção em causa.”
M - Da não consideração da dilação de 5 dias p. e p. no art.º 245.º, n.º 1, alínea a) do C.P.C. a qual acrescia ao prazo de resposta da Ré/Recorrente à carta da Recorrida de 31.5.2013:
N - Ora à comunicação de intenção de aumento de renda e da pretensa limitação da duração do contrato de arrendamento para dois anos de duração comunicada à Ré/Recorrente por intermédio de D… após a sua recepção em 31.5.2013 em data que não se conseguiu efectivamente apurar, acrescia necessariamente a dilação de 5 dias prevista no art.º 245.º do C.P.C., e como tal a data de envio pela 2.ª vez da resposta da ré em 4.7.2014 foi oportuna, e como tal teria de ser validada.
O - Ora a comunicação da Recorrida da intenção de aumento de renda e da pretensa limitação da duração do contrato de arrendamento para dois anos comunicada à Recorrente, por intermédio de D… que assinou o respectivo aviso de recepção a 31.5.2013, em data que efectivamente não se conseguiu apurar, ao prazo de resposta de 30 dias previsto no n.º 1 do art.º 31.º do NRAU, acrescia necessariamente a dilação de 5 dias prevista no n.º 1, alínea a) do art.º 245.º do C.P.C., ou seja o prazo que assistia à Recorrente para responder à carta da Recorrida terminaria apenas em 5.7.2013. Pelo que ao responder em 4.7.2013, através do reenvio da carta de 29.6.2013, a Recorrente respondeu oportunamente, e como tal a sua resposta teria de ser validada.
R - E por sua vez, todos os outros pedidos formulados pela Autora na PI, a ele associados, teriam necessariamente que decair, reduzindo-se nesse caso a duração do contrato não para 2 anos, mas antes para 5 anos conforme a lei lhe reconhece e a ré alega na sua carta de resposta que enviou à Autora, e aumentando-se a renda dos então €129,00 para os €164,00, valor que desde então passou a ré efectivamente a pagar à Autora, aqui Recorrida.
S - Ao dar interpretação diferente ao caso concreto e ao fazer uma errada aplicação da lei, violaram-se os direitos da Ré Recorrente, tendo o Tribunal “a quo” ido muito além da lei e do que lhe era pedido pela própria Autora Recorrida, defraudando assim as legítimas expectativas da Recorrida.
T - Da não consideração da submissão da situação objecto da Recurso à previsão do artigo 10.º do NRAU, quando aquele normativo era aplicável ao caso concreto.
U - Por sua vez, a Douta Sentença “a quo” da qual aqui se recorre, refere e reconhece aquilo que foi invocado pela Ré na sua Contestação no art.º 17.º, e que a própria lei prevê para situações de aumento de renda, designadamente os termos previstos no art.º 10.º, n.º 3 do NRAU, com referência ao n.º 1, al. b) e do n.º 2, alínea a) do mesmo preceito, que no caso de o aviso de recepção ser assinado por pessoa diferente do destinatário, o senhorio deverá proceder ao envio de nova carta no prazo de 30 a 60 dias desde o envio da primeira carta.
V - Ora foi dado como provado, no ponto 28 da Sentença para o qual se remete, ponto esse que aliás foi já neste Recurso referenciado, que: “Era do perfeito conhecimento da Autora que D…, quem assinou o respectivo aviso de recepção, cuja assinatura ali aposta se mostra perfeitamente legível que não era representante legal, nem funcionário, nem empregado da ré, mas sim quem explorava o respectivo estabelecimento.
X - O que é certo é que a Autora, ora Recorrida não o fez, nem 30 dias depois do envio da carta de 30.5.2013, nem posteriormente.
Z - Pois se o tivesse feito, e tivesse o respectivo aviso sido assinado por D…, ou por outra pessoa que se encontrasse no local, independentemente de ser ou não funcionário da Recorrente, aí sim, tinha-se a comunicação recepctícia por concluída, obrigação essa que a Autora, aqui Recorrida não lançou mão e que não deveria ter descurado.
A1 - Ora a Recorrente não pode ser mais penalizada ao ter tal cautela, do que seria caso não tivesse sequer respondido à carta da Recorrida. Pois caso aquela não tivesse respondido, e uma vez decorrido o prazo de 60 dias desde da data de envio da carta da Recorrida a propor o aumento de renda sem que a senhoria tivesse enviado 2.ª carta a manifestar tal intenção, nos termos que o art.º 10.º, n.º 3 do NRAU impõe, o contrato de arrendamento manter-se-ia em vigor exactamente nos mesmos termos em que até ali vigorava. De modo que, não pode o objecto do litígio ter o desfecho que a Douta Sentença proferida pelo tribunal “a quo” lhe quer dar.
B1 - Não se pode vir invocar, como fez a Recorrida que aquele normativo legal só teria aplicação caso a carta fosse devolvida. Não é verdade, a lei no seu art.º 10.º do NRAU é explícita, pois refere que quando o aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário (art.º 10.º, n.º 1, alínea b) do NRAU), o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de recepção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, nos termos do disposto no art.º 10.º, n.º 3 do NRAU. E é certo que, não obstante o disposto neste normativo legal e o perfeito conhecimento da Autora/Recorrida de que D…, quem assinou o aviso de recepção da carta de 30.6.2013 não é sócio, funcionário ou colaborador da empresa Ré, 40 dias depois do envio da primeira carta não procedeu ao envio de nova carta, apesar do supra referido normativo legal assim o determinar.
C1 -Também por esta razão, a carta de resposta enviada pela Ré, ora Recorrente terá sido enviada oportunamente!
D1 - Da prova propriamente dita: Por sua vez, e não menos censurável é o facto da Sentença ter dado como provado tal facto com fundamento nas declarações prestadas por D…, que: “deu-se primordial relevância e crédito ao depoimento de D…, que apesar de se encontrar de más relações com a ré, se afigurou depor de forma isenta, coerente e credível.
E1 - E como tal, a Meritíssima Juíza “a quo”, teria necessariamente de, na dúvida, lançar mão do mecanismo previsto no art.º 245.º n.º 3 do actual C.P.C., norma essa que seria ainda aplicável mesmo que se provasse que uma das representantes da Sociedade Recorrente tivesse efectivamente recibo a carta de 30.5.2013 no dia 31.5.2014, ora por maioria de razão, não poderia dar a Juíza a quo entendimento diferente ao exposto.
F1 - É por causa de todas as vicissitudes possíveis na entrega de correspondência a pessoas colectivas, que se justifica a dilação dos cindo dias prevista na lei para a comunicação de assuntos da importância da natureza da em causa nos presentes autos, de modo a garantir o exercício do seu direito ao seu destinatário num prazo razoável.
G1 - Foi invocado pela ora Recorrente em sede de Contestação, designadamente nos artigos 15.º a 21.º que a comunicação da senhoria a comunicar o aumento de renda e a submissão do contrato ao NRAU foi recepcionada por pessoa diversa do representante legal da Ré ou de pessoa equiparada por lei nos termos do disposto no art.º 223.º do C.P.C., pelo que se deve ter aquela por não realizada nos termos do disposto no 10.º, n.º 2 do NRAU.
H1 - A Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” deu como provado que a supra referida comunicação foi de facto recepcionada, não pela Recorrente ou por qualquer seu funcionário, colaborador ou prestador de serviços, mas antes por D…, que não assume perante a ora Recorrente qualquer uma dessas posições.
I1 - A Douta Sentença, com tal conclusão foi longe demais, fez uma interpretação extensiva e desajustada da lei e da subsunção dos factos à lei. Não se pode como é óbvio, por uma questão de segurança jurídica não conferir um prazo razoável adicional à parte visada para o exercício dos seus direitos, do contraditório, da apresentação de defesa e/ou de resposta, quando a correspondência aquela destinada é entregue a um terceiro, de modo a permitir que esse terceiro consiga fazer chegar essa correspondência, em tempo útil, ao respectivo destinatário, para que aquele possa praticar os actos oportunamente.
J1 - Aquela notificação foi efectuada na pessoa de D…, o qual não é gerente, nem sócio, nem sequer empregado ou funcionário da Recorrente, pelo que não lhe é aplicável o instituto/regime previsto no n.º 3 do art.º 223.º do CPC., ao contrário do que a Meritíssima do Tribunal “a quo” considerou, isso é ir para além da letra da lei, pois um terceiro cessionário não pode ser confundido com a própria cessionante no que toca às regras de notificação.
L1 - É a própria pessoa que assina o aviso de recepção, a testemunha D…, que admite que podem as cartas registadas que recebe serem entregues dois, três dias depois à data da sua recepção.
M1 - A interpretação da juíza é forçada, rebuscada, não é natural, não resulta directamente da prova, é construída.
N1 - Presunções da Juíza e não convicções, não podem proceder - Ora se nem a própria testemunha D… sabe em que termos e quando é que essa entrega foi efectivamente feita, como é que a Juíza a “quo saber” poderá saber ou adivinhar o modo de tal entrega? A Meritíssima Juíza, baseada em várias ilações, presunções sucessivas, encadeadas entre si chegou à ilação que assim deveria ter sido. Não existe pois aqui uma convicção, baseada em factos concretos donde se pudesse efectivamente retirar que foi assim, e não de outra maneira. Existe pois um múltiplo de suposições, presunções, sem qualquer força, que não servem, nem são minimamente suficientes para fundamentar a afirmação a que a Juíza chegou na sua Douta Sentença de que a carta de 30.6.2013 enviada pela Autora, foi recebida pela Ré, na pessoa da sua sócia E… no dia 31.5.2013. Por sua vez tal conclusão, afecta toda a dinâmica e lógica do processo, reconhecendo encadeadamente todos os pedidos formulados pela Autora/Recorrida, uma vez que todos os outros pedidos, tais como a alegação da mora no pagamento da renda, do direito de resolução do contrato por alegada alta de pagamento de renda, estão intimamente associados, e uns são consequência dos anteriores.
O1 - Ora as decisões dos Meritíssimos Juízes não podem constituir meras presunções, têm de constituir efectivamente convicções, sob pena de serem desajustadas, injustas e inapropriadas.
P1 - Ora a Juíza “a quo” ao fazer uma interpretação extensiva dos factos, tentando alcançar conclusões das quais as provas não se revelaram suficientes para assim concluir, é ir para além do que lhe é exigido, é ir para além dos próprios factos, extravasando-os.
Q1 - As decisões não podem resultar de meras ilações, ainda que advindas de um Juiz, têm de resultar de uma base factual, que analisada em termos de prova, permita concluir de determinada maneira, e não de outra. Ora se não foi efectivamente feita prova, quer documental, quer testemunhal, quer da articulação de todas as provas carreadas para o processo da data concreta em que efectivamente a carta da Autora, ora Recorrida chegou ao conhecimento da Ré, ora Recorrente, não poderia a Juíza “a quo” sobrepor-se a essa ausência de prova, concluindo como mais lhe pareceu adequado.
R1 - Na ausência de prova, ou na falta de prova conclusiva não se podem dar factos por provados, tê-los por assentes como ali se fez. Motivo pelo qual, aqui se requer aos Meritíssimos Senhores Desembargadores, dignem refutar o facto dado como provado no n.º 11 constante dos factos provados a que a alínea A) da Fundamentação de facto da Douta Sentença que aqui se recorre alude, considerando aquele como facto não provado, pelas razões já aduzidas.
S1 - Pois inexiste prova que fundamente tal consideração, que a sustente. Ao não existir esse fundamento, esse sustento fáctico, não pode aquela naturalmente proceder.
T1 - Por tudo isto, a Ré, ora Recorrente, ao responder quer no dia 29.6.2013, quer no dia 4.6.2013, fê-lo dentro do prazo que tinha para o efeito, motivo pelo qual deveria a Juíza “a quo” ter assim considerado, fazendo improceder todos os outros pedidos formulados pela ora Recorrida.
POR TODO O EXPOSTO, E EM CONCLUSÃO REQUER AOS VENERANDOS DESEMBARGADORES DIGNEM:
Proceder à reapreciação da matéria de facto, designadamente na parte que considerou provada a entrega em 31.5.2013 à Recorrente da carta de 30.5.2013 enviada pela Recorrida, tomando em consideração a prova documentada, deverão V.ªs Ex.ªs considerar oportuna a carta de resposta enviada pela Recorrente à referida missiva, julgando em consequência o presente recurso inteiramente procedente, absolvendo a Recorrente da totalidade dos pedidos,
Fazendo assim a costumada Justiça!!!».
c) A recorrida contra-alegou e concluiu do seguinte modo:
«DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
1. A economia da factualidade provada nos itens 9, 28 e 29 do elenco dos factos provados, vai no sentido de apreciar, por um lado se foi o D… quem recebeu a carta de comunicação de aumento de rendas dirigida à Ré pela Autora, e, por outro lado, se para efeitos de notificação e recebimento de correspondência pode ser equiparado a colaborador da Ré, sendo que, num caso e noutro, a reposta de facto dada, em resultado de toda a prova carreada para os autos, não podia ser diversa da proferida.
2. Todas as testemunhas inquiridas, indicadas por Autora e Ré, foram unânimes em confirmar que:
a) A Ré sempre teve a sua sede social no local para onde a Autora enviou a carta de comunicação de aumento de rendas de 30/05/2013.
b) A Ré nunca teve quaisquer outras instalações em local diverso daquele.
c) A Ré, até à data de envio da sobredita comunicação, nunca comunicou à Autora qualquer outra morada para efeitos de envio de correspondência.
d) A Autora nunca conheceu ou lhe foi indicada qualquer outra morada das legais representantes da Ré para efeitos de envio de correspondência.
e) As legais representantes da Ré nunca se encontravam no local da sede social desta.
f) Desde 2003, a única pessoa que se encontra no local onde a Ré tem a sua sede é D… que nele explora estabelecimento de restauração cedido pela Ré.
g) Por ser o D… a única pessoa diariamente presente no local onde a Ré tem a sua sede é este, que desde sempre e, a pedido da própria Ré recepciona toda a correspondência dirigida aquela.
h) Toda as comunicações anteriores enviadas à Ré, inclusive cartas de actualização de rendas, eram sempre dirigidas para a referida morada e recebidas pelo D… que as entregava às sócias da Ré.
3. A questão fundamental controvertida a dirimir nos presentes autos, centra-se na apreciação da validade da comunicação da Autora datada de 30/05/2013, a coberto da qual propôs à Ré o aumento da renda mensal do locado e a celebração de novo contrato de arrendamento pelo período de dois anos.
4. Do conjunto da matéria de facto provada resulta com interesse para a apreciação da questão que:
a) A Ré tomou conhecimento da carta da Autora a comunicar - lhe a intenção de aumentar a renda mensal para 300,00€ e de celebração de novo contrato de arrendamento pelo período de dois anos em 31/05/2013;
b) A Ré respondeu a essa carta, manifestando a sua oposição à pretensão da Autora em 04/07/2013.
5. Daqui resulta que a resposta da Ré à carta da Autora em referência, foi expedida decorridos mais de 30 dias sobre a data da tomada de conhecimento daquela comunicação.
6. Considerando que o prazo que a Ré dispunha para o efeito era de 30 dias contado do recebimento da comunicação da Autora destinada à actualização da renda, como estipula o artigo 51.º n.º 1 do NRAU e tendo a Ré recebido a comunicação da Autora em 31/05/2013, esse prazo terminaria em 30/06/2013, sendo portanto de concluir pela extemporaneidade da oposição da Ré.
7. Sendo que, em nada releva o facto de ter sido o D… a receber a aludida carta/comunicação, pois o que importa é que a mesma foi entregue à Ré, e, esta dela teve conhecimento na precisa data em que foi recebida.
8. Além disso resultou provado que quem recebeu a referida carta – D…, é a pessoa que por contrato de cessão de exploração celebrado com a Ré, explora desde 2003 o estabelecimento instalado no local onde a Ré tem a sua sede.
9. Resultou também provado que D… é a única pessoa que se encontra regular e permanentemente no locado e que há mais de 14 anos por incumbência da própria Ré, é quem recebe toda a correspondência dirigida a esta.
10. Ficou provado que até 08/08/2013, nunca a Autora conheceu outra morada da Ré, ou das suas legais representantes, ou esta lhe indicou morada distinta.
11. Ficou provado que, mesmo para efeitos de recepção de correspondência, nunca a Ré teve outra morada, ou outras instalações.
12. Sendo que o espírito das normas consagradas nos nºs 2 e 3 do artigo 10º do NRAU, visam salvaguardar aquelas situações em relação às quais, os destinatários não tiveram, nem podiam ter tido conhecimento das comunicações enviadas, o que não é o caso dos autos.
13. Para efeitos de notificações e, concretamente, para efeitos de recepção da notificação em causa, o D… deverá ser tido como pessoa equiparada à Ré, nisso não contendendo com a disciplina do artigo 223ª nº3 do CPC.
14. D…, não sendo funcionário da Ré, mantém com esta uma relação contratual de exploração de estabelecimento comercial instalado no locado e, dessa relação resultou a incumbência e obrigação, por mandato da Ré, de transmitir a esta, toda a correspondência que lhe é dirigida, pelo que o aviso de recepção reportada à carta de comunicação de aumento de rendas enviada pela Autora, não deverá ter-se por assinada por pessoa diferente do destinatário, mas sim pela própria Ré, pessoalmente.
15. A Recorrente teve conhecimento da carta de comunicação de aumento de renda no mesmo dia em que ela foi recebida e respondeu à mesma como entendeu e, no momento em entendeu oportuno.
16. Mandatou o D… ao longo de mais de doze anos para receber toda a correspondência que fosse dirigida à Ré e aquele sempre o fez nos moldes combinados.
17. Nunca a Ré comunicou antes de 08/08/2013, qualquer outra morada para efeitos de recepção de correspondência.
18. A própria resposta da Ré a tal comunicação enviada à Autora em 04/07/2013, inculcou a certeza na Autora que a Ré tomou conhecimento em tempo útil daquela comunicação, independentemente da identidade física da pessoa que assinou o aviso de recepção.
19. Ponderadas todas as circunstâncias, não poderia ser exigível à Autora o envio de segunda carta, pois que, que ao longo de muitos anos de vigência contratual e, sem excepções ou interrupções, sempre foi adoptado e pacificamente aceite o mesmo procedimento quanto ao envio de correspondência da Autora à Ré., em termos amplamente susceptíveis de legitimar a convicção para a Autora, como para qualquer outro senhorio mediano colocado no seu lugar, de que a tal procedimento a Ré não se opunha e o considerava adequado à sua tomada de conhecimento das informações relevantes no âmbito da relação contratual vigente.
20. Na dita carta de resposta, a Ré nem sequer invocou a invalidade daquela comunicação por o aviso de recepção correspondente ter sido assinado por pessoa diferente do seu legal representante.
21. Estatui o artigo 334º do CC que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
22. No caso vertente, ao sustentar a invalidade da comunicação da Autora, nos termos em que o faz, a Ré está a ir contra uma prática por si adoptada ao longo dos anos e na qual a Autora sempre validamente confiou, porque nunca posta em causa, assim contrariando os princípios da boa fé e da confiança porque se devem orientar as relações jurídicas.
23. Pelo que, tal conduta da Recorrente, não poderá deixar de ser tida como integradora e consubstanciadora de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, na justa medida em que, apenas nesta sede, e contra toda a prática anterior, veio invocar a falta de envio de segunda carta pela Autora, por a primeira ter sido assinada por pessoa que não coincide com o legal representante da Ré.
24. Impõe-se, por todo o exposto, pela conclusão da validade e eficácia da comunicação da Autora de 30/05/2013.
25. O artigo 573º do CPC consagra o princípio da concentração da defesa na contestação, de acordo com o qual, ressalvados os casos de defesa deferida motivados por superveniência objectiva ou subjectiva (nº 2 do mesmo preceito) – fica precludida a defesa que nela não se consigne.
26. A Ré, não invocou nem na sua contestação, como elemento ou tese da sua defesa, nem até à prolação da sentença em 1ª instância, a questão da dilação do prazo de resposta ora suscitado por via recursiva.
27. A aludida factualidade subjacente a esta questão, por conseguinte, por não ter sido alegada pela Ré, nem tão pouco integrar as excepções contempladas nos nºs 2 e 3 do artigo 5º do CPC, não poderá, em qualquer caso ser objecto de conhecimento pelas instâncias recursivas, por não configurar qualquer excepção ao princípio do dispositivo.
28. A questão da concessão de um prazo de dilação de 5 dias está mal colocada e mal enquadrada pela Recorrente, pois que, o disposto a este propósito no artigo 245º nº6 do CPC, aplica-se estritamente aos prazos para a prática de actos processuais (prazos judiciais), não sendo aplicável, como erradamente a Recorrente aos prazos não judiciais.
29. O prazo de resposta a que alude o artigo 10º do NRAU, não se destina à pratica de qualquer acto processual, não configurando, por isso prazo judicial, pelo que não lhe é aplicável qualquer prazo de dilação, para o exercício do direito de resposta, máxime, o apontado pela Recorrente.
30. Assente que está a extemporaneidade da resposta da Recorrente à carta da Recorrida de 30/05/2013, tal circunstancialismo equivale a falta de resposta.
31. Atento o disposto no artigo 31º nº 6 do NRAU, ex vi artigo 51º nº7 do mesmo diploma, a falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda e duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU a partir do 1º dia do segundo mês seguinte ao do termo do prazo previsto para a resposta do arrendatário.
32. Subsumindo o disposto ao caso dos autos, deve a renda proposta pela Autora considerar-se actualizada a partir do mês de Agosto de 2013, pelo valor unitário mensal de 300,00€.
33. Não tendo a Recorrida procedido ao respectivo pagamento por período superior a dois meses, incorreu em incumprimento do contrato de arrendamento, legitimando a Recorrida à sua resolução e, bem assim, ao direito de receber as rendas devidas até efectiva entrega do locado.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso com as legais consequências, assim se fazendo, inteira JUSTIÇA!».
II. Objecto do recurso
De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre, em regra, começar pelas questões processuais, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e, por fim, resolvidas estas, com as atinentes ao mérito da causa.
Tendo em consideração que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), as questões colocadas no recurso são as seguintes:
1 - A primeira questão a resolver respeita à impugnação da matéria de facto, a qual incide sobre o facto provado identificado na sentença sob o n.º 11, que a Ré pretende ver julgado «não provado».
2 - Em segundo lugar, coloca-se a questão de saber se ao prazo de 30 dias, previsto no n.º 1, do art.º 31.º do NRAU, acresce a dilação de 5 dias prevista no n.º 1, alínea a), do art.º 245.º do Código de Processo Civil, caso em que o prazo para a resposta terminaria, segundo a recorrente em 5 de Julho de 2013, pelo que a Ré ao responder em 4 de Julho, do mesmo ano, teria respondido oportunamente.
3 - Em terceiro lugar, caso a questão não tenha ficado prejudicada, coloca-se a questão de saber se a Autora devia ou não devia ter enviado à Ré uma segunda carta a comunicar-lhe o aumento da renda, nos termos previstos no art.º 10.º, n.º 3 do NRAU.
Nesta análise averiguar-se-á se o recebimento da carta por parte de D… deve considerar-se como tendo sido recebida pela Ré e ainda se ocorre abuso de direito por parte da Ré devido ao facto da carta ter chegado ao conhecimento da Ré no mesmo dia em que foi recebido por D….
4 - Por fim, cumpre verificar quais as consequências em relação ao pedido resultantes da falta de remessa de uma segunda carta por parte da Autora, caso se conclua que o devia fazer
III. Fundamentação
a) Impugnação da matéria de facto.
O facto provado n.º 11 tem esta redacção: «A Ré, em 31-05-2013 recebeu a comunicação da Autora em referência e apresentou resposta, por carta datada de 04-07-2013, recebida pela Autora em 10 do mesmo mês».
A ré sustenta que não resultou provado este facto, pois resulta claro dos autos que quem assinou o aviso de recepção em 31 de Maio de 2013 foi a testemunha D…, pois é este o nome que se encontra escrito, bem legível, no aviso de recepção.
A impugnação respeita, por conseguinte, apenas à parte da recepção da carta.
Vejamos então.
Verifica-se, efectivamente, pela cópia do aviso de recepção junto com a petição inicial, a fls. 13, que quem assinou o aviso de recepção, no dia 31 de Maio de 2013, foi D…, pois é este nome que resulta bem legível no referido documento.
Procede, por conseguinte a impugnação, pelo que deve declarar-se como provado o facto que fica enunciado, ou seja: provado que «D… recebeu a carta da Autora em referência em 31-05-2013 e a Ré apresentou resposta a esta carta, por carta datada de 04-07-2013 e recebida pela Autora em 10 do mesmo mês».
Será, por isso, alterada a matéria de facto neste sentido.
Para evitar ambiguidades altera-se ainda a redacção do facto n.º 9, ao qual se refere este facto n.º 11, substituindo-se aí «comunicação» por «carta».
Assim, onde consta que a «Em 30-05-2013, a Autora comunicou à Ré a sua intenção de actualizar renda …», deve constar aquilo que ocorreu fisicamente.
O que ocorreu fisicamente nesse dia 30 de Maio foi o envio da carta.
Por conseguinte, sem que isso implique alteração da factualidade (cfr. facto provado n.º 20), dá-se esta redacção ao facto provado n.º 9: «Em 30-05-2013, a Autora remeteu à Ré uma carta onde comunicou a sua intenção de actualizar renda …».
b) Matéria de facto provada
1. O prédio sito na Rua … n.º …, Freguesia …, concelho do Porto, destinado a estabelecimento de restauração, inscrito na matriz sob o artigo 500 e, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 26943, mostra-se inscrito a favor da autora.
2. O aludido prédio adveio à posse e propriedade da Autora, por aquisição à sociedade F…, SA.
3. Aquando da sua aquisição pela Autora, o prédio encontrava-se arrendado, tendo a Ré tomado de trespasse o estabelecimento comercial instalado no locado, destinando-se o mesmo a casa de pasto e estabelecimento de restauração.
4. Pelo que, com base na factualidade descrita em 3, supra, a Autora tem vindo ao longo do tempo a receber da Ré as rendas devidas pela locação.
5. A ré cedeu a exploração do estabelecimento instalado no locado a D…, em Fevereiro de 2003.
6. Sendo, o referido D… quem, desde aquela última data, tem vindo a explorar o estabelecimento em seu nome e interesse próprios.
7. Sendo este, quem efectua em seu nome, a compra dos artigos destinados à venda no estabelecimento e se apresenta aos respectivos clientes como seu dono.
8. Sendo, inclusivamente, este o proprietário de todos os equipamentos e demais recheio integrado no estabelecimento e titular do respectivo alvará.
9. Em 30-05-2013, a Autora remeteu à Ré uma carta onde comunicou a sua intenção de actualizar renda para o valor unitário mensal de €300.00 e bem assim, de celebração de novo contrato pelo prazo certo de 2 anos.
10. Com essa comunicação juntou certidão do imóvel arrendado, da qual resulta que o mesmo foi avaliado nos termos do artigo 38.º e seguintes do CIMI.
11. D… recebeu a carta da Autora em referência em 31-05-2013 e a Ré apresentou resposta, a esta carta, por carta datada de 04-07-2013 e recebida pela Autora em 10 do mesmo mês.
12. Não obstante em Julho de 2013 ter pago a renda de €300.00, reportada ao mês de Agosto, nos meses subsequentes apenas procedeu ao pagamento de cada uma das rendas nos montantes abaixo indicados.
13. Por conta da renda vencida no mês de Agosto de 2013, a Ré pagou à Autora o montante de €112.00, ficando em dívida pelo valor remanescente de 188 euros.
14. Por conta da renda vencida no mês de Setembro de 2013, a Ré pagou à Autora o montante de €112.00 até ao dia 8 de Setembro e, €50,16, após aquela data, ficando em dívida pelo valor remanescente de €137,84.
15. Por conta da renda vencida no mês de Outubro de 2013, a Ré pagou à Autora o montante de €112.00 até 8 de Outubro e, €50.00 após aquela data, ficando em dívida pelo valor remanescente de €138.00.
16. Por conta da renda vencida no mês de Novembro de 2013, a Ré pagou à Autora o montante de €162.16, ficando em dívida pelo valor remanescente de €137,84.
17. Por conta da renda vencida no mês de Dezembro de 2013, a Ré pagou à Autora o montante de €162.16, ficando em dívida pelo valor remanescente de €137,84.
18. Por conta da renda vencida no mês de Janeiro de 2014, a Ré pagou à Autora o montante de €162.16, ficando em dívida pelo valor remanescente de €137,84.
19. Por conta da renda vencida no mês de Fevereiro de 2014, a Ré pagou à Autora o montante de €162.16, ficando em dívida pelo valor remanescente de €137,84.
20. À carta da autora supra referida em 9 a Ré respondeu em 29.6.2013 mediante o envio da carta junta aos autos a fls. 24,25 e 26 para a qual se remete.
21. Conforme se constata da mesma, do respectivo envelope e do aviso de recepção, houve um lapso na indicação da morada da Autora, tendo ali ficado a constar Rua …, n.º .., quando deveria constar Av. …, n.º ...
22. Tal lapso deveu-se a confusão por parte da Ré na oposição do respectivo endereço, confusão essa que se prende com o facto da Autora ter duas entradas distintas para a respectiva residência, uma pela Av. … e outra precisamente pela Rua …, a mesma Rua onde se situa o locado.
23. O que determinou que a respectiva correspondência viesse devolvida à respectiva remetente.
24. A qual, de imediato, em 4.7.2013 reenviou a referida missiva sob o registo n.º …………. para a Autora sob envelope ainda fechado dentro de um outro envelope.
25. Em virtude da manutenção até aos dias de hoje do contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial celebrado entre a ora Ré e D…, nenhum sócio, gerente, empregado ou funcionário da Ré se encontra diariamente no local, motivo pelo qual a carta que a Autora enviou à Ré em 30.5.2013 não foi recepcionada por nenhuma dessas pessoas, mas sim pelo próprio D….
26. Pois os representantes legais da Ré, conforme consta da certidão permanente da empresa Ré são G… e H….
27. A autora não enviou nova carta à ré decorridos 30 a 60 dias do envio da primeira carta.
28. Era do perfeito conhecimento da Autora que D…, quem assinou o respectivo aviso de recepção, cuja assinatura ali aposta se mostra perfeitamente legível, não era nem representante legal, nem funcionário, nem empregado da Ré, mas sim quem explorava o respectivo estabelecimento.
29. D… além de titular do estabelecimento dado à exploração no locado é cunhado de uma das legais representantes da sociedade E….
30. Desde sempre o D… recepcionou no locado toda a correspondência dirigida à Ré, e dela sempre deu pronto conhecimento aos seus legais representantes.
31. Como sucedeu no caso da comunicação da Autora de 30/05/2013, da qual deu conhecimento no mesmo dia em que a recebeu.
32. Além disso a sede social e instalações da Ré sempre estiveram instaladas desde a data da sua constituição e até à presente data no local onde se encontra instalado o estabelecimento cedido em exploração a D… – Rua … n.º … Porto.
33. Aliás, é essa a morada que ao longo dos anos de vigência do contrato de arrendamento veio indicada pela Ré em toda a correspondência que dirigiu à Autora.
34. Nunca a Ré até 08 /08/2013 indicou à Autora qualquer outra morada sua, ou das suas gerentes, para efeitos de envio de correspondência.
35. Nem, alguma vez até aquela ultima data, a Autora conheceu outra qualquer morada da Ré ou, das suas gerentes.
36. E pela primeira vez, em 8 de Agosto de 2013 a Ré veio indicar à Autora morada diversa para efeitos de correspondência e exclusivamente para o período de 12 a 31 desse mês e ano.
37. Acresce que a Ré teve imediato conhecimento da carta da Autora de 30/05/2013, no dia em que a mesma foi recepcionada.
38. E, tanto assim é que respondeu à mesma, em 04/07/2013.
39. Por ser o D…, a única pessoa diariamente presente no local onde está instalada a sede social da ré, é ele a única pessoa que sempre recepcionou toda a correspondência desta, por incumbência da própria Ré.
b) Apreciação das restantes questões objecto do recurso
1 – Vejamos se ao prazo de 30 dias previsto no n.º 1, do artigo 31.º do NRAU, acrescia a dilação de 5 dias prevista no n.º 1, alínea a), do art.º 245.º do Código de Processo Civil.
A resposta é negativa.
No artigo 30.º do NRAU (redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto) a lei determina que «A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando: …».
O n.º 1 do art.º 31.º do mesmo diploma dispõe que «O prazo para a resposta do arrendatário é de 30 dias a contar da receção da comunicação prevista no artigo anterior».
Por sua vez, o n.º 1, al. a), do artigo 245.º do Código de Processo Civil prescreve que «Ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando: a) A citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, nos termos dos n.os 2 do artigo 228.º e 2 e 4 do artigo 232.º».
O prazo de cinco dias referido nesta norma está inserido no âmbito de um código de processo que disciplina, entre outros aspectos, os prazos que as partes têm para praticar actos processuais.
O caso dos autos respeita a um procedimento, é certo, mas não tem qualquer ligação com o Código de Processo Civil.
Não há, por isso, qualquer fundamento para aplicar num procedimento previsto num diploma que regula a passagem de um regime legal de arrendamento para outro regime legal de arrendamento, uma norma do Código de Processo Civil.
Tal só seria possível se existisse uma norma a prever tal aplicação e não há.
Por outro lado, se alguma dúvida existisse seria dissolvida ao constatar-se que o próprio procedimento constante do NRAU acautela as situações em que a carta é recebida por pessoa diversa do destinatário e determina, neste caso, que seja remetida nova carta, nos termos que mais abaixo irão ser referidos.
Improcede, pelo exposto, este fundamento do recurso.
2 – Vejamos agora se a Autora devia ou não devia ter enviado à Ré uma segunda carta a comunicar-lhe o aumento da renda, nos termos previstos no artigo 10.º, n.º 3, do NRAU.
A resposta a esta questão é afirmativa, pelas seguintes razões:
(I) Nos termos do n.º 1, do artigo 9.º, do NRAU, «Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção».
No artigo 10.º deste regime prevê-se, nos seus primeiros três números, o seguinte:
«A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais;
b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º -A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta (…)».
As normas que acabaram de ser citadas estabelecem um processado específico destinado a regular as comunicações e os termos iniciais e finais relativamente aos prazos previstos para a prática dos actos aí mencionados.
E verifica-se também, como não podia deixar de ser, que o regime jurídico em questão assinala determinados efeitos aos actos que prevê.
(II) Esta regulamentação padroniza o comportamento do senhorio e do inquilino tendo em vista os fins aí estabelecidos, no caso a passagem de um regime legal de arrendamento para outro regime legal de arrendamento.
Tal regulamentação destina-se a estabelecer o modo como cada um deles deve proceder para defender os respectivos interesses.
Por conseguinte, estas normas conferem direitos e deveres procedimentais aos respectivos destinatários.
Dito de outro modo: os destinatários destas norma podem confiar que ocorrendo uma situação prevista na norma a consequência que se segue é a que está prevista no respectivo regime para essa situação.
Aplicando o que fica referido ao caso dos autos.
Não tendo sido recebida a carta por um representante legal da Ré, a Ré, de acordo com o regime legal prescrito, sabia [2] que se seguiria a consequência prevista na lei que era esta: a senhoria (Autora) devia remeter-lhe nova carta registada, com aviso de recepção, decorridos que fossem 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
Sendo este o regime, então a Ré podia confiar que tudo se passaria como vinha referido na lei, ou seja, que se seguiria o envio de uma segunda carta por parte da senhoria e, por isso, poderia responder à pretensão da senhoria no prazo aberto com a segunda carta.
Só não se seguiria esta consequência se porventura o inquilino exercesse o direito de resposta dentro do prazo de 30 dias que a lei lhe confere.
Concluindo: a norma constante do n.º 3 do artigo 10.º do NRAU encontra-se estabelecida a favor do inquilino e os direitos que para ele derivam da mesma não podem ser modificados por outrem, muito embora o inquilino possa prescindir deles, o que ocorre quando o inquilino exerce os direitos que a lei lhe confere sem aguardar pela abertura do prazo resultante do envio da segunda carta.
Mas isso só ocorre quando o inquilino efectivamente exerce o direito.
Prosseguindo.
Cumpre verificar se o recebimento da carta por parte de D… pode considerar-se como um recebimento da carta por parte da Ré.
A resposta é negativa.
Com efeito, D… não tinha qualquer relação com a Ré que implicasse a representação desta última.
Ou seja, D… não era representante legal ou convencional da Ré.
Por ser assim, o recebimento, por ele, da carta dirigida à Ré, não implicou juridicamente que a Ré tivesse recebido a carta.
Não se aplica aqui o regime das citações previsto para o processo civil no n.º 3 do artigo 223.º deste código onde se prescreve que «As pessoas coletivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração».
Em todo o caso, D… não era empregado da Ré.
Valem aqui as razões referidas acima, ou seja, não há qualquer fundamento para aplicar num procedimento previsto num diploma que regula a passagem de um regime legal de arrendamento para outro regime legal de arrendamento, uma norma específica do Código de Processo Civil.
Tal só seria possível se existisse uma norma a prever tal aplicação e não há.
Por outro lado, como se disse, se alguma dúvida existisse seria dissipada ao constatar-se que o próprio procedimento constante do NRAU acautela as situações em que a carta não é recebida por um representante legal da pessoa colectiva visada e determina que seja remetida nova carta.
Resta concluir que não ocorre no caso uma situação de abuso de direito.
Nos termos do artigo 334.º do Código de Processo Civil, «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Como resulta do exposto, não tendo sido recebida a carta por um representante legal da Ré, esta podia confiar que tudo se iria passar como vinha referido na lei, ou seja, seguir-se-ia o envio de uma segunda carta por parte da senhoria e, por isso, poderia responder à pretensão da senhoria no prazo aberto com a segunda carta.
A Ré não se apercebeu, é certo, que a lei lhe conferia um prazo mais dilatado e respondeu partindo da premissa que o prazo se contava da recepção da carta por parte de D….
Porém, este desconhecimento em caso algum a prejudica, pois a lei derrama os seus efeitos sobre as situações jurídicas que ela prevê, independentemente da ciência que os seus destinatários tenham dela.
Por conseguinte, não existe aqui um exercício abusivo do direito, mas sim um exercício normal.
3 - Vejamos agora as consequências das conclusões a que se chegou em relação ao pedido.
Verifica-se que a autora devia ter remetido uma segunda carta à Ré, mas não o fez, pelo que a resposta enviada pela Ré foi tempestiva.
Verifica-se que existiu oposição da Ré à pretensão da autora (cfr. carta remetida pela Ré junta pela Autora aos autos a fls. 24 e 25), tendo a Ré proposto nova renda e duração do contrato.
Ocorre ainda que a senhoria não respondeu à carta da Ré, pelo que, nos termos do n.º 3, do artigo 33.º do NRAU, «A falta de resposta do senhorio vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo arrendatário».
Por conseguinte, o aumento de renda proposto pela Autora não entrou em vigor e não existe a falta de pagamento de rendas invocada como fundamento do pedido de despejo.
Cumpre, pois, julgar o recurso procedente e a acção improcedente absolvendo-se a Ré do pedido.
IV. Decisão
Considerando o exposto, na procedência do recurso, julga-se a acção improcedente e absolve-se a Ré do pedido.
Custas da acção e do recurso pela autora.
*
Porto, 1 de Junho de 2015
Alberto Ruço.
Correia Pinto.
Ana Paula Amorim.
___________
[1] Rectificada pela Rectificação n.º 24/2006, de 17 de Abril e alterada pelas Leis n.º 31/2012, de 14 de Agosto e 79/2014, de 19 de Dezembro.
[2] O facto do inquilino conhecer ou não, em concreto, os direitos que resultam para si destas normas não altera a eficácia normativa das mesmas, pois aplicam-se em qualquer caso.