Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3371/21.1T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: VIOLAÇÃO DE NORMAS DE SEGURANÇA
UTILIZAÇÃO DE ELEVADOR UTILIZADO COMO MONTA CARGAS
CONCAUSALIDADE PARA O EVENTO
Nº do Documento: RP202311273371/21.1T8MTS.P1
Data do Acordão: 11/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A Ré empregadora violou as normas de segurança indicadas no texto do acórdão ao permitir e/ou determinar a utilização de elevador, que estava a ser usado como monta cargas (o qual não dispunha de habitáculo ou cabine nem paredes laterais nem teto, sendo a luz acionada por um sensor com a pessoa já lá dentro), sem que o mesmo dispusesse de mecanismo que impedisse, de forma automática, a abertura da porta quando o mesmo não se encontrava no piso e que, não obstante, permitia a sua utilização sem tal mecanismo, apenas adotando o procedimento de os trabalhadores, após a sua utilização, fecharem a porta do mesmo à chave e guardar a chave num determinado local.
II - A responsabilidade do empregador pela reparação do sinistro decorrente da violação, por si, de normas de segurança não é afastada em caso de concausalidade, ainda que imutável ao sinistrado, muito menos no caso concreto, em que não decorre da factualidade provada factos que permitam concluir que o acidente tivesse resultado de qualquer comportamento censurável por parte da sinistrada, decorrendo apenas dos factos provados que a porta do elevador estava aberta sem que a plataforma se encontrasse ao nível do piso e que a sinistrada, por esse facto, caiu pelo vão do elevador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 3371/21.1T8MTS.P1
Relator – Paula Leal de Carvalho (Reg. 1366)
Adjuntos: Des. Rita Romeira
Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

AA intentou ação declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra a Ré, A..., SA, pedindo que seja a ré condenada no pagamento de:
“a) Subsídio por morte no montante de € 5.792,28, acrescido de juros
b) A pensão obrigatoriamente remível de €3.443,28 devida desde o dia 08/07/2021, dia seguinte ao da morte (sem prejuízo de ampliação do pedido, se outros factos se vierem a apurar nos termos do art. 18º da REGULAMENTA O REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS);
c) Despesas de funeral e trasladação na quantia de € 2350,00
d) Despesas com deslocação ao tribunal no valor de €12,00”

Citada a ré veio requereu a intervenção da entidade patronal da sinistrada/falecida em face da transferência parcial da remuneração da sinistrada falecida mantendo a posição já assumida na tentativa de conciliação, ou seja, de que o acidente se ficou a dever à violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora.

Foi determinada a intervenção principal da empregadora, B..., L.da, a qual contestou alegando que o acidente deve ser descaraterizado por ter havido violação das regras de segurança pela trabalhadora.
O A. solicitou a fixação de pensão provisória o que foi deferido tendo o FAT vindo informar em 2.12.2022 que procedeu já à liquidação da quantia de € 2.562,00 a título de pensão provisória mantendo-se a mesma em pagamento.

Por despacho de 11.07.2022 foi fixado ao A. “a pensão provisória anual atualizável de € 2940,00, a adiantar pelo Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), devida desde a data em que foi pedida, 23.2.2022, a pagar mensalmente nos termos do disposto no art. 72.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, no domicílio da autora, sem prejuízo de estipulação diversa por acordo (art. 73.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro).
Os montantes já vencidos serão pagos de uma só vez com a primeira prestação”, tendo o FAT requerido que, aquando da prolação da sentença final, seja ordenada a restituição ao Fundo das quantias adiantadas ao beneficiário da sinistrada pela entidade que vier a ser considerada responsável, em conformidade com o disposto no art. 122 n.º 4 do CPT.

Foi proferido despacho saneador, consignando-se os factos assentes e os temas da prova.

O autor veio requerer a ampliação do pedido em 6.12.2022 pedindo a condenação no agravamento das pensões por atuação culposa do empregador, nos termos dos art.s 59º a 61º da LAT e 265 n.º 2 do CPC (Código de Processo Civil) referindo que da prova produzida na primeira audiência de julgamento e tendo sido proferido despacho de acusação no processo crime no dia 15.11.2022 que teve origem nos factos em discussão nos presentes autos afigura-se existirem fortes indícios de que a entidade empregadora atuou culposamente, ampliação do pedido que foi deferida em sede de sentença.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“Termos em que, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
I) Condeno a ré B..., L.da a pagar ao autor:
- a pensão anual no montante de € 10.954,34 com vencimento desde o dia seguinte ao falecimento da sinistrada e a pagar nos termos previstos no art.º 72.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4% ao ano, desde o vencimento (08.07.2021) até efetivo pagamento;
- o valor de € 5792,29 a título de subsídio de morte, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal de 4% ao ano, desde o dia seguinte ao falecimento do sinistrado até efetivo pagamento;
- o valor de €1.930,76 a título de subsídio por despesas de funeral acrescido de juros de mora calculados à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação desta ré até efetivo pagamento; sendo que a estas quantias haverá que deduzir o montante liquidado a título de pensão provisória;
E, ainda, na restituição ao FAT das quantias por si adiantadas e que em 18.11.2022 ascendiam já a € 2562,00 bem como nas liquidadas posteriormente.
II) Condeno solidariamente a ré A... no pagamento das quantias acima aludidas, sem prejuízo do direito de regresso e limitada à sua responsabilidade nos termos do art. 79º n.º 4 da Lei 98/2009, de 4 de setembro, sendo que em relação à pensão anual corresponderá a 30% da retribuição transferida até perfazer a idade da reforma por velhice de € 2.940,00 e 40% a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, no mais se absolvendo as rés
Custas pelo autor e ré B..., L.da, na proporção do decaimento.
Fixo como valor da ação para efeito de custas em €18.677,39, art.º 120.º, n.º 2, do CPT”.

Inconformada, veio a Ré “B...” recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1.ª Não podemos concordar com o sentido seguido pelo douto aresto de que se recorre.
2.ª A Recorrente não se conforma com a sentença entendendo que os factos considerados não provados foram mal julgados face à prova produzida, e que ditaria decisão contrária.
3.ª A Recorrente tem perfeita consciência dos requisitos e ónus da reapreciação da matéria de facto, mas, no caso concreto, em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, lamentavelmente, vai ter de pedir aos Venerandos Desembargadores a reapreciação de muitos dos pontos da matéria de facto dados como não provados.
4.ª Com o devido respeito entende a Recorrente que foram mal julgados os factos dados como não provados:
- No dia do sinistro a sinistrada tenha carregado no botão do elevador e este tenha subido ao rés-do-chão e colocado de seguida na plataforma os baldes de lixo que transportava;
- A sinistrada tenha tido necessidade de realizar outras tarefas e tenha fechado a porta do elevador e ausentou-se do local;
- Minutos depois regressou a porta do rés-do-chão do ascensor a fim de o utilizar;
- Entre o momento em que a sinistrada esteve anteriormente junto do ascensor e aquele em que regressou uma outra pessoa acionou o elevador tendo a plataforma descido até à cave;
- As manutenções periódicas e verificação do funcionamento do monta-cargas fosse efetuado pelo técnico BB;
- O espaço de acesso ao monta-cargas através do corredor de cozinha estivesse iluminado;
- A porta através da qual se acedia ao ascensor estivesse sempre trancada à chaves;
- Abertura da porta de acesso ao ascensor estivesse dotada de dois mecanismos de segurança um primeiro manual que consistia na abertura com a chaves;
- Fosse visível saber se plataforma se encontrava no patamar certo dada a dimensão do monta-cargas e a iluminação do espaço.
5.ª Todos estes factos foram cabalmente provados e resultaram claros na audiência de discussão e julgamento, conforme depoimentos já transcritos, pelo que não pode, pois, subsistir a decisão recorrida.
6.ª Na opinião da aqui Recorrente ou existiu culpa da sinistrada quer não atuou com o cuidado e diligência devidos. Com efeito, provou-se a existência de regras ou condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora na altura da avaria do equipamento. E a prática, por parte da sinistrada, de uma conduta – ato ou omissão – violadora dessas regras ou condições de segurança que eram de si conhecidas. Ficou provado a voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa, por parte da sinistrada. E a existência de um nexo causal entre o ato ou omissão da sinistrada e o acidente ocorrido.
7.ª Caso os Venerandos Desembargadores entendam que não se verifica a causa de descaracterização de acidente de trabalho prevista na al. a) do n.º 1 do artº 14º da Lei nº 98/2009, de 4/09 foi um acidente de trabalho, então a responsabilidade pelo sinistro deverá ser assumida pela Ré Seguradora.
8.ª Dispõe o art. 8º, nº 1 da LAT (Lei nº 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais) que se considera acidente de trabalho aquele que se verifique no local de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
9.ª A sinistrada, no dia 28 de janeiro de 2021, trabalhava sob as ordens, direção e instruções do Interveniente/Recorrente quando sofreu um acidente.
10.ª Na data em que tal acidente ocorreu, o Interveniente/Recorrente, na qualidade de entidade patronal, havia transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a Ré/Recorrida A..., S.A., através de contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho titulado pela apólice com o nº ... pelo valor da retribuição anual de €9.800,00.
11.ª Através desse contrato, a Ré/Recorrida comprometeu-se a, de acordo com as condições gerais e particulares da apólice, “garantir” a responsabilidade do seu segurado pelos “encargos obrigatórios provenientes de acidente de trabalho em relação às Pessoas Seguras identificadas na apólice, ao serviço da unidade produtiva também ali identificada, independentemente da área em que exerçam a sua atividade”, onde se incluía a falecida.
12.ª No dia do acidente, a sinistrada encontrava-se a trabalhar nas instalações da Interveniente/Recorrente e tinha perfeito conhecimento que o elevador de serviço – uma plataforma elevatória monta-cargas – estava avariado há algum tempo.
13.ª Em momento anterior ao acidente, a porta de tal monta-cargas trancava automaticamente quando a plataforma se encontrava a funcionar, nunca tendo ocorrido qualquer acidente de trabalho na utilização de tal equipamento.
14.ª É ainda falso que tal porta não tivesse um mecanismo de encravamento que funcionasse de forma interligada com o próprio ascensor. Este mecanismo existia, encontrava-se era avariado e inoperacional, o que era consabido por todos quantos utilizavam o ascensor na altura em que se deu o acidente, inclusive a sinistrada.
15.ª A sinistrada desrespeitou deliberadamente as mais elementares regras de segurança e procedimentos definidos pelo empregador, naquele período em que o equipamento estava avariado.
16.ª Procedimentos esses conhecidos por todos os colegas de trabalho da sinistrada e pela própria.
17.ª A Interveniente/Recorrente, enquanto entidade patronal, respeitou todas as regras de segurança.
18.ª O fornecedor do ascensor pode atestar que o mesmo possuía declaração de conformidade CE, conforme estabelecido pelo Decreto-Lei nº 103/2008, de 24 de junho e no art. 18º do Decreto-Lei nº 58/2017, de 9 de junho, que atestava que o mesmo dispunha de todos os dispositivos e características de segurança exigidas por lei.
19.ª As manutenções periódicas e a verificação do normal funcionamento do monta-cargas sempre existiram e eram efetuadas por um técnico.
20.ª Apenas alguns funcionários, nos quais se incluía a sinistrada, estavam autorizados a utilizar o ascensor, tendo para o efeito sido informados do seu funcionamento e regras de segurança, bem como da avaria descrita.
21.ª Aquando do acidente, o mecanismo de bloqueio da porta encontrava-se avariado há cerca de dois meses.
22.ª Devido à pandemia por Covid 19, apesar do técnico ter feito a avaliação inicial da avaria, a peça necessária à reparação estava com um atraso previsto de 6 meses.
23.ª Tal avaria apenas exigia atenção por parte dos trabalhadores da interveniente e os que utilizavam o ascensor sabiam que o mecanismo se encontrava avariado e que, por isso, teriam de utilizar o mecanismo manual de segurança.
24.ª Nomeadamente, deviam de verificar se a plataforma se encontrava no patamar correto antes de avançar para além da porta, para não caírem desamparados, como de forma inexplicável, aconteceu com a sinistrada.
25.ª Não obstante o monta-cargas se encontrasse avariado aquando do acidente, nunca a Interveniente/Recorrente se subtraiu ao seu dever de informar os trabalhadores do sucedido, providenciando-lhes novas regras de segurança a serem por estes cumpridas até que fosse possível o conserto de tal avaria.
26.ª Não podendo o acidente ser imputado a qualquer conduta culposa ou negligente por parte da entidade patronal, que sempre cumpriu com todas as regras de higiene e segurança no trabalho instituídas por lei, procedendo à fiscalização e vistoria regular dos seus equipamentos.
27.ª Pensamos que a trabalhadora sinistrada atuou com culpa grave, que tinha perfeita consciência da sua violação das regras de segurança que foram transmitidas pela empregadora.
28.ª Se pelo contrário, o entendimento dos Venerandos Desembargadores for no sentido de que não basta a mera violação das regras de segurança para que o acidente seja descaraterizado. E que o acidente se deu por culpa leve, à distração ou ao esquecimento por parte da trabalhadora sinistrada, então a responsabilidade do mesmo deve ser imputada à Seguradora.
29.ª Como tal nunca poderá a Interveniente/Recorrente ser responsável pelo pagamento de quaisquer quantias ao Autor porquanto havia, como já se referiu, transferido a responsabilidade por acidente de trabalho para a Ré/Recorrida A..., S.A.
30.ª Concluindo, a sentença traduziu-se num resultado ética e juridicamente injusto, pelo que se pede aos Venerandos Desembargadores que apreciem a matéria de direito e de facto do aresto em crise, elegendo, interpretando e aplicando a lei e julgando procedente a presente apelação.
Termos em que, e nos demais de Direito aplicáveis que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá proceder o presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta Sentença recorrida, de acordo com as conclusões acima expressas, “(…)”!.

A Ré Seguradora contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I- Apesar de a recorrente ter indicado nas suas alegações quais os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, não indica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
II- Assim, salvo melhor opinião, não foi cumprido o ónus a que alude o n.º 1, alínea c) do artigo 640.º do CPC, o que importa a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto.
III- Por outro lado, no âmbito da impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, a recorrente, não obstante transcreva passagens do depoimento de algumas testemunhas, não faz a mais pequena apreciação crítica dos ditos depoimentos, de forma a evidenciar que, face ao que foi dito pelas testemunhas cujo depoimento invoca, se impunha decisão diversa da tomada.
IV- Como vem sendo entendido pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, não basta ao recorrente que pretenda alterar decisão proferida quanto à matéria de facto invocar ou transcrever os depoimentos testemunhas nos quais se baseia, sem efetuar uma apreciação critica desses mesmos depoimentos, de forma a que se possa compreender em que medida impunham decisão diversa.
V- Daqui resulta, salvo melhor opinião, que o recurso deve ser rejeitado ou não conhecido na parte em que nele se pretende a alteração da decisão proferida quanto à matéria de facto, o que é imposto pelas normas dos nº 1 e 2 do artigo 640º do CPC.
VI- Ainda que assim não se entendesse, importa salientar que, para sustentar a decisão proferida quanto à matéria de facto, o julgador fez constar da douta sentença uma exaustiva e detalhada fundamentação, na qual efetuou uma a análise critica da prova produzida.
VII- Não ocorre qualquer erro de apreciação de prova, muito menos tão evidente que impusesse a alteração da decisão.
VIII- Assim, entende a recorrida que a decisão sob censura, na parte em que é impugnada pela Autora, se sustenta por si mesma, impondo-se a sua confirmação.
IX- Tendo em conta o depoimento da testemunha BB e, ainda, o depoimento da testemunha CC, gravado no sistema H@bilus no dia 07/12/2022, entre as 10h15m37s a 10h49m57s, nas passagens dos minutos 23m04s e seguintes, suscitam-se sérias dúvidas quanto ao facto de o dito BB ter efetuado manutenção periódica ao equipamento, pelo que se impunha a decisão de não dar como provado que “As manutenções periódicas e verificação do funcionamento do monta-cargas fosse efetuado pelo técnico BB;”
X- De todo o modo, a recorrente não impugna a decisão proferida quanto aos factos dos pontos U) a DD) da matéria provada, em especial o do ponto BB), ou seja, “À data do acidente o mecanismo de encravamento que funciona interligado com o próprio ascensor estava avariado desde há cerca de dois meses. CC) O que era do conhecimento pelo menos da sinistrada. DD) Como o mecanismo de segurança do elevador não estava a funcionar corretamente a porta do ascensor era trancada à chave”
XI- Perante a factualidade provada nesses outros pontos da matéria de facto, não se vê o mais pequeno interesse em que seja dado como provado que o BB efetuava a manutenção periódica do elevador.
XII- Face à inutilidade desse facto para a decisão da causa, não terá este Tribunal Superior de se ocupar com a reapreciação da prova que, quanto ao mesmo, foi produzida, como se entendeu, entre outros, no douto Aco do TRL de 17/04/2018, no processo 3830/15.5T8LRA.L1-1
XIII- Deve, pois, improceder, nesta parte, a impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto.
XIV- Nenhuma das testemunhas invocadas pela recorrente confirmou que “O espaço de acesso ao monta-cargas através do corredor de cozinha estivesse iluminado” ou que “Fosse visível saber se plataforma se encontrava no patamar certo dada a dimensão do monta-cargas e a iluminação do espaço.”
XV- A testemunha DD, que era funcionária da Ré B... à data dos factos, atestou que a iluminação no interior do fosso do monta-cargas só era acionada depois de se entrar nessa plataforma (cfr passagens dos minutos 4m13s e seguintes do seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 07/12/2022, entre as 9h25m44s e as 09h55m11s)
XVI- No mesmo sentido depôs a testemunha CC, funcionário da Recorrente, como se pode verificar pela audição das passagens dos minutos 8m28s a 9m23s, do seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 07/12/2022, entre as 10h15m37s a 10h49m57s.
XVII- Ainda de considerar, quanto ao depoimento da testemunha CC, a referência que fez no sentido de que, antes de aceder a luz do elevador, a única luminosidade que existia no respetivo vão era a que provinha das frinchas da porta da garagem (cfr passagens dos minutos 9m24s a 10m23s do seu depoimento).
XVIII- E, com interesse, as declarações da testemunha EE, o qual reconheceu no seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 07/12/2022, entre as 11h22m12s e as 11h44m39, que no interior do vão do elevador e antes do acionamento da lâmpada que acendia depois de se entrar nesse espaço, era escuro (cfr passagens dos minutos 27m27s do seu depoimento)
XIX- Neste contexto, a prova produzida no decurso da ação – nomeadamente a que é invocada pela recorrente – não impunha decisão diversa quanto aos factos em questão.
XX- A recorrente não alegou na sua contestação que “No dia do sinistro a sinistrada tenha carregado no botão do elevador e este tenha subido ao rés-do-chão e colocado de seguida na plataforma os baldes de lixo que transportava;”, que “A sinistrada tenha tido necessidade de realizar outras tarefas e tenha fechado a porta do elevador e ausentou-se do local; que “Minutos depois regressou a porta do rés-do-chão do ascensor a fim de o utilizar;” ou que “Entre o momento em que a sinistrada esteve anteriormente junto do ascensor e aquele em que regressou uma outra pessoa acionou o elevador tendo a plataforma descido até à cave;”
XXI- Assim, nessa parte, a decisão não é desfavorável à recorrente, a qual não foi vencida no que toca a esse segmento da douta sentença.
XXII- Como tal, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 631.º do CPC, não pode a B... recorrer, nessa parte, da douta sentença, o que impõe a rejeição, também nessa parte, do recurso.
XXIII- Em todo o caso, como resulta da fundamentação da decisão proferida quanto à matéria de facto, nenhuma das testemunhas que foram inquiridas no decurso da ação presenciou o acidente.
XXIV- Assim, sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, impõe-se a improcedência do recurso nesta parte.
XXV- Do depoimento das testemunhas invocadas pela recorrente não resulta demonstrado que “ A porta através da qual se acedia ao ascensor estivesse sempre trancada à chaves;”
XXVI- Ademais, a testemunha DD, que foi funcionária da recorrente, mas já não é, atestou no seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 07/12/2022, entre as 9h25m44s e as 09h55m11s, que nem sempre a porta estava fechada (cfr passagens dos minutos 12m37s e seguintes e 14m00s e seguintes do seu depoimento)
XXVII- Ademais, também a testemunha FF, funcionária da recorrente, afirmou que, por regra, a porta estava aberta quando a plataforma do elevador estava no piso superior, como se vê das passagens dos minutos 2m00s das suas declarações gravadas no sistema H@bilus no dia 07/12/2022, entre as 11h00m41s e as 11h21m24s,
XXVIII- Disto decorre, desde logo, que a porta não estava sempre fechada.
XXIX- Assim, impunha-se a decisão proferida quanto a este facto, a qual se deve manter.
XXX- Nem a própria recorrente põe em causa que, na data do acidente, o equipamento de trabalho que disponibilizou aos seus trabalhadores (o monta-cargas) se encontrava avariado.
XXXI- Essa avaria consistia num deficiente funcionamento, que permitia que a porta de acesso ao dito monta-cargas pudesse ser aberto sem que a respetiva plataforma se encontrasse no piso onde essa porta existia.
XXXII- Ora, ao contrário do que quer fazer crer a recorrente, a adoção de medidas improvisadas, ineficientes e falíveis para tentar “remediar” a aludida avaria não lhe retira qualquer responsabilidade, antes a agrava.
XXXIII- E é um dado adquirido no processo que a recorrente violou várias normas de segurança que lhe eram impostas, precisamente para proteção dos seus trabalhadores, nomeadamente as previstas nos artigos 4.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 103/2008, de 24 de Junho e no ponto 4.1.2.8.5 do anexo 1 desse diploma, n.º 3 do artigo 3º eartigo 29.º do Decreto-Lei n.o 50/2005, de 25 de Fevereiro, artigos 5.º e 6.º e anexo I, pontos 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 58/2017, de 9 de junho
XXXIV- No essencial, tais normas impõem à entidade empregadora que faça uso de um monta-cargas a adoção de medidas que assegurem que as respetivas portas de acesso apenas possam ser abertas se a plataforma do dito ascensor se encontra no piso onde existe o dito acesso.
XXXV- Porém, fruto de avaria ocorrida antes do acidente e plenamente conhecida pela recorrente, na data desse sinistro o elevador em causa não era dotado de sistemas de segurança impostos por Lei, nomeadamente um dispositivo que impedisse a abertura de acesso ao monta-cargas sem que a respetiva plataforma se encontrasse no piso onde essa porta existia.
XXXVI- E, consequentemente, o que resulta da factualidade provada é que a recorrente não cuidou de garantir, com referência à data do acidente, que o elevador dispusesse desse equipamento e cumprisse esse requisito de segurança.
XXXVII- Ou seja, ao invés de dotar o equipamento em causa dos ditos dispositivos de segurança, ou proibir a sua utilização enquanto deles não dispusesse, a B..., através dos seus representantes, permitiu que os seus trabalhadores, entre eles a GG, fizessem uso do dito ascensor em condições que permitiam a abertura da porta do elevador e acesso ao fosso onde estava instalado, mesmo nas ocasiões em que a plataforma se encontrasse no piso da cave.
XXXVIII- O acidente que vitimou a GG e a morte desta foram consequência direta, necessária e exclusiva do facto de respetiva entidade patronal, a B..., lda, não ter dotado o elevador em causa dos mecanismos de segurança exigidos por lei, mais precisamente um dispositivo que impedisse a abertura da porta de acesso ao mesmo situada no rés-do-chão, sem que a plataforma do ascensor se encontrasse nesse piso.
XXXIX- Ao contrário do que parece defender a recorrente, é ao empregador que compete providenciar pela disponibilização ao trabalhador de condições de segurança no trabalho, dotando o local de trabalho de dispositivos e equipamentos que cumpram os requisitos legais e promovam a eliminação, ou redução dos riscos que a atividade laboral suscita.
XL- O facto de a entidade patronal ter optado por manter o equipamento em uso sem aqueles dispositivos e com a implementação de medidas improvisadas e de duvidosa eficiência para evitar o risco de queda dos seus trabalhadores não a isenta, obviamente, de responsabilidade pela ocorrência do acidente.
XLI- Como decorre da factualidade dada como provada, perante a avaria do sistema de segurança do dito ascensor, foi adotada no local de trabalho uma medida sem qualquer eficiência, que consistia em fechar a porta do ascensor à chave.
XLII- O sistema de “segurança” alternativo implementado pela recorrente estava dependente, apenas, da atuação dos trabalhadores, podendo, a qualquer momento, ocorrer um esquecimento ou distração de algum deles, que teria por efeito, pura e simplesmente, a eliminação do pretenso mecanismo de segurança implementado.
XLIII- De resto, como é intuitivo, o procedimento de segurança adotado pela recorrente não prevenia o risco de queda de um trabalhador no vão do monta-cargas, caso a respetiva plataforma não se encontrasse no piso onde existia a porta.
XLIV- mesmo que a porta estivesse fechada à chave, tal procedimento não asseguraria que, depois de aberta a porta de acesso ao monta-cargas, a respetiva plataforma se encontraria no mesmo piso.
XLV- Ou seja, na realidade, o encerramento da porta à chave nenhum efeito tinha no sentido de evitar o risco de queda dos trabalhadores, correspondendo a uma medida inútil e sem previsão legal
XLVI- Por outro lado, a incúria da recorrente está patente no facto de estar em causa um equipamento instalado num restaurante, local onde, como é do conhecimento geral e resulta das regras da experiência, a atividade desenvolvida implica o desenvolvimento do trabalho a um ritmo acelerado, propicio a lapsos ou esquecimentos por parte dos trabalhadores.
XLVII- Assim, deve concluir-se pela verificação dos requisitos de atuação culposa do empregador previstos no art. 18 n.º 1 da Lei 98/2009, de 4 de setembro.
XLVIII- E, assim, deve improceder o recurso.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença sob censura, (…)”.

O A. também contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I. São submetidas à consideração dos Senhores Juízes Desembargadores duas das seguintes questões:
- “DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
“DOS FACTOS E SUA SUBSUNÇÃO AO DIREITO”
II. Relativamente ao facto dado como não provado: “As manutenções Periódicas e verificação do funcionamento do monta-cargas fosse efetuado pelo técnico BB”
III. Do depoimento da testemunha Sr. BB, percebemos facilmente que este não é técnico de reparação de elevadores /monta cargas, nem tão pouco o faz a título profissional, não estando para tal habilitado e certificado,
IV. A (EMA) Empresa de manutenção de ascensores é a entidade que efectua e é responsável pela manutenção das instalações, cujo estatuto constitui o anexo I a este diploma e que dele faz parte integrante;
V. A certificação de uma EMA é feita por organismos acreditados pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ), no âmbito do SPQ.
VI. O Sr. BB, é um serralheiro mecânico, sem qualquer tipo de formação, qualificação ou autorização para fazer, seja manutenção nem tão pouco reparação de elevadores /monta cargas.
VII. Encontrando-se neste particular segmento a Ré B... a violar o presente decreto lei, consequentemente violando as regras de segurança e saúde no trabalho
VIII. Tendo resultado esta atuação no processo de inquérito n.º Processo: 7538/21.4T9PRT, no âmbito do qual foi já proferida acusação pública.
IX. Relativamente ao facto dado como não provado: “O espaço de acesso ao monta-cargas através do corredor de cozinha estivesse iluminado”; e “Fosse visível saber se plataforma se encontrava no patamar certo dada a dimensão do monta-cargas e a iluminação do espaço.”
X. A testemunha DD, que foi funcionária da recorrente, mas já não é, disse que a iluminação no interior do fosso do monta-cargas só era acionada depois de se entrar nessa plataforma
XI. Pelo depoimento da testemunha percebe-se que a luz só acendia quando alguém entrasse no interior da plataforma, logo, o local não era dotado de luminosidade, caso contrário não teria acontecido o fatídico acidente, não merecendo qualquer censura a decisão do juiz a quo.
XII. Relativamente aos factos dados como não provados: “A porta através da qual se acedia ao ascensor estivesse sempre trancada à chaves; Abertura da porta de acesso ao ascensor estivesse dotada de dois mecanismos de segurança um primeiro manual que consistia na abertura com a chaves.”
XIII. Dizem-nos as regras da experiência comum que se a porta estivesse sempre trancada às chaves, o fatídico acidente não tinha acontecido, e;
XIV. A testemunha DD, afirmou que nem sempre a porta estava fechada, como se vê destas passagens do seu depoimento.
XV. Também a testemunha FF, funcionária da recorrente, afirmou que, por regra, a porta estava aberta quando a plataforma do elevador estava no piso superior.
XVI. A porta não estava sempre fechada.
XVII. Trata-se de um sistema de segurança manual deixado à mercê da capacidade humana. Bem sabemos que sistemas de segurança, são isso mesmo, sistemas autónomos e que não dependam da imperfeição falível da mão humana.
XVIII. A mão humana não é infalível.
XIX. Trata-se de um restaurante, uma atividade dotada de grande azáfama e confusão.
XX. Jamais se aceitaria um sistema de segurança de monta-cargas efetuado única e exclusivamente manualmente e deixado nas mãos de todos os funcionários.
XXI. Assim, impunha-se a decisão proferida quanto a este facto, a qual se deve manter.
XXII. Quanto ao pedido de reapreciação “DOS FACTOS E SUA SUBSUNÇÃO AO DIREITO”
XXIII. Defende a recorrente que o acidente de trabalho terá sido causado pela própria vítima, não podendo ser assacada qualquer responsabilidade à Ré.
XXIV. Todavia, duvidas não restaram aquando da prova produzida: o equipamento de trabalho que a Ré disponibilizou aos seus trabalhadores (o monta-cargas) encontrava-se avariado, deficiente funcionamento, permitindo que a porta de acesso ao dito monta-cargas pudesse ser aberta sem que a respetiva plataforma se encontrasse no piso onde essa porta existia.
XXV. A recorrente violou várias normas de segurança que lhe eram impostas, para proteção dos seus trabalhadores, o que veio a resultar na morte da GG.
XXVI. Deve ser negado provimento ao recurso mantendo-se a decisão da 1.º instância Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença sob censura, (…)”

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, referindo o seguinte:
4. A Recorrente, B..., Lda, impugna a matéria de facto e subsequente decisão de direito.
Porém, na verdade, não indica os concretos meios de prova que impunham uma decisão diversa da recorrida. Faz a transcrição do depoimento das testemunhas, mas não faz depois uma análise critica da prova nem diz em que consistiu o erro de julgamento.
Nesta matéria vigora o princípio da livre apreciação da prova, não podendo justificar o recurso a simples opinião diversa sobre aprova testemunhal. Em todos os casos é necessário identificar o erro de julgamento invocado.
5. Além disso impugna apenas parte dos factos não provados. Ora dos factos provados, pode ver-se que a porta do elevador se situava no final de um corredor sem iluminação natural – facto S -, à data do sinistro a porta em questão era dotada de uma fechadura de chave de operação manual – facto T -, a abertura e encerramento da porta dependia apenas de uma atuação voluntária de quem a decidisse abrir ou fechar rodando a respetiva chaves – facto U -, essa porta de acesso ao elevador situada no rés-do-chão podia à data do sinistro ser aberta ainda que a plataforma do elevador não se encontrasse no patamar desse rés-do-chão, ou seja, mesmo que se encontrasse no patamar da cave – facto X -, à data do sinistro a porta não funcionava de forma interligada com o elevador já que não dispunha de dispositivos de encravamento que impedissem a abertura da plataforma do elevador quando não se encontrasse no piso do rés-do-chão – facto Z -, a porta do monta cargas em momento anterior ao acidente trancava automaticamente quando a plataforma se encontrava a funcionar – facto AA -, à data do acidente o mecanismo de encravamento que funciona interligado com o próprio ascensor estava avariado desde há cerca de dois meses – BB -, o que era do conhecimento pelo menos da sinistrada – facto CC -, como o mecanismo de segurança do elevador não estava a funcionar corretamente a porta do ascensor era trancada à chave – facto DD.
Ou seja, está provado que o “elevador”, para além de ser um mecanismo de elevação de automóveis, ali adaptado, (i)não tinha iluminação suficiente, (ii)o mecanismo de encravamento que funciona interligado com o próprio ascensor estava avariado, havia dois meses, e, (iii)podia abrir a porta de acesso sem que estivesse ao nível do rés-do-chão, ou seja, mesmo que se encontrasse no patamar da cave.
Salvo melhor opinião, numa situação destas não podia ser utilizado enquanto não fosse reparado. E só a Recorrente podia e devia dar essa ordem.
Permitir que fosse utilizado o elevador nas circunstâncias em que se encontrava, avariado, era estar permanentemente exposto ao risco de acidente, como se verificou.
6. E não pode imputar-se à vítima qualquer culpa no acidente. Pois que, por mais cuidados que tivesse, nas condições deficitárias em que se encontrava o elevador/monta cargas, o acidente era eminente para qualquer utilizador.
Assim, entende-se que não merece censura a douta sentença recorrida, que deverá ser confirmada.
7. Nestes termos, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, emite-se parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso”, parecer ao qual as partes não responderam.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância [a numeração dos factos não provados é da nossa autoria]:

Factos provados:
“A)
A sinistrada, GG nasceu a .../.../1964 e faleceu em 7 de julho de 2021 no estado de casada com o autor, AA.
B)
No dia 28 de janeiro de 2021, em ..., a sinistrada trabalhava sob as ordens, direção e instruções “B..., L.da” no restaurante quando sofreu um acidente tendo sido assistida no local pelo INEM e transportada para o Hospital ... no Porto.
C)
Em consequência do acidente a autora sofreu vários traumas que provocaram a sua morte.
D)
Na data em que o acidente ocorreu a entidade patronal “B..., Ldª, havia transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a ré A... SA, através de contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho titulado pela apólice com o nº ... pelo valor da retribuição anual de € 9.800,00.
D)
No referido dia 28 de janeiro de 2021 a hora não concretamente apurada a sinistrada encontrava-se a trabalhar no rés-do-chão do restaurante e encaminhou-se para o elevador que consistia numa plataforma de elevação de automóveis.
E)
Ao abrir a porta do elevador a plataforma do mesmo não se encontrava como devia ao nível do piso.
F)
A sinistrada caiu então desamparada no poço do elevador.
G)
A sinistrada ficou internada no Hospital ... ate ao dia 7 de julho de 2021.
H)
A autora auferia à data a quantia mensal de € 700,00 acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 4,77 por dia, ou seja, o montante anual 10.954,34€.
I)
À data do acidente a sinistrada exercia as funções inerentes à categoria profissional de ajudante de cozinha.
J)
À data de 28.01.2021 a ré “B..., L.da” explorava um restaurante denominado “C...” em instalações sitas na Rua ..., em ..., Matosinhos.
L)
O edifício onde se encontrava instalado esse estabelecimento dispunha pelo menos de dois pisos um no rés-do-chão, onde estava instalado a cozinha e outro na cave onde existia uma arrecadação.
M)
Em 2013 a ré B..., L.da instalou no seu estabelecimento de restauração um elevador (dispositivo de elevação de automóveis) que permitia o acesso entre a cozinha no rés-do-chão e o arrecadação sita na cave.
N)
O elevador em causa era tipo tesoura e destinava-se por conceção a movimentar automóveis.
O)
Este elevador não dispõe de habitáculo ou cabine nem paredes laterais nem teto.
P)
O elevador não dispunha de manual de instruções.
Q)
O elevador estava a ser utilizado como monta cargas
R)
O acesso ao elevador a partir do rés-do-chão era efetuado por uma porta em metal dotada de uma fechadura.
S)
Essa porta situava-se no final de um corredor sem iluminação natural.
T)
À data do sinistro a porta em questão era dotada de uma fechadura de chave de operação manual.
U)
A abertura e encerramento da porta dependia apenas de uma atuação voluntária de quem a decidisse abrir ou fechar rodando a respetiva chaves.
X)
Essa porta de acesso ao elevador situada no rés-do-chão podia à data do sinistro ser aberta ainda que a plataforma do elevador não se encontrasse no patamar desse rés-do-chão, ou seja, mesmo que se encontrasse no patamar da cave.
Z)
À data do sinistro a porta não funcionava de forma interligada com o elevador já que não dispunha de dispositivos de encravamento que impedissem a abertura da plataforma do elevador quando não se encontrasse no piso do rés-do-chão.
AA)
A porta do monta cargas em momento anterior ao acidente trancava automaticamente quando a plataforma se encontrava a funcionar.
BB)
À data do acidente o mecanismo de encravamento que funciona interligado com o próprio ascensor estava avariado desde há cerca de dois meses.
CC)
O que era do conhecimento pelo menos da sinistrada.
DD)
Como o mecanismo de segurança do elevador não estava a funcionar corretamente a porta do ascensor era trancada à chave.
EE)
A chaves da porta de acesso ao elevador estava guardada num armário.
FF)
O ascensor foi vendido e instalado pela empresa D..., L.da.
GG)
Dão-se por integralmente reproduzidos os documentos de fls. 278 emitido por D... e relativo a Declaração de Incorporação de Quase-Máquina (Diretiva 2006/42/CE, Anexo II 1 B) relativo ao sistema de gestão da mesa elevatória e do fabricante de fls. 278 v
HH)
Só o espaço interior de monta – cargas tinha iluminação.
II)
O autor despendeu a quantia de € 2350,00 em despesas de funeral da sinistrada.
JJ)
O FAT processou ao beneficiário da sinistrada até 18.11.2022 a quantia de € 2562,00 a título de pensão provisória.
*
Não se provaram mais nenhuns factos com relevo para a decisão da causa que estejam em contradição com os dados como provados, sendo designadamente factos não provados:
1. a concreta altura de 3 a 4 metros em que ocorreu a queda da sinistrada;
2. que o elevador tenha sofrido alterações para ser usado como monta-cargas;
3. que o elevador não tenha sido submetido a qualquer verificação de conformidade antes de ser colocado em funcionamento cerca de cinco anos antes do acidente;
4.- tal máquina não fosse dotada à data do acidente de uma declaração de conformidade CE;
5. no dia do sinistro a sinistrada tenha carregado no botão do elevador e este tenha subido ao rés-do-chão e colocado de seguida na plataforma os baldes de lixo que transportava;
6. a sinistrada tenha tido necessidade de realizar outras tarefas e tenha fechado a porta do elevador e ausentou-se do local;
7. minutos depois regressou a porta do rés-do-chão do ascensor a fim de o utilizar;
8. entre o momento em que a sinistrada esteve anteriormente junto do ascensor e aquele em que regressou uma outra pessoa acionou o elevador tendo a plataforma descido até à cave;
9. a sinistrada exercesse à data do acidente tarefas inerentes à categoria de empregada de limpeza;
10. as manutenções periódicas e verificação do funcionamento do monta-cargas fosse efetuado pelo técnico BB;
11. o acesso ao ascensor a partir do rés-do-chão tivesse uma luz avisadora;
12. o espaço de acesso ao monta-cargas através do corredor de cozinha estivesse iluminado;
13. apenas alguns funcionários estivessem autorizados a utilizar o ascensor;
14. a porta através da qual se acedia ao ascensor estivesse sempre trancada à chaves;
15. a abertura da porta de acesso ao ascensor estivesse dotada de dois mecanismos de segurança um primeiro manual que consistia no abertura com a chaves;
16. por causa da pandemia por Covid 19 o técnico ainda não tinha podido deslocar-se ao local para arranjo do equipamento;
17. fosse visível saber se plataforma se encontrava no patamar certo dada a dimensão do monta-cargas e a iluminação do espaço:
18. a sinistrada estivesse psicologicamente frágil vivendo dramas familiares estando triste no trabalho, distraída e desamparada;
19. nas semanas que antecederam o acidente os colegas de trabalho notassem que a sinistrada estivesse distraída, desconcentrada, alheada do que se passava à sua volta fazendo as tarefas em piloto automático e pouco reativa;
20. houvesse uma preocupação generalizada por parte dos colegas em relação à situação da sinistrada e à sua capacidade de trabalhar;
21. sinistrada se tivesse esquecido ou distraído no momento de aceder à plataforma não empregando a atenção necessária na verificação da posição do patamar do ascensor;
22. o autor tenha despendido o montante de € 12.00 em deslocações ao Tribunal.
***
III. Objeto do recurso

Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Inexistência de violação de normas de segurança por parte da Ré empregadora;
- Descaracterização do acidente como acidente de trabalho.
***
IV. Fundamentação

1. Impugnação da decisão da matéria de facto

A Recorrente impugna a decisão da matéria de facto relativa aos nºs 5, 6, 7, 8, 10, 12, 14, 15 e 17 dos factos não provados.
Diz a Recorrida Seguradora que a Recorrente não deu cumprimento ao requisito previsto no art. 640º, nº 1, al. c), do CPC e, bem assim, que, embora transcrevendo os depoimentos de algumas testemunhas, não faz contudo a mais pequena apreciação crítica dos depoimentos de forma a evidenciar que se impõe uma decisão diversa.

1.1. Pretendendo-se a reapreciação da decisão da matéria de facto, tem o Recorrente que dar cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 640º do CPC/2013, em cujos nºs 1 e 2 se dispõe que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recruso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”
Sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda. E tal indicação deve ter lugar nas conclusões do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão discorda. Diga-se que tal indicação deve ser feita por referência aos concretos factos que constam da decisão da matéria de facto e/ou dos articulados e não por referência a meros “temas” das questões de facto sobre as quais o Recorrente discorde.
[Cfr. Acórdão do STJ de 07.07.2016, Processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt, nos termos de cujo sumário consta que “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados (…)”].
E, nos termos do citado art. 640º, nº 1, al. c), o Recorrente deverá também indicar o sentido das respostas que pretende, requisito este ao qual se reporta o recente Acórdão do STJ, de uniformização de jurisprudência, nº 12/2023, publicado no DR, 1ª série, de 14.11.2023 de harmonia com o qual “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Por outro lado, na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art. 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada [ou a um conjunto de factos que estejam interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos] de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o Recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada.
[Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 299/13.2TTVRL.G1.S2, e de 19.12.2018, Proc. 271/14.5TTMTS.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt, constando do sumário deste último o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”
Assim também os Acórdãos do STJ de 21.09.2022, Proc. 1996/18.1T8LRA.C1.S1, constando do respetivo sumário:I- A impugnação da matéria de facto “em bloco” viola o disposto no artigo 640.º do CPC, mormente quando não está em causa um pequeno número de factos ligados entre si e um número reduzido de meios de prova (por exemplo, o mesmo depoimento), mas um amplíssimo conjunto de factos (ou, melhor, dois amplos blocos de factos) e numerosos meios de prova” e de 12.10.2022. Proc. 14565/18.7T8PRT.P1.S1, constando do respetivo sumário: “I – Para poder validamente impugnar a matéria de facto, o Recorrente tem de cumprir os ónus imposto pelo art.º 640º do CPC. II – Em princípio, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto. III - E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto.”, ambos in www.dgsi.pt].
Quanto à fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, entendemos que poderá ela ter lugar em sede de alegações.
[Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 2994/13.2TTVRL.G1.S2, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”]
E se impugnada a factualidade com base em depoimentos gravados deverá também o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, sendo que, podendo embora proceder à transcrição dos depoimentos ou de excertos dos mesmos, tal não o dispensa contudo daquela indicação como expressamente decorre da letra da norma.
Por fim, o citado art. 640º é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja a imediata rejeição da impugnação, sem possibilidade de aperfeiçoamento.
Como referiu António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129, – em comentário ao artigo 640º do CPC/2013, com o que se concorda: “(…). a) …, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e acrescentando ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.

1.2. No caso, a Recorrente dá cumprimento aos requisitos formais previstos no citado art. 640º, nº 1, als. a) e b), 2, al. a), pois que indica os factos de cuja decisão discorda [o que faz também nas conclusões], bem como os meios de prova em que sustenta a discordância, com a indicação dos excertos dos depoimentos das testemunhas que tem por pertinentes, transcrevendo-os com a indicação dos minutos da gravação correspondentes.
E deu também suficiente cumprimento ao requisito previsto o art. 640º, nº 1, al. c).
Com efeito:
Depois de, na conclusão 4ª, ter indicado os factos não provados de cuja decisão discorda, referiu na conclusão 5ª que: “5.ª Todos estes factos foram cabalmente provados e resultaram claros na audiência de discussão e julgamento, conforme depoimentos já transcritos, pelo que não pode, pois, subsistir a decisão recorrida”. Ou seja, ao referir que os factos alegados, e de cuja decisão discorda, “foram cabalmente provados e resultaram claros” entende-se perfeitamente que pretende que os mesmos sejam dados como provados, mostrando-se, pois, suficientemente cumprida a mencionada alínea.
Mas, diz ainda a Recorrida Seguradora que a impugnação da decisão da matéria de facto deve ser rejeitada uma vez que a Recorrente, embora transcrevendo os depoimentos de algumas testemunhas, não faz contudo a mais pequena apreciação crítica quanto aos mesmos de forma a evidenciar que se impõe uma decisão diversa.
E é certo que, no caso, a Recorrente não faz, nas alegações (e conclusões) qualquer apreciação crítica dos depoimentos.
A impugnação da decisão da matéria de facto, como impugnação que é de uma decisão, deverá ser fundamentada por forma à demonstração do erro da decisão, referindo Acórdão do STJ de 06.07.2022, Proc. 3683/20.1T8VNG.P1.S1, in www.dgsi.pt, também em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, “II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”)”.
Porém, e salvo melhor opinião, tal exigência coloca-se, essencialmente, ao nível da apreciação de mérito da impugnação, não tanto ao nível da apreciação dos requisitos, de natureza formal, de cuja preterição resulta, nos termos do art. 640º, nº 1, a imediata rejeição da impugnação. Ou seja, dito de outro modo, tal fundamentação melhor justificará ou evidenciará o (eventual) erro da decisão quer por, embora com apelo à prova que invoca, não o demonstrar devida ou suficientemente, quer por não afastar (ou por não indicar fundamentos para isso) eventuais outros meios de prova que tenham sido produzidos, mormente em sentido contrário, e atendidos pela 1ª instância.
Ou seja, a falta da apreciação crítica dos depoimentos invocados não determina, só por si, e salvo melhor opinião, a imediata rejeição da impugnação aduzida.

1.3. É de referir que a par da leitura de todas as transcrições dos depoimentos invocados pela Recorrida e pela Recorrida Seguradora, se procedeu igualmente à audição dos mencionados depoimentos (DD, FF, CC, BB, EE e BB), assim como se visualizaram as fotografias juntas aos autos (com a contestação da Ré Seguradora).

1.4. Quanto ao nº 10 dos factos não provados, que a Recorrente pretende que seja dado como provado, dele consta que: “10. as manutenções periódicas e verificação do funcionamento do monta-cargas fosse efetuado pelo técnico BB;”
Sustenta a alteração no depoimento da testemunha BB.
A impugnação da decisão da matéria de facto, e a necessidade da sua apreciação, devem ter um propósito e interesse na apreciação, de acordo com alguma solução plausível de direito, da sorte da ação, devendo ser suscetível de, por alguma forma, influir na decisão jurídica do caso. Se assim não for, isto é se, de acordo com todas as perspetivas possíveis, incluindo a da defesa, o facto se mostrar de todo irrelevante, a reapreciação consubstancia uma atividade totalmente inútil e, como tal, proibida pelo art. 130º do CPC.
No caso, é totalmente irrelevante se as manutenções periódicas e verificação do funcionamento do monta –cargas era efetuado e se era efetuado pelo técnico BB, tendo em conta que, conforme al. BB) dos factos provados, e que não foi impugnada, o que releva é que “À data do acidente o mecanismo de encravamento que funciona interligado com o próprio ascensor estava avariado desde há cerca de dois meses”. O facto que a Recorrente pretende que seja dado como não provado não altera, nem é suscetível de alterar, por qualquer forma, a decisão a tomar quanto à questões em apreço nos autos.
Assim, não se conhece da impugnação quanto a este ponto.

1.5. Quanto aos nºs 12 e 17 dos factos não provados, que a Recorrente pretende que sejam dados como provados, deles consta que: “12. o espaço de acesso ao monta-cargas através do corredor de cozinha estivesse iluminado;” e “17. fosse visível saber se a plataforma se encontrava no patamar certo dada a dimensão do monta-cargas e a iluminação do espaço”, o que sustenta no depoimento de EE e BB, cujos excertos transcreve, nada mais dizendo.
Contrapondo, alega a Recorrida Seguradora que as passagens transcritas pela Recorrente são insuficientes para sustentar a alteração, quer porque nenhuma das testemunhas atestou que, na data do sinistro, “O espaço de acesso ao monta-cargas através do corredor de cozinha estivesse iluminado”, nenhuma tendo afirmado que a iluminação que existiria na zona de acesso ao monta-cargas estivesse acionada, quer porque nenhuma das testemunhas afirmou que, seja através da luz existente na zona de acesso ao monta-cargas, seja por qualquer outro meio, “Fosse visível saber se plataforma se encontrava no patamar certo dada a dimensão do monta-cargas e a iluminação do espaço”. Mais invoca, e transcreve, o depoimento da testemunha DD, que era funcionária da Ré B... à data dos factos, de acordo com a qual, conforme excertos do depoimento que transcreve, a iluminação no interior do fosso do monta-cargas só era acionada depois de se entrar nessa plataforma, bem como, no mesmo sentido, a testemunha CC, trabalhador da Recorrente, e que referiu também que a única iluminação era a que vinha das frinchas da porta, e EE que reconheceu que no interior do vão do elevador e antes do acionamento da lâmpada que acendia depois de se entrar nesse espaço, era escuro.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto foi referido o seguinte:
“- a testemunha DD que trabalhou durante cinco anos no restaurante onde ocorreu o sinistro e descreveu o edifício Esclareceu, ainda, esta testemunha da utilização que era dada ao monta-cargas (a plataforma era usada pelo pessoal da cozinha e para transporte do lixo e pessoal da churrasqueira) como era efetuado o acesso ao mesmo (porta de alumínio que abria para dentro da cozinha e com uma fechadura norma de chaves) e da ausência de luz no corredor só dentro da plataforma e que durante o dia a iluminação provinha das frinchas da garagem e que à noite fim de tarde era possível não se aperceber se plataforma estava ou não no piso. (…).
- a testemunha EE, funcionário da ré, (…). A plataforma/elevador só tem iluminação quando se entra dentro da mesma. (…)”.

Conforme audição dos depoimentos e da própria transcrição feita pela Recorrente relativa aos depoimentos de EE e de BB, a iluminação da plataforma/interior do elevador era feita através de um sensor, que apenas era acionado quando a pessoa já está dentro do elevador/plataforma e, assim também, as testemunhas invocadas pela Recorrida. Por outro lado, a existência de luz vinda da cozinha e das frechas do portão da garagem se estiver aberto, não permite concluir que fosse visível que a plataforma do elevador não se encontrava ao nível do piso, referindo EE que o espaço era escuro lá dentro à noite, embora durante o dia com a entrada da luz pelas frinchas estivesse claro e CC que a luz da rua iluminava pelas frinchas mas que não dá muita luz e que a plataforma do elevador é cinza metalizado.
Vendo as fotografias, verifica-se que a plataforma do elevador é cinzenta, mais decorrendo da matéria de facto provada, e que não foi impugnada, que a porta do elevador se situava no final de um corredor sem iluminação natural, que o elevador não dispõe de habitáculo ou cabine nem paredes laterais nem teto, o que se também se verifica das fotografias. Ainda que a luz vinda das frinchas pudesse conferir alguma iluminação, de modo algum resulta que fosse visível ou suficientemente visível que a plataforma estivesse, ou não, ao nível do piso, tanto mais que ela era cinzenta, a luz dentro do elevador era apenas acionada pelo sensor com a pessoa já lá dentro, e não tinha o elevador habitáculo, nem paredes laterais nem teto que pudesse chamar a atenção da sua presença (ou não). Abrindo-se a porta apenas havia a plataforma do elevador se ele lá estivesse, não existindo nenhuma luz no seu interior (a menos que se entrasse em que o sensor da luz era acionado) ou algo que fosse suficientemente percetível da presença, ou não, da plataforma, a qual era também de cor escura.
A prova invocada não permite, muito menos com a necessária segurança, a prova da matéria pretendida pela Recorrente.
Não se vê, pois, razão alguma para alterar a decisão da matéria de facto, que corresponde igualmente à nossa convicção, de não provado, quanto a tais respostas.

1.6. Quanto aos nºs 5, 6, 7, e 8 dos factos não provados, que a Recorrente pretende que sejam dados como provados, deles consta que: “5. no dia do sinistro a sinistrada tenha carregado no botão do elevador e este tenha subido ao rés-do-chão e colocado de seguida na plataforma os baldes de lixo que transportava; 6. a sinistrada tenha tido necessidade de realizar outras tarefas e tenha fechado a porta do elevador e ausentou-se do local; 7. minutos depois regressou a porta do rés-do-chão do ascensor a fim de o utilizar; 8. entre o momento em que a sinistrada esteve anteriormente junto do ascensor e aquele em que regressou uma outra pessoa acionou o elevador tendo a plataforma descido até à cave;”
A Recorrente sustenta a alteração no depoimento de EE, que transcreve e de acordo com o qual a testemunha foi à cozinha, o elevador estava no piso de baixo, fechou a porta do elevador à chave e tirou a chave, foi ao balcão e, depois, quando regressou à cozinha, viu que o balde estava fora e a porta aberta, fechou novamente, achou estranho, desceu as escadas e deparou-se com a sinistrada caída.
Como decorre da própria transcrição efetuada pela Recorrente, e do depoimento da testemunha, esta não presenciou o acidente, nem viu o que a sinistrada fez ou não fez, antes do acidente, pelo que não é possível sustentar, minimamente que seja, a factualidade que aquela pretende que seja dada como provada, pelo que improcede a impugnação nesta parte.

1.7. Quanto aos nºs 14 e 15 dos factos não provados, que pretende que sejam dados como provados, invoca a Recorrente os depoimentos de CC e de BB, cujos excertos transcreve.
De tais pontos consta o seguinte:
“14. a porta através da qual se acedia ao ascensor estivesse sempre trancada à chaves;
15. a abertura da porta de acesso ao ascensor estivesse dotada de dois mecanismos de segurança um primeiro manual que consistia no abertura com a chaves;”
Contrapondo, diz a Recorrida que dos excertos invocados pela Recorrente não resulta que a porta estivesse sempre trancada à chave, mais invocando o depoimento da testemunha DD e FF, cujos excertos transcreve.
Quanto ao nº 15, decorre já da al. T) dos factos provados que a porta em questão era dotada de uma fechadura com chave de operação manual e decorre também das als. AA), BB), DD) e EE EE), também não impugnados, que o mecanismo de encravamento que funcionava interligado com o ascensor estava avariado desde há cerca de dois meses e que, como o mecanismo de segurança não estava a funcionar corretamente, a porta do ascensor era fechada à chave.
Ora, decorre de tal factualidade, que não foi impugnada, que não haviam dois mecanismos de segurança simultâneos, mas sim um, primeiro, que avariou, e que, por isso, a prática que estava a ser utilizada era trancar a porta do elevador à chave e guardar a chave num armário. Não há pois qualquer razão para levar o nº 15 aos factos provados, nem aliás dele consta, para além da abertura com a chave, qual o segundo mecanismo de segurança.
Quanto ao nº 14, já decorre dos factos provados que a prática era que a de a porta do elevador ser fechada à chave e que esta fosse guardada num armário (als DD e EE), sendo a questão ora em apreço a de saber se essa porta estava sempre trancada à chave.
Conforme transcrição dos depoimentos feitos pela Recorrente, e da audição dos depoimentos, a testemunha CC confirmou a prática já referida nas als. DD) e EE) dos factos provados, mas da mesma não se retira que a porta estivesse (ou não) sempre fechada e, quanto à testemunha BB (serralheiro mecânico, cliente da Ré patronal, que prestava assistência ao elevador e que, perante a avaria, aconselhou o sistema da chave), da transcrição não resulta que a porta do ascensor estivesse sempre trancada, tanto mais que nem a testemunha lá se encontrava diariamente.
Em contrapartida e conforme transcrição dos depoimentos feitos pela Recorrida Seguradora, de acordo com a testemunha DD a maioria das vezes as pessoas não cumpriam com o procedimento de trancar a porta do elevador à chave e de guardar a chave no armário, que chegou a ver que situações em que a porta não estava trancada e, a testemunha, FF, que quando o elevador estivesse no piso a porta estava destrancada e que quando ia para baixo a porta era trancada.
Não há pois qualquer razão para dar como provado que a porta estivesse sempre trancada.
Improcede assim a impugnação também nesta parte.

2. Se o acidente de trabalho não se ficou a dever a violação de regras de segurança por parte da Recorrente/Empregadora

Na sentença recorrida considerou-se que se verificou, por parte da Ré/Recorrente, violação de normas de segurança e que o acidente decorreu de tal violação, do que aquela discorda, alegando, em síntese e pelas demais razões que invoca, que: 6.ª “(…) ou existiu culpa da sinistrada quer não atuou com o cuidado e diligência devidos. Com efeito, provou-se a existência de regras ou condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora na altura da avaria do equipamento. E a prática, por parte da sinistrada, de uma conduta – ato ou omissão – violadora dessas regras ou condições de segurança que eram de si conhecidas. Ficou provado a voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa, por parte da sinistrada. E a existência de um nexo causal entre o ato ou omissão da sinistrada e o acidente ocorrido” e, assim, verifica-se a causa de exclusão da reparação prevista na al. a) do n.º 1 do artº 14º da Lei nº 98/2009; “é falso que tal porta não tivesse um mecanismo de encravamento que funcionasse de forma interligada com o próprio ascensor. Este mecanismo existia, encontrava-se era avariado e inoperacional” há cerca de dois meses, “o que era consabido por todos quantos utilizavam o ascensor na altura em que se deu o acidente, inclusive a sinistrada”; as manutenções periódicas e a verificação do normal funcionamento do monta-cargas sempre existiram e eram efetuadas por um técnico; “22.ª Devido à pandemia por Covid 19, apesar do técnico ter feito a avaliação inicial da avaria, a peça necessária à reparação estava com um atraso previsto de 6 meses. 23.ª Tal avaria apenas exigia atenção por parte dos trabalhadores da interveniente e os que utilizavam o ascensor sabiam que o mecanismo se encontrava avariado e que, por isso, teriam de utilizar o mecanismo manual de segurança. 24.ª Nomeadamente, deviam de verificar se a plataforma se encontrava no patamar correto antes de avançar para além da porta, para não caírem desamparados, como de forma inexplicável, aconteceu com a sinistrada. 25.ª Não obstante o monta-cargas se encontrasse avariado aquando do acidente, nunca a Interveniente/Recorrente se subtraiu ao seu dever de informar os trabalhadores do sucedido, providenciando-lhes novas regras de segurança a serem por estes cumpridas até que fosse possível o conserto de tal avaria; a sinistrada é que “ desrespeitou deliberadamente as mais elementares regras de segurança e procedimentos definidos pelo empregador, naquele período em que o equipamento estava avariado” que eram conhecidos de todos os trabalhadores e da sinistrada; a Recorrente respeitou todas as regras de segurança pelo que, e se o entendimento for o de que o acidente não deva ser descaracterizado, então a responsabilidade do mesmo deve ser imputada à Seguradora.
Contrapondo, alega a Recorrida Seguradora, em síntese e pelo demais que invoca, que: “XXXII- Ora, ao contrário do que quer fazer crer a recorrente, a adoção de medidas improvisadas, ineficientes e falíveis para tentar “remediar” a aludida avaria não lhe retira qualquer responsabilidade, antes a agrava. XXXIII- E é um dado adquirido no processo que a recorrente violou várias normas de segurança que lhe eram impostas, precisamente para proteção dos seus trabalhadores, nomeadamente as previstas nos artigos 4.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 103/2008, de 24 de Junho e no ponto 4.1.2.8.5 do anexo 1 desse diploma, n.º 3 do artigo 3º eartigo 29.º do Decreto-Lei n.o 50/2005, de 25 de Fevereiro, artigos 5.º e 6.º e anexo I, pontos 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 58/2017, de 9 de junho. XXXIV- No essencial, tais normas impõem à entidade empregadora que faça uso de um monta-cargas a adoção de medidas que assegurem que as respetivas portas de acesso apenas possam ser abertas se a plataforma do dito ascensor se encontra no piso onde existe o dito acesso. XXXV- Porém, fruto de avaria ocorrida antes do acidente e plenamente conhecida pela recorrente, na data desse sinistro o elevador em causa não era dotado de sistemas de segurança impostos por Lei, nomeadamente um dispositivo que impedisse a abertura de acesso ao monta-cargas sem que a respetiva plataforma se encontrasse no piso onde essa porta existia. XXXVI- E, consequentemente, o que resulta da factualidade provada é que a recorrente não cuidou de garantir, com referência à data do acidente, que o elevador dispusesse desse equipamento e cumprisse esse requisito de segurança. XXXVII- Ou seja, ao invés de dotar o equipamento em causa dos ditos dispositivos de segurança, ou proibir a sua utilização enquanto deles não dispusesse, a B..., através dos seus representantes, permitiu que os seus trabalhadores, entre eles a GG, fizessem uso do dito ascensor em condições que permitiam a abertura da porta do elevador e acesso ao fosso onde estava instalado, mesmo nas ocasiões em que a plataforma se encontrasse no piso da cave. XXXVIII- O acidente que vitimou a GG e a morte desta foram consequência direta, necessária e exclusiva do facto de respetiva entidade patronal, a B..., lda, não ter dotado o elevador em causa dos mecanismos de segurança exigidos por lei, mais precisamente um dispositivo que impedisse a abertura da porta de acesso ao mesmo situada no rés-do-chão, sem que a plataforma do ascensor se encontrasse nesse piso. XXXIX- Ao contrário do que parece defender a recorrente, é ao empregador que compete providenciar pela disponibilização ao trabalhador de condições de segurança no trabalho, dotando o local de trabalho de dispositivos e equipamentos que cumpram os requisitos legais e promovam a eliminação, ou redução dos riscos que a atividade laboral suscita”.
Também o A/Recorrido pugna pela improcedência do recurso.

2.1. Na sentença recorrida considerou-se ter o acidente que vitimou a sinistrada ficado a dever-se a violação de normas de segurança por parte da Ré empregadora e, bem assim, não se encontrar o mesmo descaracterizado, tendo-se referido, para além do mais, seguinte:
“(…)
Assim, para que o acidente de trabalho seja, no caso previsto no citado art.º 14.º, n.º 1, al. a), descaracterizado, é necessária, conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de setembro de 2007, in www.dgsi.pt, a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
(a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei;
(b) violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte da vítima;
(c) que a atuação desta seja voluntária, ainda que não intencional, e sem causa justificativa;
(d) que exista um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.
Conforme refere o Acórdão da Relação do Porto, de 7 de julho de 2016, in www.dgsi.pt, “(…) no que se reporta ao primeiro dos mencionados requisitos está o mesmo relacionado com o disposto no art.º 17.º, nº 1 al. a) da Lei 102/2009, de 10.09, em vigor desde 1 de Outubro de 2009, nos termos do qual constituem obrigações do trabalhador “cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador;”.
E, no que se refere às instruções de segurança estabelecidas pelo empregador, não basta, porém, a sua existência, sendo necessário também que elas sejam transmitidas ao trabalhador. E, diga-se, não satisfaz também tal requisito o eventual conhecimento pelo sinistrado de noções ou regras de segurança decorrentes seja da sua experiencia profissional, seja do senso comum e/ou da prudência [caso este em que a descaracterização do acidente deverá ser equacionada porém no âmbito da situação prevista na al. b) do nº 1 do art. 14º, mas não já no âmbito da sua al.a)]. É necessário que, efectivamente, o empregador adopte medidas/instruções expressas e concretas de segurança e que as transmita ao trabalhador.
Por seu turno estabelece o n.º 1 do art.º 282.º, do Código do Trabalho (CT), que “o empregador deve informar os seus trabalhadores sobre aspetos relevantes para a proteção da sua segurança e saúde e a de terceiros” estabelecendo o nº 3 do citado artigo que “o empregador deve assegurar formação adequada, que habilite os trabalhadores a prevenir os riscos associados à respetiva atividade (…)”.
Iguais obrigações decorrem do art.º 127.º do CT ao estabelecer na alínea f) do nº 1, que constitui obrigação do empregador fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidentes de trabalho.
Identicamente estabelece o n.º 1 do art.º 20º da Lei nº 102/2009, que o trabalhador deve receber uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho em que se insere e o exercício de atividades de risco elevado que lhe estejam associadas.”
(…)
Vejamos, pois, perante os factos apurados se ficou demonstrada a descaracterização do acidente dos autos, incumbindo tal demonstração à ré B..., L.da
No caso dos autos, resulta da factualidade provada que a vitima se encontrava a trabalhar no rés-do-chão do restaurante e encaminhou-se para o elevador que consistia numa plataforma de elevação de automóveis e que ao abrir a porta desse elevador a plataforma do mesmo não se encontrava como devia ao nível do piso e caiu então desamparada no poço do elevador.
Apurou-se, ainda que a plataforma se encontrava avariada, designadamente o mecanismo de encravamento de segurança da plataforma que impedia a sua abertura quando esta não estava no rés-do-chão, procedendo-se ao fecho da porta que dava acesso à plataforma com chaves. Esta porta, no entanto, não funcionava de fora, interligada com o elevador já que não dispunha de mecanismos de encravamento que impedissem a sua abertura quando- repete-se – plataforma não estava no rés-do-chão.
O equipamento em causa será uma quase máquina utilizada como ascensor mas quer se considere que estamos perante uma quase máquina ( a que se aplicam as regras contidas no Dec-Lei 103/2008, de 24 de junho, art. 2 n.º 1, al g) ) quer perante um ascensor ( a que se aplicam as regras do Dec.Lei 58/2017, de 9 de junho, cfr. art. 2º, n.º 1 al. c) cremos poder afirmar – sem margem para dúvidas – que a entidade empregadora não implementou normas de segurança ou medidas de segurança que garantissem o seu funcionamento em segurança.
Senão vejamos.
De acordo com o art. 4º n.º 2 do Dec.Lei 103/2008 “as quase-máquinas só podem ser colocadas no mercado se cumprirem as disposições pertinentes do presente decreto-lei e se destinarem, segundo declaração de incorporação do fabricante ou do seu mandatário, prevista na parte B do n.º 1 do anexo ii do presente decreto-lei, que dele faz parte integrante, a ser incorporadas numa máquina ou montadas com outras quase-máquinas com vista a constituir uma máquina.”
De acordo com o art. 5º referente à responsabilidade do fabricante este ou seu mandatário” a) Certificar-se de que a máquina cumpre os requisitos essenciais pertinentes em matéria de saúde e de segurança enunciados no anexo i; b) Certificar-se de que o processo técnico descrito na parte A do anexo vii do presente decreto-lei, que dele faz parte integrante, está disponível; c) Fornecer, nomeadamente, as informações necessárias, tais como o manual de instruções; d) Efectuar os procedimentos de avaliação da conformidade adequados nos termos do artigo 7.º; e) Elaborar a declaração CE de conformidade nos termos da parte A do n.º 1 do anexo ii e certificar-se de que a mesma acompanha a máquina; f) Apor a marcação «CE» nos termos do artigo 10.º”
Estatuindo-se no Anexo I ponto 4.1.2.8.5 que “devem ser prevenidos quaisquer riscos devidos ao contacto das pessoas situadas nos pisos com o habitáculo em movimento ou com outros elementos móveis.
Sempre que exista um risco de queda de pessoas no volume percorrido quando o habitáculo não esteja presente nos pisos, devem ser instalados protectores para prevenir esse risco. Tais protectores não devem abrir para o lado do volume percorrido. Devem estar equipados com um dispositivo de encravamento controlado pela posição do habitáculo que impeça:
- Movimentos perigosos do habitáculo enquanto os protectores não tiverem sido fechados e bloqueados;
- Qualquer abertura perigosa do protector enquanto o habitáculo não tiver parado no piso correspondente.”
Por seu turno no art. 6 do Dec.Lei prevê-se que “1 - Os ascensores devem satisfazer os requisitos essenciais de segurança e de saúde referidos no anexo I ao presente decreto-lei. 2 - Os componentes de segurança para ascensores devem satisfazer os requisitos essenciais de segurança e de saúde referidos no anexo I ao presente decreto-lei e permitir que os ascensores em que sejam incorporados satisfaçam esses requisitos.”
Estatuindo-se no Anexo 1 ponto 2.3 que “os níveis de entrada e de saída da cabina devem ser equipados com portas de patamar que apresentem uma resistência mecânica suficiente em função das condições de utilização previstas. O dispositivo de encravamento deve, em funcionamento normal, impossibilitar: a) O movimento da cabina, comandado ou não, se não estiverem fechadas e encravadas todas as portas de patamar; b) A abertura de uma porta de patamar, se a cabina estiver ainda em movimento e fora da zona de desencravamento do patamar de destino.
De acordo com a factualidade apurada a máquina em causa possuía o certificado CE – cfr. fls. 278 e 278 v. apenas se tendo apurado que não tinha livro de instruções mas sem que deste último facto se possa tirar qualquer consequência na produção do acidente.
As regras de segurança acima mencionadas são as que deviam ser observadas pela entidade empregadora e não o foram.
A questão que se coloca será então a de saber se o procedimento adotado pela entidade empregadora para manter a plataforma/elevador a funcionar estando o mecanismo de segurança previsto na conceção e utilização avariado - de fechar com chaves a porta de acesso e guardar a chave num determinado local- se revela uma medida de segurança que garantisse o uso seguro daquela pelos trabalhadores, designadamente pela sinistrada.
A resposta é negativa porquanto esse mecanismo alternativo – que não era um mecanismo adequado a funcionar interligado com a plataforma/elevador – não garantiria como não garantiu a existência de um mecanismo de encravamento que impedisse a abertura da porta quando a plataforma/elevador não se encontrasse no rés-do-chão.
Conclui-se, assim, que nenhuma das normas de segurança estava a ser cumprida e que a medida adotada pela entidade empregadora não cumpria aquelas normas de segurança nem sequer se mostrava adequada a substituir as regras de segurança.
Todas as violações são imputadas à entidade empregadora quer pelo não cumprimento das normas de segurança previstas quer pela ausência de qualquer sistema de controle efetivo que evitasse a abertura da porta da plataforma/elevador quando esta não se encontrasse no rés-do-chão.
Reportando-nos ao nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e a produção do acidente em apreço assinala-se que este resulta de um encadeamento de factos que conduzem ao dano ponderando-se, no caso concreto, que a observância das regras de segurança seria apta a evitar a produção do acidente.
Por outro lado, não se provou que houvesse negligência grosseira da vitima ou que a mesma tenha sido causa exclusiva da produção do acidente não havendo, assim, lugar à descaracterização do acidente de trabalho.
Conclui-se, assim, pela verificação dos requisitos de atuação culposa do empregador previstos no art. 18 n.º 1 da Lei 98/2009, de 4 de setembro, o que justifica a sua condenação pelos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes do óbito da sinistrada, sendo a condenação da ré seguradora limitada às prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do disposto nos n.º 3 e 4 do art. 79º do mesmo diploma.
(…)”.

2.2. Dispõe o art.º 18º, nº 1, da citada Lei 98/2009 “1. Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho ...”, situação esta em que é devida a reparação agravada prevista no nº 4 do preceito e dispondo o art. 79º, nº 3, do mesmo diploma que “3. Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.
Nos termos do citado art. 18º da NLAT (tal como no art. 18º da antecedente Lei 100/97), para que o acidente recaía sob a sua alçada é necessário que:
a) sobre a entidade empregadora recaia o dever de observar determinada(s) norma (s) ou regra(s) de segurança, que a(s) não haja observado e que essa inobservância lhe seja imputável;
b) entre essa conduta omissiva e o acidente ocorra um nexo de causalidade adequada, nos termos do qual é necessário, não apenas, que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição (s.q.n.) do acidente, mas também que, em abstrato, ou em geral, o facto seja causa adequada do dano.
Quanto ao nexo de causalidade, há que referir que ele comporta duas vertentes: a naturalística, que consiste em saber se esse facto concreto (violador da norma de segurança), em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano, havendo, pois, que se provar que o facto integrou o processo causal que conduziu ao dano; e a vertente jurídica, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstrato, como causa idónea do dano ocorrido. E, como era jurisprudência pacífica no âmbito e para efeitos do art. 18º da Lei 100/97, e que mantém atualidade no âmbito e para efeitos do art. 18º da NLAT, haverá que se atender, para os efeitos agora em apreço – determinação da responsabilidade do empregador - à teoria do nexo de causalidade adequada na sua formulação negativa.
Seguindo de perto o Acórdão do STJ de 23.09.2009 (processo nº 107/05.8TTLRA.C1), e no qual se apela aos ensinamentos dos Professores Antunes Varela e Pessoa Jorge, de acordo com a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa o estabelecimento do nexo de causalidade juridicamente relevante para efeito de imputação da responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito, praticado pelo agente, tenha atuado como condição da verificação de certo dano, apenas se exigindo que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do dano, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum. O dano haverá que se apresentar como consequência normal, típica ou provável do facto, mas havendo, para o efeito, que se ter em conta, não o facto e o dano isoladamente considerados, mas sim o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, sendo este, processual factual, que caberá na aptidão geral e abstrata do facto para produzir o dano. Mais se considera, em tal aresto, que não é indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas, nele se referindo que concluindo-se pela verificação dos pressupostos da responsabilidade da entidade empregadora, consignados no segundo segmento do proémio do nº 1 do art. 18º da LAT [reportando-se à Lei 100/97], excluída fica a possibilidade de descaracterização do acidente contemplada nas als. a) e b) do art. 7º do mesmo diploma[sublinhados nossos]
De referir, ainda, que mantém atualidade a orientação jurisprudencial anterior que, de forma pacífica, entendia que ao sinistrado/beneficiário e/ou à Seguradora incumbe o ónus de alegação e prova do factos integradores da violação das regras de segurança determinantes da responsabilidade, nos termos do citado art. 18º, nº 1, do empregador, incluindo, pois, os relativos ao nexo de causalidade – art. 342º, nº 2, do Cód. Civil.[1].
Concretamente quanto à obrigação de o empregador assegurar ao trabalhador o exercício, por este, da sua atividade em condições de segurança, é obrigação do empregador, para além de fornecer àquele a informação e formação adequadas à prevenção de risos de acidente de trabalho [ar. 127º, nº 1, al. f), e 282º, nºs 1 e 3, do CT)], as de adotar, no que se refere à segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorrem da lei [al. h) do nº 1 do citado art. 127º], assegurando, aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção [art. 281º, nº 2] devendo mobilizar os meios necessários, nomeadamente no domínio da prevenção técnica [art. 281º, nº 3], mais devendo, nos termos do art. 15º, nºs 1 e 2, da Lei 102/2009, e sem prejuízo do demais que decorre desse art. 15º, zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta, designadamente e para além de outros, os seguintes princípios gerais de prevenção: a) Evitar riscos; b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, (…); c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos; d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção; e) Combater aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção; (…); i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso; (…); l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.
De referir que constituem também deveres do trabalhador cumprir as ordens e instruções do empregador em matéria de segurança e saúde no trabalho e que decorram de prescrições da lei em tal matéria [art. 128º, nº 1, als. e) e f) e 281º, nº 7, do CT e 17º da Lei 102/2009], sendo, contudo, de realçar que, conforme aliás dispõe o nº 2 do art. 15º da mesma, que as obrigações do trabalhador no domínio da segurança e saúde nos locais de trabalho não excluem as obrigações do empregador, tal como se encontram definidas no artigo 15º.
Tecidas tais considerações, quanto às normas de segurança que, no caso concreto, estavam legalmente previstas e foram violadas pela Ré empregadora concordamos com o referido na sentença recorrida e, bem assim, com o demais alegado pela Recorrida Seguradora, para onde se remete, no que se reporta aos DL 103/2008, de 26.06 [arts. 2º, nº 1, al. g), 4º nºs 1 e 2, ponto 4.1.2.8.5 do Anexo I ao mesmo] e DL 58/2017, de 09.06 [arts. 2, nº 1, al. c), e 6º e Anexo I pontos 2 e 3].
Do ponto 4.1.2.8.5. do Anexo I do DL 103/2008 consta que:
4.1.2.8.5 - Pisos. - Devem ser prevenidos quaisquer riscos devidos ao contacto das pessoas situadas nos pisos com o habitáculo em movimento ou com outros elementos móveis.
Sempre que exista um risco de queda de pessoas no volume percorrido quando o habitáculo não esteja presente nos pisos, devem ser instalados protectores para prevenir esse risco. Tais protectores não devem abrir para o lado do volume percorrido. Devem estar equipados com um dispositivo de encravamento controlado pela posição do habitáculo que impeça:
- Movimentos perigosos do habitáculo enquanto os protectores não tiverem sido fechados e bloqueados;
- Qualquer abertura perigosa do protector enquanto o habitáculo não tiver parado no piso correspondente.”
Do DL 58/2017 consta que:
- Do Artigo 2.º, Âmbito de aplicação: “1 - O presente decreto-lei aplica-se aos ascensores instalados de forma permanente em edifícios e construções e destinados ao transporte: a) De pessoas; b) De pessoas e mercadorias; c) Unicamente de mercadorias, desde que o habitáculo seja acessível, sem dificuldades, a pessoas e esteja equipado com comandos situados no seu interior ou ao alcance de qualquer pessoa que nele se encontre.”
- Do Artigo 6º, Requisitos essenciais de saúde e de segurança: “1 - Os ascensores devem satisfazer os requisitos essenciais de segurança e de saúde referidos no anexo I ao presente decreto-lei. 2 - Os componentes de segurança para ascensores devem satisfazer os requisitos essenciais de segurança e de saúde referidos no anexo I ao presente decreto-lei e permitir que os ascensores em que sejam incorporados satisfaçam esses requisitos.”
- E do Anexo I, ponto 2, consta que:
2 - Riscos para as pessoas no exterior da cabina
2.1 - Os ascensores devem ser concebidos e fabricados de forma que seja impedido o acesso ao espaço percorrido pela cabina, exceto para a manutenção e em casos de emergência. Antes de ser possível entrar no espaço (caixa) do ascensor, deve ser impossibilitada a utilização normal do mesmo.
2.3 - Os níveis de entrada e de saída da cabina devem ser equipados com portas de patamar que apresentem uma resistência mecânica suficiente em função das condições de utilização previstas.
O dispositivo de encravamento deve, em funcionamento normal, impossibilitar:
a) O movimento da cabina, comandado ou não, se não estiverem fechadas e encravadas todas as portas de patamar;
b) A abertura de uma porta de patamar, se a cabina estiver ainda em movimento e fora da zona de desencravamento do patamar de destino.
(…)
3 - Riscos para as pessoas no interior da cabina:
3.1 - As cabinas dos ascensores devem ser completamente fechadas por paredes cheias, incluindo pavimentos e tetos, com exceção dos orifícios de ventilação, e ser equipadas com portas cheias.
As portas das cabinas devem ser concebidas e instaladas de forma a que a cabina não possa mover-se, a não ser para os movimentos referidos no terceiro parágrafo do n.º 2.3, se as portas não estiverem fechadas e se imobilize em caso de abertura das portas.
As portas das cabinas devem permanecer fechadas e encravadas em caso de paragem entre dois pisos se existir risco de queda entre a cabina e a caixa do ascensor, ou se o ascensor não tiver caixa.”
Quanto ao DL 50/2005, o seu artigo 29º reporta-se a equipamentos de elevação ou transporte de trabalhadores, sendo que, no caso, da al. Q) dos factos provados decorre que o elevador estava a ser utilizado como monta cargas, pelo que não o temos como aplicável.
Concorda-se, pois, com a sentença recorrida ao considerar que a Ré empregadora violou as mencionadas normas de segurança ao permitir e/ou determinar a utilização do referido elevador sem que o mesmo dispusesse de mecanismo que impedisse, de forma automática, a abertura da porta quanto o mesmo não se encontrava no piso e, bem assim, concorda-se com a mesma quando responde negativamente à questão de saber “se o procedimento adotado pela entidade empregadora para manter a plataforma/elevador a funcionar estando o mecanismo de segurança previsto na conceção e utilização avariado - de fechar com chaves a porta de acesso e guardar a chave num determinado local- se revela uma medida de segurança que garantisse o uso seguro daquela pelos trabalhadores, designadamente pela sinistrada”.
Com efeito, e como nela se diz “esse mecanismo alternativo – que não era um mecanismo adequado a funcionar interligado com a plataforma/elevador – não garantiria como não garantiu a existência de um mecanismo de encravamento que impedisse a abertura da porta quando a plataforma/elevador não se encontrasse no rés-do-chão.”
As medidas de segurança destinam-se, precisamente, a evitar ou minimizar a possibilidade de ocorrência de acidentes de trabalho, prevenindo-os à partida, na sua origem, e evitando a potenciação dos riscos pelo fator humano, designadamente decorrentes da utilização do equipamento, incluindo de atitudes irrefletidas ou algo imprevidentes dos trabalhadores.
No caso, o sistema alternativo utilizado pela Ré empregadora para evitar o risco de queda, fechando manualmente a porta do elevador à chave e guardando a chave num armário, sem o sistema, legalmente imposto, de dispositivo de encravamento que impediria a porta de ser aberta ainda que o elevador não se encontrasse no patamar, coloca apenas nas mãos dos trabalhadores o constante cumprimento e verificação das condições de segurança, não sendo apto e suficiente à criação da necessária confiança de que nunca falharia ou de que não poderia falhar, tanto mais num espaço – restaurante- em que trabalhavam e se movimentam vários trabalhadores.
E é totalmente irrelevante que o elevador fosse alvo de inspeções e que, anteriormente ao acidente, o elevador já tivesse disposto de mecanismo de encravamento que funcionava interligado com o próprio elevador, sendo certo que, à data do acidente e desde há dois meses, tal mecanismo estava avariado e não funcionava.
Ou seja, se tal mecanismo existisse ou, em contrapartida, se a Ré empregadora não tivesse permitido a utilização do elevador sem o mesmo, o acidente em causa nos autos não teria ocorrido.
O acidente decorreu pois da violação, pela Ré empregadora, das regras de segurança legalmente impostas e essa violação é-lhe imputável na medida em que era à Ré que, como entidade empregadora, tinha a obrigação de providenciar pelo cumprimento das normas de segurança.
E como se diz no citado Acórdão do STJ de 23.09.2009, não é indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas, nele se referindo que concluindo-se pela verificação dos pressupostos da responsabilidade da entidade empregadora, consignados no segundo segmento do proémio do nº 1 do art. 18º da LAT [reportando-se à Lei 100/97], excluída fica a possibilidade de descaracterização do acidente contemplada nas als. a) e b) do art. 7º do mesmo diploma”.
E, diga-se que, no caso, nem decorre da factualidade provada factos que permitam concluir que o acidente tivesse resultado de qualquer comportamento censurável por parte da sinistrada, decorrendo apenas dos factos provados que a porta do elevador estava aberta sem que a plataforma se encontrasse ao nível do piso e que a sinistrada, por esse facto, caiu pelo vão do elevador.
Assim sendo, improcedem neta parte as conclusões do recurso.

3. Da descaracterização do acidente como acidente de trabalho – recurso principal

Para que o acidente de trabalho seja, no caso previsto no citado art. 14, nº 1, al. a), descaracterizado é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos[2]: (a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei; (b) violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte da vítima; (c) que a atuação desta seja voluntária e sem causa justificativa; (d) que exista um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.
No que toca ao primeiro dos mencionados requisitos, está o mesmo relacionado com o disposto no art. 17º, nº 1 al. a) da Lei 102/2009, de 10.09, em vigor desde 01.10.2009, nos termos do qual constituem obrigações do trabalhador “cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador;”.
No que toca à questão de saber se a causa de exclusão do direito à reparação prevista al. a) do art. 14º da NLAT [assim como dos arts. 7º, nº 1, al. a), da Lei 100/97, de 13.09 e Base VI, nº 2, al. a), da Lei 2127, de 03.08.65, que antecederam a Lei 98/2009] exige, ou não, um comportamento negligente por parte do sinistrado não é pacífica, não acolhendo, designadamente, a unanimidade da doutrina.
O Professor Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 2013, 6ª Edição, Almedina, pág. 819 a 821, sobre a questão das causas de exclusão da responsabilidade no âmbito dos acidentes de trabalho refere que “A exclusão ou a redução da responsabilidade por acidentes de trabalho pode advir de motivos imputáveis à vítima. Corresponde a uma autorresponsabilização do trabalhador pela sua conduta”, mas que “não é qualquer atuação menos cuidada por parte do trabalhador que acarreta a exclusão ou a redução da responsabilidade; torna-se necessário que a falta tenha alguma gravidade.” E, mais adiante, a propósito da violação das condições de segurança, pelo sinistrado, sem causa justificativa, refere que:Neste caso, o legislador exige somente que a violação careça de «causa justificativa», pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1, do art.º 14.º, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.
As condições de segurança, quando estabelecidas pela entidade patronal, podem constar de regulamento interno de empresa, de ordem de serviço ou de aviso afixado em local apropriado na empresa. As condições de segurança podem igualmente encontrar previsão na lei e, neste caso, incluem-se não só as regras de segurança no trabalho, como as que respeitam à segurança em outros sectores, nomeadamente na circulação rodoviária.
Se o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador.”
Neste sentido, aponta, entre outros, o Acórdão do STJ 23.09.2009, www.dgsi.pt, Processo 323/04.0TTVCT.S1, no qual se entendeu que a descaracterização do acidente de trabalho com fundamento nessa alínea a) não depende da intensidade da culpa com que o sinistrado tenha atuado, nele se referindo o seguinte:
“(…)
E a discordância da recorrente é inteiramente pertinente quando alega que a violação das normas de segurança não está dependente da intensidade dessa violação, pois, como se disse no acórdão de 14.3.2007, deste Supremo Tribunal (www.dgsi.pt - processo 06S4907), a propósito da violação das normas de segurança, a alínea a) do art.º 7.º, n.º 1, da LAT “não exige qualquer comportamento doloso ou voluntário, mas unicamente a prática de acto ou omissão que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei”, mais entendendo que tal decorre da letra da lei e, bem assim, que tal se compreende “na medida em que a violação das condições de segurança, sem causa de justificativa, constitui um comportamento que denota já um acentuado grau de negligência, por não estar em causa a simples inobservância dos deveres gerais de cuidado, mas o incumprimento de específicos deveres de diligência estabelecidos pelo empregador ou previstos na lei que o trabalhador está obrigado a implementar, seja por força do dever de obediência a que está sujeito nos termos do contrato de trabalho (art.º 20.º, n.º 1, alínea c), da LCT (em vigor à data do acidente), seja por força do disposto no art.º 15.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro. (…)”
De tal entendimento discorda o Professor Júlio Gomes[3], in O Acidente de Trabalho, o acidente in itinere e a sua descaracterização, Coimbra Editora, págs. 201 e segs, que, refere, para além de aprofundada análise à posição acima referida, o seguinte [págs. 240 e segs]:
Parece-nos, com efeito, que, tanto pelas razões históricas já atrás aduzidas, como para garantir a coerência do sistema face às consequências extremamente severas da descaracterização - com a exclusão de todas as prestações, ressalvando-se apenas o dever de prestar primeiros socorros e pedir auxílio – não pode ser o mero facto da violação das regras de segurança que opera a descaracterização, devendo exigir-se um comportamento subjetivamente grave, ao que acresce que outras «justificações» poderão ser relevantes. Terá, por conseguinte, que verificar-se, também aqui, uma culpa grave do trabalhador, tão grave que justifique a sua exclusão, mesmo que ele esteja a trabalhar, a executar a sua prestação, do âmbito de tutela dos acidentes de trabalho. Essa culpa deverá ser aferida em concreto e não em abstrato, e não poderá deixar de atender a fatores como o excesso de confiança induzido pela própria profissão, a eventual passividade do empregador perante condutas similares no passado – até porque muitos especialistas sublinham que o desrespeito por regras de segurança resulta, muitas vezes, de o trabalhador tentar encontrar «atalhos» para produzir mais rapidamente, sobretudo quando lhe são impostos ritmos de produção muito elevados ou de o trabalho ter sido, anteriormente, elogiado ou apreciado, apesar de o empregador bem saber que tinha sido prestado com violação das condições de segurança – e, simplesmente, fatores fisiológicos e ambientais, como o cansaço, o calor ou o ruído existentes no local de trabalho”.
E, nesta linha, pelo menos no que toca à existência de outras causas justificativas da violação de regras de segurança que não apenas as referidas no nº 2 do art. 14º da Lei 98/2009, se posicionou o Acórdão do STJ de 11.05.2017, Proc. 1205/10.1TTLSB.L1.S1, no qual se refere que “A posição defendida pelo Professor Júlio Manuel Vieira Gomes parece-nos bem conforme com os objetivos de uma lei que se pretende que seja o mais amplamente reparadora dos acidentes de trabalho, daí que se aceite que a violação das regras de segurança, por parte do trabalhador, possa ter outras causas justificativas para além das referidas no n.º 2, do art.º 14, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais.”.
Seja como for, em ambas as posições doutrinais acima referidas, e assim também o consideramos, se entende que não será toda e qualquer violação de norma ou regra de segurança que imporá a “descaracterização” do acidente de trabalho, sendo certo que também na posição do Professor Pedro Romano Martinez “não é qualquer atuação menos cuidada por parte do trabalhador que acarreta a exclusão ou a redução da responsabilidade; torna-se necessário que a falta tenha alguma gravidade.”.
Com efeito, diga-se que, a nosso ver, a par da intensidade da culpa, também a própria gravidade da infração é suscetível de gradação [assim, e tomando como exemplo, a segurança rodoviária, o excesso de velocidade será tanto mais grave quanto maior for o excesso], a essa gravidade se devendo e podendo atender no âmbito da al. a), 2ª parte, do art. 14º.
E, por outro lado, afiguram-se-nos na verdade redutoras as causas justificativas da violação referidas no nº 2 do art. 14º, sendo que se acompanha o entendimento do mencionado Acórdão do STJ de 11.05.2017, nos termos do qual, como se sintetiza no seu sumário, “os objectivos reparadores da Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais permitem que se aceite que a violação das regras de segurança, por parte do trabalhador, possa ter outras causas justificativas, para além das referidas no nº 2, do art. 14, do referido diploma legal.”
No que toca ao nexo de causalidade, impõe-se que o facto violador das condições de segurança, pelo trabalhador, haja sido condição sine qua non da verificação do dano e, citando o acórdão do STJ de 26.09.2007[4], nele se diz que para a apreciação da existência do nexo de causalidade adequada entre o comportamento da vítima e o acidente (de que resultaram as suas lesões e incapacidade) no contexto desta hipótese legal – art. 7º, nº 1, al. a), da LAT – se deverá recorrer à formulação positiva da causalidade, ou seja, o facto só deve considerar-se causa (adequada) do dano que constitua uma consequência normal, típica, provável, dele e que a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu a este, importando apurar se a conduta do trabalhador foi causal do acidente de trabalho que o vitimou.

4.2.1. Revertendo ao caso, da matéria de facto provada decorre apenas que a porta do elevador foi aberta sem que o mesmo se encontrasse no piso, tendo a A. caído no vão do elevador, e, bem assim e como já acima referido, que tal ocorreu porque o mecanismo de encravamento que funcionava interligado com o próprio ascensor estava avariado pois que, se não estivesse, o mesmo impediria que a porta se abrisse.
E, como já se disse, eventual descuido ou falta de atenção da sinistrada no acesso e abertura da porta do elevador não seria causa de exclusão da responsabilidade, da Ré empregadora, pela violação das normas legais de segurança que se impunham e pela reparação do sinistro.
De todo o modo, da matéria de facto provada não decorre factualidade que nos permita concluir no sentido da (eventual) responsabilidade da A., apenas se sabendo que a porta do elevador foi aberta sem que o elevador se encontrasse no piso e que a A. caiu pelo vão do mesmo, nada se tendo provado que permita concluir pela responsabilidade da sinistrada por tal facto, não se verificando nenhuma das situações previstas no art. 14º, als. a) e b), da LAT suscetíveis de descaracterizarem o acidente de trabalho.

Improcedem, pois, as conclusões do recurso.
***
V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 27.11.2023
Paula Leal de Carvalho
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
________________
[1] No sentido quer da exigência de verificação do nexo causal entre a violação das regras de segurança no trabalho e o acidente, quer do ónus prova a cargo do beneficiário e/ou seguradora vejam-se, para além de ouros, os Acórdãos do STJ de 10.10.07 (Proc. 07S2368), 02.07.08 (Proc. 08S1428), 12.02.09 (Proc. 08S3082), in www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Acórdão do STJ de 26.09.2007, in www.dgsi.pt, Processo nº 07S1700.
[3] Atualmente Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.
[4] In www.dgsi.pt, Processo 07S1700.