Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8051/22.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL FERREIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
TRANSIÇÃO PARA O NRAU
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP202402228051/22.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: É excessivamente severo e desproporcionado fazer associar ao incumprimento do ónus previsto no art. 35º, nº 5, do NRAU, por parte do inquilino, as consequências graves que para ele resultam de não poder beneficiar do regime excepcional legalmente previsto, por não ter enviado atempadamente ao senhorio o documento comprovativo de que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, quando esta circunstância se verifica efectivamente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo nº 8051/22.8T8PRT.P1
(Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – Juiz 1)

Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1ª Adjunta: Judite Pires
2º Adjunto: Paulo Duarte Teixeira
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I AA, intentou, no Juízo Local Cível do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, acção declarativa, com processo comum, contra BB, pedindo:
- seja decretada a cessação do arrendamento por resolução, com a consequente condenação da R. na entrega do locado, livre de pessoas e bens;
- seja a R. condenada a pagar-lhe a quantia de € 1.750,00 de rendas vencidas e não pagas, acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal de 4% até integral pagamento, que hoje se cifram em € 13,64;
- seja a R. condenada a pagar-lhe as rendas vincendas até à cessação do contrato de arrendamento por resolução a decretar pelo tribunal;
- seja a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização pela ocupação do imóvel até à sua restituição, no valor correspondente a 350,00€ por cada mês de ocupação até entrega efectiva do locado.
Alegou para tal que, por força de contrato de arrendamento celebrado em 20/12/1971, a R. é arrendatária do imóvel identificado no art. 1º da petição inicial, de que a A. é proprietária, que, por carta de 15/03/2018, comunicou à R. a intenção de transitar o contrato para o NRAU e propôs que este passasse a ser do tipo habitação com prazo certo, com a duração de cinco anos, e a actualização do valor da renda para € 350,00, o que aquela não aceitou, invocando que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais e juntando prova, e que, nessa sequência, a A. remeteu nova carta a informar a actualização do valor da renda de acordo com o valor patrimonial do imóvel para € 291,76 e que, findo o prazo de oito anos, iria ser promovida a transição do contrato para o NRAU, ao que a R. se opôs, invocando o art. 35º, nº 2, al. c), do NRAU, tendo a A. aceitado o que foi invocado e, anualmente, tem vindo a solicitar à R. o envio da prova do RABC do seu agregado familiar. No dia 25/08/2021 remeteu carta registada com A/R à R. solicitando prova do RABC do seu agregado familiar, tendo esta enviado certidão da AT referente ao ano de 2019 quando deveria enviar certidão referente ao ano de 2020, facto de que a A. deu conhecimento à R., mais solicitando a remessa de certidão do ano em causa no prazo de 8 dias. Não tendo a R. respondido, a A. comunicou-lhe a transição do contrato para o NRAU, com o respectivo aumento de renda, por carta de 14/10/2021. A R., através do seu mandatário, por carta de 19/10/2021, comunicou à A. a ocorrência de lapso no envio da certidão, mais tendo, nessa ocasião, remetido a correspondente ao ano em causa, porém a A. manteve a pretensão da transição do contrato para o NRAU, que comunicou por carta de 26/10/2021, e que não obteve qualquer resposta por parte da R..
Alegou ainda que a R continuou a proceder ao pagamento do valor da renda antiga, de € 214,09, recusando a A. receber o pagamento parcial, pelo que devolveu os montantes pagos, e que, após o atraso superior a 8 dias no pagamento da renda relativa a 3 meses (Dezembro de 2021, Janeiro e Fevereiro de 2022), promoveu a notificação judicial avulsa da R. da sua intenção de resolução do contrato por mora no pagamento das rendas por três meses seguidos e de que esta era à data devedora do valor das rendas correspondentes a 3 meses, de € 1.050,00, acrescido de uma indemnização de 20% sobre o valor em dívida pela mora no pagamento, perfazendo um montante global de € 1.260,00, mas a R., depois de notificada, continuou a proceder apenas ao pagamento parcial da renda.
A R. contestou, alegando que o envio da certidão comprovativa do RABC relativa ao ano de 2019 (quando deveria ser de 2020) constituiu mero lapso, decorrente de erro do serviço de finanças na emissão dessa certidão, e que o aproveitamento desse lapso constitui má fé e abuso de direito por parte da A..
A A. respondeu, defendendo não haver má fé nem abuso de direito da sua parte.
Dispensou-se a realização da audiência prévia e foi elaborado despacho saneador, não tendo sido elaborado o despacho previsto no art. 596º, nº 1, do C.P.C..
Procedeu-se seguidamente a julgamento.
Após, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção improcedente e, em consequência, absolver a R. do pedido.
De tal sentença veio a A. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões (!), que se transcrevem:
«I- O tribunal a quo apesar de formular dois juízos de censura dirigidos à conduta da Ré ajuíza que inexiste incumprimento da Ré do estatuído no art.º 35º n.º 5 do NRAU, pelo que na ótica do tribunal a quo o contrato de arrendamento não transitou para o NRAU, e que a Autora não tem direito à renda atualizada.
II- Com esta decisão alcançada pelo tribunal a quo o mesmo cai em erro de julgamento pelas seguintes razões: em primeiro lugar porque desatendeu aos fa[c]tos dados como provados dos n.º 1 a 31 e fa[c]tos não provados n.º 1 que em segundo lugar ao concluir pela inexistência de incumprimento da Ré violou o consagrado no normativo do n.º 5 do art.º 35º, do NRAU, redação esta aplicável ao caso concreto em apreço, e que impõe ao arrendatário que tenha invocado que o RABC do seu agregado familiar seja inferior a 5 RMNA, terá que fazer prova nos anos seguintes ao da invocação desta circunstancia, perante o senhorio, até ao dia 30 de setembro, quando essa prova seja exigida pelo senhorio até ao dia 01 de setembro do respetivo ano.
III- a Autora deu cabal cumprimento ao ali preceituado,
IV- já por outro lado, a Ré apenas envia por carta registada com AR datada de 19-10-2021 a certidão do RABC referente ao ano de 2020.
V- certo e consabido que é prova assente que a autora, no dia 25-8-2021, remeteu carta registada com “AR” à R, junta como doc. 9 à petição, solicitando prova do “RABC” do seu agregado familiar. E que “Em resposta, a Ré enviou à A., em 28-9-2021, a certidão da Autoridade Tributária junta à petição como doc. 10, referente ao ano de 2019, quando deveria enviar certidão referente ao ano de 2020.”Ou seja, e tendo por referência a prova documental ( prova art. 9 e 10 dos factos provados ) e fazendo essa aplicação, não pode deixar de se concluir, que a Ré não logrou demonstrar, tempestivamente, perante a Autora, o seu rendimento, para os efeitos previstos no art.° 35° n° 5 do NRAU.
VI- Acresce ainda que a Autora de acordo com os ditames da boa fé, vem em 29-9-2021, dirigir e enviar à Ré nova missiva, junta à petição como doc. nº 11, concedendo à R. o prazo de 8 dias para lhe enviar certidão comprovativa do “RABC” referente ao ano de 2020, sendo certo que a R. recebeu tal carta em 30-9-2021 e não respondeu a tal carta. (pontos 11, 12 e 13 dos fa[c]tos provados) Ou seja, e tendo por referência a prova documental (prova art.º. 11, 12, 13 dos factos provados) e fazendo essa aplicação, não pode deixar de se concluir, que a Ré não logrou demonstrar, tempestivamente, perante a Autora, o seu rendimento, para os efeitos previstos no art.º 35° n° 5 do NRAU.
VII- o que está em causa, e por aplicação do art.º 35º n.º 5 do NRAU que se aplica ao caso concreto em apreço, é a obrigatoriedade de um arrendatário demonstrar, num determinado prazo ( até ao dia 30 de setembro), que se mantêm as condições pelas quais lhe foi concedida uma determinada limitação ao montante da atualização da renda. Melhor dizendo, o que está em causa é a sanção para o facto de o arrendatário não fazer essa demonstração ou não juntar comprovativo de que não a pode fazer naquele prazo.
VIII- No caso em apreço a Autora cumpriu o prazo a que estava adstrita, ou seja, remeteu carta `a Ré aos dias 25-8-2021, dentro do prazo imposto pela lei (NRAU) até ao dia 01 de setembro, conforme doc. 9 junto à petição, e por aquele solicitando prova do “RABC” referente ao ano de 2020 do agregado familiar da Ré.
IX- Não obstante, a Ré no prazo legal, ou seja, até ao dia 30 de setembro não faz prova do RABC do seu agregado familiar referente ao ano de 2020, e outrossim não faz prova do rendimento em prazo suplementar.
X- Independentemente de o tribunal atribuir a justificação do incumprimento da Ré, i.e. que quanto à falha terá a Ré “legitimamente” confiado na AT e quanto à segunda falha o tribunal ajuíza que “desconhece-se por que motivo a Ré não responde à carta de 29-09-2021”, a verdade é que se conclui seguramente que a Ré não cumpriu com a sua obrigação que estava adstrita, disso não há duvidas.
XI- Aliás, e contrariando o rumo do juízo alcançado pelo tribunal a quo quando afirma na sua fundamentação da sentença que desconhece-se porque motivo a Ré não responde à carta de 29-09-2021, o tribunal mal andou caindo em duplo erro de julgamento quando claramente resulta dos autos que o motivo que consubstanciou tal ausência de resposta pela Ré é a incúria, a falta de zelo e de diligencia, fazendo-a incorrer em incumprimento. Atentemos nas declarações da Ré que aqui se reproduzem (…)
XII- Perante estas últimas declarações onde a Ré afirma que quanto à segunda carta remetida pela Autora “não liguei peba à situação” o tribunal a quo ao remeter a fundamentação e justificação da conduta da Ré para o princípio da boa-fé cai em claro erro de julgamento, beneficiando de forma injustificada e não consentida a incúria da Ré.
XIII- Questiona-se numa linha de raciocínio lógico e de acordo com um pensamento e atuação do bom pater famílias, acaso ainda assim a Ré teria cumprido com a obrigação plasmada no art.º 35º n.º 5 do NRAU se a Autora não remetesse a segunda carta concedendo de boa fé um prazo suplementar à Ré no cumprimento da sua obrigação e se não enviasse a carta na qual fizesse transitar o contrato de arrendamento para o NRAU com a devida atualização (carta esta que a Ré já atentou no teor da mesma!)? Entendemos que não, pois impunha-se à Ré agir com diligencia, zelo e lealdade, impondo-se à Ré a verificação da correspondência do por si solicitado com o conteúdo da certidão, o que a claramente Ré não fez.
XIV- Tendo por referência o princípio da boa fé tanto no contexto do art.º 334º como no art.º 762º n.º 2 do CPC, não pode a Ré eximir-se ao cumprimento da obrigação a que estava adstrita – ou seja entrega em prazo da certidão do RABC ano de 2020- alegando “lapso” das Finanças na emissão da mesma, por a boa-fé impedir que a Ré se aproveite desse lapso, dela conhecido -pelo menos seguramente com a segunda carta de 29.09.2021- em detrimento da Autora. Se por um lado a Autora atuou de boa-fé remetendo uma segunda carta e concedendo um prazo suplementar na apresentação da certidão referente ao ano de 2020, por outro está assente que a Ré não cuidou de cumprir com o seu dever não remetendo o comprovativo exigido em prazo legal e /ou conferido pela Autora.
XV- Ao admitir -se o entendimento (errado) do tribunal a quo este está-se a relevar a conduta de deslealdade, falta de zelo e de correção pela Ré, relegando- para “lapsos insignificantes” (o do envio da certidão errada e da ausência de resposta à segunda carta da Autora) será o mesmo que admitir que a segurança necessária ao normal desenvolvimento do exercício jurídico, possa ser violada. Quid iuris da segurança necessária ao normal desenvolvimento do exercício jurídico que exige que as aparências fundadas sejam respeitadas? E também a confiança na realidade ou na estabilidade de certas circunstâncias que tenham fundado uma atuação jurídica seja digna de proteção jurídica? Se assim não fosse, haveria uma tal insegurança na vida jurídica que necessariamente a viria a paralisar ou a dificultar extremamente” – Pedro Pais de Vasconcelos “in” Teoria Geral do Direito Civil, 7ª edição, página 19.
XVI- Refira-se ainda em desfavor da boa fé da Ré que o tribunal a quo não equacionou em obediência a um justo equilíbrio da igualdade das partes, que a Autora, entre o envio da primeira carta dos “fa[c]tos provados” n.º 9 até à recepção da certidão correta a 19-10-2021 dos “fa[c]tos provados” n.º 15, desconhecia nem tinha como conhecer qualquer alegado “lapso” e nem sequer o mesmo foi invocado pela Ré. Aliás decorre como fa[c]to não provado que “1- depois de esclarecer a situação junto do serviço de Finanças, nos moldes referidos “fa[c]tos provados” n.º 30 e 31, a Ré telefonou à Autora, explicando-lhe o sucedido. “
XVII- Ao decidir como decidiu o tribunal incorre em erro de julgamento violando o principio da boa fé nas relações contratuais, cf.. o art.º 762º n.º 2 do CC, e art.º 35º n.º 5 do NRAU, ilegalidade e que se argui para os legais efeitos.
XVIII- Por outro lado e da questão, de abuso de direito e encarando. o caso concreto em apreço verificamos que está demonstrado que a autora não apresentou até 30 de setembro de 2021 - mês durante o qual, de acordo com o disposto no transcrito nº5 do artigo 35º da Lei 6/2006, teria que apresentar a declaração dos seus rendimentos ou o comprovativo da impossibilidade dessa apresentação - aquela declaração ou este comprovativo, e nem sequer apresentou a certidão em prazo suplementar conferido pela Autora mas veio a apresentar a declaração em 19-10-2021 já após o contrato ter sido válida e eficazmente transitado para o NRAU. Ou seja, entre o hiato temporal de 25-08-2021 até 19-10-2021, dos “fa[c]tos provados” n.º 9, 10, 11, 12 ,13, 14 e 15 – a Autora não sabia nem tinha forma de saber que a autora tenha pedido a declaração à Autoridade Tributária referente ao ano de 2020, até porque do documento enviado à Autora e id. por doc. 10 a data de emissão pela AT da certidão é de 03-09-2020!por outro [al][la]do, dos autos não decorre que durante aquele hiato temporal a Ré tenha alegado justo impedimento na apresentação daquela certidão, conforme dita o art.º 16º do NRAU
XIX- Certo é que decorre dos autos que aquelas comunicações entre a Autora e Ré foram validamente realizadas nos termos do art.º 9 e 10 º NRAU; Ora, tudo demonstrado a falta que aqui está em causa é a não apresentação tempestiva pela Ré da declaração referente aos rendimentos do ano de 2020 e que a sanção para esta falta será a autora deixar de continuar a beneficiar da limitação do montante da atualização da renda.
XX- E nem se diga que estas falhas são insignificantes tal como decidiu o tribunal a quo , na medida em que, como se disse, o que está em causa é a apresentação da declaração – que era possível na altura (no prazo legal) e no prazo suplementar e só não foi apresentada porque a Ré não quis saber (conforme decorre literalmente das suas declarações supra reproduzidas), conduta esta da Ré que se apresenta contrária aos ditames da boa fé no âmbito do cumprimento da obrigação a que estava adstrita, não podendo obviamente agora tentar eximir-se já depois de transitado o contrato para o NRAU, com um alegado lapso que é alheio à Autora. Consequentemente por causa daquelas falhas ou infrações significantes da Ré, e que é imposto por lei consequências ou sanções do incumprimento, a Autora exercitou o seu direito de forma legitima e de acordo com o consagrado na lei (cfr. art.º 35º n.º 5 do NRAU), não se revelando tal exercício ofensivo, desequilibrado ou desproporcionado como parecer fazer crer o tribunal a quo.
XXI- Conclui-se com o devido respeito que a Autora não atua com abuso de direito e que o contrato de arrendamento transitou para o regime de NRAU.
XXII- Ademais, e no campo da validade e eficácia das comunicações entre Autora e Ré, mostra-se pacificamente assente nos autos que a Autora propôs que o contrato passasse a ser do tipo habitação com prazo certo e a duração de cinco [n]anos, e ainda atualização do valor da renda para 350,00€ (fa[c]tos provados n.º 4) e que por ausência de resposta da Ré à carta dos fa[c]tos provados em n.º 11, 12, 13 , a Autora no dia 14-10-2021, remeteu à Ré nova carta registada com AR , junta como doc. 12 à petição, informando-a que, face à não entrega da prova do RABC do seu agregado familiar , a mesma não poderia prevalecer-se de circunstancia e que por esse motivo a partir dessa data operava-se a transição do contrato arrendamento para o NRAU, com a devida atualização da renda do valor mensal de 350,00€, devido a partir do 1º dia do 2º mês seguinte ao da receção dessa carta. (dos fa[c]tos provados em nº 14) Está demonstrado nos autos que a Ré recebeu tal carta.
XXIII- O procedimento de transição para o NRAU e a atualização de renda dependem sempre da iniciativa do senhorio, a qual deve obedecer aos requisitos de forma e de substância estabelecidos pelos artigos 30.º e seguintes do NRAU, que dos autos resulta prova de cumprimento pela Autora de tal formalismo. A Autora cumpriu com os requisitos formais da comunicação da transição do contrato de arrendamento para o NRAU.
XXIV- entre as comunicações a que se refere o artigo 10.º, n.º 2, do NRAU estão as que constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º (artigo 10.º, n.º 2, al. a), do NRAU).
XXV- As comunicações remetidas pela Autora à Ré dos fa[c]tos provados em 4 e, 9, 11, 12, 13 e 14 dos fa[c]tos provados em 14-10-2021 são eficazes para produzir o efeito pretendido que é a transição do contrato de arrendamento para o NRAU com a atualização da renda para o valor mensal [d]e 350,00€
XXVI- Uma vez que as aludidas comunicações da Autora são eficazes para desencadear os efeitos pretendidos verificam -se os pressupostos legais para operar a transição para o NRAU e a atualização da renda
relativamente ao contrato de arrendamento em causa nos presentes autos.
XXVII- O normativo 1083 n.º 3 e 4 do CC confere a possibilidade de resolução do contrato de arrendamento sem necessidade de recurso aos tribunais – resolução extrajudicial. Trata-se de uma situação excecional, mas não obstante o NRAU prever a possibilidade proceder à resolução extrajudicial do contrato de arrendamento com fundamento em mora superior a três meses no pagamento da renda, continua a ser-lhe permitido lançar mão da ação declarativa de despejo para obter esse desiderato (AC. Do TRP de 2010-03.02, in www.dgsi.pt) A resolução opera através de comunicação efetuada mediante notificação judicial avulsa, conta[c]to pessoal d[o] advogado, solicitador ou agente de execução, ou, ainda por carta registada com aviso [d]e Recepção , no caso de domicilio convencionado, nos termos do n.º 7 do art.º 9 º da Lei n.º 6/2006.
XXVIII- Por sua vez o arrendatário poderá obstar à resolução extrajudicial se, no prazo de 1 mês a contar da comunicação do senhorio, pagar
XXIX- Ora, considerando ainda que dos fa[c]tos provados em n.º 21, 22, 23, 24, 25, 26 a Ré não pagou o montante da renda atualizada e que a Autora através de notificação judicial avulsa requereu que a Ré fosse notificada da sua intenção de resolução do contrato por mora no pagamento das rendas por três meses seguidos e ainda que fosse informada que era devedora do valor das rendas correspondente a 3 meses que se cifra em 1050,00€, acrescido de uma indemnização de 20% sobre o valor em divida pela mora do pagamento , perfazendo um montante global de 1260,00€. A Ré foi notificada em 4-03-2022, tendo vindo apenas a proceder ao pagamento a título de renda no referido montante de 214,00€.
XXX- Em consequência, verifica-se o fundamento de resolução previsto no artigo 1083.º, n.ºs 3, do Código Civil.
XXXI- Nesta senda, o contrato transitou eficazmente para o NRAU, e que a R não pagou a rendas legalmente atualizadas, existindo assim incumprimento da Ré na obrigação do pagamento da renda, apesar de a Ré notificada judicialmente para proceder ao pagamento das rendas vencidas e não pagas e indemnização, não o fez, consequentemente resolveu-se o contrato de arrendamento nos termos do art.º 1083 n.º 3 do CC, devendo a Ré proceder ao pagamento das quantias em falta a titulo de renda e entregar o locado livre de pessoas e bens.
XXXII- Ao assim não entender o tribunal a quo cai em erro de julgamento violando a força da eficácia das comunicações entre senhorio e inquilino, cfr. art.º 9º e 10 do NRAU, violando ainda a eficácia da resolução operada pela notificação judicial avulsa, que a Ré recebeu e não fez cessar a mora, e assim produziu os seus efeitos, por força do art.º 1083º n.º 3 e 1084º n.º 3 do CC e art.º 9 n.º 7 do NRAU

Nestes termos e no mais de direito deverão V. Exas conceder provimento ao presente recurso, condenando a Ré no cumprimento de todos os pedidos formulados pela Autora na sua PI, fazendo assim inteira e Sã Justiça.».
A R. apresentou contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), é uma única a questão a tratar:
a) averiguar se houve transição do contrato de arrendamento para o regime do NRAU e actualização da renda e se, em consequência, deve ser decretada a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas.
Nota:
Não se enuncia nenhuma questão respeitante ao conhecimento de matéria de facto, pois, não obstante a recorrente proceder à transcrição das declarações de parte da R., o recurso não tem por objecto a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 640º do C.P.C., posto que aquela não formula qualquer pedido nesse sentido, não peticionando a alteração de quaisquer pontos da matéria de facto com base em reapreciação da prova produzida na primeira instância – sendo a alusão àquelas declarações apenas argumento para defender a existência de incúria por parte da R. na omissão da resposta à carta de 29/09/2021 e, portanto, a ocorrência de uma situação de incumprimento.
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Apreciemos a questão, tendo em conta os factos dados como provados na decisão recorrida (transcrição):
«1 – Encontra-se registada a favor da A., desde 10-5-2016, a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente a uma habitação no rés-do-chão direito, com entrada pelo n.º ... da Rua ..., da freguesia ..., concelho do Porto, inscrito na matriz sob o número ..., e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número ....
2 – A Ré é arrendatária do supracitado imóvel, por força de contrato de arrendamento celebrado em 20-12-1971, junto à petição como doc. nº 4.
3 – Em 15-3-2018, a A. remeteu à R. carta registada com “AR” junto à petição como doc. nº 5, comunicando-lhe a sua intenção de transitar o supramencionado contrato para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (abreviadamente, “NRAU”), porquanto o contrato tinha sido celebrado antes da entrada em vigor do DL. 321-B/90 de 15 de Outubro.
4 - Mais propôs a Autora que o contrato passasse a ser do tipo habitação com prazo certo e a duração de cinco anos, e ainda a actualização do valor da renda para 350,00€.
5 - Por carta registada com “AR” junta como doc. 6 à petição, a R. comunicou à A. o seu desacordo com o proposto e invocou que o Rendimento Anual Bruto Corrigido (abreviadamente, “RABC”) do seu agregado familiar era inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, juntando, para prova do alegado, certidão comprovativa emitida pelo Serviço de Finanças.
6 - Nesta senda, a Autora remeteu à R. nova missiva, junta como doc. 7 à petição, informando a actualização do valor da renda, de acordo com o valor patrimonial do imóvel, para 291,76€, e ainda que, findo o prazo de oito anos, iria ser promovida a transição do contrato para o NRAU.
7 - Por carta registada com AR datada de 9-5-2018 junta como doc. 8 à petição, veio a Ré invocar o consignado no artigo 35º, n.º 2, al. c), do NRAU e para tanto opôs-se à actualização do valor da renda.
8 - A A. aceitou o invocado pela R. e, anualmente e dentro do prazo legal, a mesma tem vindo a solicitar à Ré o envio da prova do “RABC” do seu agregado familiar.
9 – Nessa sequência, a Autora, no dia 25-8-2021, remeteu carta registada com “AR” à R, junta como doc. 9 à petição, solicitando prova do “RABC” do seu agregado familiar.
10 – Em resposta, a Ré enviou à A., em 28-9-2021, a certidão da Autoridade Tributária junta à petição como doc. 10, referente ao ano de 2019, quando deveria enviar certidão referente ao ano de 2020.
11 - Consequentemente, a Autora, em 29-9-2021, dirigiu e enviou à Ré nova missiva, junta à petição como doc. nº 11, concedendo à R. o prazo de 8 dias para lhe enviar certidão comprovativa do “RABC” referente ao ano de 2020.
12 – A R. recebeu tal carta em 30-9-2021.
13 – A R. não respondeu a tal carta.
14 - Perante a ausência de resposta da R. àquela carta, a Autora, no dia 14-10-2021, remeteu à R. nova carta registada com “AR”, junta como doc. nº 12 à petição, informando-a que, face à não entrega da prova do “RABC” do seu agregado familiar, a mesma já não poderia prevalecer -se de tal circunstância e que por esse motivo a partir dessa data operava-se a transição do contrato de arrendamento celebrado para o NRAU, com a devida actualização da renda para o valor mensal de 350 €, devido a partir do 1º dia do 2º mês seguinte ao da recepção dessa carta.
15 - Por carta registada com “AR” datada de 19-10-2021, junta como doc. nº 13, a Ré, através do seu mandatário, informou a A. que, por lapso, os serviços de Finanças emitiram certidão do ano anterior, juntando para tal nova certidão correspondente ao ano de 2020.
16 - A Autora respondeu à R. por carta registada com AR datada de 26-10-2021, junta como doc. nº 14 à petição, mantendo a transição do contrato de arrendamento celebrado para o NRAU com a correspondente actualização da renda.
17 - Não obstante, a Ré, no mês de Dezembro, procedeu ao depósito do valor da antiga renda, desconsiderando o teor das missivas enviadas pela Autora.
18 – Nessa sequência, a Autora remeteu à R., no dia 13-12-2021, nova carta registada com AR, junta como doc. nº 16 à petição, dando conta que a renda apenas havia sido parcialmente satisfeita, opondo-se a Autora, deste modo ao recebimento parcial da renda e procedendo à sua devolução, bem como das futuras que naquele montante fosse [seja] pago.
19 - Esta última missiva veio devolvida por não ter sido reclamada pela Ré.
20 - Perante tal facto, remeteu a Autora à Ré comunicação idêntica através de carta registada.
21 – A R. não pagou o montante da renda actualizada, tendo, nos meses de Dezembro de 2021 e Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2022, pago, a título de renda, o montante de 214,09 €.
22 - A Autora procedeu à devolução à R. das referidas rendas.
23 - A Autora, através de notificação judicial avulsa, requereu que a Ré fosse notificada da sua intenção de resolução do contrato por mora no pagamento das rendas por três meses seguidos e ainda que fosse informada que era à data devedora do valor das rendas correspondentes a 3 meses que se cifra em 1 050 €, acrescido de uma indemnização de 20% sobre o valor em dívida pela mora do pagamento, perfazendo um montante global de 1 260,00€.
24 – A R. foi notificada em 4-3-2022.
25 – A R. vem procedendo ao pagamento, a título de renda, no referido montante de 214,09 €.
26 - Por sua vez, a Autora vem procedendo à devolução do pagamento desse montante.
27 – Em 24-9-2021, a A. foi atendida no Serviço de Finanças do Porto, onde pediu, através do preenchimento de impresso para esse efeito, a emissão do comprovativo do seu RABC relativo ao ano de 2020.
28 – No entanto, por lapso do serviço de Finanças, foi entregue à R. certidão do seu RABC relativo ao ano de 2019.
29 – A R. enviou essa certidão à A., nos moldes referidos no “facto provado” nº 10, sem a ler.
30 – Quando recebeu a carta referida no “facto provado” nº 14, a R., em 18-10-2021, deslocou-se ao serviço de Finanças para esclarecer a situação.
31 – Nessa ocasião, o lapso acima referido foi corrigido, tendo o serviço de Finanças entregue à R. a certidão do RABC relativa ao ano de 2020.».
A recorrente pretende que a omissão da R. quanto à junção do documento comprovativo do RABC do ano de 2020 fundamenta a transição do contrato de arrendamento para o regime do NRAU e a actualização da renda fora dos limites do art. 35º, nº 2, al. c), do NRAU e a consequente resolução do contrato pelo facto de a arrendatária continuar a pagar a renda antiga e não a renda actualizada.
Porém, afigura-se-nos sem razão.
Para além de tudo quanto já foi analisado na sentença recorrida, com cujos argumentos concordamos e para os quais remetemos, ponderando o bem fundamentado da mesma e posto que não foi impugnada a matéria de facto (cfr. art. 663º, nº 6, do C.P.C.), consideramos que também nesta situação é de fazer apelo ao entendimento que foi expresso pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente no Ac. nº 277/2016, publicado em 14/06/2016, na II série do DR nº 112/2016, “no sentido de que é excessivamente severo e desproporcionado fazer associar ao incumprimento do ónus da prova que compete ao inquilino, as consequências graves que para ele resultam de não poder beneficiar do regime excepcional legalmente previsto, por não ter enviado atempadamente ao senhorio os documentos comprovativos dos factos impeditivos que invocou, quando os mesmos se verificam efectivamente” (Ac. da R.P. de 13/06/2018, com o nº de proc. 309/14.6TBVFR.P1, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli, com o ECLI:PT:TRP:2018:309.14.6TBVFR.P1.AC)
Assim, estando demonstrado que o RABC do agregado familiar da R. é efectivamente inferior a cinco RMNA, ainda que não tenha sido cumprido o prazo para a feitura da referida prova, não ficam precludidos os direitos que lhe advêm do art. 35º do NRAU (podendo apenas haver lugar a indemnização por eventuais prejuízos causados culposamente ao senhorio com o atraso – cfr., para além do referido, o Ac. da RL de 13/10/2016, com o nº de proc. 1046-14.7TJLSB.L1-6, publicado no mesmo sítio da Internet, com o ECLI:PT:TRL:2016:1046.14.7TJLSB.L1.6.57, e o Ac. da R.L. de 28/02/2019, com o nº de proc. 33439/15.7T8LSB.L2-8, publicado no mesmo local, com o ECLI:PT:TRL:2019:33439.15.7T8LSB.L2.8.32), o que significa que o pagamento da renda sem a actualização não constitui fundamento para a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas.
Note-se que esta solução se verifica ainda que a omissão no envio do documento comprovativo possa ter resultado de alguma incúria do arrendatário, o que torna inócuo o argumento nesse sentido invocado pela recorrente (sobre a questão, e para além dos acórdãos já referidos, podem ver-se ainda, publicados no mesmo sítio da Internet, os Acs. da R.L. de 20/10/2016, com o nº de proc. 758/16.5YLPRT.L1-2, com o ECLI:PT:TRL:2016:758.16.5YLPRT.L1.2.4D, e de 15/02/2018, com o nº de proc. 33445/15.1T8LSB.L1-6, com o ECLI:PT:TRL:2018:33445.15.1T8LSB.L1.6.F8).
Não estão, pois, verificados, no caso, os fundamentos invocados pela recorrente para a resolução do contrato de arrendamento.
O que determina que não mereça acolhimento a sua pretensão com a apresentação do presente recurso.
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Em face do resultado do tratamento da questão analisada, é de concluir pela não obtenção de provimento do recurso interposto pela A. e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente
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Porto, 22/2/2024
Isabel Ferreira
Judite Pires
Paulo Duarte Teixeira