Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0442812
Nº Convencional: JTRP00038574
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: CONSUMO DE DROGA
CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Nº do Documento: RP200512070442812
Data do Acordão: 12/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: A detenção, para consumo próprio, de 31,018 gramas de cannabis, integra o crime do artº 25 do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto:

Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca Valongo, foi o arguido B........., condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º, al. a), do D.L. n.º 15/93, na pena de cinco meses de prisão, substituída, nos termos do art. 44º do CP, pela pena de cento e setenta dias de multa, à taxa diária de três Euros, num total de quinhentos e dez Euros.
Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1- Os factos dados como provados na sentença recorrida configuram uma detenção de substância estupefaciente para consumo em quantidade superior a 10 doses médias diárias.

2 – Tal conduta não integra o tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º do DL n.º 15/93 de 22/1.

3- O M.º Juiz “a quo” interpretou erradamente a norma do art.º 25 º do Dl n.º 15/993 de 22/1 no sentido de que a mera detenção de produto estupefaciente, ainda que para consumo, integra aquele tipo legal de crime.

6 – Os factos em causa integram o tipo legal de crime de consumo de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 40º do DL n.º 15/93.

7 – O arguido deve ser condenado pela prática deste crime.

8 – A tal não obsta o disposto no art.º 28º da Lei n.º 30/00 de 29/11.

9 –Isto porque o art.º 28º da Lei n.º 30/00 de 29/11 não revogou integralmente o art.º 40º do DL n.º 15/93 de 22/1, apenas o tendo revogado na parte em que prevê as condutas que actualmente se incluem no art.º 2º da Lei n.º 30/00 de 29/11, e mantendo-se em vigor na parte em que prevê a detenção de droga para consumo em quantidade superior a 10 doses diárias.

10- O M.º Juiz “a quo” interpretou erradamente o art.º 28º da Lei n.º 30/00 de 29/11, no sentido de ter revogado integralmente o art.º 40º do DL n.º 15/93 de 22/1, quando o devia ter interpretado no sentido descrito na conclusão anterior.

11 - A sentença recorrida violou as norma legais constantes dos artºs 25º e 40º do DL n.º 15/93, e 28º da Lei n.º 30/00.

Assim sendo, deverá dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e substituí-la por outra que, de harmonia com as conclusões expostas, absolva o arguido da prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade pelo qual estava acusado e o condene pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 40º do DL n.º 15/93 de 22/1, assim se fazendo Justiça.

Admitido o recurso, o arguido não respondeu.
Já neste Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto foi de parecer que o recurso merece provimento. Cumpriu-se o disposto no art.º 417º n.º 2 do Código Processo Penal.
Após os vistos realizou-se audiência não tendo sido suscitadas, nas pertinentes alegações, novas questões.

Factos provados:
1. No dia 24 de Julho de 2001, cerca das 16.10 horas, o arguido encontrava-se no Centro Comercial ....., situado na Rua ....., em Valongo, local esse que é conhecido por ser frequentado por consumidores e/ou traficantes de produtos estupefacientes.
2. O arguido encontrava-se à espera que o seu patrão o viesse buscar para levar para o trabalho e, nessa altura, uma brigada da PSP com dois agentes trajando à paisana abordou o arguido que, naquele momento, se encontrava acompanhado por dois amigos.
3. Depois de lhe fazerem uma revista sumária, pediram-lhe que lhes desse o maço de tabaco que trazia consigo, ao que o arguido acedeu.
4. Nesse maço de tabaco, os dois agentes verificaram existirem umas lascas de um produto que, submetido a análise laboratorial, veio a revelar-se ser “cannabis” (resina).
5. Acto contínuo, pediram-lhe que os acompanhasse à casa de banho, onde lhe fizeram uma revista mais aturada, durante a qual descobriram no bolso das calças uma faca de cozinha e, embrulhada num plástico preto, um produto estupefaciente da mesma categoria do anteriormente referido.
6. No seu conjunto, a substância estupefaciente supra descrita tinha o peso líquido de 31,018 gramas, substância que o arguido havia adquirido no dia 21.07.2002 durante uma festa chamada “Electro Parade”, no Porto, pela quantia de 17.500$00, a um indivíduo que não foi possível identificar.
7. O arguido destinava aquela substância exclusivamente para o seu consumo e comprou-a naquela quantidade já que, como o conjunto musical para o qual trabalha iria partir em digressão por um período de dois meses, queria prover-se de quantidade que lhe durasse até ao fim da dita digressão.
8. O arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, conhecendo as características estupefacientes da substancia que adquiriu e detinha e querendo adquiri-la e detê-la naquelas circunstâncias, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
9. O arguido faz-se, normalmente, acompanhar de um canivete, instrumento de que necessita para o exercício da sua actividade profissional.
10. O arguido é técnico de luz, actualmente ao serviço do grupo de música “C........”, actividade na qual aufere a quantia de, pelo menos, €500.
11. Tem dois filhos, um dos quais vive consigo, contribuindo para o sustento do outro, já que são ambos menores.
12. Vive com a mãe e não paga renda de casa.

Factos não provados:
O arguido destinava parte ou a totalidade do produto estupefaciente à cedência, a qualquer título, a terceiros.

Motivação da decisão sobre a matéria de facto:
A quase totalidade da matéria de facto considerada provada resultou dos factos provados na sentença anteriormente proferida, factos esses que não foram colocados em causa no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Tribunal este que apenas determinou a realização de novo julgamento para, além de se suscitar a eventual alteração não substancial dos factos, apurar do elemento subjectivo inerente à apurada conduta e as condições económicas e sociais do agente.
No que a esta matéria concerne, a materialidade provada derivou das declarações do próprio arguido, que reconheceu saber que não podia deter a substância nas circunstâncias em que o fazia, mormente atenta a quantidade, e esclareceu a sua condição económica e social.

*
O Direito:
A questão a decidir é apenas uma: a da qualificação jurídica da detenção de produto estupefaciente, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias, que o arguido destinava ao consumo.
A decisão recorrida, convocando expressamente para fundar a sua opção um Acórdão desta Relação, relatado pelo presente relator, entendeu condenar o arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º, al. a), do D.L. n.º 15/93. Discorda o Ministério Público pois entende que os factos em causa integram o tipo legal de crime de consumo de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 40º do DL n.º 15/93, pelo que o arguido deve ser condenado pela prática deste crime, a tal não obstando o disposto no art.º 28º da Lei n.º 30/00 de 29/11.

Todos estão de acordo que a Lei nº30/2000, de 29 de Novembro, introduziu dificuldades na integração jurídico-penal de condutas relativas ao consumo de estupefacientes (excluído o cultivo de tais substâncias), quando, em termos de quantidade, é excedida a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias. Tais dificuldades radicam na redacção dada pelo legislador ao artigo 2º(consumo) e ao artigo 28º(normas revogadas). Na verdade, a situação de detenção de «droga» em quantidade excedente à necessária para o consumo médio individual durante um período de dez dias, destinando-se o produto a exclusivo consumo do detentor, não é, literal e expressamente, contemplada nas disposições constantes (e em vigor) do Decreto Lei n.º 15/93 e da Lei n.º 30/2000.
Na vigência da Lei n.º 30/200, desenham-se fundamentalmente quatro posições:
Uns sustentam que o art.º 40º do Decreto Lei n.º 15/93, de 20 de Janeiro, continua em vigor para as situações de detenção para consumo, cuja quantidade exceda o consumo médio individual durante o período de dez dias ([Cristina Líbano Monteiro em “O Consumo de Droga na Política e na Técnica Legislativas: Comentário à Lei n.º 30/2000, In Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 11, fascículo 1, Ac. da RL de 1.10. 2002 proc. 2274-01; Ac da RL de 21.11.2002 CJ XXVII, tomo V pág. 124, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 2003, proc. 1799, Maia Costa, Breve nota sobre o nove regime punitivo do consumo de estupefacientes, RMP, n.º 87 pág. 147]), devendo nessa medida a norma revogatória (art.º 28º da Lei n.º 30/2000) ser interpretada restritivamente, de modo a não abranger a aquisição e detenção para consumo de uma quantidade superior à necessária para 10 dias. Apurando-se destino ao consumo, a detenção de quantidade necessária para o consumo durante dez dias seria punível como contra – ordenação, a partir daí seria punível como crime de consumo, punido pelo art.º 40º do Decreto Lei n.º 15/93.

Outros([Lourenço Martins, Droga. Nova Política Legislativa, RPCC, ano 11º 3º 2001, pág. 413, Ac da RG de 10 de Março de 2003 CJ XXVII Tomo II pág. 287, Inês Bonina, Descriminalização do Consumo de Estupefacientes – Detenção de quantidade superior a dez doses individuais, RMP 89, 185 e segts., Patrícia Agostinho, Posse de estupefacientes em quantidade que excede o necessário para o consumo médio individual durante dez dias, RMP 97º, 139, e reconsiderando anterior posição Maia Costa, RMP 95º, 128, e Conde Correia, Droga: exame laboratorial às substâncias apreendidas e diagnóstico da toxicodependência, Revista do CEJ, 2º Semestre de 2004, pág. 83, Faria Costa, RLJ, 134º, 278]), defendem que nos casos de detenção para consumo, cuja quantidade exceda o consumo médio individual durante o período de dez dias, também se aplica o regime de mera ordenação social.

Para alguns esses factos não são puníveis: se a quantidade ultrapassa o limite previsto no art.º 2º, n.º 2, da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, atendendo a que o art.º 40º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro foi revogado, não há nenhuma norma vigente que preveja e puna aquela conduta. A posse de quantidade suficiente para 10 ou mais dias traçaria a fronteira entre a contra-ordenação e a impunidade [Rui Pereira, Liber Discipuloram, F. Dias, 2003, pág. 1171].

Finalmente, entende outra corrente, na qual nos englobamos [Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22 de Outubro de 2003, Rec. n.º 2387-03 disponível no sítio deste tribunal], que da conjugação dos artºs 21º, 25º e 40º do Decreto Lei n.º 15/93 e dos artºs 2º nºs 1 e 2, e 28 da Lei n.º 30/2000, resulta que as situações de detenção para consumo, cuja quantidade exceda o consumo médio individual durante o período de dez dias, é sancionada como um ilícito criminal, seja por via do art.º 21º, seja por via do art.º 25º, seja, se estiver reunido o respectivo condicionalismo, por via do art.º 26º, todos do Decreto Lei n.º 15/93 [Artur Pires, Ainda sobre o novo regime sancionatório da aquisição e detenção de estupefacientes para consumo próprio, RMP 93º, 115 (6), Manuel José Gonçalves Pereira, A retenção de estupefacientes em quantidade superior a dez dozes diárias para consumo pessoal, RMP 97, 127, M. M. Guedes Valente, Consumo de Drogas, Almedina 2002, pág. 97 e segts, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22 de Outubro de 2003, Rec. n.º 2387-03 disponível no sítio deste tribunal.]

Temos para nós que o princípio da legalidade não permite que, a pretexto de alegada inépcia legislativa, se desconsidere a revogação expressa do art.º 40º n.º 2 do Decreto Lei n.º 15/93, pelo art.º 28º da Lei n.º 30/2000. Assim, não vislumbramos fundamento para, num entorse interpretativo evidente, defender a subsistência da incriminação prevista no art.º 40º, depois de expressamente o legislador a ter revogado ([Lembramos aqui as recentes e avisadas palavras de Costa Andrade, RLJ 134º 72, que também fazemos nossas: «continuamos a acreditar no chamado “significado literal possível” (mögliche wortsinn) - para que na esteira da lição de HecK (...) a doutrina dominante continua a apelar - para determinar as fronteiras da interpretação. No sentido de que já não pode reivindicar-se de interpretação uma qualquer solução jurídica, por mais indicada axiológica e teleológicamente, que já não encontre apoio no texto da lei. E, em vez disso, transcenda o limite do possível significado verbal da lei. Toda a interpretação começa e acaba mas palavras, o meio privilegiado de comunicação entre as pessoas e o único meio de comunicação entre o legislador penal e o cidadão. Na conhecida frase de Canaris, só o texto da lei recebe a autoridade das mãos do legislador.]). Não pode reivindicar-se de interpretação uma qualquer solução jurídica, por mais indicada axiológica e teleológicamente, que já não encontre apoio no texto da lei. E, em vez disso, transcenda o limite do possível significado verbal da lei. Toda a interpretação começa e acaba nas palavras, o meio privilegiado de comunicação entre as pessoas e o único meio de comunicação entre o legislador penal e o cidadão. Na conhecida frase de Canaris, só o texto da lei recebe a autoridade das mãos do legislador. A aplicação de uma norma incriminadora revogada viola directamente o nullum crimen, nulla poena sine lege([Rui Pereira, A descriminação do consumo de droga, Liber Discipulorum, 2003, pág. 1175]).
Do exposto resulta claramente a improcedência da pretensão do recorrente.
O entendimento de que, após a entrada em vigor da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, a detenção de produtos estupefacientes para consumo, em quantidade superior à necessária para consumo médio individual durante 10 dias, constitui contra-ordenação, merece-nos, mutatis mutandis, o mesmo tipo de crítica da precedente, explanada a propósito do entendimento de que o art.º 40º do Decreto Lei n.º 15/93 se encontra plenamente em vigor.
Se também entendemos que o jurista prudente deve procurar ‘deixar bem’ o legislador, convém que nessa tarefa não acabe por ficar mal na fotografia o interprete. Como acentuou o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 295/03 de 12 de Junho, significa isto que é bem possível sustentar-se que o legislador, após a vigência da Lei 30/2000, por um lado, intentou despenalizar a detenção, para consumo, de substâncias estupefacientes, entendendo que para esse efeito, se haveria de considerar tão somente a detenção de uma quantidade que não fosse superior à necessária para o consumo individual durante dez dias; e, por outro, que a detenção, não permitida, de quantidade superior àquela, por si só, haveria de ser sancionada como um ilícito criminal (seja por via do art.º 21º, seja por via do art.º 25º, seja, se estiver reunido o exigido condicionalismo, por via do art.º 26º, todos do Decreto Lei n.º 15/93).
Quanto a nós, da conjugação dos artºs 25º e 40º do Decreto Lei n.º 15/93 e dos artºs 2º nºs 1 e 2, e 28 da Lei n.º 30/2000, resulta que, em princípio, as situações de detenção para consumo, cuja quantidade exceda o consumo médio individual durante o período de dez dias, são punidas com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias, consoante se trate de substâncias das tabelas I a III ou IV respectivamente([Já aceitamos com mais dificuldade que as situações de detenção para consumo possam cair na previsão dos artºs 26º e 21º do Decreto Lei n.º 15/93. cfr. v.g. o citado acórdão do TC. Mas importa realçar que a decisão judicial só excepcionalmente é que não é a decisão do caso concreto]).
A este entendimento obtemperam alguns, então temos uma situação de consumo punida como tráfico.
Cumpre notar que, nesta problemática da droga, nem sempre a realidade sociológica tem o equivalente e fidedigno desenho legislativo, não há total correspondência entre a realidade normativa e a vida. Assim, com a entrada em vigor do Decreto Lei n.º 15/93, quase desapareceu do dia a dia dos nossos tribunais o traficante consumidor, dado o apertado critério tecido pelo legislador: quer em virtude da finalidade exclusiva, o que no rigor afastava a aplicação do regime ao toxicodependente que com os réditos do tráfico, além de alimentar o vício também pagava, o café, o almoço... quer em virtude das quantidades para cinco dias [Neste sentido, Faria Costa, RLJ 134º, 279 que a dado passo afirma que um novo regime da droga deveria repensar a figura do traficante-consumidor, dando-lhe uma maior amplitude (...) parece excessiva a exigência de que o tráfico se destine exclusivamente a conseguir meios para a obtenção de droga.]
Ora em virtude deste apertado critério legislativo, em evidente desconformidade com a realidade sociológica, no nosso país e conforme evidência a estatística do sistema da justiça, quase acabou o tráfico para consumo, predominando o tráfico de menor gravidade. Todos sabemos, porém que a realidade não é essa. Tudo isto para dizer que, não há que impressionar com a epígrafe do art.º 25º, com o rótulo de tráfico. Desde o início de vigência do Decreto Lei n.º 15/93, que essa epígrafe legislativa é enganadora. A partir da entrada em vigor da Lei n.º 30/2000 a desconformidade e dessintonia passa a ser ainda mais flagrante.

Melhor seria que algumas reparos que a doutrina e a jurisprudência vêm fazendo à solução legislativa fossem infundados, mas infelizmente são fundados; ou que o caminho já tivesse sido legislativamente aplanado. São pertinentes os argumentos da desproporcionalidade das penas atendendo aos princípios da necessidade e da proporcionalidade. Só que, esse problema não deve, não pode, ser resolvido com violação do princípio da legalidade. E, por outro lado, como concluiu o Tribunal Constitucional na sua decisão de 12 de Junho, não se descortinam razões que possam levar a efectuar um juízo de censura do legislador penal, fundado na desadequação ou desproporcionalidade; a solução legislativa, na interpretação aqui acolhida, não está ferida de inconstitucionalidade.
Nesta matéria, as dificuldades não são novas. Não é de agora que o fato não está à medida necessitando de ajustamento.
Porque não vale a pena ficar à espera de Godot, então que caminho trilhar? Repristinar o regime expressamente revogado, como pretende o recorrente, não é legalmente admissível. Igualmente ilegal é a extensão do regime da contra-ordenação. Absurda parece-nos a solução da impunidade [Rui Pereira, Liber Discipuloram, F Dias, 2003, pág. 1171], quando a lei tem resposta adequada.
Temos para nós, que o sistema legislativo no seu conjunto, tem soluções razoáveis para este incontornável problema ficando a coberto da crítica pertinente de Faria Costa [RLJ 134º 278]. A solução é trilhar o caminho da decisão recorrida: atendendo a que estava em causa a detenção de 31,018 grs. de cannabis convocar o tráfico de menos gravidade, art.º 25º Decreto Lei n.º 15/93, considerar que o destino ao consumo, é, no contexto daquele tipo legal, uma circunstância que diminui de forma acentuada a ilicitude do facto, art.º 72º do Código Penal, atenuar especialmente a pena desembocando numa pena de prisão substituída por multa.

Decisão:
Na improcedência do recurso mantém-se a sentença recorrida.
Sem tributação.

Porto, 7 de Dezembro de 2005
António Gama Ferreira Ramos
Alice Fernanda Nascimento dos Santos
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho
Arlindo Manuel Teixeira Pinto