Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
38/19.4T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
CONDIÇÕES DE SEGURANÇA
Nº do Documento: RP2023071238/19.4T8AVR.P1
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Ocorre descaracterização do acidente de trabalho com o fundamento estabelecido na segunda parte da alínea a), do n.º 1, do art.º 14.º, da LAT, se o acidente provier de ato ou omissão da vítima, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal.
II - Para que o comportamento do sinistrado, se enquadre na situação prevista no art. 14º, nº 1, al a) da Lei nº 98/2009 de 04.09, por incumprimento de condições de segurança previstas na lei, não basta a sua existência, é necessário que se apure no caso, em concreto, o que era exigível cumprir em termos daquelas.
III - Nada se tendo provado sobre as características e condições concretas do local de onde o sinistrado caiu, ou seja, sobre qual o estado das placas de fibrocimento e de fibra de vidro da concreta cobertura, qual a inclinação do referido telhado e quais as condições atmosféricas no dia do acidente, a prova, apenas, da tarefa que o sinistrado havia sido chamado a efectuar, por si só, e em termos de normal previsibilidade, não nos permite concluir pela existência de risco de queda em altura.
IV – E, não resultando provado que, no caso concreto, era exigível o cumprimento de medidas de protecção colectiva e individual, por parte do sinistrado, o facto de o mesmo, ter sofrido uma queda, vindo a cair no solo, a cerca de 5 metros, “por razões em concreto não apuradas”, não nos permite concluir sobre quais os meios de protecção (colectivos ou individuais), nomeadamente, equipamentos anti-queda que o sinistrado estava obrigado a utilizar e, consequentemente, concluir pela violação, sem causa justificativa, de condições de segurança previstas na lei estabelecidas pela descaracterização do acidente de trabalho que vitimou aquele.
V - Não se apurando os motivos em que ocorreu o sinistro, não pode concluir-se e proceder a argumentação da descaracterização do acidente.
VI - O juízo de prognose quanto à avaliação da previsibilidade do risco deve ser feito em função das condições existentes “a priori”, perante o circunstancialismo que se verificava aquando do acidente, e não, “a posteriori”, perante a constatação do acidente.
VII - A descaracterização do acidente constitui um facto impeditivo do direito que o autor se arroga e, como tal, de acordo com os critérios gerais de repartição do ónus da prova, a sua prova compete à ré na acção, ou seja, à entidade empregadora ou à respectiva seguradora, no caso de seguro válido (art. 342º, nº 2, do Código Civil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 38/19.4T8AVR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Águeda

Recorrente: A... LIMITED COMPANY – SUCURSAL EM PORTUGAL
Recorrida: AA




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO
A A., AA, viúva, reformada, NIF ...., residente na Rua ..., em ..., Águeda, com apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, intentou acção emergente de acidente de trabalho, contra a R., A... – Sucursal em Portugal, NIPC ..., com sede na Rua ..., em Lisboa, pedindo que “deve a presente ação ser considerada procedente, por provada, e em consequência, a A... plc – Sucursal em Portugal condenada, na medida da respetiva responsabilidade, a pagar à A. - AA, os valores infra discriminados:
a) O montante de 201,55€ a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA) pelo período compreendido entre o dia 16/11/2018 (dia seguinte ao acidente); e 09/12/2018 (data do óbito);
b) O montante de 5.661,48€, a título de subsídio pela morte do sinistrado;
c) O montante de 1.887,16€, a título de subsídio de funeral, por ter sido ela que pagou o funeral do sinistrado;
d) A pensão anual e vitalícia de 3.941.03€, com início em 10/12/2018 até à reforma e uma pensão anual e vitalícia de 5.254,71€ (40% da retribuição anual) a partir da data da reforma (31/12/2018);
e) O montante de 20,00€, que gastou em transportes, por duas deslocações ao juízo de Trabalho de Águeda – Ministério Público, na fase conciliatória do processo;
f) Que a R. seja condenada a pagar a A. os juros vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre os valores reclamados.”.

Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que BB, seu marido, trabalhava por conta própria como serralheiro, tendo a sociedade B..., Lda., contratado os seus serviços, para lhe reparar o telhado de um pavilhão industrial, sito na EN..., ..., ..., Águeda, o que ele aceitou, tendo no dia 15.11.2018, cerca das 14h15m, ao pretender realizar a reparação da cobertura daquele pavilhão, sofrido uma queda dessa mesma cobertura para o solo, que lhe causou lesões e levou a que, vinte e quatro dias depois, viesse a falecer.
Mais, alega que o sinistrado para executar o trabalho que se propunha fazer, reparação do telhado, tinha de o fazer em cima do telhado e para subir para o telhado colocou uma escada de alumínio encostada à parede do pavilhão industrial de modo a subir em segurança, colocou o arnês com a corda e levou uma prancha de madeira para andar em cima dela no telhado, ficando assim com mais segurança nos seus movimentos que seriam feitos sobre essa prancha depois de fixada “à terça”.
Alega, ainda, que o sinistrado depois de sair da escada para o telhado, momentos depois cai do telhado para o solo, sem se saber a razão, onde foi encontrado pelo filho já ferido, que de imediato chamou os meios de socorro, tendo sido conduzido, de urgência, pelo INEM, para o Hospital de Aveiro, onde foram diagnosticados politraumatismos, ficou internado, em estado grave e aí permaneceu, entre a vida e a morte, durante 24 dias, vindo a falecer no dia 09/12/2018.
Por fim alega que, o sinistrado tinha transferido para a R., companhia de seguros A... –Sucursal em Portugal, por contrato de seguro válido e subsistente à data do acidente, titulado pela apólice nº ...87, a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho de que viesse a ser vítima, com base num salário anual de 13.136,76€ (938,34 X 14 meses).
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Citada, a Ré/seguradora contestou, desde logo, dizendo que, neste caso, o sinistrado foi duplamente responsável, uma vez que violou as condições de segurança impostas, quer como sinistrado, quer como entidade empregadora, pois laborava por conta própria e que, não aceita a caracterização do acidente como laboral.
Alega desconhecer os exatos termos em que o alegado evento terá ocorrido e que o ónus de provar o sinistro e as circunstâncias em que o mesmo ocorreu incumbe à Autora, em exclusivo.
A seguir alega que, o sinistro ocorreu pelo facto de o sinistrado não ter cumprido as normas de segurança previstas na Lei, sem causa justificativa plausível, pois encontrava-se a laborar a cinco metros de altura do solo, num local composto por placas de fibrocimento degradadas, em mau estado de conservação e danificadas na sequência de intempéries recentes, não estava numa plataforma de trabalho segura, nem tinha arnês ligado a linha de vida com ponto de fixação independente, tendo-se deslocado de forma directa sobre as placas de fibrocimento sabendo embora que estava obrigado a utilizar os dipositivos de segurança, pelo que, o sinistro encontra-se descaracterizado como acidente de trabalho.
Mais, alega que o Sinistrado não tinha formação para a execução de trabalhos em altura, o que foi igualmente causa do sinistro, assim como o facto de, no local, não existirem redes de protecção, pois que não foi feita uma prévia planificação dos trabalhos a efectuar, não havendo relatório de avaliação de riscos, não existindo obrigação de indemnizar.
Por último, alegou que, para além de a Autora não ter comprovativo das invocadas despesas com o funeral, sempre se mostraria ultrapassado o prazo para pedir o respectivo reembolso.
Conclui dizendo que, “improcede a presente acção, com as legais consequências.”.
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Nos termos que constam do despacho, de 07.09.2022, foi admitida a intervenção, como Autores na pressente acção, de CC e de DD na qualidade de herdeiros de BB e ordenada a sua citação.
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Em 03.11.2022, foi proferido saneador tabelar, fixados os factos assentes, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, nos termos documentados nas actas de 16.01 e 08.02.2023, foram conclusos os autos para prolação de sentença que terminou com a seguinte Decisão: “Em face de todo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
1. condenar a Ré A... – Sucursal em Portugal no pagamento, à Autora AA,:
1.1. de € 3.941,03 a título de pensão anual e vitalícia, devida desde 10.12.2018 (dia após o decesso), a liquidar em prestações de 1/14, adiantada e mensalmente, até ao terceiro dia de cada mês, sendo os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, pagos em Junho e em Novembro, respectivamente, correspondentes a 30 % da retribuição do Sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice, sendo € 5.254,70, correspondentes a 40% da retribuição do Sinistrado, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, sem prejuízo das legais actualizações;
1.2. de €172,76 respeitantes a indemnização por período de incapacidade temporária absoluta sofrido por BB;
1.3. de €5.661,48 a título de subsídio por morte;
1.4. de €1.504,00 a título de subsídio por despesas de funeral;
1.5. dos juros de mora sobre as prestações pecuniárias referidas em 1.1. a 1.4. e em atraso, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal supletiva, desde a data do respectivo vencimento;
2. absolver a Ré A... – Sucursal em Portugal, SA do demais contra si peticionado.
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Custas a cargo dos Autores e da Ré na proporção do decaimento (n.os 1 e 2 do art. 527º do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do nº 2 do art. 1º do Código de Processo do Trabalho).
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Valor processual: € 60.306,33 (art. 120º do Código de Processo do Trabalho e Portaria nº 11/2000 de 13 de Janeiro).
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Registe e notifique (art. 24º do Código de Processo do Trabalho).”.
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Inconformada a R. interpôs recurso, nos termos das alegações juntas, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
“1ª – O evento sub judice mostra-se descaracterizado, face aos factos provados, devidamente conjugados com o disposto na alínea a) do art.º 14.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro de 2009.
2ª - Dos factos provados resulta a verificação de um comportamento do sinistrado, violador das regras de segurança estabelecidas na Lei, sem causa justificativa.
3ª - Sendo trabalhador por conta própria, e experiente, o sinistrado estava obrigado a usar e a fornecer os equipamentos de proteção individual aptos a evitar quedas em altura, mormente arnês de segurança, que devia ligar a uma linha de vida.
4ª - Considerando as exigências dos trabalhos, e a altura de cinco metros do solo, o sinistrado estava obrigado a adotar equipamentos de protecção aptos a evitar a quedas em altura – cfr. art.º 44.º do Decreto n.º 41821/58, de 11 de Agosto, art.º 36º, 39º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, art.º 4.º Decreto-Lei n.º 348/93, de 1 de Outubro, Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho.
5ª - O sinistrado encontrava-se em cima do telhado no pleno desempenho da sua atividade profissional, no tempo e local de trabalho, e por isso estava obrigado a cumprir as normas de segurança aplicáveis, o que não se verificou.
6ª – Pela análise das fotografias, pela leitura do relatório do ACT e por simples presunção judicial concluiu-se que o sinistrado caminhava pelo meio do telhado, quando sofreu a queda, ou seja, quando a telha colapsou.
7ª - O equipamento de proteção mais adequado para as circunstâncias em que decorriam os trabalhos era o arnês de segurança ligado a uma linha de vida.
8ª - Provou-se que no momento da queda, o sinistrado não fazia uso de arnês de segurança ligado a uma linha de vida ou ponto fixo, nem de qualquer outro equipamento de proteção apto a evitar quedas em altura.
9ª – E provou-se – decisivamente – que o sinistrado sabia da especifica necessidade de usar este equipamento de segurança !!!!!
10ª - A utilidade do arnês depende da sua ligação a um ponto fixo com uma linha de vida. É este mecanismo que impede a queda do seu utilizador. O arnês, sem a ligação a uma linha de vida, não passa de um vulgar cinto.
11ª - Se o sinistrado fizesse uso de arnês de segurança ligado a uma linha de vida, o sinistro não teria ocorrido, uma vez que o sinistrado ficaria suspenso e não caía ao solo.
12ª – Provou-se, assim, que existia um risco de queda em altura, de modo que o sinistrado encontrava-se obrigado a fazer uso de arnês de segurança ligado a linha de vida, como era obrigação legal – cfr. art.º 11.º n.º 1 da Portaria n.º 101/96, de 3 Abril.
13ª - Aos pressupostos geradores de perigo constantes do art.º 44º do Decreto nº 41821, de 11 de Agosto de 1958, há que acrescentar o pressuposto constante do art.º 11.º n.º 1 da Portaria n.º 101/96, ou seja, a existência de um risco de queda em altura – cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 20 de Dezembro de 2005 (Proc. n.º 2323/05-2).
14ª - O sinistro, e as suas nefastas consequências, são consequência direta desse comportamento omissivo do sinistrado, violador das normas de segurança aplicáveis e IMPOSTAS POR LEI !
15ª - Ao sinistrado era exigível um cuidado acrescido, face ao grau de conhecimento que lhe advinha da sua longa experiência profissional e também do facto de ser trabalhador por conta própria.
16ª - O sinistrado sabia que não podia subir ao telhado sem fazer uso de arnês ligado a uma linha de vida, como se provou e ninguém refuta.
17ª - Tal como decorre dos acórdãos do T.R.L. de 5/7/2006 e 19/12/12 a não utilização de arnês de segurança ligado a linha de vida para a execução de trabalhos em telhados constitui uma das situações de mais manifesta violação de regras elementares de segurança, sendo de elementar noção que aquele tipo de equipamento só cumpre a sua função desde que seja devidamente utilizado, o que pressupõe, desde logo, que esteja preso a um ponto fixo ou a uma linha de vida.
18ª - O mencionado comportamento violador verificou-se sem causa justificativa, pois o sinistrado sabia que ao trabalhar no telhado tinha obrigatoriamente de usar aquela medida de proteção individual, e não a usou.
19ª - Ocorreu assim um ato do sinistrado violador, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas por lei, o que leva à descaracterização do sinistro (cfr. art.º 14º nº 1 alínea a) da Lei n.º 98/2009) – vide, neste sentido, Acórdãos do S.T.J. de 22.11.2007 e de 1.03. 2010 (Proc. 323/04.0TTVCT.S1).
20ª - Deve, assim, ser revogada a douta sentença recorrida, por violação do disposto no art.º 14.º al. a) da Lei n.º 98/2009 e 607.º do Código de Processo Civil que deveria ter sido aplicado em conformidade com o alegado nas conclusões supra.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vossas Exª.s doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida, devendo, em sua substituição, ser lavrado douto Acórdão que julgue procedentes as conclusões do presente Recurso, com as legais consequências, como é da mais inteira e salutar J U S T I Ç A !”.
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A A. apresentou contra-alegações, as quais terminou com as seguintes Conclusões:
“1 - A douta decisão recorrida não merece qualquer censura, como reclama a apelante;
2 - Não se verifica, nem de facto, nem de direito, a descaracterização do acidente de trabalho, sofrida pelo sinistrado por ele, como está demonstrado na matéria de facto dada como provado pelo Tribunal A QUO, e não impugnada pela apelante, não violou nenhuma regra de segurança.
3 - O sinistrado antes de iniciar o trabalho que se propunha executar – substituir uma telha que voou com intempérie - avaliou o risco e muniu-se do Equipamento de Proteção Individual (EPI), tabuão e colocou o arnês, para proceder à colocação da telha em segurança.
4 - Não se sabe o que se passou entre o momento em que o sinistrado subiu a escada com uma prancha de madeira, com 2/2,5 m de comprimento, com cerca de palmo e meio de largura, e com arnês colocado, e o momento do acidente, queda da cobertura do pavilhão para o solo.. A Recorrente não se conformou com a douta sentença de fls. …, que considerou a acção improcedente.
5 - Após a chegada do sinistrado ao telhado do barracão, nos momentos seguintes ouviu-se um estrondo, acorreram ao local e já viram o sinistrado caído no interior do barracão;
6 - Os factos dados como provados pelo Tribunal A QUO não nos dão indicações quanto à concreta perigosidade do telhado, como não nos dá indicação do que fez o sinistrado no mesmo e os motivos concretos da sua atuação que determinaram a eclosão da queda que vitimou BB;
7 - A douta decisão do Tribunal A QUO, como se disse supra, mostra-se muito cuidada e ponderada, fazendo uma correta decisão da matéria de facto e de direito, nada lhe podendo ser apontado de negativo;
8 - Deve manter-se a decisão do Tribunal A QUO na sua íntegra.
Nestes termos e nos doutamente forem supridos por V. Ex.as, deve o recurso da R./apelante ser negado provimento, mantendo-se a decisão do Tribunal A QUO, como é de elementar justiça.”.
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O recurso foi admitido como apelação, com efeito suspensivo e ordenada a remessa dos autos a esta Relação.
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O Ministério Público teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, tendo emitido parecer no sentido de que deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a douta sentença recorrida, no essencial, porque não se apuraram as concretas circunstâncias em que o acidente ocorreu.
Notificadas as partes, veio a A. responder manifestando a sua concordância com este parecer e concluindo pela improcedência da apelação, tal como pugnou nas suas alegações.
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Dispensados os vistos há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim a questão única que importa apreciar, é saber se deve a sentença recorrida ser substituída por outra que declare procedente o pedido da recorrente, por o acidente sofrido pelo sinistrado se encontrar “descaracterizado”, ao contrário do que concluiu o Tribunal “a quo”.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
O Tribunal a quo considerou:
Factos provados
Com relevo para a decisão da causa está provado que:
1. BB nasceu no dia .../.../1954, sendo filho de EE e de FF – cfr. doc. de fls. 65, que se dá por integralmente reproduzido;
2. AA nasceu no dia .../.../1958, sendo filha de GG e HH – cfr. doc. de fls. 37, que se dá por integralmente reproduzido;
3. BB faleceu no dia .../.../2018, no estado civil de casado com AA – cfr. doc. de fls. 10, que se dá por integralmente reproduzido;
4. Por escritura pública intitulada “habilitação”, datada de 27.12.2018, AA declarou “ser cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido BB e nessa qualidade declara (…) que no dia nove de Dezembro de dois mil e dezoito faleceu, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, BB (…)”;
5. Bem como que “o mesmo faleceu no estado de casado, em primeiras e únicas núpcias de ambos e no regime da comunhão de adquiridos, com ela outorgante, tendo deixado como seus únicos herdeiros:
Ela outorgante, AA (…); e
Dois filhos:
CC, solteira, maior (…)
DD, casado com II, no regime da comunhão de adquiridos (…)” – cfr. doc. de fls. 32 e ss., que se dá por integralmente reproduzido;
6. Por contrato titulado pela apólice nº ...87, a BB celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a Ré A... – Sucursal em Portugal, com base na remuneração anual ilíquida de €13.136,76 – cfr. doc. de fls. 16, que se dá por integralmente reproduzido;
7. BB exercia a actividade de serralheiro por conta própria, auferindo €13.136,76 ilíquidos anuais;
8. No dia 15.11.2018, cerca das 14h15m, BB deslocou-se ao pavilhão industrial sito na EN..., nº ..., em ..., Águeda, pertencente à B..., Lda a fim de reparar a respectiva cobertura;
9. Para subir à cobertura do pavilhão, BB encostou uma escada de alumínio à parede do pavilhão;
10. Levou ainda uma prancha de madeira como a utilizada nos andaimes da construção civil, com cerca de 2m/2,5m de comprimento e palmo e meio de largura, a fim de se deslocar em cima da cobertura do pavilhão e colocou o arnês de segurança;
11. BB, por razões em concreto não apuradas, caiu da cobertura do pavilhão para o solo, tendo sofrido fractura da bacia, fracturas cominutivas, fracturas de costelas, fracturas dos membros superiores e fracturas vertebrais, tendo sido conduzido de urgência para o Hospital de Aveiro, onde ficou internado até 09.12.2018;
12. BB veio a falecer em consequência das lesões sofridas;
13. AA, no dia 11.12.2018, pagou à C..., Agência Funerária, Lda €1.504,00 pelo funeral de BB;
14. AA deslocou-se aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho de Águeda nos dias 18.03.2019 e 30.05.2019;
15. A cobertura do pavilhão industrial encontrava-se a cerca de 5m de altura do solo;
16. Tal cobertura era formada por placas em fibrocimento, de cor cinzenta, e placas de fibra de vidro, translúcidas;
17. O Sinistrado foi chamado ao local porque uma das placas da cobertura tinha voado com o vento na sequência das intempéries que tinham afectado a região dias antes;
18. BB sabia que não podia caminhar de forma directa sobre placas de fibrocimento e de fibra de vidro que se encontrassem degradadas, mal conservadas ou danificadas;
19. Sabia ainda que o arnês deve ser usado ligado a corda presa a um ponto fixo;
20. No local inexistia montada rede de protecção contra quedas;
21. O Sinistrado não possuía serviços de segurança e higiene no trabalho organizados, nem tinha um relatório de avaliação de riscos;
22. À Autora AA foi deferido pelo Instituto da Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões o pagamento de pensão de reforma por velhice desde 31.12.2018 – cfr. doc de fls. 66, que se dá por integralmente reproduzido;
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Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não está provado que:
a). BB prendeu o arnês a uma corda;
b). AA despendeu €20,00 nas deslocações que fez aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho de Águeda;
c). As placas que compunham a cobertura do pavilhão industrial tinham dezenas de anos e encontravam-se degradadas e em mau estado de conservação;
d). Para além da placa que voou, as restantes placas da cobertura encontravam-se danificadas;
e). O Sinistrado não tinha formação para execução de trabalhos em altura, nem em matéria de segurança e saúde no trabalho;
f). O Sinistrado não planificou os trabalhos a realizar;
g) O Sinistrado caminhou de forma directa sobre as placas da cobertura do pavilhão industrial.”.
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B) O DIREITO
Através do presente recurso, insurge-se a recorrente contra a decisão de direito, não discutindo a decisão de facto que antecede (pois, como se verifica, há total incumprimento do disposto no art. 640ª do CPC) pretendendo, apenas, que se revogue a sentença e a sua substituição por decisão que declare descaracterizado o acidente que vitimou o sinistrado.
Sem qualquer discussão está, também, a questão do regime legal aplicável, ou seja, o CT de 2009, aprovado pela Lei 7/2009 de 12/2 e o “Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais”, aprovado pela Lei nº 98/2009, de 4/09, (também designada LAT e a que pertencerão os artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem), atenta a data (09.12.2018) em que ocorreu o acidente em causa.
Passemos, então, tendo em conta aquela factualidade, definitivamente assente nesta sede, já que não se vislumbra a necessidade de qualquer intervenção oficiosa da nossa parte, à análise da invocada questão da “descaracterização do acidente” que a recorrente, com base nos argumentos que refere nas suas conclusões 3ª e ss., defende ocorrer.
Mas, podemos adiantar, sem razão.
Pois, não se tendo demonstrado e apurado as razões em concreto em que se deu o acidente que vitimou o infeliz sinistrado, ou seja, as circunstâncias e o que determinou a sua queda da cobertura do pavilhão para o solo nunca, ele, poderá ser julgado descaracterizado, nos termos pretendidos pela recorrente, a quem competia provar a matéria de facto impeditiva do direito da A./recorrida.
Analisemos, então a questão:
- Da descaracterização do acidente – art. 14º, nº1, alínea a) da Lei nº98/2009 de 04.09.
O Mº Juiz “a quo”, invocando jurisprudência e doutrina que subscrevemos, concluiu que o acidente que vitimou o sinistrado é reparável por não se verificar a situação prevista no art. 14º, nº1, al. a) da LAT e, em consequência, decidiu assistir à A. o direito de ser ressarcida dos danos sofridos, em consequência, do evento participado, com os seguintes fundamentos que, em síntese, se transcrevem: «(...).
No caso dos autos, apesar de estar em causa a intervenção na cobertura de um pavilhão industrial, composta de placas de fibra de fibrocimento e de fibra de vidro e ainda que o Sinistrado não tivesse serviços de segurança e higiene no trabalho (art. 73º e ss. da Lei nº 102/2009), nem tivesse elaborado um relatório de avaliação de riscos, o certo é que não ficou provado que não planificou os trabalhos a executar.
E isto, desde logo, porque levava consigo uma prancha em madeira com 2/2,5m de comprimento e palmo e meio de largura com vista a permitir a deslocação na cobertura.
Tinha ainda colocado um arnês, ainda que não ligado a linha de vida.
(…).
Tudo revelando que o Sinistrado, por levar esses equipamentos, em momento prévio à subida à cobertura do pavilhão industrial, aquilatou quais os riscos existentes (o que não se confunde com a inexistência de um relatório em que haja consignado tal avaliação), nomeadamente de queda em altura, a factualidade apurada é insuficiente para afirmar que o sinistro foi uma consequência de falta de avaliação de riscos e de planificação.
(…)
Sucede que, no caso dos autos, desde logo não ficou demonstrado que o Sinistrado não tivesse formação para a execução de trabalhos em altura, nem em matéria de segurança e saúde no trabalho.
Mas ainda que as não tivesse, não foi apurado que o sinistro haja sido uma consequência de um desconhecimento da matéria ou de um qualquer estado de ignorância relativamente a um procedimento concreto, termo em que não colhe, também neste segmento, a argumentação da Ré.
(…)
In casu, conforme já referido, o Sinistrado encontra-se no cimo da cobertura de um pavilhão industrial, a cerca de 5m de altura do solo.
Tal cobertura era formada por placas de fibrocimento, de cor cinzenta, assim como placas em fibra de vidro, translúcidas.
Sucede que, desde logo não ficou apurada uma inclinação da cobertura do pavilhão industrial, questões estruturais, ou mesmo condições climatéricas reclamassem a utilização de meios de protecção específicos, fossem eles pranchas ou tábuas de rojo, arnês ligado a linha de vida, ou mesmo uma rede anti-queda (esta entendida como o equipamento de protecção, por via de regra de natureza têxtil e de áreas variáveis, que apresenta a capacidade de captar objectos ou pessoas que nela caiam, absorver o respectivo choque e evitar o contacto com o solo ou outras superfícies).
É que, pese embora a cobertura fosse composta por placas de materiais diversos, não apenas o Sinistrado levou consigo uma prancha em madeira, como não ficaram apurados os termos em que foi feita a deslocação na cobertura do pavilhão, nomeadamente se de forma directa sobre as placas, mediante a utilização da prancha de madeira, ou sobre qualquer ponto da estrutura que, por natureza, suporta tais placas.
Tratando-se de um domínio em que, conforme já referido, se vem entendendo que a deslocação numa cobertura não é, por si só, bastante para justificar a utilização de meios específicos de segurança, não se verifica, também neste segmento, a violação de uma regra de segurança causal do sinistro.
*
Derradeiramente, de referir não foi apurado se, aquando da queda, o Sinistrado estava já a realizar uma qualquer tarefa técnica ou apenas a movimentar-se e, nessa hipótese, entre que pontos, o objectivo da deslocação (nomeadamente se pretendia fixar o arnês a um determinado ponto de fixação mais próximo) e qual a concreta sucessão de movimentos.
De igual jeito, não se logrou identificar o mecanismo que fez eclodir o sinistro, mormente se escorregou, se uma placa se soltou, se teve um qualquer movimento reflexo, se sofreu um desequilíbrio, se se assustou com algo, se se sentiu mal, entre muitas outras hipóteses.
Tal sempre seria essencial para permitir concluir ter na sua génese o desrespeito de uma específica regra de segurança, para, no contexto de um juízo de probabilidade ex post, aquilatar se a imputada omissão da Empregadora teria integrado o processo, a cadeia relacional causal do sinistro.
E era, em primeira linha, face ao por si alegado, sobre a Ré Companhia Seguradora que recaía o ónus de provar o nexo de causalidade entre a inobservância de regras de segurança e a lesão produzida, ónus esse que não foi observado.30
Conforme decidiu o Supremo Tribunal de Justiça31 (tendo embora por referente a Lei nº 100/97 de 13 de Setembro), “de harmonia com a jurisprudência, constante e pacífica, deste Supremo Tribunal, para ser imputada à entidade empregadora a responsabilidade infortunística, nos termos previstos nos artigos 18.º, n.º 1 e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), não basta que se prove ter ocorrido violação das regras segurança, exigindo-se, também, a demonstração de factos dos quais se possa concluir que foi o desrespeito por tais regras que deu origem ao evento danoso”.
Concluindo, não se vislumbra que o Sinistrado, com a sua conduta, haja violado, de forma consciente, de regras legais de segurança causadoras do sinistro ou que haja fundamento, pelas analisadas conduta do Sinistrado, para que a Ré não responda pelas consequências do sinistro.»
Desta decisão discorda a recorrente e invoca a falta de razão do Tribunal “a quo”, no que respeita a esta conclusão, defendendo e argumentando, em síntese, o seguinte: “Salvo o devido respeito, deve entender-se que o acidente “sub judice” se mostra descaracterizado, face aos factos que resultaram provados, conjugados com o disposto na alínea a) do art.º 14.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4-9-2009.
O que se passou, em bom rigor, foi uma verdadeira insanidade, que não se pode suavizar. Não se deve branquear, em última instância, para que não se repitam comportamentos tão perigosos, e que só podem dar em tragédia.”
Prossegue, na consideração de que “Havendo várias questões a considerar, cumpre realçar dois factos incontornáveis:
A) O sinistrado era patrão, era trabalhador por conta própria há muitos anos, tinha conhecimento da necessidade de adoção de medidas de segurança aptas a evitar um sinistro deste tipo,
B) neste trabalho em altura, perigoso por si só, o arnês não se encontrava ligado a uma linha de vida e o sinistrado sabia desta necessidade, tal como resulta do ponto 19 dos factos provados.
(…)
Provou-se também, que à data do sinistro o sinistrado exercia a sua profissão por conta própria.
O seu comportamento foi assim duplamente violador das regras de segurança aplicáveis a este tipo de trabalhos.
De facto, e por um lado, na qualidade de trabalhador por conta própria, o sinistrado estava obrigado a utilizar os equipamentos de proteção individual aptos a evitar quedas em altura, mormente arnês de segurança devidamente conectado a uma linha de vida, dado que se encontrava a laborar num telhado a cinco metros de altura do solo, cfr. ponto nº 15 dos factos provados.
É certo que, como se refere na douta sentença recorrida, não se provou qual a concreta tarefa que o sinistrado executava aquando do sinistro. Mas, em bom rigor, não era necessário provar tal minudência. O que se provou é suficiente para se concluir pela descaracterização do sinistro.
De facto, o sinistrado deslocou-se ao referido pavilhão no pleno exercício da sua profissão e, posteriormente, subiu à cobertura onde se deslocava quando se deu a queda. Não pode haver qualquer dúvida a este respeito!
(…).
Das citadas normas resulta de forma evidente que, considerando as condições em que decorriam os trabalhos, e a altura de cinco metros do solo, correspondente quase à altura de um edifício de três andares, o sinistrado estava obrigado a adotar equipamentos de proteção aptos a evitar a quedas em altura.
Sendo o melhor e mais básico aquele que lhe garantia uma prisão do corpo a um ponto fixo, ou seja, o arnês de segurança ligado a uma linha de vida.
Provou-se, no entanto, que o sinistrado, no momento da queda, não fazia uso de arnês de segurança ligado a uma linha de vida ou ponto fixo, nem de qualquer outro equipamento de proteção apto a evitar quedas em altura!!!
(…)
Acresce que, ao sinistrado era exigível um cuidado acrescido, face ao grau de conhecimento que lhe advinha da sua longa experiência profissional e também do facto de ser trabalhador por contra própria.
Todavia, a forma como o sinistrado caminhava pelo telhado não foi prudente e, decisivamente, configura uma clara violação às normas legais aplicáveis.
Pensar o contrário é potenciar a ocorrência de acidentes semelhantes no futuro, sempre com consequências muito graves.
Deve, pois, entender-se que o sinistrado, face às aludidas circunstâncias, teve um comportamento violador das condições de segurança impostas por Lei, sem o qual o evento infortunístico “in casu” nunca teria ocorrido.
Mais sucede que o mencionado comportamento violador verificou-se sem causa justificativa, pois o sinistrado era conhecedor da necessidade de adotar as regras de segurança em causa, como resultou da prova produzida.
O sinistrado sabia que não podia subir ao telhado sem utilizar arnês ligado a uma linha de vida, DADOS OS RISCOS DE QUEDA, E DESIGNADAMENTE, O RISCO DE MORTE QUE ESTE TIPO DE TRABALHO ENCERRA, como é notório, e resulta da lei.
Aliás, resultou da prova produzida que o sinistrado sabia a importância de utilizar um arnês de segurança e sabia, também, que devia ligar o mesmo a corda presa a um ponto fixo. Mas, não o fez…
(…)
Deste modo, torna-se de uma evidência cristalina que ocorreu um acto do sinistrado violador, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas por lei, o que leva à descaracterização do sinistro.
(…), o sinistrado tinha plena consciência de que devia fazer uso de arnês de segurança ligado a uma linha de vida para aceder ou caminhar num telhado a cinco metros de altura, como se provou.
Os factos essenciais dados como provados são, entre outros, os pontos 18, 19, 20 e 21.
Face ao exposto, o sinistrado não aquilatou os riscos existentes nem tomou qualquer medida de segurança visto que: 1) sabia a necessidade de o arnês de segurança estar ligado a uma linha de vida, mas não o fez; 2) não possuía serviços de segurança no trabalho; 3) nem tinha um relatório de avaliação de riscos;
(…)
Assim, no caso concreto dos autos, o acidente deve ter-se por descaracterizado, atento o disposto no art.º 14º nº 1 alínea a), da citada Lei.”.
Que dizer?
Desde logo, como já dissemos, que a apelante não tem razão.
Pois, não podemos deixar de perfilhar o entendimento do Tribunal “a quo” de que face à factualidade apurada, não é possível concluir pela descaracterização do acidente, que não se discute é de trabalho.
Ao contrário do que defende, em nosso entender, o que decorre da factualidade apurada, em concreto os factos 9 e 10, não permite tecer quaisquer considerações sobre as condições em que decorriam os trabalhos, nem se o sinistrado já se encontrava a trabalhar ou sequer que o sinistrado caminhava pelo telhado, de modo a afirmar, como o faz a recorrente, que a forma como o fazia não foi prudente.
Ou seja, ao contrário do que considera a recorrente e, permita-se-nos, usando a sua própria adjectivação, não podemos de modo algum concordar que o que se provou, que se passou, configura “uma verdadeira insanidade”, nem que possa, no caso, considerar-se “minudência” não se ter provado a concreta tarefa que o sinistrado executava aquando do sinistro. Pois, como a recorrente bem sabe, em situações como a que se analisa (trabalhos em altura), faz toda a diferença e é essencial, apurar as condições em que decorriam os trabalhos, nomeadamente, se já estava a efectuar-se trabalho ou o sinistrado ainda estava a chegar à cobertura e a preparar-se para o iniciar e, eventualmente, ainda não tinha procedido á ligação do arnês que tinha colocado, porque ainda não tinha chegado ao local e momento de o fazer ou até se já o tinha ligado e outra qualquer coisa aconteceu.
Tudo o que se apurou foi o modo que utilizou para subir à cobertura do pavilhão, o que levou “a fim de se deslocar em cima da cobertura do pavilhão” e o que colocou “o arnês de segurança” e que, “por razões em concreto não apuradas”, caiu da cobertura para o solo, do que veio a falecer, consequência das lesões sofridas naquela queda.
Assim, não se apurando os serviços que estavam ou não a decorrer, nem o que em concreto o sinistrado fazia no momento, nomeadamente, sobre as condições do trabalho e se caminhava pelo telhado, é impossível formular quaisquer conclusões, sobre a prudência ou não na forma de caminhar e, mais, se a sua conduta foi temerária. Do mesmo modo que, é impossível dizer que uma queda, que ocorre por razões não apuradas, configura uma clara violação das normas legais aplicáveis, ou afirmar que “nunca teria ocorrido” um evento infortunístico que não se logrou apurar como ocorreu, como decorre do facto provado nº 11.
Ora, o que antecede, como bem se considerou na decisão recorrida, perfilhando o entendimento que vem sendo seguido no STJ e que, subscrevemos, não permite retirar a conclusão que a apelante formula. A Ré não demonstrou, como lhe competia, a existência do nexo de causalidade entre aquela conclusão de que, “torna-se de uma evidência cristalina que ocorreu um acto do sinistrado violador, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas por lei” e a verificação do acidente.
E, sendo deste modo, sempre com o devido respeito, claudica a conclusão que retira, erradamente, do que apela de factos essenciais dados como provados, “entre outros, os pontos 18, 19, 20 e 21”.
Pois, se, atenta a definição normativa de acidente de trabalho enunciada no art. 8°, n° 1, que sob a epígrafe “Conceito”, dispõe que: “1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”, não podem suscitar-se dúvidas que estamos perante um acidente de trabalho, também, não podem suscitar-se dúvidas que é indemnizável já que, o que se apurou, não permite concluir pela sua descaracterização, como bem se decidiu na decisão recorrida.
Senão, vejamos.
Dispõe o art. 14°, da LAT, sob a epígrafe "Descaracterização do acidente" o seguinte: “1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal provação derivar da própria prestação de trabalho, for independente da vontade do sinistrado, ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
3 - Entende-se por negligência grosseira, o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.”.
A propósito dos requisitos previstos na al. a) deste dispositivo, tem o STJ se pronunciado várias vezes, como entre outros (Ac. de 19.11.2014, Proc. 177/10.7TTBJA.E1.S1, Ac. de 26.06.2019, Proc. 763/16.1T8AVR.P1.S1 e o Ac. de 13.10.2021, Proc. 3574/17.3T8LRA.C1.S1, todos in www.dgsi.pt), seguindo o entendimento, que perfilhamos e, diga-se, acolhemos aqui, de que: “A descaracterização do acidente (de trabalho) prevista na alínea a) do nº1 do artº14º da NLAT (Lei nº98/2009, de 4 de Setembro), exige a conjugação cumulativa dos seguintes requisitos: a existência, por um lado, de condições de segurança e o seu desrespeito por parte do destinatário/trabalhador; em actuação voluntária, embora não intencional, por acção ou omissão, e sem causa justificativa; por outro lado, impõe-se que o acidente seja consequência, em termos de causalidade adequada, dessa conduta”.
Anterior, mas em idêntico sentido, veja-se o (Ac. do STJ de 13.01.1993, Proc. 003383, in www.dgsi.pt), em cujo sumário se consignou o seguinte: «I - Para que se verifique a descaracterização do acidente de trabalho por violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, nos termos da alínea a) do n. 1 da Base VI da Lei n. 2127, é imprescindível que ocorram, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal; b) violação dessas condições de segurança pela vítima, através de acto ou omissão; c) que a conduta da vítima seja voluntária, embora não intencional e sem causa justificativa; d) que o acidente seja consequência dessa conduta.
II - A descaracterização do acidente de trabalho constitui facto impeditivo do direito invocado pelo sinistrado, cabendo à entidade responsável o ónus da prova dos factos integrantes de tal descaracterização (artigo 342 n. 2 do Código Civil).».
A nível doutrinal, no mesmo sentido, ainda que a propósito da Lei nº 100/97, mas com inteira aplicação à actual legislação, neste caso, (Pedro Romano Martinez in “Direito do Trabalho”, 3.ª Edição, Almedina, 2006, págs. 851 e 852), refere que, “o legislador exige somente que a violação careça de «causa justificativa», pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º da LAT (correspondentes às mesmas alíneas do n.º 1 do art. 290.º do CT) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.
(...).
Se o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador.”.
Apesar desta questão, não ser pacifica, como se explica, citando doutrina e jurisprudência, o (Acórdão desta Relação de 14.07.2021, Proc. nº 507/16.8T8VLG.P1, relatado pela Desembargadora Paula Leal de Carvalho e subscrito pelo, agora, 1º Adjunto), em cujo sumário se lê:
“I - A questão de saber se a causa de exclusão do direito à reparação prevista al. a) do art. 14º da NLAT, aprovada pela Lei 98/2009 (tal como a do art. 7º, nº 1, al. a), da Lei 100/97, que a antecedeu) exige, ou não, um comportamento negligente por parte do sinistrado não é pacífica, não acolhendo, designadamente, a unanimidade da doutrina, conforme referido no texto do acórdão.
II - No que toca à existência de outras causas justificativas da violação de regras de segurança que não apenas as referidas no nº 2 do art. 14º da Lei 98/2009, pronunciou-se o Acórdão do STJ de 11.05.2017, Proc. 1205/10.1TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
III - Seja como for, em ambas as posições doutrinais a que se reporta o ponto I, não será toda e qualquer violação de norma ou regra de segurança que imporá a “descaracterização” do acidente de trabalho, sendo certo que também na posição do Professor Pedro Romano Martinez “não é qualquer atuação menos cuidada por parte do trabalhador que acarreta a exclusão ou a redução da responsabilidade; torna-se necessário que a falta tenha alguma gravidade.”.
IV - A própria gravidade da infracção é susceptível de gradação, a essa gravidade se devendo e podendo atender no âmbito da al. a), 2ª parte, do art. 14º, da citada Lei.”.
Mas continuemos, atenta a situação, dizendo.
Segundo dispõe o art. 11º, sob a epígrafe “Quedas em altura” da Portaria nº101/96 de 03.04 (que regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis).
1. Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
2. Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável”.
O referido artigo, quanto ao uso de equipamento anti queda, não contém normas específicas (limita-se a estabelecer princípios gerais), remetendo para o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto nº41821 de 11.08.58, o qual determina no seu art. 1º que, “É obrigatório o emprego de andaimes nas obras de construção civil em que os operários tenham de trabalhar a mais de 4 metros do solo ou de qualquer superfície contínua que ofereça as necessárias condições de segurança”.
Por sua vez, na Secção II, sobre “Utilização dos equipamentos de trabalho destinados a trabalhos em altura”, o art. 36º do DL nº50/2005 de 25.02, (diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº89/655/CEE, do Conselho, de 30.11, alterada pela Directiva nº95/63/CE, do Conselho, de 05.12, e pela Directiva nº2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27.06, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho), dispõe sob a epígrafe, “Disposições gerais sobre trabalhos temporários em altura” o seguinte: “
1. Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras.
2. Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual.
3. O dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança.
4. A escolha do meio de acesso mais apropriado a postos de trabalho em altura deve ter em consideração a frequência da circulação, a altura a atingir e a duração da utilização.
(...)”.
E o art. 37º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe, “Medidas de protecção colectiva” refere que:
1. As medidas de protecção colectiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar.
2. Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de protecção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura
(...)”.
Verifica-se, assim, que o DL nº50/2005 de 25.02 não contém, igualmente, normas específicas quanto ao uso de equipamento anti queda (limita-se a estabelecer princípios programáticos, de ordem geral), pelo que, há que averiguar se o sinistrado estava obrigado a observar, no caso concreto, determinados meios de protecção (colectivos ou individuais).
Nele provou-se que, “o sinistrado que exercia a actividade de serralheiro por conta própria, deslocou-se ao pavilhão industrial sito na EN..., nº ..., em ..., Águeda, pertencente à B..., Lda a fim de reparar a respectiva cobertura. Para subir à cobertura do pavilhão, BB encostou uma escada de alumínio à parede do pavilhão. Levou ainda uma prancha de madeira como a utilizada nos andaimes da construção civil, com cerca de 2m/2,5m de comprimento e palmo e meio de largura, a fim de se deslocar em cima da cobertura do pavilhão e colocou o arnês de segurança. Por razões em concreto não apuradas, caiu da cobertura do pavilhão para o solo. A cobertura do pavilhão industrial encontrava-se a cerca de 5m de altura do solo; Tal cobertura era formada por placas em fibrocimento, de cor cinzenta, e placas de fibra de vidro, translúcidas; 17. O Sinistrado foi chamado ao local porque uma das placas da cobertura tinha voado com o vento na sequência das intempéries que tinham afectado a região dias antes; 18. BB sabia que não podia caminhar de forma directa sobre placas de fibrocimento e de fibra de vidro que se encontrassem degradadas, mal conservadas ou danificadas; 19. Sabia ainda que o arnês deve ser usado ligado a corda presa a um ponto fixo; 20. No local inexistia montada rede de protecção contra quedas; 21. O Sinistrado não possuía serviços de segurança e higiene no trabalho organizados, nem tinha um relatório de avaliação de riscos;”.
Ou seja, apenas se sabe que o sinistrado foi chamado e deslocou-se ao local, onde ocorreu o sinistro, a fim de reparar a cobertura de um pavilhão, porque uma das placas da cobertura tinha voado com o vento na sequência das intempéries que tinham afectado a região dias antes. Ou seja, a tarefa a executar era a de colocar uma das placas que havia voado e não, propriamente, a reparação desse telhado. Deste modo, ressalvando sempre melhor opinião, afigura-se-nos não ser exigível, no caso em apreço, o uso de medidas de protecção colectiva, como andaimes, nem a recorrente o refere, limitando-se a referir, que o sinistrado estava obrigado a usar e a fornecer os equipamentos de proteção individual aptos a evitar quedas em altura, mormente arnês de segurança, que devia ligar a uma linha de vida e considerando as exigências dos trabalhos, e a altura de cinco metros do solo, o sinistrado estava obrigado a adotar equipamentos de protecção aptos a evitar a quedas em altura.
Assim, processando-se a concreta tarefa que o sinistrado foi chamado a efectuar a uma altura de cinco metros do solo, importa averiguar se no caso seria exigível o uso de protecção individual.
E a este respeito, importa ter em atenção o enunciado no art. 150º daquele Decreto nº41821 de 11.08.1958 que determina: “A entidade patronal deve pôr à disposição dos operários os cintos de segurança, máscaras e óculos de protecção que forem necessários.
§ único. Os operários utilizarão obrigatoriamente estes meios de protecção sempre que o técnico responsável ou a entidade patronal assim o prescrevam”.
E, também, o art. 44º do mesmo Decreto que sob a epígrafe, “Obras em telhados” prescreve o seguinte: “No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guardas-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
§ 1º As plataformas terão a largura mínima de 0,40m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente.
§ 2º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção”.
Decorre deste art. 44º que, o Decreto nº41821, apenas, determina o uso do cinto de segurança nas condições e circunstâncias aí referidas.
Ou seja, a adopção das medidas previstas na citada disposição legal só é obrigatória quando existe risco de queda devido: -a) à inclinação do telhado; -b) à fragilidade do material de cobertura; -c) à existência de condições atmosféricas adversas.
Donde sejamos obrigados a concluir que o facto de, eventualmente, se andar em cima de um telhado, por si só, não obriga à adopção de medidas de protecção e, sendo desse modo, obrigados a concluir que, compete à entidade responsável provar que, na situação em concreto, o telhado não oferecia condições para sobre ele se caminhar por se verificar alguma das situações atrás indicadas.
Na verdade, a averiguação do risco de queda tem de ser analisada em função das concretas circunstâncias do caso.
Por outras palavras, devemos colocar-nos na posição do sinistrado no momento que antecedeu o cumprimento da tarefa que se propunha executar, e avaliá-la em termos de risco de queda. Como se refere no Acórdão desta Secção Social, de 09.12.2013 (relatado pela Desembargadora Paula de Carvalho in Colectânea Jurisprudência, ano 2013, tomo V, pág. 332) “para que se verifique a responsabilidade agravada do empregador é necessário que a previsibilidade do risco lhe possa ou deva ser imputável, sendo o juízo de prognose quanto à avaliação do risco feito a priori, perante o circunstancialismo que se verificava aquando do acidente, e não, a posteriori, perante a ocorrência do mesmo”.
Igual posição foi tomada no acórdão desta Secção Social de 13.01.2014, (Proc. nº 400/11.0TTMTS.P1 in www.dgsi.pt, subscrito, também, por aquela Desembargadora) onde se refere que, “Não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança, não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança”.
Donde, não podermos deixar de subscrever e salientar o referido pelo Mº Juiz “a quo” quando afirma que, “Tratando-se de um domínio em que, conforme já referido, se vem entendendo que a deslocação numa cobertura não é, por si só, bastante para justificar a utilização de meios específicos de segurança, não se verifica, também neste segmento, a violação de uma regra de segurança causal do sinistro.”.
Assim, retomando, analisando em concreto o caso.
Provou-se que, o sinistrado encontrava-se na cobertura de um pavilhão industrial situado a cerca de 5m de altura do solo, onde foi chamado porque uma das placas da cobertura tinha voado, cobertura essa formada por placas em fibrocimento, de cor cinzenta, e placas de fibra de vidro, translúcidas, com o propósito de reparar a cobertura. À qual subiu através de uma escada de alumínio que encostou à parede do pavilhão e levou ainda uma prancha de madeira como a utilizada nos andaimes da construção civil, com cerca de 2m/2,5m de comprimento e palmo e meio de largura, a fim de se deslocar em cima da cobertura do pavilhão e colocou o arnês de segurança. Por razões em concreto não apuradas, caiu da cobertura do pavilhão para o solo.
Mais, se provou que, o sinistrado sabia que não podia caminhar de forma directa sobre placas de fibrocimento e de fibra de vidro que se encontrassem degradadas, mal conservadas ou danificadas; 19. Sabia ainda que o arnês deve ser usado ligado a corda presa a um ponto fixo; 20. No local inexistia montada rede de protecção contra quedas; 21. O Sinistrado não possuía serviços de segurança e higiene no trabalho organizados, nem tinha um relatório de avaliação de riscos.
Não se provou qual o estado concreto da cobertura do pavilhão, mas tão só como era formada (facto 16 da matéria de facto provada).
Não se provou qual a inclinação do referido telhado e muito menos quais as condições atmosféricas no dia do acidente, tão só que, dias antes, a região tinha sido afectada por intempéries.
Aliás não se provou que, “c). As placas que compunham a cobertura do pavilhão industrial tinham dezenas de anos e encontravam-se degradadas e em mau estado de conservação; d). Para além da placa que voou, as restantes placas da cobertura encontravam-se danificadas; e). O Sinistrado não tinha formação para execução de trabalhos em altura, nem em matéria de segurança e saúde no trabalho; f). O Sinistrado não planificou os trabalhos a realizar; g) O Sinistrado caminhou de forma directa sobre as placas da cobertura do pavilhão industrial.”.
Ora analisando, como já referimos, tendo em conta a matéria de facto provada, a tarefa que o sinistrado se propunha efectuar, por si só, e em termos de normal previsibilidade, não nos permite concluir pela existência de risco de queda em altura.
E, não resultando provado que, no caso, era exigível o cumprimento de medidas de protecção colectiva ou individual por parte do sinistrado não se pode concluir, como pretende e defende a recorrente, que o sinistrado violou, sem causa justificativa, as normas de segurança que se impunham adoptar no caso.
Sendo deste modo, como adiantámos, desde o início, parece-nos, não se suscitarem dúvidas, não ter a mesma demonstrado e verificarem-se, no caso, os requisitos exigíveis, na al. a) do referido art. 14º da LAT para que ocorra a descaracterização do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado, tal como decidiu o Mº Juiz “a quo”, defende a recorrida e o Ex.mo Procurador no parecer junto aos autos.
Importa, apenas, uma nota final para referir, como já supra referimos que, os factos 18, 19, 20 e 21 “(18. BB sabia que não podia caminhar de forma directa sobre placas de fibrocimento e de fibra de vidro que se encontrassem degradadas, mal conservadas ou danificadas; 19. Sabia ainda que o arnês deve ser usado ligado a corda presa a um ponto fixo; 20. No local inexistia montada rede de protecção contra quedas; 21. O Sinistrado não possuía serviços de segurança e higiene no trabalho organizados, nem tinha um relatório de avaliação de riscos;)”, não são aptos a “destruir” a conclusão a que chegamos já que, apenas, se tratam de considerações de ordem genérica e não versam o que no caso concreto era exigível em termos de medidas de segurança a aplicar.
Aliás, o que o sinistrado sabia, referido nos pontos 18 e 19, não nos permite saber se, na situação concreta, o mesmo se encontrava ou não a caminhar e se o arnês estava ou não ligado a um ponto fixo, como já dissemos.
Assim, como também, já dissemos, aqueles factos, perante o que se apurou, no facto 11, de que a queda aconteceu por razões em concreto não apuradas, não se tendo apurado o que fez eclodir aquela, não nos permite concluir que o sinistro seja devido a qualquer comportamento do sinistrado.
Donde permita-se-nos concordar, mais uma vez com a conclusão do Mº Juiz “a quo” quando diz, “não se vislumbra que o Sinistrado, com a sua conduta, haja violado, de forma consciente, de regras legais de segurança causadoras do sinistro ou que haja fundamento, pelas analisadas conduta do Sinistrado, para que a Ré não responda pelas consequências do sinistro.”.
Nos termos da alínea a), do nº 1, daquele art. 14º, mostram-se previstas duas hipóteses de descaracterização do acidente, sendo uma, decorrente de actuação dolosa provocada pelo sinistrado e a outra, prevista na segunda parte, se o acidente provier de acto ou omissão do sinistrado que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei. Não se apurando os motivos em que ocorreu o sinistro, não pode concluir-se e proceder a argumentação da descaracterização do acidente.
Sem dúvida, no caso concreto, a factualidade provada não nos permite concluir pela falta de observação de qualquer procedimento pelo sinistrado que fosse a causa adequada do acidente, pelo que, só podemos concluir que, não se verifica o circunstancialismo previsto na al. a) do nº 1 do referido art. 14º, ou seja, a descaracterização do acidente que o vitimou e cuja prova incumbiria à Recorrente/Seguradora.
Cabe à entidade responsável o ónus da prova dos factos descaracterizadores do acidente, porque constituem factos impeditivos do direito invocado pelo sinistrado, conforme (Ac. do STJ de 06.07.2017, proferido no Proc. nº 1637/14.6T8VFX.L1.S1, in www.dgsi.pt), em que se afirma, “Prova essa que competia quer à empregadora quer à seguradora, como entidades responsáveis pela reparação do acidente, por serem factos conducentes à sua descaracterização, e, por isso, impeditivos do direito invocado pelos beneficiários legais do falecido sinistrado (artigo 342º, n.º 2, do Código Civil)”.
Ora, sendo desse modo, transpondo o exposto para o caso, o acidente, sofrido pelo sinistrado, qualificado e caracterizado como de trabalho (art. 8º da LAT), ao contrário do que defende a recorrente é reparável, (nos termos do disposto nos art.s 2º, 23º, 47º e ss. da mesma lei), sendo a responsabilidade, pela reparação dos danos emergentes daquele, atenta a factualidade que se apurou (factos 6 e 7) da Ré, seguradora, (atento o disposto no art. 79º).
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e manter a sentença recorrida
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Custas pela ré/seguradora.
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Porto, 12 de Julho de 2023
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,

Rita Romeira
Rui Penha
António Luís Carvalhão