Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
870/10.4TTGMR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: ABANDONO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO
COMUNICAÇÃO
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
Nº do Documento: RP20130225870/10.4TTGMR.P1
Data do Acordão: 02/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Ocorrendo a ausência do serviço – elemento objetivo, corpus – acompanhada de factos que indiciem com clareza a vontade do trabalhador de não retomar o serviço – elemento subjetivo, animus – ou decorridos 10 dias úteis desde o início da ausência sem que o trabalhador dê notícias, pode o empregador remeter carta registada com aviso de receção, dirigida ao trabalhador, onde invoque os factos que integram o abandono ou a respetiva presunção.
II - Trata-se de presunção juris tantum, mas qualificada ou forte, pois ela só pode ser ilidida mediante a prova da ocorrência de motivo de força maior que tenha impossibilitado a comunicação do motivo da ausência ao empregador e não a mera prova do contrário, atento o disposto no art.º 350.º, n.º 2 do Cód. Civil.
III - O empregador só pode invocar a figura do abandono do trabalho depois de ter remetido a referida carta registada com aviso de receção, o que constitui uma formalidade ad substantiam, pelo que só poderão ser atendidos os factos constantes da comunicação referida, com vista à prova direta da figura do abandono, ou a respetiva presunção.
IV - O abandono envolve uma declaração voluntária, unilateral, séria e inequívoca do empregador, também recetícia, que apenas produz os seus efeitos com a receção pelo trabalhador, ou ato equivalente; no entanto, ela é uma mera “condição de eficácia da extinção do contrato de trabalho por abandono do trabalho invocável pelo empregador”, uma vez que a extinção do contrato se verifica na data do início da ausência do trabalhador ao serviço e não desde a data da receção da carta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. N.º 961
Proc. N.º 870/10.4TTGMR.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B… deduziu em 2010-07-26 [cfr. fls. 12] contra C…, Ld.ª a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que se declare ilícito o despedimento efetuado e que se condene a R. a pagar ao A. a quantia de € 9.265,33 a título de indemnização por despedimento e demais créditos vencidos e não pagos, bem como as retribuições vencidas e vincendas, sendo tudo acrescido de juros legais, a partir da citação e até ao seu integral pagamento.
Alegou o A. que tendo sido admitido ao serviço da R. em 2009-02-01 para exercer as funções de “Engenheiro Civil”, mediante a retribuição mensal de € 780,50, acrescida de 25% de ajudas de custo no valor de € 219,66 e o proporcional ao subsídio de férias no valor de € 65,04 e ao subsídio de Natal no valor de € 65,04, foi despedido em 2010-05-10, verbalmente e sem justa causa, sendo certo que em 2010-06-07 recebeu uma carta enviada pela R., onde invoca o abandono do trabalho pelo A. Reclama os créditos a que julga ter direito, a título de subsídio de alimentação, férias e respetivo subsídio, vencidos, dos anos de 2009 e 2010, bem como férias, respetivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano de 2010, tendo declarado que opta, em vez da reintegração, pela indemnização de antiguidade.
Contestou a R., alegando o abandono do trabalho por parte do A. e, quanto ao mais, fê-lo por impugnação e deduziu pedido reconvencional no valor de € 6.320,00, correspondente a indemnização por falta de aviso prévio e a prejuízos sofridos.
O A. respondeu, por impugnação.
Proferida sentença, o Tribunal a quo decidiu:
"- Condeno a ré, C… Ldª, a pagar ao autor, B…, a quantia total de € 1.061,25 acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento;
- Absolvendo a ré do demais peticionado pelo autor;
- E absolvo o reconvindo, B…, da totalidade do pedido da reconvinte, C…, Ldª.”.
Inconformada com o assim decidido, veio a R. interpôr recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença, que deverá ser substituída por decisão que declare que a relação laboral terminou por abandono do trabalho por parte do A. e que se condene este a pagar àquela a indemnização a que alude o Art.º 403.º, n.º 5 do CT2009, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

1. A QUESTÃO FUNDAMENTAL DOS PRESENTES AUTOS PRENDE-SE COM A AVERIGUAÇÃO DA FORMA DE CESSAÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL, DECORRENTE DO CONTRATO DE TRABALHO DE 1 DE FEVEREIRO DE 2009, OUTORGADO ENTRE A RÉ E O AUTOR.
2. O AUTOR DEFENDE QUE EXISTIU UM DESPEDIMENTO VERBAL, LOGO ILÍCITO, AO PASSO QUE A RÉ ARGUMENTA QUE A RELAÇÃO DE TRABALHO CESSOU POR ABANDONO DO TRABALHO POR PARTE DO AUTOR.
3. NÃO EXISTIU QUALQUER ATO PRATICADO PELO GERENTE DA RÉ QUE PERMITA CONCLUIR PELA EXISTÊNCIA DE UM DESPEDIMENTO VERBAL.
4. O AUTOR ABANDONOU AS INSTALAÇÕES DA RÉ, A 11 DE MAIO DE 2010, POR ATO PRÓPRIO DA SUA VONTADE, E APÓS SE TER RECUSADO A PRESTAR SERVIÇO DIRETAMENTE ORDENADO PELO GERENTE DA RÉ, ARGUMENTANDO TER COMPROMISSOS PESSOAIS.
5. NO MESMO DIA, AO FIM DA TARDE, NOVAMENTE POR ATO PRÓPRIO DA SUA VONTADE, O AUTOR ENTREGOU À RÉ, NA PESSOA DA SUA FUNCIONÁRIA G…, AS CHAVES QUE POSSUÍA DO ESCRITÓRIO DA RÉ.
6. MAIS DE UMA SEMANA APÓS ESTES FACTOS O AUTOR CONTACTOU TELEFONICAMENTE A RÉ, NOVAMENTE NA PESSOA NA FUNCIONÁRIA G…, TENDO TRANSMITIDO QUE JÁ TINHAM PASSADO CINCO DIAS ÚTEIS E SE A RÉ NÃO LHE IA ENVIAR ALGUMA COMUNICAÇÃO, SUGERINDO O SEU DESPEDIMENTO.
7. A 8 DE JUNHO DE 2011, APÓS 17 DIAS DE FALTAS CONSECUTIVAS POR PARTE DO AUTOR, A RÉ COMUNICOU-LHE QUE O CONTRATO DE TRABALHO HAVIA CESSADO, POR ABANDONO DO TRABALHO.
8. A ESTA DATA JÁ FUNCIONAVA A FAVOR DA RÉ A PRESUNÇÃO DE ABANDONO DO TRABALHO DETERMINADA PELO ARTIGO 403.º N.º 1 DO CÓDIGO DO TRABALHO.
9. A RELAÇÃO LABORAL ESTABELECIDA ENTRE A RÉ E O AUTOR CESSOU POR ABANDONO DO TRABALHO DESTE, NOS TERMOS DO ARTIGO 403.º DO CÓDIGO DO TRABALHO.
10. EM CONSEQUÊNCIA, O AUTOR DEVE SER CONDENADO A INDEMNIZAR A RÉ EM 30 DIAS DE RETRIBUIÇÃO DE BASE, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 400.°, 401.° E 403.°, N.º 5 DO CÓDIGO DO TRABALHO.

Não consta que o A. tenha apresentado contra-alegação de recurso.

O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação não merece provimento.
Recebido o recurso, elaborado o projeto de acórdão e entregues as respetivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:

1 – O autor foi contratado pela ré, em 1/2/2009, para exercer, sob as ordens e direção desta, as funções de engenheiro civil, mediante retribuição mensal de € 780,50, 25% de ajudas de custo no valor de € 219,66 e o proporcional ao subsídio de férias no valor de € 65,04 e ao subsídio de Natal no valor de € 65,04.
2 – O trabalho prestado pelo autor consistia em deslocações e fiscalização das obras que estavam a seu cargo em diferentes locais, realização de pré-autos de medição da evolução dessas obras com base nos quais a ré faturava os serviços aos seus clientes, bem como deslocações ao escritório para reuniões.
3 – Desde por volta do início do contrato foram atribuídos ao autor os seguintes instrumentos de trabalho: computador portátil, telemóvel e um veículo ligeiro de mercadorias que era utilizado diariamente nas deslocações que efetuava às obras, de casa para o trabalho e vice-versa.
4 – Em 19/4/2010, foi apresentado na sede da ré um certificado de incapacidade temporária para o trabalho, por estado de doença do autor, que se prolongava até ao dia 25/4/2010, tendo sido prorrogado até ao dia 9/5/2010 – conforme consta de fls. 68-69 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5 – No dia 16/4/2010, aquando da comunicação verbal dessa futura baixa médica pelo autor à ré, de imediato lhe foi solicitada, por ordem do gerente desta, D…, a entrega do veículo aludido em 3, o qual, no dia 18/4/2010, foi deixado num parque junto do escritório da ré.
6 – Passados uns dias, estando o autor ainda incapaz para o trabalho, foi procurado na sua residência pelo colega de trabalho engenheiro E… que lhe solicitou, a mando da ré, a entrega do computador portátil, o que foi feito.
7 – No dia 10/5/2010, pelas 9h., o autor apresentou-se na sede da ré para retomar o seu trabalho, tendo sido informado que havia um colega novo na empresa, engenheiro F…, que estava a tomar conta das suas obras e, depois, foi-lhe solicitado que colaborasse com este.
8 - Nessa mesma manhã, o autor solicitou uma reunião com o gerente da ré, que ficou marcada para o dia seguinte.
9 - Numa parte dessa manhã, o autor colaborou com aquele engenheiro e, durante a tarde, deslocaram-se à obra de Gaia.
10 - No dia 11/5/2010, pelas 9h., o autor apresentou-se na sede da ré, tendo ficado na secretária habitual (ao lado da secretária da trabalhadora administrativa G…).
11 - Por volta das 11h. desse dia, nesse escritório, o gerente da ré reuniu-se com o autor e durante esta reunião (entre outros assuntos e palavras cujo teor não foi possível apurar) o autor disse não haver condições para trabalhar e o gerente da ré negou tal.
12 - Passados alguns minutos do final dessa reunião, o gerente da ré dirigiu-se ao autor, que estava na aludida secretária, e disse-lhe que da parte da tarde iriam à obra de Gaia.
13 - Ao que o autor respondeu que não podia ir porque de tarde tinha um compromisso marcado.
14 - Então, o gerente da ré, incomodado com esta resposta, retorquiu: “Oh Engº, esteve em casa e agora, mal chega, quando o mando trabalhar, você diz que tem compromisso marcado e vai sair durante o tempo de trabalho”.
15 – E, em seguida, ainda foram proferidas mais palavras pelo gerente da ré ao autor, mas que não foi possível apurar (se foram “Olhe, Engenheiro saia-me da frente, que é para eu não me chatear!” ou “Desapareça-me da frente” ou “Pegue nas suas coisas e ponha-se lá fora” ou “Ponha-se lá fora, está despedido”).
16 - Por volta das 12h. e 30m., o autor saiu das instalações da ré e desde então não mais prestou trabalho nesta.
17 - Entre as 14h50m e as 17h40m desse mesmo dia, o autor esteve nos serviços da ACT da …, sita na ….
18 - Por volta das 18h. desse mesmo dia, o autor encontrou-se com a trabalhadora G…, no exterior da empresa junto a um parque de estacionamento, tendo-lhe entregue as chaves do escritório da ré e dito que fora à ACT.
19 - Decorridos alguns minutos, esta trabalhadora contou ao gerente da ré o encontro com o autor.
20 – Decorrida mais de uma semana, o autor contactou, telefonicamente, a funcionária G…, dando-lhe conta que já tinham passado 5 dias (úteis) e querendo saber se a ré lhe ia enviar alguma carta ou documento, ao que aquela respondeu não ter instruções da ré.
21 - No dia 9/6/2010, o autor recebeu uma carta da ré, enviada a 8/6/2010, na qual esta invoca abandono de trabalho daquele, motivado pela sua ausência no posto de trabalho desde o período de almoço do dia 11/5/2010 em diante ao longo de 17 dias úteis e durante os quais não justificou as faltas ao trabalho e em duas ocasiões demonstrou a intenção de não retomar o trabalho - nos termos constantes de fls. 126-129/198-199 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
22 - No dia 25/6/2010, o autor recebeu da ré uma carta contendo o certificado de trabalho e a declaração de situação de desemprego (modelo 5044) assinadas por esta nos termos constantes de fl. 130-135 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
23 - Em data e local não concretamente apurados, o autor efetuou uma exposição por escrito, intitulada como “Descrição dos Factos (anexo)” constante de fls. 72 e 75/196-197 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
24 - Em data e local não concretamente apurados, o autor entregou à ré o telemóvel aludido no item 3.
25 - Durante a vigência do contrato, a ré pagou ao autor, em duodécimos, os subsídios de férias e Natal.
26 - A ré fazia constar, nos recibos de vencimento, como faltas os dias de férias do autor.
27 - O autor não gozou férias, relativamente a toda a vigência do contrato, nem tão pouco lhe foram pagas pela ré.
28 – Relativamente ao mês de Janeiro de 2010, a ré pagou ao autor a retribuição e o duodécimo de subsídio de férias e de Natal nos termos constantes de fl. 155/206 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
29 - A ré não pagou ao autor os dias de trabalho prestado em maio de 2010 nem o respetivo proporcional de subsídio de férias e de Natal.
30 - Desde por volta de Janeiro de 2010 que havia um clima de tensão na relação entre o gerente da ré e o autor, por motivos profissionais, e este sentia-se pressionado por aquele.
31 - Num obra em Santa Maria da Feira, por volta de janeiro/fevereiro de 2010, o autor e o colega Engº E… haviam adiado uma betonagem de laje numa obra de Santa Maria da Feira, contactando a central de betonagem, sem terem consultado ou dado conhecimento prévio ao gerente da ré que ficou desagradado com o sucedido, tanto mais que não conseguiu dar sem efeito tal cancelamento.
32 - Desde data não apurada de 2010, o autor foi contratado para trabalhar por conta de uma outra empresa, em Angola, nos termos constantes de fl. 183 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Estão também provados os seguintes factos:

33 - É do seguinte teor a exposição escrita do A., mencionada em 23, supra:
“Descrição dos Factos (anexo):
1. Posto de trabalho:
Alteração do posto de trabalho primeiro com a retirada do veículo da empresa por ordem da entidade patronal deixado no parque junto ao escritório da empresa no dia 18-04-2010 e posteriormente o computador, entregue ao colega Eng.º E… num sábado durante o período que me encontrei de baixa.
No meu regresso ao trabalho no dia 10-05-2010, constato que duas das obras que estavam a meu encargo passaram para o encargo de um novo funcionário da empresa, o Eng.º F… e a obra da Escola … para o Eng.º E….
No seguimento dos factos, o veículo da empresa e o computador e com as principais obras ao encargo do Engº F…, solicitei à entidade patronal uma reunião para o que se estava a passar e para outros assuntos, que só era possível no dia seguinte pelas llH00. Depois ainda me foi solicitado pelo Engº F… para poder trabalhar, com o apoio da entidade patronal, a entrega do cartão da rede móvel (………), que de imediato lhe entreguei.
2. Reunião dia 11-05-2010, 11H00:
Para além do que já referi no ponto 1, propus à entidade patronal um acordo, o pagamento em falta das férias. De imediato foi-me negado qualquer valor bem como qualquer espécie de acordo. A reunião acaba, a eu ter de continuar a trabalhar para a empresa, mas como simples medidor e a deslocar-me da minha residência no meu veículo próprio para o escritório da empresa que imediato não concordei, pois não foram para apenas estas funções que fui contratado.
Com estes factos não me resta solução senão solicitar a ajuda ao "ACT” e mais rápido possível visto não ter mais condições para continuar na C…, Lda.
Quando a entidade patronal me marca uma reunião para as 14:30 do mesmo dia, eu de imediato respondi que não podia porque tinha um compromisso, consequentemente fui posto fora do escritório da empresa na presença da minha colega de trabalho G….
Pelos pontos acima e pela análise dos recibos de vencimento que seguem em anexo e por outros factos que vão dar conta com a vossa visita à empresa, venho por este meio solicitar a vossa intervenção junto da entidade patronal/gerência da C…, Lda, visto se mostrar irredutível na retificação dos vencimentos/recibos, no que diz respeito a férias não gozadas e as gozadas como faltas (ver recibos em anexo). Para além desta situação podem ver que no mês de janeiro do corrente ano sofri uma penalização de 250€, com o recurso a uma falta inexistente e sem ajudas de custo ou qualquer subsídio de alimentação quando eu estava com a obra da Escola …, ou seja deslocado.
Atentamente,
B…”.
34 - É do seguinte teor a carta referida em 21, supra:
“(…)
Registada com A/R
Porto,7 de junho de 2010
Exmo. Sr. Eng. B…:
Os nossos estimados cumprimentos.
Vimos, por este meio, comunicar a V. Exa. que consideramos a sua ausência no seu posto de trabalho como abandono do trabalho, nos termos do artigo 403.º do Código do Trabalho.
V. Exa. ausentou-se do seu posto de trabalho no dia 11 de maio de 2010, após o período de almoço, recusando-se a acompanhar o gerente desta sociedade na realização de um auto de medição a uma obra acometida a esta sociedade, com o argumento que tinha "compromissos marcados", que impediam esta deslocação. Nesse mesmo dia, comunicou pessoalmente à nossa funcionária, G…, que tinha uma justificação a entregar para justificar essa falta e que a iria remeter pelo correio. Até hoje, nenhum pedido de justificação de falta foi recebido nos serviços desta sociedade.
Passados alguns dias, em conversa telefónica com a mesma funcionária, afirmou que já tinham passado cinco dias de ausência e que estava à espera de uma carta desta sociedade. Desconhecemos a que é que se referia.
O que é certo, é que desde o dia 11 de maio de 2010 V. Exa. não comparece no seu posto de trabalho, não tendo informado esta sociedade das razões de tal ausência e demonstrou, em duas ocasiões, a sua intenção de não retomar a prestação de trabalho. A esta data, a sua ausência ao trabalho cifra-se em 17 (dezassete) dias úteis, ao qual acresce o meio dia relativo a 11 de maio. Encontra-se, pois, cumprido o prazo a que alude o artigo 403.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
Esta comunicação é realizado nos termos do artigo 403.º, n.º 3 do Código do Trabalho, sendo que, consideramos que o contrato de trabalho celebrado entre V. Exa. e esta sociedade foi denunciado, por sua exclusiva culpa.
V. Exa. tem direito a receber os valores proporcionais às férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do trabalho prestado no corrente ano. No entanto, tal como prevêem os artigos 400.º, n.º 1, 401.º e 403.º, n.º 5 do Código do Trabalho, em face do seu abandono ao trabalho tem esta sociedade o direito a ser indemnizada no valor correspondente ao vencimento que auferiria pelo período de 60 dias. Assim sendo, esta sociedade considera-se credora de V. Exa., sendo que, efetivará o dito crédito nos próximos dias, recorrendo à via judicial, caso a tal seja forçada.
Nos termos do artigo 341.º do Código do Trabalho, a partir do dia de hoje, encontra-se disponível nos escritórios desta sociedade o seu certificado de trabalho, que lhe será entregue, caso V. Exa. assim o deseje.
Lamentamos o presente desfecho, mas os seus comportamentos não nos deixaram outra solução.
Sem mais de momento, nos subscrevemos.
Atentamente,
C…, Limitada
A Gerência”.
35 – Os documentos referidos em 21, supra, juntos a fls. 128 e 129, são cópia do registo e do aviso de receção da carta aí mencionada e transcrita em 34.

Fundamentação.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respetivo objeto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redação que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho[3], salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, a única questão a decidir nesta apelação consiste em saber se se verificou o abandono do trabalho por parte do A.
Vejamos.
Decorre da sentença que o Tribunal a quo não deu como provado, nem o despedimento ilícito, invocado pelo A., nem o abandono do trabalho, invocado pela R., ora apelante, pois considerou que não ficou provada a forma de cessação do contrato de trabalho que constitui o objeto dos presentes autos.
Porém, não tendo o A. recorrido, a decisão transitou em julgado quanto ao despedimento, mas tal não ocorreu quanto ao abandono do trabalho, pelo que importa conhecer tal questão, suscitada pela apelante.
Dispõe adrede o CT2009:
Artigo 403.º
Abandono do trabalho
1 — Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar.
2 — Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
3 — O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste.
4 — A presunção estabelecida no n.º 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
5 — Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401.º

A figura do abandono do trabalho, que o artigo acabado de transcrever disciplina, foi criada pela LCCT[4], tendo assento no seu Art.º 40.º, a qual, por seu turno, foi rececionada no CT2003.
Visou-se regular aquele tipo de situações dúbias em que se discute se o contrato de trabalho cessou e por que forma, nomeadamente, naqueles casos em que o trabalhador deixou de comparecer ao trabalho, sem dar notícias. Pretendendo o empregador pôr fim ao estado de incerteza que se verifica nessas situações e ocorrendo a ausência do serviço – elemento objetivo, corpus – acompanhada de factos que indiciem com clareza a vontade do trabalhador de não retomar o serviço – elemento subjetivo, animus - ou decorridos 10 dias úteis desde o início da ausência sem que o trabalhador dê notícias, pode o empregador remeter carta registada com aviso de receção, dirigida ao trabalhador, onde invoque os factos que integram o abandono ou a respetiva presunção.
Trata-se de presunção juris tantum, mas qualificada ou forte, pois ela só pode ser ilidida mediante a prova da ocorrência de motivo de força maior que tenha impossibilitado a comunicação do motivo da ausência ao empregador e não a mera prova do contrário, como sucede por regra, atento o disposto no art.º 350.º, n.º 2 do Cód. Civil.
Por outro lado, o empregador só pode invocar a figura do abandono do trabalho depois de ter remetido a referida carta registada com aviso de receção, o que constitui uma formalidade ad substantiam. Daqui decorre que só poderão ser atendidos os factos constantes da comunicação referida com vista à prova direta da figura do abandono, ou a respetiva presunção.
Acresce que o abandono envolve uma declaração voluntária, unilateral, séria e inequívoca do empregador, também recetícia, que apenas produz os seus efeitos com a receção pelo trabalhador, ou ato equivalente; no entanto, ela é uma mera “condição de eficácia da extinção do contrato de trabalho por abandono do trabalho invocável pelo empregador”[5], uma vez que a extinção do contrato se verifica na data do início da ausência do trabalhador ao serviço e não desde a data da receção da carta, como é maioritariamente entendido.[6]
In casu, sendo de atender apenas aos factos constantes da carta registada com aviso de receção, dirigida ao A. e por ele recebida e que foram dados como provados[7], verifica-se que reúne tais condições o seguinte facto provado:
20 – Decorrida mais de uma semana, o autor contactou, telefonicamente, a funcionária G…, dando-lhe conta que já tinham passado 5 dias (úteis) e querendo saber se a ré lhe ia enviar alguma carta ou documento, ao que aquela respondeu não ter instruções da ré.
Ora, deste facto resulta que o A. se encontrava ausente da R. há cerca de uma semana e que, pela pergunta feita [remessa de carta do empregador, certamente atinente à extinção do contrato ou com ela relacionada], revela a intenção de não retomar o trabalho, pois parece que se mantinha inativo. Daí que, a nosso ver, se possa concluir que, in casu, remetida a carta registada com aviso de receção, o empregador possa invocar a extinção do contrato, por abandono do trabalho por banda do ora recorrido.
No entanto, se assim não dever ser entendido, por se considerar o facto insuficientemente indiciador da intenção do A. de não retomar o trabalho [animus], o abandono presume-se porque foi enviada a carta registada com aviso de receção, decorridos mais de 10 dias úteis sobre a data do início da ausência do trabalhador, sem que este tenha ilidido a presunção, fazendo a “prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.”. Ora, não o tendo feito, está demonstrado o abandono do trabalho e com ele, a extinção do contrato do trabalho desde a data do início da ausência do trabalhador ao serviço da R., ora apelante.
Por outro lado, equivalendo o abandono a denúncia - irregular, ilícita - do contrato, sem aviso prévio, está o A. constituído na obrigação de indemnizar a R. na quantia corresponde ao aviso prévio em falta, atento o disposto nos Art.ºs 401.º e 400.º, n.º 1 do CT2009, que é de um mês, pois o contrato teve duração inferior a dois anos, no montante de € 780,50.
A indemnização será apenas a ora apontada pois, apesar de alegados e pedidos na reconvenção, não foram dados como provados quaisquer outros danos e a R. não impugnou a decisão proferida acerca da matéria de facto.
Tendo a R. sido condenada a pagar ao A. a quantia de € 1.061,25, parte da sentença que transitou em julgado e operando a compensação com o crédito ora reconhecido à R., no montante de €780,50, deve esta ser condenada a pagar ao A. a diferença, que se cifra na quantia de € 280,75.
Daí que a sentença, na parte impugnada, deva ser substituída pelo presente acórdão.
Procedem, destarte, as conclusões do recurso.

Decisão.
Termos em que se acorda em conceder provimento à apelação, assim revogando a sentença na parte impugnada, que se substitui pelo presente acórdão em que se condena a R. a pagar ao A. a quantia de € 280,75.
Custas pelo A. e pela R., na respetiva proporção.

Porto, 2013-02-25
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto
_____________
[1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respetivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro.
[4] Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de fevereiro.
[5] Cfr. Jorge Leite, in A Figura do Abandono do Trabalho, Prontuário de Legislação do Trabalho, CEJ, Atualização n.º 33, de 01.01.90 a 30.04.90, págs. 13 a 14 verso.
[6] Cfr. João Leal Amado, in Abandono do trabalho: um instituo jurídico em remodelação?, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 139.º, março-abril de 2010, n.º 3961, págs. 235 a 241 e in Direito do Trabalho+Crise=Crise do Direito do Trabalho?, Atas do Congresso de Direito do Trabalho, Coordenadores: Catarina de Oliveira Carvalho e Júlio Vieira Gomes, Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa, Coimbra Editora Grupo Wolters Kluwer, 2011, págs. 13 a 27 e in Contrato de Trabalho À luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2009, págs. 451 a 455, Pedro Furtado Martins in Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Principia, 2012, págs. 553 ss., Bernardo da Gama Lobo Xavier, com a colaboração de P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, in Manual de Direito do Trabalho, Verbo Babel, 2011, págs. 821 e 822, Ricardo Nascimento, in Da Cessação do Contrato de Trabalho, Em Especial por Iniciativa do Trabalhador, Coimbra Editora, 2008, págs. 304 a 311 e Sérgio de Almeida, in Abandono do trabalho, Revista de Direito e de Estudos Sociais, janeiro-dezembro-2010, Ano LI (XXIV da 2.ª Série) N.ºs 1-4, págs. 134 a 158.
[7] Acontece que na carta do empregador também é referido que
“Nesse mesmo dia, comunicou pessoalmente à nossa funcionária, G…, que tinha uma justificação a entregar para justificar essa falta e que a iria remeter pelo correio. Até hoje, nenhum pedido de justificação de falta foi recebido nos serviços desta sociedade.”
e, por outro lado, também se mostra dado como provado o seguinte facto:
18 - Por volta das 18h. desse mesmo dia, o autor encontrou-se com a trabalhadora G…, no exterior da empresa junto a um parque de estacionamento, tendo-lhe entregue as chaves do escritório da ré e dito que fora à ACT.
Porém, no primeiro caso, o facto não foi dado como provado e, no segundo, o facto não consta da carta, pelo que nenhum deles pode ser tido em conta para a verificação da figura do abandono do trabalho, dado que a carta constitui uma formalidade ad substantiam, como se refere em texto e o facto tem de ser verdadeiro.
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S U M Á R I O
I - Ocorrendo a ausência do serviço – elemento objetivo, corpus – acompanhada de factos que indiciem com clareza a vontade do trabalhador de não retomar o serviço – elemento subjetivo, animus – ou decorridos 10 dias úteis desde o início da ausência sem que o trabalhador dê notícias, pode o empregador remeter carta registada com aviso de receção, dirigida ao trabalhador, onde invoque os factos que integram o abandono ou a respetiva presunção.
II - Trata-se de presunção juris tantum, mas qualificada ou forte, pois ela só pode ser ilidida mediante a prova da ocorrência de motivo de força maior que tenha impossibilitado a comunicação do motivo da ausência ao empregador e não a mera prova do contrário, atento o disposto no art.º 350.º, n.º 2 do Cód. Civil.
III - O empregador só pode invocar a figura do abandono do trabalho depois de ter remetido a referida carta registada com aviso de receção, o que constitui uma formalidade ad substantiam, pelo que só poderão ser atendidos os factos constantes da comunicação referida, com vista à prova direta da figura do abandono, ou a respetiva presunção.
IV - O abandono envolve uma declaração voluntária, unilateral, séria e inequívoca do empregador, também recetícia, que apenas produz os seus efeitos com a receção pelo trabalhador, ou ato equivalente; no entanto, ela é uma mera “condição de eficácia da extinção do contrato de trabalho por abandono do trabalho invocável pelo empregador”, uma vez que a extinção do contrato se verifica na data do início da ausência do trabalhador ao serviço e não desde a data da receção da carta.

Manuel Joaquim Ferreira da Costa