Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
238/16.9GBAGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: MEDIDA DE COAÇÃO
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: RP20160914238/16.9GBAGD-A.P1
Data do Acordão: 09/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 688, FLS.241-248)
Área Temática: .
Sumário: I - A fundamentação de despacho de reexame dos pressupostos da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica não deve conter a explicação da aplicação da medida, ab initio, uma vez que o seu thema decidendum é diferente.
II - No despacho de reexame apenas é aferida a alteração, ou não, de circunstâncias juridicamente relevantes - necessariamente posteriores à prolação do despacho anterior -, com impacto na adequação da medida de coação à luz dos requisitos gerais tipificados no artigo 204º Código de Processo Penal, diretamente emergentes das exigências processuais de natureza cautelar (artigo 191º, 1 do mesmo texto legal) e avaliados à luz dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (artigo 193º, ainda do mesmo Código).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 238/16.9GBAGD-A.P1
Data do acórdão: 14 de Setembro de 2016

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem: Comarca de Aveiro
Instância Central de Águeda | 2ª Secção de Instrução Criminal

Sumário:
1. A fundamentação de despacho de reexame dos pressupostos da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica não deve conter a explicação da aplicação da medida, ab initio, uma vez que o seu thema decidendum é diferente.
2. No despacho de reexame apenas é aferida a alteração, ou não, de circunstâncias juridicamente relevantes - necessariamente posteriores à prolação do despacho anterior -, com impacto na adequação da medida de coação à luz dos requisitos gerais tipificados no artigo 204º Código de Processo Penal, diretamente emergentes das exigências processuais de natureza cautelar (artigo 191º, 1 do mesmo texto legal) e avaliados à luz dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (artigo 193º, ainda do mesmo Código).
Acordam os juízes acima identificados da 4ª Secção Judicial
- 2ª Secção Criminal -
do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B…;
I – RELATÓRIO
1. O despacho recorrido datado de 1 de Julho de 2016 manteve a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica - que foi aplicada ao arguido em 5 de Maio de 2016 e revista em 30 de Maio de 2016, na sequência de requerimento de alteração da medida apresentado pelo arguido -, uma vez que:
a. Por despacho datado de 5 de Maio de 2016, o arguido foi sujeito a essa medida de coacção:
i. encontrando-se fortemente indiciado pela prática, de dois crimes de roubo agravado (artigo 210°, 1 e 2, b), do Código Penal); e
ii. existirem os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação do inquérito e de fuga.
b. O estatuto coativo do arguido foi reexaminado em 30 de Maio de 2016, na sequência de requerimento do arguido, tendo o despacho mantido a medida de coação, por se manterem os respetivos pressupostos que presidiram à sua escolha e aplicação.
c. Foi deduzida acusação contra o arguido, em 23 de Junho de 2016, pelos crimes que se encontravam fortemente indiciados ab initio.
d. Impunha-se, assim, reexaminar a medida de coação à luz do disposto no artigo 213°, 1, b), do Código de Processo Penal.
e. O Ministério Público pronunciou-se pela manutenção da medida de coação fixada e o arguido, notificado, pugnou peia sua substituição por termo de identidade e residência ou por medida de apresentações periódicas.
f. O despacho recorrido fundamenta a decisão com base:
i. no art. 213°, 1, b) do Código de Processo Penal, segundo o qual "as medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação", acrescentando o n.° 3 do mesmo normativo legal: "quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução";
ii. na circunstância de:
1. não constar dos autos qualquer elemento que afaste as circunstâncias e fundamentos de facto e de direito expressas nos aludidos despachos de fls. 117 e seguintes e de fls. 291 e seguintes que levaram a aplicar e a manter então a medida de permanência na habitação com vigilância eletrónica ao arguido:
2. nada ter afetado os indícios que foram afirmados nos aludidos despachos proferidos que aqui se dão por integralmente reproduzidos e que, aliás, foram reforçados com a dedução da acusação;
3. se terem mantido os ali afirmados perigos de continuação da atividade criminosa e de fuga, uma vez que nada se alterou, também, quanto à personalidade, relações familiares e sociais do arguido, com exceção da sua situação de privação da liberdade.
4. não se mostrar esgotado o prazo máximo da medida de coacção de permanência na habitação.
iii. os argumentos trazidos pela defesa consubstanciarem, apenas, uma legitima discordância com os termos dos despachos que fixaram o estatuto coativo do arguido mas nada de novo trazerem com relevo, com exceção de uma declaração de eventual futuro emprego do arguido que em nada belisca os fundamentos dos despachos em especial quanto ao perigo de fuga ali descrito. De resto, por um lado, o direito ao trabalho não é absoluto sendo que não está excluída, por outro lado, se e quando requerida, a possibilidade de o arguido, permanecendo em OPHVE, vir a ser autorizado a sair excecionalmente da sua residência pelo tempo e para o local previamente determinados e fiscalizados a fim de exercer atividade profissional desde que isso não colida com as afirmadas (e persistentes) exigências cautelares.
g. O despacho recorrido concluiu, assim, perante todo o exposto – por não se conhecerem factos que tenham alterado os pressupostos que determinaram a aplicação da medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica aplicada ao arguido e não se mostrando ultrapassado o prazo máximo legal de duração desta medida de coação - o tribunal nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 1 b) do art. 213°, do C. P. Penal, procedendo ao reexame dos seus pressupostos, manteve a situação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica em que o arguido B… se encontra.
2. O arguido interpôs recurso deste despacho, motivando-o, em síntese, com base nos argumentos a seguir concretizados:
a. o douto despacho recorrido não se encontra devidamente fundamentado;
b. há elementos nos autos que determinam que seja aplicada ao Recorrente uma medida de coacção menos gravosa, uma vez que, nomeadamente, na presente data já foi proferida acusação pública;
c. o recorrente colaborou com a justiça no primeiro interrogatório judicial, tendo confessado, sem reservas, os factos pelos quais foi detido e manifestando o propósito de ressarcir a vítima dos prejuízos que lhe causou, tendo também referido - o que não foi tido em conta - que o seu comportamento foi meramente ocasional e que foi realizado num momento de desespero, mostrando-se arrependido do seu comportamento;
d. um dos pressupostos levou à determinação da medida de coacção que foi aplicada ao recorrente já não se verifica: nesta data já não perigo de perturbação do inquérito com a dedução da acusação;
e. os demais dois pressupostos - perigo de continuação da actividade criminosa e perigo de fuga - também não se verificam, sendo ainda certo que o despacho recorrido também não explica em que medida, em concreto, tais pressupostos se verificariam;
f. não existe o perigo de continuação da actividade criminosa, tanto mais que o Recorrente nas declarações que prestou ao confessar os factos, referiu que o seu comportamento foi um acto de desespero e que se mostrava e mostra totalmente arrependido;
g. não existe perigo de fuga, uma vez que nem tem possibilidade de ir trabalhar para o estrangeiro, por ter perdido essa oportunidade, uma vez que tinha de se apresentar em finais de Maio ao trabalho, o que não foi possível concretizar em virtude de estar privado da liberdade;
h. os valores que alegadamente se apropriou e que constam da douta acusação pública não ascendem a mais de € 3.084,00, pelo que por tal valor, tão diminuto, não se justifica que seja mantida uma medida de coação privativa da liberdade;
i. os factos indiciados foram praticados num contexto excecional na vida do arguido e do qual já se arrependeu, até porque espontaneamente confessou os factos e pretende de imediato ressarcir a vitima dos prejuízos;
3. Notificado da motivação do recurso, o Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou contra-alegações, de forma fundamentada, concluindo pela sua improcedência, pelos motivos constantes na fundamentação do despacho recorrido e acrescentando que a confissão do arguido, produzida em sede de inquérito, não era necessária para o apuramento dos fortes indícios da prática criminosa, tendo em conta a prova abundante recolhida ab initio.
Por outro lado, suscita sérias reservas relativamente à proposta de emprego documentada nos autos (numa oficina de reparação automóvel), uma vez que essa atividade é completamente estranha à experiência profissional do arguido (mordomo).
4. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos termos legais - em separado e com efeito devolutivo -.
5. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, devidamente fundamentado, concluindo pela improcedência do recurso, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na primeira instância e acrescentando, nomeadamente, que a prática criminosa fortemente indiciada é incompreensível, uma vez que em Outubro de 2015 o arguido tinha uma profissão muito bem remunerada, por ser mordomo-chefe no iate «C…» - (considerado, pela imprensa mundial, o mais luxuoso iate do mundo, com 119 metros de comprimento, desenhado por D…, ainda propriedade do multimilionário russo E…, estando o seu valor de mercado estimado em cerca de 300 milhões de dólares norte-americanos), não tendo ainda sido explicado o motivo pelo qual o arguido deixou aquele emprego.
6. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atento o teor do relatório produzido nesta decisão, importa decidir as questões substanciais suscitadas neste recurso, constituindo o seu thema decidendum o seguinte:
Das questões a decidir neste recurso:
a) Da diminuição das exigências cautelares que justificaram a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica;
b) Da excessividade da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, revelando-se suficiente medida não privativa da liberdade;
II - FUNDAMENTAÇÃO

A - Os factos processuais relevantes:
Para se integrar devidamente o despacho no âmbito dos factos que deram origem aos presentes autos, importa, primeiramente, recordar os factos que, em primeiro interrogatório judicial, se mostraram fortemente indiciados, em despacho que transitou em julgado:
No dia 23/04/2016, cerca das 11h15, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial de compra e venda de objetos em ouro denominada "F…", situado na …, n.° .., r/c, área deste município de Águeda, vestindo fato de treino preto, por debaixo do casaco uma camisola com um carapuço de cor cinzento claro que lhe cobria a cabeça, usando um par de óculos de sol escuros e uma gola preta que lhe cobria o rosto e empunhando uma faca de cabo de cor branco com lâmina com cerca de 15 cm de comprimento na mão direita.
Aí chegado, entrou no referido estabelecimento e dirigiu-se à funcionária G… apontando-lhe a aludida faca e dizendo repetidamente dá-me dinheiro! Dá-me todo o dinheiro que tens! Rápido!.
Foi então que a G… lhe entregou dois envelopes contendo € 500,00 em notas, cada um. Não satisfeito, o arguido insistiu com a G… exigindo mais dinheiro, apontando-lhe a faca na direção do corpo.
Nesse momento, a G… deslocou-se à cave do estabelecimento, ficando o arguido a meio das escadas, retirou mais dois envelopes contendo um € 500,00 e o outro € 534,00 em notas que entregou ao arguido.
Em ato continuo o arguido ordenou à G… que se mantivesse na cave do estabelecimento e ausentou-se para parte incerta.
No dia 02/05/2016, cerca das 14h15, o arguido dirigiu-se novamente ao referido estabelecimento vestindo calças pretas e uma camisola com um carapuço de cor branco com as iniciais "D&G" usando um par de óculos de sol escuros e uma gola preta que lhe cobria o rosto
Aproveitando-se da circunstância de a G… ter aberto a porta de entrada, abeirou-se da mesma pelas costas, forçou a abertura da porta com a mão e empurrou a G… logrando dessa forma entrar.
De seguida, dirigiu repetidamente à G… as palavras Dá-me dinheiro! Dá-me todo o dinheiro que tens! Rápido!, empurrou-a contra um canto, puxou-lhe os cabelos ao mesmo tempo que ela tentava libertar-se empurrando-o e dizendo que não tinha dinheiro.
De seguida o arguido empunhou com a mão direita uma faca com o cabo de cor branco e uma lâmina com cerca de 15 cm que apontou ao corpo da G….
Foi então que o arguido pegou na carteira da vítima e daí retirou a quantia de € 1.050,00 em numerário.
Não satisfeito obrigou a G… a deslocar-se para a cave do estabelecimento puxando-lhe os cabelos e a ali permanecer, dizendo dá-me dinheiro! Dá-me dinheiro!, até que o telefone começou a tocar, aproveitando para encetar fuga para parte incerta.
O arguido conhecia o local por já ali se ter deslocado em duas ocasiões, no dia 17/03/2016, para vender um relógio em ouro e no dia 29/04/2016, para avaliar um relógio.
No dia 04/05/2016, cerca das 15h46, o arguido saiu do prédio situado na Rua .., …, r/c, na …, em Vagos, transportando consigo um saco de plástico que posteriormente foi apreendido pela Guarda Nacional Republicana com diverso material que permanecia na posse do arguido, no momento em que este se deslocava do interior de sua residência, para o exterior, em direção e bem perto de um caixote do lixo.
No interior do saco de plástico foi encontrado e apreendido um par de ténis (marca adidas, modelo Neon, cor branca com bordo vermelho, n.° 42), um par de óculos escuros (marca Ray Ban, de cor preta e respetiva caixa de coloração castanha), um par de ténis da marca Nike, de cor cinzento e listas laranja, n.° 42; um par de calças da marca Zara Man, tipo fato de treino, de cor preto, tamanho M, um par de calças de ganga da marca Zara Man, de cor preto e cinzento, tamanho 40, uma gola de cor branco.
Foram ainda encontradas e apreendidas na posse do arguido duas pistolas antigas de carregamento pela boca: uma de um cano, da marca Marsh e outra de dois canos da marca Hnock.
O arguido agiu sempre de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade criminal das respetivas condutas.
Agiu o arguido com o propósito conseguido de através da ameaça com arma branca e da agressão física e força que usou contra a G…, lhe retirar e fazer seus os valores acima referidos que sabia não lhe pertencerem e que nessa conformidade agia contra a vontade do respetivo dono, causando-lhe um prejuízo não inferior ao valor do dinheiro subtraído.»

O arguido acabou por ser acusado pela prática de tais factos, os quais integram a prática de dois crimes de roubo agravado [artigo 210°, 1 e 2, b), do Código Penal].
Os autos não revelam outros factos processuais susceptíveis de evidenciarem uma alteração dos pressupostos de facto que estiveram na base na decisão que sujeitou o arguido à obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
B – De jure:
O recorrente coloca a possibilidade de revogação da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica e a sua substituição por medida de coacção menos gravosa.
Apreciando, individualmente, os argumentos da motivação de recurso:
1. O douto despacho recorrido não se encontra devidamente fundamentado.
Porém, conforme resulta da síntese concretizada no ponto 1, al. f), do relatório deste acórdão, o despacho encontra-se devidamente fundamentado, dando a conhecer os fundamentos de facto e de direito que estiveram na base da decisão.
Enquanto ato decisório, o mesmo encontra-se suficientemente fundamentado, conforme exigido pelo estatuído no artigo 97º, 4 do Código de Processo Penal.
O artigo 205º, 1, da Constituição da República Portuguesa - norma que enformou àquela norma - estatui que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. [3] Tendo em conta a garantia constitucional, o despacho recorrido está suficientemente fundamentado, para conferir legalidade e consistência ao mesmo:
a) A fundamentação de despacho de reexame dos pressupostos da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (como é o caso da decisão impugnada) não deve conter a fundamentação da aplicação da medida, porque o seu thema decidendum é diferente: a questão da conformidade, ou não, da medida aplicada, na altura em que o foi, às exigências cautelares previstas no artigo 204° Código de Processo Penal, já foi decidida por decisão transitada em julgado nos autos;
b) A questão não se coloca sempre que haja lugar à reapreciação da medida de coação, enquanto se mantiver o quadro fáctico (e legal) que suportou a decisão originária que fixou a medida de coação. Incumbe ao julgador, nesse momento, apreciar e decidir no despacho de reexame verificar a existência, ou não, no momento da reapreciação, da alteração de circunstâncias juridicamente relevantes - necessariamente posteriores à prolação do despacho anterior -, com impacto na adequação da medida de coação à luz dos requisitos gerais tipificados no artigo 204º Código de Processo Penal, diretamente emergentes das exigências processuais de natureza cautelar (artigo 191º, 1 do mesmo texto legal), avaliados à luz dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (artigo 193º, ainda do mesmo Código).
Não se pode confundir um despacho de aplicação de medida de coação (art. 194º Código de Processo Penal) com aquele que procede ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação (art. 213º Código de Processo Penal).
Neste último, quando o juiz verifica que não ocorreu, entretanto, alguma alteração nos pressupostos que determinaram a aplicação originária de uma dessas medidas de coação, a fundamentação exigida para a boa compreensão do despacho basta-se no enunciado dessa inexistência.
O despacho recorrido dá nota da inexistência de alteração dos pressupostos que determinaram a fixação da medida de obrigação de permanência na habitação, mediante o uso de meios de vigilância eletrónica e, nessa medida, nada mais lhe é exigível para se considerar que a fundamentação é adequada ao cumprimento do disposto nos artigos 97° Código de Processo Penal, 204° e 205°, da Constituição da República Portuguesa.
Proceder de outra forma – ou seja, reapreciar uma questão (a existência dos requisitos e pressupostos de aplicação da medida de coação) que já foi decidida antes, por decisão transitada em julgado – constituiria, aliás, a prática de ato inútil, o que não é lícito realizar no processo (art. 137º do Código de Processo Civil, aplicável aos autos por força do disposto no art. 4º do Código de Processo Penal).
Por tudo quanto ficou exposto, ficou solucionada a primeira questão que constitui o thema decidendum deste recurso: a decisão que manteve o arguido sujeito à obrigação de permanência na habitação, mediante o uso de meios de vigilância eletrónica, encontra-se adequadamente fundamentada.

2. O recorrente poderá beneficiar duma medida de coacção menos gravosa, uma vez que já foi proferida acusação pública e já não existir perigo de perturbação do inquérito com a dedução da acusação;
Contrariamente ao sugerido pelo recorrente, esse argumento também não justifica uma alteração da medida de coação, uma vez que a dedução da acusação pelos factos que se encontravam fortemente indiciados no despacho que determinou a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica somente reforça aquela imputação indiciária e, por conseguinte, um ds fundamentos da sua sujeição a essa medida de coação.
Não se olvida que, com o encerramento do inquérito, deixou de existir perigo de perturbação do decurso do inquérito (artigo 204º, b), do Código de Processo Penal); no entanto, o mesmo subsiste, nomeadamente, para os restantes perigos enunciados na mesma alínea (perigo para a instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a conservação ou veracidade da prova, que se estende até à fase do julgamento), tendo em conta o grau de violência exercido nos crimes de roubo agravado em causa nos autos, evidenciando o arguido uma certa perigosidade nas suas condutas e uma personalidade pouco sensível ao respeito pela integridade física e moral da vítima dos crimes.
Improcede, assim, o segundo argumento.

3. O recorrente sustenta a sua pretensão recursória, ainda, na circunstância de ter colaborado com a justiça no primeiro interrogatório judicial, tendo confessado, sem reservas, os factos pelos quais foi detido e manifestando o propósito de ressarcir a vítima dos prejuízos que lhe causou, tendo também referido - o que não foi tido em conta - que o seu comportamento foi meramente ocasional e que foi realizado num momento de desespero, mostrando-se arrependido do seu comportamento;
De facto, o arguido confessou os factos no âmbito do seu primeiro interrogatório judicial.
No entanto, não revelou, ainda, os motivos concretos que o motivaram a cometer os dois crimes de roubo agravado – e, permanecendo os mesmos inexplicados, sem razões extraordinárias que tivessem sido reveladas para a sua prática e tendo ainda presente a situação profissional pretérita confortável do arguido – o que, associado ao modus operandi que caracterizou os ilícitos, geram fundados e elevados perigos de continuação da atividade criminosa, de perigo para a conservação da prova e de fuga, emergentes também das características de personalidade e de carácter reveladas – perigos, sublinha-se, já valorados no despacho proferido no âmbito do primeiro interrogatório judicial.
Não se pode considerar assim processualmente adquirida a alegação de que o arguido terá agido "em desespero", nem saber se tal situação aflitiva perdurou até ao presente e se estenderá ao futuro. O tribunal não pode adivinhar o desespero do arguido, nem especular sobre a sua motivação, ou dar como adquirido o seu arrependimento.
De resto, conforme bem assinalado pela resposta do Ministério Público, os crimes já se encontravam fortemente indiciados antes da confissão do arguido, a qual nada acrescentou de relevante para a investigação criminal.
Mas a irrelevância da confissão para a alteração da medida de coação resulta da circunstância de já ter sido ponderada na aplicação, ab initio, da medida de coação, não constituindo a mesma qualquer alteração dos pressupostos que ditaram a sujeição do arguido à obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica
Improcede, assim, o terceiro argumento.

4. Os demais dois pressupostos - perigo de continuação da actividade criminosa e perigo de fuga - também não se verificam, sendo ainda certo que o despacho recorrido também não explica em que medida, em concreto, tais pressupostos se verificariam;
Conforme já se explicitou, tais perigos foram identificados no despacho proferido no âmito do primeiro interrogatório judicial, que determinou a aplicação da medida de coação que o recorrente pretende ver alterada.
Por conseguinte, no despacho de reexame apenas deve ser aferida a alteração, ou não, de circunstâncias juridicamente relevantes - necessariamente posterior à prolação do despacho anterior -, com impacto na adequação da medida de coação à luz dos requisitos gerais tipificados no artigo 204º Código de Processo Penal, diretamente emergentes das exigências processuais de natureza cautelar (artigo 191º, 1 do mesmo texto legal), avaliados à luz dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (artigo 193º, ainda do mesmo Código).
O despacho recorrido concretizou que não ocorreu alteração de tais perigos.
O recorrente impugnou tal conclusão, alegando, ainda, o seguinte:
a) os valores de que alegadamente se apropriou e constam da douta acusação pública não ascendem a mais de € 3.084,00, pelo que por tal valor, tão diminuto, não se justifica que seja mantida uma medida de coação privativa da liberdade;
Apreciando.
A medida de coação deve ser adequada à luz dos requisitos gerais tipificados no artigo 204º Código de Processo Penal, diretamente emergentes das exigências processuais de natureza cautelar (artigo 191º, 1 do mesmo texto legal), avaliados à luz dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (artigo 193º, ainda do mesmo Código).
Por conseguinte, não é proporcional ao prejuízo económico da prática criminosa fortemente indiciada, razão pela qual improcede o argumento do recorrente.
b) os factos indiciados foram praticados num contexto excecional na vida do arguido e do qual já se arrependeu, até porque espontaneamente confessou os factos e pretende de imediato ressarcir a vitima dos prejuízos;
Apreciando.
Contrariamente ao sugerido pelo recorrente, o mesmo nunca explicou, devidamente, o contexto da sua prática criminosa fortemente indiciada nos autos.
De resto, a sua manifestação de vontade de indemnizar a ofendida dos crimes de roubo agravado é de enaltecer, mas não é eficaz ao ponto de justificar uma alteração da medida de coação – tanto que o mesmo não se encontra sujeito à obrigação de permanecer na habitação para assegurar alguma compensação económica à vítima dos seus crimes -. De resto, melhor do que anunciar esse bom propósito, será concretizar o pagamento dessa indemnização, a qual poderá ser valorada a favor do arguido em sede própria, maxime, em julgamento.
Por conseguinte, improcede o último argumento que motiva a sua pretensão recursória.
*
Atento o exposto, improcede o recurso do arguido, decidindo-se em conformidade.
*
Das custas processuais:
Sendo o recurso julgado não provido, o recorrente deverá ser condenado no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, al. a) do C.P.P. e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça individual, de acordo com o grau de complexidade médio/reduzido do recurso, em 4 (quatro) unidades de conta.
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso não provido.
Custas a cargo do recorrente B…, condenando-se este no pagamento de uma taxa de justiça fixada em 4 (quatro) unidades de conta.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 14 de Setembro de 2016.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
____________________
[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.
[3] As duas funções principais do princípio da fundamentação das decisões judiciais são identificadas, entre muitos outros, por Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2.ª edição, na pág. 206, quando refere – seguindo de perto, aliás, os ensinamentos de processualistas civis como Alexandre Mário Pessoa Vaz, Antunes Varela e Manuel de Andrade - que “(…) a fundamentação das decisões judiciais, em geral, cumpre duas funções: a) – Uma de ordem endoprocessual – que visa impor ao juiz um momento de verificação e controle crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; b) – Outra, de ordem extraprocessual – que procura, acima de tudo, tornar possível um controle externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão.
(…) Relativamente àquela, uma vez que se liga directamente com o princípio consagrado no art.º 32.º, n.º 1, da Constituição, a fundamentação das decisões judiciais justifica-se, desde logo, na medida em que funciona como garantia de racionalidade, imparcialidade e ponderação da própria decisão judicial. A motivação da decisão judicial funciona aqui como elemento de controle interno necessário do princípio da livre convicção do juiz (…)”.