Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8930/10.5TBMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CONDOMÍNIO
DESPESAS
PARTES COMUNS
CONTRATO DE MANUTENÇÃO
ELEVADORES
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
Nº do Documento: RP201403108930/10.5TBMAI.P1
Data do Acordão: 03/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 268º, 1424º DO CÓDIGO CIVIL
ARTº 4º DO DL 320/2002 DE 28/12
Sumário: I – A obrigação prevista n.º 1 do artigo 1424.º do Código Civil, no sentido dos condóminos contribuírem monetária e proporcionalmente para o pagamento das despesas relativas às partes comuns, é uma obrigação propter rem, na medida em que resulta da manutenção da funcionalidade da própria coisa independentemente de quem seja o dono.
II – Visando esta obrigação a satisfação dos interesses e necessidades comuns dos condóminos, quanto à funcionalidade do prédio, os seus sujeitos são, do lado passivo, cada um dos condóminos e, do lado activo, a universalidade dos condóminos (condomínio).
III – Uma empresa contratada para prestar os serviços de interesse comum não é contraparte nesta obrigação propter rem, mas apenas na obrigação que resulta do respectivo contrato.
IV – O contrato relativo à manutenção de ascensores, previsto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/2002, de 28 de Dezembro, celebrado entre o construtor do imóvel e uma empresa prestadora de tais serviços, não se transmite ao condomínio, salvo se existir cessão da posição contratual ou ratificação do contrato por parte do condomínio, nos termos do artigo 268.º, n.º 1, do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 8930/10.5TBMAI do Tribunal Judicial da Comarca da Maia – 2.º Juízo Cível.
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Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
I – A obrigação prevista n.º 1 do artigo 1424.º do Código Civil, no sentido dos condóminos contribuírem monetária e proporcionalmente para o pagamento das despesas relativas às partes comuns, é uma obrigação propter rem, na medida em que resulta da manutenção da funcionalidade da própria coisa independentemente de quem seja o dono.
II – Visando esta obrigação a satisfação dos interesses e necessidades comuns dos condóminos, quanto à funcionalidade do prédio, os seus sujeitos são, do lado passivo, cada um dos condóminos e, do lado activo, a universalidade dos condóminos (condomínio).
III – Uma empresa contratada para prestar os serviços de interesse comum não é contraparte nesta obrigação propter rem, mas apenas na obrigação que resulta do respectivo contrato.
IV – O contrato relativo à manutenção de ascensores, previsto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/2002, de 28 de Dezembro, celebrado entre o construtor do imóvel e uma empresa prestadora de tais serviços, não se transmite ao condomínio, salvo se existir cessão da posição contratual ou ratificação do contrato por parte do condomínio, nos termos do artigo 268.º, n.º 1, do Código Civil.
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Recorrente/Autora…………..B…, Lda., com sede na …, Armazém n.º ., em … – … – Maia.
Recorrido/Réu………………..Condomínio do Edifício sito na Rua …, n.º …, n.º …, n.º … e n.º …, em … – Vila Nova de Gaia.
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I. Relatório.
a) O presente recurso insere-se numa acção declarativa de condenação através da qual a ora Recorrente pretende obter a condenação do réu Condomínio a pagar-lhe determinadas quantias, que especifica, apresentando como fundamento o facto de ter sido contratada pelo primitivo proprietário do imóvel para prestar assistência e conservação ao sistema de elevadores existente no edifício.
Tal contrato, diz, transmitiu-se ao réu Condomínio, quando mais tarde se constituiu, tendo este sucedido na posição contratual do primitivo dono.
Por conseguinte, tendo a Autora cumprido os termos do contrato, reclama as quantias que lhe são devidas pelos serviços prestados.
O réu Condomínio contestou alegando que não sucedeu no contrato em questão e que ele próprio, em 2008, logo que se constitui, contratou outra empresa para prestar os mesmos serviços, tendo dado conhecimento disso mesmo à Autora.
No final o tribunal deu razão ao réu Condomínio e absolveu-o do pedido.
É desta decisão que vem interposto o recurso.
b) A recorrente terminou as alegações com as seguintes conclusões:
«1ª – Os contratos de conservação e assistência técnica em causa nos autos foram outorgados entre a Autora e a sociedade comercial por quotas “C…, Lda.”, esta última na qualidade de proprietária plena do imóvel.
2.ª – À data em que os referidos contratos fora outorgados, o ora Recorrido ainda não havia sido constituído, pelo que ainda não tinha personalidade jurídica, pelo que todos os atos respeitantes à manutenção das partes comuns do edifício respeitavam àquela sociedade comercial, na qualidade de proprietária da totalidade das frações que compõem o edifício.
3.ª – Até à data da constituição da administração do condomínio (a qual só ocorreu em 5 de Junho de 2008) não existem dúvidas de que cabe ao dono da obra (na qualidade de proprietário de todas as frações que compõem o edifício) prover à gestão do edifício.
4ª – Nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/2002 de 28/12 resulta que é obrigatória a existência de um contrato de manutenção para que os ascensores instalados nos edifícios possam efetivamente ser colocados em funcionamento, sendo que só após a prova da existência desse contrato é que a empresa instaladora pode certificar o funcionamento do elevador.
5ª – Donde resulta que, “in casu”, a sociedade comercial por quotas “C…, Lda.”, na qualidade de construtora, dona de obra e proprietária das frações que compõem a totalidade do edifício, tinha legitimidade bastante para outorgar com a Recorrente os contratos destinados à conservação dos elevadores instalados por esta no edifício.
6ª – Uma vez constituída a administração do condomínio, transmitem-se para esta todos os direitos e obrigações decorrentes da gestão do edifício, designadamente a posição contratual constituída no interesse do condomínio e a que se reportam os autos.
7ª – Os contratos outorgados entre o dono da obra e a Recorrente são verdadeiros contratos a favor de terceiro, já que constituídos no interesse da entidade ainda inexistente – o condomínio.
8ª – Sendo certo que a obrigação de pagamento dos serviços de manutenção realizados nos elevadores se trata de uma verdadeira obrigação “propter rem”, sujeita, portanto, ao regime das obrigações reais.
9ª – A obrigação diz-se real porque ela existe por causa da coisa, da «res», sendo obrigado quem for titular do direito real, havendo assim uma sucessão do débito fora dos termos normais da transmissão das obrigações, por isso, é o condomínio, que, entretanto se constituiu, o responsável pelo pagamento das dívidas resultantes dessa conservação dos elevadores, pois para ele, como representante dos condóminos – que beneficiaram da realização desses serviços – se transmitiram as obrigações decorrentes desses contratos.
10ª – Ora, o condomínio Recorrido é quem representa os condóminos, logo, é esta a entidade responsável pelo pagamento dos serviços prestados pela Recorrente, mesmo em data anterior à da sua constituição.
11ª – O mesmo se diga quanto ao pagamento da indemnização devida pela rescisão antecipada do contrato.
E sem prescindir, ainda se conclui que,
12ª – Tendo ficado provado, como ficou, que a sociedade comercial por quotas “C…, Lda.” outorgou os contratos de conservação e assistência técnica na qualidade de “proprietária do imóvel”, resulta manifesto que existiu uma ratificação (ainda que tácita) dos efeitos daqueles contratos por parte do condomínio que entretanto se constituiu, o ora Recorrido, como decorre do regime preceituado no art.º 268.º do CC à contrário sensu.
Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada, declarando-se procedente o presente recurso interposto e, por via disso, julgar procedente a presente ação, assim se fazendo JUSTIÇA».
c) O Condomínio contra-alegou e concluiu nestes termos:
«I. Os alegados contratos não foram ratificados, nem eram oponíveis ao Condomínio.
II. Sendo uma obrigação real as obrigações decorrentes da mera conservação dos elevadores, revestem a natureza de não ambulatórias.
III. A obrigação decorrente dos contratos alegados, não acompanha a transmissão, permanecendo na esfera da sociedade C…, Lda.
IV. A obrigação propter rem, decorrente de ser proprietário de prédio com elevador obrigatório, não legitima que uma vinculação acordada por anterior dono seja alargada ao absurdo e atinja desse modo os futuros adquirentes.
V. O construtor podia vincular-se como entendesse. Mas essa vinculação não podia atingir futuros condóminos, sem que estes ratificassem a concreta vinculação.
VI. Jamais poderia a empresa construtora em negócios com a B…, limitar a liberdade contratual da Recorrida obrigando-a a um contrato de 5 anos com renovação automática, acrescido de cláusula penal compensatória correspondente a 50% das prestações que venceriam até ao final do contrato, em caso de denúncia antecipada.
VII. O Condomínio, aqui Recorrido nos presentes autos, não contratou a Recorrente para a prestação de serviços dos quais resultaram as despesas relacionadas com o uso de partes comuns do prédio, nem ratificou os contratos, ora por forma escrita ora verbal.
VIII. Nem usufruiu dos mesmos, porque na própria Assembleia constitutiva contratou uma empresa de manutenção de elevadores.
IX. Pelo que, que não existe qualquer vínculo entre o Recorrido e a B… no âmbito de contratos de manutenção dos elevadores.
X. Não há transmissão da posição contratual dos alegados contratos, pois não há contrato-instrumento de cessão, nem qualquer comunicação.
XI. É do conhecimento da Recorrente a falta de vontade manifestada pela Recorrida em acordar consigo no sentido da manutenção dos elevadores do prédio.
XII. A empresa eleita, por votação em Assembleia de Condóminos, a 5 de junho de 2008, como empresa responsável pela manutenção dos elevadores, foi a D….
XIII. Foi claramente rejeitada a proposta apresentada pela B… à Assembleia de Condóminos.
XIV. A mera apresentação de uma proposta por parte da B… permite concluir que esta sabia não ter qualquer contrato ou acordo ou vinculação com o Condomínio. Por isso se apresentou a concurso.
XV. Os contratos assinados não foram considerados pelo novo condomínio.
XVI. Tais contratos de prestação de serviço não são contratos a favor de terceiro.
Nestes termos, …».
II. Objecto do recurso.
A primeira questão que se coloca no recurso consiste em saber se os contratos relativos à manutenção dos elevadores, celebrados pela sociedade autora com o construtor e primitivo proprietário do imóvel, se transmitiram para o Condomínio do imóvel, o que passa pela análise de institutos ou figuras jurídicas como a cessão da posição contratual, do contrato a favor de terceiro, da representação sem poderes (artigo 268.º do Código Civil) e das obrigações propter rem.
Se a resposta for afirmativa, cumpre analisar de seguida a pretensão da Autora quanto às quantias que pede.
III. Fundamentação.
a) Matéria de facto provada.
1 - O réu é um condomínio composto pelo edifício constituído em propriedade horizontal que integra o Complexo Habitacional de …, sito na Rua …, na freguesia …, em Vila Nova de Gaia, sendo que a propriedade horizontal foi constituída em 5 de Maio de 2006 – alínea a) dos factos assentes.
2 - A autora dedica-se ao comércio, reparação, conservação e instalação de máquinas, aparelhos de elevação, equipamentos industriais e outros produtos afins, exercendo a sua actividade por todo o país – resposta ao quesito n.º 1 da base instrutória.
3 - Em 12 de Março de 2007, no exercício da sua actividade comercial, a autora celebrou com «C…, Lda.», na qualidade de proprietária do imóvel - e que invocou actuar em representação do condomínio -, acordos escritos denominados “contrato de conservação normal de elevadores”, para a colocação em funcionamento dos elevadores das entradas … e … do prédio aludido em A), conforme documento junto a fls. 18 a 25 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao quesito n.º 2 da base instrutória.
4 - Em 11 de Setembro de 2006, no exercício da sua actividade comercial, a autora celebrou com «C…, Lda.», na qualidade de proprietária do imóvel – e que invocou actuar em representação do condomínio -, um acordo escrito denominado «contrato de conservação normal de elevadores», para a colocação em funcionamento dos elevadores da entrada … do prédio aludido em A), conforme documento junto a fls. 26 a 29 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao quesito n.º 3 da base instrutória.
5 - Em 31 de Julho de 2006, no exercício da sua actividade comercial, a autora celebrou com «C…, Lda.», na qualidade de proprietária do imóvel – e que invocou actuar em representação do condomínio -, um acordo escrito denominado «contrato de conservação normal de elevadores», para a colocação em funcionamento dos elevadores da entrada … do prédio aludido em A), conforme documento junto a fls. 30 a 33 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao quesito n.º 4 da base instrutória.
6 - Nos termos dos acordos aludidos em 2) a 4), a autora comprometeu-se a proceder à manutenção e conservação dos oito elevadores ali mencionados. – resposta ao quesito n.º 5 da base instrutória.
7 - A mencionada «C…, Lda.», na qualidade de proprietária do imóvel – e que invocou actuar em representação do condomínio - comprometeu-se a proceder ao pagamento trimestral do serviço de manutenção contratado, de forma antecipada, no início de cada um dos trimestres a que respeitar – resposta ao quesito n.º 6 da base instrutória.
8 - À data da celebração dos acordos aludidos em 2) a 4), o valor trimestral a pagar relativamente a cada um dos acordos ascendia ao montante de Eur. 475,22. – resposta ao quesito n.º 7 da base instrutória.
9 - Na sequência da celebração dos acordos aludidos em 2) a 4), a autora passou a efectuar uma vistoria mensal aos aludidos elevadores, no decurso da qual assegurava a conservação e manutenção dos elevadores e dos seus componentes - resposta ao quesito n.º 8 da base instrutória.
10 - A autora intervinha igualmente sempre que alguém lhe solicitava a reparação de alguma avaria no funcionamento dos elevadores – resposta ao quesito n.º 9 da base instrutória.
11 - No âmbito dos acordos aludidos em 2) a 4), a autora prestou serviços de conservação e manutenção dos elevadores ali mencionados desde a data da celebração dos respectivos acordos até, pelo menos, o fim do mês de Junho de 2008 – resposta ao quesito n.º 10 da base instrutória.
12 - No âmbito dos acordos aludidos em 2) a 4), quanto à entrada n.º …, a autora prestou os serviços descritos:
- na factura n.º …..97, no valor de €475,22, emitida em 4/1/2008, para pagamento imediato e referente ao 1.º trimestre de 2008 da conservação dos elevadores;
- na factura n.º …..21, no valor de €475,22, emitida em 4/4/2008, para pagamento imediato e referente ao 2º trimestre de 2008 da conservação dos elevadores – resposta ao quesito n.º 11 da base instrutória.
13 - No âmbito dos acordos aludidos em 2) a 4), quanto à entrada n.º …, a autora prestou os serviços descritos:
- na factura n.º …..98, no valor de €475,22, emitida em 4/1/2008, para pagamento imediato e referente ao 1º trimestre de 2008 da conservação dos elevadores;
- na factura n.º …..60, no valor de €19,43, emitida em 31/1/2008, para pagamento imediato e referente à substituição de uma lâmpada dicroica 12V/20W colocada num dos elevadores;
- na factura n.º …..22, no valor de €475,22, emitida em 4/4/2008, para pagamento imediato e referente ao 2º trimestre de 2008 conservação dos elevadores – resposta ao quesito n.º 12 da base instrutória.
14 - No âmbito dos acordos aludidos em 2) a 4), quanto à entrada n.º …, a autora prestou os serviços descritos:
- na factura n.º …..94, no valor de €474,76, emitida em 4/1/2008, para pagamento imediato e referente ao 1.º trimestre de 2008 da conservação dos elevadores;
- na factura n.º …..21, no valor de €474,76, emitida em 4/4/2008, para pagamento imediato e referente ao 2º trimestre de 2008 da conservação dos elevadores – resposta ao quesito n.º 13 da base instrutória.
15 - No âmbito dos acordos aludidos em 2) a 4), quanto à entrada n.º …, a autora prestou os serviços descritos:
- na factura n.º …..73, no valor de €475,22, emitida em 4/1/2008, para pagamento imediato e referente ao 1.º trimestre de 2008 da conservação dos elevadores;
- na factura n.º …..00, no valor de €475,22, emitida em 4/4/2008, para pagamento imediato e referente ao 2º trimestre de 2008 da conservação dos elevadores – resposta ao quesito n.º 14 da base instrutória.
16 - Em 26/8/2008, o réu informou a autora que, por deliberação da assembleia geral dos condóminos, tinha entregue à empresa «D…» a conservação dos elevadores – resposta ao quesito n.º 16 da base instrutória.
17 - Os acordos aludidos em 2) a 4) foram celebrados por um período inicial de cinco anos, renováveis, sendo que:
O acordo celebrado para os elevadores da entrada … teve início em 01/03/2007 e termo para 31/03/2012,
O acordo celebrado para os elevadores da entrada … teve início em 01/03/2007 e termo para 31/03/2012;
O acordo celebrado para os elevadores da entrada … teve início em 01/03/2007 e termo para 31/03/2012;
O acordo celebrado para os elevadores da entrada … teve início em 01/09/2006 e termo para 30/09/2011 – resposta ao quesito n.º 17 da base instrutória.
18 - O réu foi constituído em 5 de Junho de 2008, aquando da realização da primeira Assembleia de Condóminos – resposta ao quesito n.º 19 da base instrutória.
19 - O réu, logo após a sua constituição, entregou à empresa «D…» a conservação dos seus elevadores – resposta ao quesito n.º 20 da base instrutória.
b) Apreciação da questão objecto do recurso.
1 – A primeira questão que se coloca no recurso consiste em saber se os contratos relativos à manutenção dos elevadores celebrados entre a sociedade Autora e o construtor e primitivo proprietário do imóvel se transmitiram para o condomínio do prédio.
A resposta será positiva se se identificar um mecanismo jurídico que permita a celebração de um contrato por uma pessoa e a vinculação ao mesmo por uma terceira pessoa que nele não tomou parte, nele não consentiu, nem o ratificou.
Ou seja, torna-se necessário que a lei imponha essa sucessão, prescindindo da vontade da nova parte contratual, ou seja, suprimindo a sua liberdade contratual.
Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 406.º (eficácia dos contratos), do Código Civil, a regra consiste na relatividade dos contratos: «Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei».
A transmissão das obrigações de um sujeito para outro é um fenómeno jurídico corrente, mas não prescinde, em regra, da vontade das partes, como se verifica pelas disposições legais relativas à cessão de créditos (artigos 577.º a 588.º do Código Civil), à sub-rogação (artigos 589.º a 594.º do Código Civil) à transmissão singular de dívidas (artigos 595.º a 600.º do Código Civil) e à transmissão da posição contratual, na sua universalidade e complexidade (cessão da posição contratual – artigos 424.º a 427.º do Código Civil) [1], inclusive na sucessão mortis causa onde se exige a aceitação da herança (artigo 2050.º, n.º 1, do Código Civil).
a) Vejamos se algum mecanismo jurídico ocorreu no caso dos autos, capaz de transmitir a posição contratual da empresa construtora para o condomínio.
O mecanismo jurídico através do qual se transmite a generalidade das relações jurídicas contratuais existentes na esfera jurídica de um sujeito para outro é a sucessão mortis causa [2], mas, como é óbvio, não estamos perante um situação desse tipo.
Além da hipótese acabada de afastar, a transmissão de um contrato celebrado por um sujeito para outro sujeito, há-de resultar de duas vias: ou (1) da vontade de ambos ou (2) de imposição legal.
Vejamos os casos relativos à vontade das partes, ou seja, à sua liberdade contratual (artigo 405.º do Código Civil).
O instituto paradigmático neste campo é o da cessão da posição contratual, o qual permite a transmissão da posição contratual em globo.
Sobre esta matéria, o n.º 1 do artigo 424.º do Código Civil, dispõe, que «No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão».
É de afastar este instituto no caso dos autos.
Com efeito, o mesmo pressupõe um acordo de vontades entre o cedente e o cessionário e no caso dos autos é claro que não existiu qualquer acordo entre a sociedade C…, Lda., e o condomínio Réu, no sentido deste último suceder na posição contratual da mencionada sociedade.
A Autora coloca a hipótese do caso poder ser configurado como um contrato a favor de terceiro.
Mas não é o caso.
Nos termos do n.º 1 do artigo 443.º do Código Civil, «Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita».
Como resulta desta previsão, o terceiro, que aqui seria o condomínio Réu, é o beneficiário da prestação (como ocorre com as vítimas de acidentes de viação que beneficiam das prestações acordadas no âmbito do contrato de seguro), mas é beneficiário sem que para tanto tenha, ele mesmo, de realizar uma prestação correspectiva a favor do promitente.
Também não ocorre uma situação de ratificação de um contrato celebrado por outrem sem poderes, nos termos do artigo 268.º do Código Civil, onde se determina que «O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado».
Com efeito, quando a assembleia de condóminos reuniu pela primeira vez, em 5 de Junho de 2008 (facto n.º 18 e 19), a assembleia contratou logo outra empresa para prestar o mesmo tipo de serviço, o que é incompatível com a ratificação do contrato antes celebrado pela construtora do prédio.
O facto da sociedade ter declarado no contrato que celebrava o contrato em «representação do condomínio» não vincula os futuros condóminos, podendo, no entanto, ser ratificado pelo condomínio, como se disse, nos termos do n.º 1 do artigo 268.º do Código Civil [3], facto que não se verificou.
Não se vislumbram outras hipóteses imputáveis à liberdade contratual, isto é, ao acordo das partes, que possam ser convocadas.
b) Vejamos agora se estamos perante um caso em que a lei impõe ao condomínio Réu a titularidade automática do contrato relativo à manutenção dos elevadores celebrado anteriormente pela empresa que construiu o edifício, instituiu a propriedade horizontal e era então a proprietária do edifício.
À primeira vista dir-se-á que tal não é possível, pois a lei não pode impor a um sujeito de direitos um contrato celebrado por um terceiro sujeito, que até pode ser ruinoso, salvo se existirem razões ponderosas que cumpra acautelar dessa forma, as quais não se vislumbram no caso, pelo menos de forma imediata.
A Autora justifica a transmissão do contrato para o Réu condomínio alegando que a obrigação resultante da manutenção dos elevadores é uma obrigação propter rem.
E, efectivamente, numa situação semelhante à destes autos, mas apenas quanto a parte dos factos, os relativos ao momento em que o contrato foi celebrado, ponderou-se no acórdão do S.T.J. de 14-10-2010, proferido no processo n.º 4955/07.6TVLSB (ver em www.dgsi.pt), que «…tendo aqui havido uma situação de transmissão da sociedade construtora/vendedora para os adquirentes das fracções a que a constituição da propriedade horizontal deu origem, os novos titulares do direito real, ou seja, os aqui condóminos, ficaram colocados, relativamente a esse estatuto, na mesma situação em que se encontrava a anterior titular, isto é, as obrigações transmitiram-se com o direito real de que elas decorrem».
Admitiu-se, pois, a transmissão dos direitos e obrigações relativos a uma situação real geradora de uma obrigação propter rem, para outro(s) sujeito(s) que lhe sucedeu(ram) na titularidade do direito real.
Cumpre então analisar esta hipótese.
Como nos diz HENRIQUE MESQUITA, «As obrigações reais constituem uma categoria meramente doutrinal, que a lei não define nem sequer utiliza nas suas formulações, e a primeira dificuldade consiste em delimitar as relações jurídicas ou vinculações que devam incluir-se em tal categoria – em delimitar, por outras palavras, a sua extensão objectiva.
Quanto a nós, só faz sentido e só tem interesse falar de obrigações propter rem nos casos em que o titular de um direito real está vinculado, em tal qualidade, a prestações de conteúdo positivo (de dare ou de facere)» [4].
Continuando com este autor, quanto à caracterização desta modalidade de obrigações, o mesmo diz-nos que «Fundamentalmente, o estatuto de um direito real fixa os poderes que ao titular é permitido exercer sobre a res e as restrições ou limites a que esse exercício fica sujeito.
Mas, a par disto, o estatuto do direito também pode impor ao titular, e impõe com frequência, deveres de conteúdo positivo. Estes deveres, conforme referimos, são estabelecidos e regidos ora por normas de direito público, ora por norma de direito privado. É precisamente em relação a estes últimos que deve falar-se de obrigações reais, ob rem ou propter rem. Trata-se de vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita para com outra (titular ou não, por sua vez, de um ius in re) à realização de uma prestação de dare ou de facere» [5].
No caso dos autos, face ao disposto no n.º 1 do artigo 1424.º do Código Civil, onde se dispõe que «Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções», esta obrigação de contribuir para as despesas com a conservação e fruição das partes comuns é, sem dúvida, uma obrigação propter rem.
Com efeito, a lei criou aqui um vínculo jurídico entre o proprietário da fracção autónoma e o condomínio do edifício, nos termos do qual o proprietário tem a obrigação de entregar (obrigação de dare) ao condomínio as quantias que forem estipuladas para solver tais despesas [6].
Sustenta ainda o mesmo autor que «A opinião generalizada da doutrina é no sentido de que as obrigações propter rem acompanham o direito real de cujo regime derivam: transmitido este direito, transmitem-se automaticamente as obrigações propter rem que impendem sobre o respectivo titular. Tratar-se-ia mesmo de um aspecto normativo essencial ao conceito de obrigação propter rem, razão que levou FERRINI e, na esteira dele, vários outros autores, a designar tais obrigações como ambulatórias» [7].
Porém, nem todas as obrigações propter rem constituídas antes da transmissão da coisa a outrem se transmitem ao subadquirente.
Só as obrigações que se traduzem num facere, resultante da circunstância de existir uma determinada situação real ligada a um prédio e que obriga o seu proprietário à prática de actos materiais na coisa, justificam a sua transmissão para aquele que sucede na titularidade do bem, por se tratar de uma obrigação que emerge da própria materialidade visível da coisa e por só ser exequível por quem é dono da coisa [8], pois o anterior proprietário deixou de ter poderes sobre o bem e a ingerência na respectiva posse seria um acto ofensivo do direito de propriedade do novo titular.
É o caso, considerando um exemplo apontado por HENRIQUE MESQUITA, do dono de um terreno que faz escavações na estrema e deixa o prédio vizinho sem apoios adequados e em risco de desmoronar [9].
A obrigação de corrigir esta situação danosa para o prédio vizinho (ver artigo 1348.º do Código Civil) transmite-se ao adquirente do prédio onde foi feita a escavação, pois só este último, como titular da coisa que deve ser intervencionada, para corrigir o desapoio do outro prédio, pode cumprir a obrigação.
Neste caso, justifica-se que a obrigação propter rem acompanhe a transmissão da coisa.
Já não assim nos casos em que a obrigação propter rem consiste num dare, em regra casos em que a transferência do direito real para um novo titular não impede o anterior devedor de solver a obrigação, não existindo, assim, qualquer justificação para a transmissão da obrigação [10].
Cabem aqui, por exemplo, ainda segundo HENRIQUE MESQUITA, «…a obrigação de os condóminos de edifícios em regime de propriedade horizontal pagarem proporcionalmente ao valor das respectivas fracções autónomas, a parte que lhes couber nas despesas, já efectuadas, para os fins indicados no n.º 1 do artigo 1424.º (de serviços de interesse comum)» [11].
Ressalvando, porém, todas aquelas obrigações de dare «…cuja existência seja denunciada ou indiciada pela situação em que a coisa ostensivamente se encontre», como é o caso da reparação do telhado de um edifício em regime de propriedade horizontal, danificado por uma intempérie, quando um dos condóminos vende a fracção já depois de realizado o contrato, mas antes de realizada a prestação pelo condómino vendedor [12].
No caso dos autos, sem dúvida que a obrigação relativa ao pagamento dos serviços relacionados com a manutenção dos elevadores é uma obrigação propter rem, na medida em que resulta da manutenção da funcionalidade da própria coisa, independentemente de quem seja o dono; mas é uma obrigação não ambulatória, ou seja, o condómino está vinculado a contribuir com a sua parte no que respeita ao pagamento, mas a prestação já vencida não se transmite para o subadquirente se a mesma tem como correspectivo serviços já prestados à data da alienação.
Ora, a questão que se coloca nos autos é esta: a obrigação propter rem do condómino existe em relação a quem? A quem é entregue a prestação? Quem tem poder para a exigir e cobrar coercivamente, se necessário?
Afigura-se que a resposta consiste em afirmar que o credor desta obrigação é o condomínio.
Ou seja, muito embora o condomínio não tenha personalidade jurídica [13], é este que face à lei surge como contraparte da obrigação do condómino pagar a respectiva despesa, obrigação essa qualificada, como se referiu, de propter rem.
Não é a empresa prestadora de serviços de conservação e manutenção de ascensores que surge como interlocutor contratual do condómino, mas sim o seu condomínio.
E tanto é assim, que nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, relativo às dívidas por encargos de condomínio, «1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
2 - O administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas no número anterior».
Verifica-se através desta disposição legal que a contraparte da obrigação propter rem à qual o condómino se encontra vinculado é o condomínio e não a empresa que presta os serviços de manutenção dos elevadores.
O que se compreende, pois esta obrigação (propter rem) tem como finalidade a manutenção e conservação das partes comuns do edifício com vista a garantir a boa funcionalidade do edifício submetido a propriedade horizontal.
Sendo assim, esta obrigação visa satisfazer os interesses e necessidades dos condóminos; visa assegurar este tipo de estado de coisas, pelo que respeita apenas a cada um dos condóminos e à universalidade dos condóminos
O pedido de prestação de serviços a um terceiro, através de contrato, já se situa a jusante, faz parte da execução ou do cumprimento da obrigação por parte do condomínio.
Por conseguinte, a Autora não se encontra em situação diversa daquela em que se encontrará se celebrar um contrato relativo à manutenção de um ascensor colocado numa casa pertencente a um só proprietário ou, por exemplo, num hotel.
Ou seja, a empresa contratada para prestar os serviços de interesse comum não é contraparte nesta obrigação propter rem; é apenas titular dos direitos e obrigações resultantes do contrato que celebrou.
c) Expostos os princípios, vejamos mais de perto o caso concreto.
A Autora alega a favor transmissibilidade para o condomínio do contrato celebrado com a empresa construtora e proprietária dos edifícios, o facto da lei impor a existência de um contrato de prestação se serviços no âmbito da manutenção dos elevadores, sob pena de não ser possível constituir a propriedade horizontal, tratando-se de uma obrigação com natureza propter rem.
Tal obrigação, diz a Autora, encontra-se prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/2002, de 28 de Dezembro, onde se dispõe o seguinte:
«1. O proprietário de uma instalação em serviço é obrigado a celebrar um contrato de manutenção com uma EMA [14].
2. O contrato de manutenção, no caso de instalações novas, deverá iniciar a sua vigência no momento da entrada em serviço da instalação, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3. Durante o primeiro ano de funcionamento da instalação, a entidade instaladora fica obrigada, directamente ou através de uma EMA, a assegurar a sua manutenção, salvo se o proprietário a desobrigar, através da celebração de um contrato de manutenção com uma EMA».
Verifica-se, efectivamente, que, nos termos do n.º 1 do artigo 59.º do Código do Notariado, «Os instrumentos de constituição da propriedade horizontal só podem ser lavrados se for junto documento, passado pela câmara municipal, comprovativo de que as fracções autónomas satisfazem os requisitos legais», entre os quais (requisitos) se encontra a exigência de elevadores nos casos em que são obrigatórios por lei de acordo com a tipologia dos edifícios (ver Decreto-Lei n.º 163/2006 de 8 de Agosto).
Porém, esta obrigatoriedade no que respeita à contratação de empresas autorizadas em matéria de conservação de ascensores, como requisito para a constituição da propriedade horizontal, não implica que o contrato celebrado para tal fim, por parte da entidade construtora e proprietária do edifício, vincule futuramente quem nele não tomou parte.
É que esta consequência (transmissão) não está contida naquela obrigatoriedade.
Com efeito, face a tal obrigatoriedade e face ao regime da propriedade horizontal, o contrato celebrado entre o construtor e a empresa de manutenção de elevadores é por natureza um contrato cuja duração não depende do teor das suas cláusulas mas do facto de vir ou não vir a ser ratificado pelo futuro condomínio.
Pelas seguintes razões:
Em primeiro lugar, não se vislumbra qualquer norma legal que imponha a sucessão do condomínio na posição contratual ocupada pelo proprietário do imóvel no contrato que este celebrou com a empresa de manutenção de elevadores, suprimindo totalmente a liberdade contratual da futura assembleia de condóminos.
Mesmo tratando-se, é certo, de uma obrigação propter rem, tal obrigação gera-se e limita-se às relações entre o condómino e o condomínio e não entre o condomínio e a empresa contratada para a manutenção do elevador.
Em segundo lugar, uma tal solução «legalizaria» casos, porventura desonestos, em que o condomínio ficaria amarrado a um contrato lesivo dos seus interesses por um largo período de tempo!
Lesivo de interesses na medida em que a prestação (mensal, trimestral…) poderia ser superior, por exemplo, em 10%, 20% ou 30% em relação àquela que o condomínio conseguiria no mercado se não estivesse vinculado a um contrato que não celebrou.
E por largo tempo, pois o contrato poderia durar 10, 15 ou 20 anos! [15]
Em terceiro lugar, as eventuais dificuldades sentidas pelo construtor, decorrentes do facto de poder não encontrar uma empresa disponível para celebrar um contrato sujeito a não ser ratificado pelo futuro condomínio, afiguram-se improcedentes.
Com efeito, a partir do momento em que todas as empresas fiquem sujeitas a contratos que podem não ser ratificados pelo futuro condomínio, a questão colocada desvanece-se, pois as empresas necessitam de realizar contratos e encontrar-se-ão todas elas no mesmo plano de igualdade, sendo por isso obrigadas e incentivadas a proporem contratos adequados aos seus interesses e aos interesses dos condóminos, por forma a que estes se revejam futuramente neles e não encontrem razões para celebrar contrato com outra empresa, aproveitando as empresas que já possuem contrato com o construtor esta situação de vantagem em que se encontram relativamente às concorrentes.
Continuando.
No caso dos autos, os contratos foram celebrados pela sociedade construtora dos edifícios e quando a assembleia de condóminos reuniu pela primeira vez, em 5 de Junho de 2008 (facto n.º 18 e 19), a assembleia contratou outra empresa para prestar o mesmo tipo de serviço e informou disso a Autora.
Ora, os serviços que nesta acção se pedem respeitam na quase totalidade ao período temporal anterior à 1.ª reunião do condomínio, em 5 de Junho de 2008, e as respectivas facturas venceram-se todas elas ainda em Abril desse ano.
Assim:
Quanto à entrada n.º …, temos a factura n.º …..21, no valor de €475,22, emitida em 4 de Abril de 2008, para pagamento imediato e referente ao 2º trimestre de 2008.
Quanto à entrada n.º …, temos a factura n.º …..22, no valor de €475,22, emitida em 4 de Abril de 2008, para pagamento imediato e referente ao 2º trimestre de 2008.
Quanto à entrada n.º …, temos a factura n.º …..21, no valor de €475,22, emitida em 4 de Abril de 2008, para pagamento imediato e referente ao 2º trimestre de 2008.
Quanto à entrada n.º …, temos a factura n.º …..00, no valor de €475,22, emitida em 4 de Abril de 2008, para pagamento imediato e referente ao 2º trimestre de 2008.
Por conseguinte, a responsabilidade pelo seu pagamento, na sequência do que vem sendo argumentado, no sentido de não existir transmissão da posição contratual, recai sobre a empresa construtora do edifício.
Além disso, não se encontram provados factos acerca das condições e período temporal em que os condóminos usufruíram dos serviços da Autora (ver facto n.º 12), com vista a averiguar possíveis situações de abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil), de enriquecimento sem causa (artigo 473.º do Código Civil), embora a acção não tenha sido estruturada nesta perspectiva, ou mesmo apelando a uma situação contratual de facto [16].
No que respeita particularmente ao enriquecimento sem causa e ao abuso de direito, face ao que fica exposto, quem poderia exigir o pagamento ao condomínio seria a empresa construtora.
Com efeito, entendeu-se que a empresa construtora será devedora das quantias aqui pedidas ao condomínio, pelo que havendo enriquecimento sem causa do condomínio, o enriquecimento ou o abuso de direito existirá em relação à empresa construtora.
Face ao que fica exposto, conclui-se que o contrato celebrado pela construtora não se transmitiu ao condomínio; que o condomínio usufruía de liberdade contratual para ratificar o contrato existente ou celebrar um outro contrato (incluindo com a mesma empresa) e que não resultou provada qualquer situação de facto carecedora da protecção dispensada pela regra contida no artigo 334.º do Código Civil (abuso de direito).
2 – A segunda questão fica prejudicada pela solução a que se chegou quanto à primeira questão.
Cumpre, pois, julgar o recurso improcedente.
IV. Decisão.
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Autora.
*
Porto, 10 de Março de 2014.
Alberto Ruço.
Correia Pinto.
Ana Paula Amorim.
________________
[1] Ver sobre a matéria ANTUNES VARELA. Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª edição (reimpressão). Coimbra: Almedina, 1999, pág. 285 e seguintes.
[2] «Diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam» - artigo 2024.º do Código Civil.
[3] No caso tratado no acórdão do STJ de 14-10-2010, no processo 4955/07.6TVLSB (MOREIRA CAMILO), semelhante a este no que respeita aos termos em que o contrato foi celebrado, considerou-se que os factos provados mostravam ter existido ratificação do contrato por parte do condomínio.
No caso do acórdão do T.R.C. de 17 de Maio de 2005 no processo 85960/09.0YIPRT (VIRGÍLIO MATEUS), condenou-se o condomínio a pagar as despesas de conservação do elevador, com base em contrato celebrado pelo construtor do edifício com base no facto do condomínio ter gozado dos serviços prestados e se ter considerado a recusa do pagamento como abuso de direito («De modo que seria manifestamente abusivo pretender agora o condomínio que o construtor arcasse sozinho com as despesas de manutenção de coisa comum que são os elevadores, quando é certo que o ascensor esteve a funcionar e foi utilizado normalmente pelos condóminos do prédio (art. 334º do CC), sem que conste ter sido alguma vez questionada a legitimidade da sociedade antes de ter sido pedido o pagamento das despesas de manutenção em juízo» – texto do acórdão (ver em www.dgsi.pt).
[4] Obrigações Reais e Ónus Reais. Coimbra: Livraria Almedina, 1990, pág. 29.
[5] Ob. cit., pág. 100.
[6] No sentido destas obrigações serem obrigações propter rem ver HENRIQUE MESQUITA, Ob. cit. págs. 36, 338
[7] Ob. cit., pág. 37.
[8] HENRIQUE MESQUITA, Ob. cit. pág. 330-336.
[9] Ob. cit. pág. 331.
[10] …considerámos ambulatórias as obrigações reais de facere que impõem ao devedor a prática de actos materiais no objecto do ius in re. Trata-se sempre de, em síntese, de obrigações que só podem ser cumpridas por quem seja titular do direito real de cujo estatuto promanam, acrescendo ainda, em muitos casos, a favor da ambulatoriedade, a circunstância de a existência da obrigação resultar directa e imediatamente da simples aplicação do estatuto do direito à situação em que a coisa sobre que este incide objectiva ou ostensivamente se encontra» - Henrique Mesquita. Ob. cit. pág. 336.
[11] Ob. cit., pág. 340.
[12] Ver HENRIQUE MESQUITA, Ob. cit., pág. 342.
[13] Sobre esta questão ver SANDRA PASSINHAS. A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, reimpressão da 2.ª edição. Coimbra: Almedina, 2004, pág. 175
[14] Nos termos da al. d), do artigo 2.º, do mencionado Decreto-Lei, para efeitos do diploma em causa entende-se por «Empresa de manutenção de ascensores (EMA) a entidade que efectua e é responsável pela manutenção das instalações, cujo estatuto constitui o anexo I a este diploma e que dele faz parte integrante».
[15] No caso tratado no citado acórdão do S.T.J. de 14-10-2010, o contrato de manutenção dos elevadores foi celebrado pelo construtor e pelo período de 20 anos.
[16] «Esta figura, surgida nos anos quarenta devido a uma descoberta de Günther Haupt, abrangia várias situações jurídicas que tinham, em comum, o aparecimento de deveres contratuais sem prévia celebração de um contrato» - MENEZES CORDEIRO. Tratado de Direito Civil, Parte Geral I, tomo I, 3.ª edição. Coimbra: Almedina, 2009, pág. 597.