Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
245/21.0T8AGD-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: RISCO COBERTO PELO CONTRATO DE SEGURO
DESACORDO DA SEGURADORA
ENTIDADE EMPREGADORA
Nº do Documento: RP20230417245/21.0T8AGD-B.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo a Ré seguradora, na tentativa de conciliação, declinado a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente, na consideração de que o mesmo, quer pelo local onde ocorreu quer pela actividade desenvolvida pelo sinistrado, não se enquadrar no âmbito do risco coberto pelo contrato de seguro, para assegurar devidamente os seus direitos o autor tinha que demandar, como o fez, a Ré seguradora e a sua entidade empregadora, ao serviço de quem, e no cumprimento das suas ordens, sofreu o acidente de trabalho por esta participado àquela.
II - As questões controvertidas que cumpre ao Tribunal a quo apreciar não só ficaram claramente definidas na tentativa de conciliação, como para além disso foram confirmadas e ficaram delimitadas face à posição assumida pelas partes nos respectivos articulados.
III - Do despacho recorrido retira-se que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre elas, tanto quanto se percebe, por nem sequer as ter identificado, dado não lhes ter feito qualquer referência. Diga-se, ainda, que os autos tão pouco contém os elementos necessários para possibilitar a apreciação dessas questões.
IV - Por conseguinte, impõe-se revogar a decisão proferida no despacho saneador, que absolveu a entidade empregadora dos pedidos, para determinar o prosseguimento dos autos contra a mesma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 245/21.0T8AGD-B.P1
SECÇÃO SOCIAL



ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO
I.1 Na presente acção especial, emergente de acidente de trabalho, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Águeda, AA, apresentou petição inicial, dando início à fase litigiosa para demandar A..., S.A. e a sua entidade empregadora BB CABEÇA DE CASAL HERANÇA, pedindo que julgada a acção procedente sejam:
a) As Rés, solidariamente, condenadas a reconhecer o acidente como sendo acidente de trabalho;
b) As Rés, solidariamente, condenadas no pagamento do montante de €450,00 referente aos tratamentos realizados pelo A.
c) As Rés, solidariamente, condenadas no pagamento do montante de €10,00, pelas despesas de transportes em deslocações ao presente Tribunal;
d) As Rés, solidariamente, condenadas no pagamento do montante de €151,85, referente às despesas médico-medicamentosas;
e) As Rés, solidariamente, condenadas a pagar ao Autor a quantia de 2.500,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais;
f) As Rés, solidariamente, condenadas a pagar ao Autor a quantia de €6.375,10 a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária que sofreu;
g) As Rés, solidariamente, condenadas a pagar ao Autor a pensão anual, vitalícia e atualizável no montante de € 1.117,43 desde 03/08/2021, obrigatoriamente remível nos termos da lei vigente (idade 60 anos / trm 11,264), que se computa na quantia de €11.490,58;
h) As Rés, solidariamente, condenadas a pagar juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor até integral pagamento sobre cada uma das quantias.
i) As Rés, solidariamente, serem condenadas no pagamento de custas processuais, custas de parte e procuradoria condigna.
I.1.1 Na fase conciliatória realizou-se a tentativa de conciliação com intervenção do Autor e A..., S. A., Sucursal em Portugal, constando da respectiva acta, no essencial, o seguinte:
-«[..]
Após a identificação dos presentes, DECLARARAM:
- O SINISTRADO:
- Que foi vítima de um sinistro no dia 02-11-2020, em ... – Águeda, quando trabalhava sob a autoridade, direção e fiscalização de "BB – Cabeça de Casal", com sede na Rua, EN ..., ..., ... ..., como ajudante de todas as secções, mediante a retribuição anual de 12.176,40 €uros, (794,00€uros x 14 meses = 11.116,00 €uros + 96,40 €uros x 11 meses = 1.060,40 €uros).
- A responsabilidade emergente do presente acidente estava integralmente transferida para a Entidade Responsável acima indicada, mediante contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ....
- O acidente deu-se da seguinte forma: quando organizava lenha para manter os fornos em funcionamento, um pedaço de madeira saltou, batendo-lhe na perna esquerda.
- Em consequência, sofreu as lesões e as sequelas descritas nos autos de perícia de fls. 61 e 77/77 vº tendo, por via delas, a Sr.ª Perita Médica atribuído ao Sinistrado uma desvalorização de 13,11% de I.P.P., que aceita, concordando, igualmente, com o período de incapacidade temporária fixado pela mesma.
- Não foi pago de qualquer quantia a título de indemnização devida pelo período de incapacidade temporária que sofreu, desde o acidente até à data da alta definitiva, que lhe foi atribuída pela Exma. Perita Médica do Tribunal a 02-08-2021, (fls. 77).
- Nos termos das disposições aplicáveis da Lei n.º 98/2009 de 04/09, RECLAMA DA ENTIDADE RESPONSÁVEL:
1 – O montante de 10,00 €uros que teve de gastar em transportes (por uma deslocação a este Juízo do Trabalho – Serviços do Ministério Público).
2 – O montante de 6.375,10€uros, a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária que sofreu.
3 – O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de 1.117,43 €uros, com início em 03-08-2021, (dia seguinte ao da alta clínica), - idade 60_anos / Trm 11,264.
4 – Juros de mora, à taxa legal (4%) sobre as indicadas prestações pecuniárias, vencidos e vincendos até integral pagamento.
- A ENTIDADE RESPONSÁVEL:
- A Seguradora declina toda e qualquer responsabilidade pelo acidente de trabalho em apreço por entender que face às diligências realizadas verificou que o evento terá ocorrido quando o sinistrado procedia ao corte de eucaliptos e lenha, numa herdade pertencente à estalagem “Quinta ...”, pelo que o acidente não ocorreu da forma, nem no local, descrito na participação do sinistro (fls. 14 e 30).
- Assim, não aceita a existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho e não aceita o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente.
- Não aceita o grau de desvalorização atribuído pela Sr.ª Perita Médica e, ainda, o período de incapacidade temporária por ela fixado.
- Aceita, contudo, o salário auferido pelo Sinistrado, conforme acima mencionado pelo mesmo e, bem assim, conforme consta da apólice de seguros de acidentes de trabalho que esta Seguradora tem com a sua Entidade Empregadora (sendo que a mesma exclui do seu âmbito atividade compatível com exploração florestal).
- Pelo exposto, não se concilia, assim declinando o pagamento dos montantes acima reclamados pelo Sinistrado, ou quaisquer outras quantias.
***
--De seguida, o Digno Magistrado do Ministério Público proferiu o seguinte DESPACHO: -As partes têm legitimidade e capacidade judiciária;
- As partes não se conciliaram devido ao facto da Entidade Responsável entender que o sinistro ocorreu quando o Sinistrado procedia ao corte de eucaliptos e lenha, cuja apólice exclui do seu âmbito atividade compatível com exploração florestal, não aceitando, assim, o nexo causal entre as lesões e o sinistro participado.
- Assim sendo, dou as partes por não conciliadas e ordeno que os autos sejam devolvidos à Secção de Processos, onde aguardarão a propositura da ação por parte do Ilustre Mandatário do Sinistrado.
[..]».

I.1.2 Frustrada a conciliação, o Autor apresentou petição inicial dado início à fase litigiosa, demandando as Rés e contra elas formulando os pedidos acima enunciados, alegando, em síntese, que “No dia 02/011/2020, pelas 14h00 [..] teve um acidente de trabalho, porquanto quando organizava a lenha para manter os fornos em funcionamento, um pedaço de madeira saltou, batendo-lhe na perna e joelho esquerdos”, quando “estava em serviço por conta e nos interesses da entidade empregadora como de resto por esta é reconhecido, em execução de tarefas inerentes à sua condição de trabalhador dependente, cumprindo com zelo as tarefas confiadas e indicadas para serem realizadas pela entidade empregadora quando ocorreu, por risco inerente à própria atividade o acidente de trabalho, causado por projeção de um pedaço de madeira na perna esquerda do trabalhador”.
As Rés apresentaram contestações.
A seguradora mantém a posição já assumida na tentativa de conciliação, alegando, também no essencial, corresponder à verdade que no dia 02 de Novembro de 2020 encontrava-se em vigor o contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho de trabalhadores por conta de outrem que, titulado pela apólice n.º ..., celebrado entre a Ré Seguradora e a Ré Empregadora, bem assim que, relativamente ao Autor, encontrava-se validamente transferida para a Ré a responsabilidade infortunística laboral.
Mais alega que, apesar das averiguações que levou a efeito, não foi possível concluir que as lesões sofridas pelo Autor tivessem como causa os factos que o mesmo alega terem ocorrido no dia, hora e local de trabalho. Diversamente, em sede dessa averiguação o Autor declarou, por depoimento escrito, que "estava na ... em Águeda, quinta que é propriedade de BB para qual trabalho", tendo inclusivamente indicado concretamente o local do sinistro [cfr. Doc.1 que se junta…]”. Mais se retira dessas declarações que a tarefa que se encontrava efectivamente a desempenhar e toda a dinâmica do suposto acidente é bastante diversa da que agora alega na sua petição, tendo relatado, com bastante pormenor, que “entretanto cortei uns toros de madeira para os fornos e fui cortar uns galhos de um eucalipto com cerca de 7, 8 metros na ponta do eucalipto, após cortar os galhos virei-me para ir cortar outra madeira para os fornos e nesse momento a ponta do eucalipto que devia estar presa sobre preçao soltou-se e fez o movimento de recochete e atingiu-me a perna esquerda no tornozelo."
Mais refere que as tarefas de corte de madeira, compatíveis com a exploração florestal, não estão relacionadas, nem directa nem indirectamente, com a actividade exercida pela Ré Empregadora de "Restaurantes sem serviço de entrega ao domicílio" (CAE 56107) abrangida pela apólice em vigor, sendo o risco inerente à categoria de restauração - risco que se encontrava seguro - totalmente distinto do risco associado aos trabalhos que o Sinistrado se encontrava a executar no momento do acidente - com risco agravado.
Defende que atenta essa circunstância, embora à data do acidente o contrato de seguro se encontrasse válido, o mesmo demonstra-se ineficaz relativamente à actividade que o Autor se encontrava a desenvolver, não se encontrando este abrangido pelas suas garantias. E, conclui, alegando que a reparação ao Autor pelas consequências do acidente em discussão não é da sua responsabilidade.
Por seu turno, a entidade empregadora alegou, no essencial o seguinte:
- [3] A actividade da 1.ª Ré consiste na exploração de um restaurante tradicional, cujo prato principal consiste no leitão assado em forno de lenha.
[4] O Autor tem a categoria profissional de ajudante de todas as secções, sendo uma das suas principais tarefas, operações de limpeza e outras operações de suporte à actividade, entre as quais, a preparação e recolha de lenha para os fornos de leitões.
[5] Esta última tarefa consiste num trabalho de preparação do combustível indispensável à operação dos fornos a lenha, para a assadura do leitão, a ser servido no estabelecimento comercial que a 1.ª Ré explora – Restaurante ... – sito no lugar ..., em Águeda.
[6] Tal trabalho está enquadrado na categoria profissional do Autor – ajudante de todas as secções.
[7] No dia 2 de Novembro de 2020, pelas 14 horas – o Autor sob a autoridade e direcção da 1.ª Autora, e dentro do deu horário de trabalho, deslocou-se a um prédio que é propriedade de uma das titulares da herança, aqui 1.ª Ré – CC – com vista a organizar /preparar e recolher uns restos de lenha destinada aos fornos de assadura do leitão.
[8] Com efeito, a madeira existente nesse prédio, resultante de algumas árvores dispersas e de crescimento espontâneo (ou mato), já havia sido cortada e vendida a um madeireiro, mas ficaram no mesmo uns restos de madeira, que a 1:ª Ré decidiu aproveitar para os fornos de assadura de leitões, do estabelecimento comercial que a mesma explora – restaurante ....
[..]
[10] Nesse dia 2 de Novembro de 2020, e à hora supra referida, enquanto o Autor se preparava para organizar e preparar a lenha destinada aos fornos de assadura de leitões no estabelecimento comercial que a 1.ª Ré explora, com vista à sua recolha, um pedaço de madeira soltou-se, batendo-lhe na perna esquerda.
[11] Assim, no dia 2 de Novembro de 2020, o Autor sofreu um acidente de trabalho, porquanto se encontrava a executar um serviço ou tarefa determinado pela entidade empregadora e sob a sua direcção e autoridade.
[12] O acidente de trabalho sofrido pelo auto no dia 2 de Novembro de 2020, foi participado pela 1.ª à 2.ª Ré, para a qual se encontra transferida a sua responsabilidade referente a acidentes de trabalho – apólice número ... [..].
[..]
[23] Pelo que, em face do exposto, a 2.ª Ré é responsável pelo acidente de trabalho sofrido pelo Autor no dia 2 de Novembro de 2020, devendo ser condenada a pagar ao autor os valores a que o mesmo tem direito, em consequência do acidente de trabalho aqui em causa.
Conclui, pedindo a sua absolvição de todos os pedidos, sendo a 2.ª Ré condenada nos precisos termos em que foi perdido pelo autor.

I.2 Findos os articulados, pelo Tribunal a quo foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual, para além de outras decisões, proferiu a que segue:
-«[..]
Dos pedidos formulados pelo Autor contra os Réus pessoas singulares
AA instaurou a presente acção declarativa com processo especial para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra DD, EE e CC, na qualidade de herdeiros de BB, bem como contra a A..., SA Sucursal em Portugal, pedindo a condenação solidária das Rés a reconhecer o acidente como sendo acidente de trabalho; no pagamento de €450,00 referente aos tratamentos realizados; 10,00 pelas despesas de transportes em deslocações a Tribunal; 151,85 referentes às despesas medico-medicamentosas; 2.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; 6.375,10 a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária que sofreu; o capital de remição da pensão anual, vitalícia e actualizável no montante de €1.117,43 desde 03.08.2021; e juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor até integral pagamento sobre cada uma das quantias.
Para tanto alegou, muito em síntese, ter celebrado um contrato de trabalho com BB, tendo, após o óbito desta, continuado a exercer a sua actividade para os Réus pessoas singulares.
Quando no exercício da sua actividade laboral sofreu um sinistro que constitui um acidente de trabalho, demandando todos os Réus na medida em que a Ré Companhia Seguradora não assume a responsabilidade pelo acidente, pondo em causa o sinistro.
Em face da factualidade dada como assente, cumpre, desde já, apreciar e decidir, afirmando-se manifestamente desnecessário conferir o exercício do contraditório (nº 3 do art. 3º do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do nº 2 do art. 1º do Código de Processo do Trabalho).
*
Da leitura da petição inicial resulta que o Autor alega, além do mais, que “não assumindo a segunda R. a responsabilidade, deverá ser a 1ª R. condenada a assegurar o mesmo, uma vez que o trabalhador se encontrava ao seu serviço, a cumprir as ordens emanadas por esta, durante o horário de trabalho, pelo que dúvidas não nos restam de que existe, efetivamente, uma caraterização de acidente de trabalho, pelo que não assumindo a 2ª Ré a responsabilidade, caberá à 1ª Ré assumir tal responsabilidade (art.º 51.º da petição inicial corrigida).
Desde logo, o Autor não alega factualidade no sentido da afirmação da inexistência, por parte dos Réus pessoas singulares, da violação de regras de segurança em que possa fundar a sua responsabilidade agravada para efeitos do art. 18º da Lei nº 98/2009 de 04 de Setembro5.
De acordo com os n.ºs 1 e 3 do art. 18º da Lei nº 98/2009, “quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
(..)
Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele”.
Havendo culpa do empregador ou violação das regras de segurança e saúde no trabalho, os danos constantes do elenco do regime da responsabilidade pelos acidentes de trabalho serão obrigatoriamente ressarcidos em termos mais agravados, abrangendo então também os danos não patrimoniais, por terem um nexo de causalidade adequada com o acidente de trabalho6.
Nos termos do n.º3 do art.º 79.º do mesmo diploma legal “ verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.
Ao estabelecer que a Companhia Seguradora responde em primeira linha, visou-se permitir ao sinistrado beneficiar da existência do contrato de seguro e da pronta reparação de um dano, não o deixando sujeito às condições económicas da ou das responsáveis, pelo que a companhia seguradora garante o pagamento das quantias devidas, podendo, contudo, exercer um seu direito de regresso.
De notar que a Companhia Seguradora apenas responde em relação às prestações que seriam devidas se não houvesse actuação culposa, termos em que, relativamente ao regime estabelecido na Lei nº 100/97 de 13 de Setembro a diferença reside no facto de a Companhia Seguradora não responder apenas a título subsidiário.
Em segundo lugar, relido o teor do auto de não conciliação de fls. 82 e ss., não foi posta em causa a celebração de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, a sua validade, ou a transferência da responsabilidade pela integralidade da retribuição, em termos de poder justificar uma responsabilidade dos Réus pessoas singulares nos termos do nº 5 do art. 79º da Lei nº 98/2009 de 04 de Setembro.
Assim, na falta de factualidade que, uma vez demonstrada, permitisse afirmar a responsabilidade dos Réus pessoas singulares, e sem necessidade de tecer acrescidos considerandos, não podem os mesmos deixar de ser absolvidos do pedido formulado pelo Autor (al. b) do nº 1 do art. 131º do Código de Processo do Trabalho).
*
Custas a cargo do Autor em proporção a fixar a final (n.ºs 1 e 2 do art. 527º do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do nº 2 do art. 1º do Código de Processo do Trabalho), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
[..]».
I.3 Inconformada com esta sentença a ré seguradora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1. O presente recurso tem por objecto o despacho/decisão com a referência 122796126, proferida em 13/07/2022.
2. Consta da referida decisão: “( ) Em segundo lugar, relido o teor do auto de não conciliação de fls. 82 e ss., não foi posta em causa a celebração de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, a sua validade, ou a transferência da responsabilidade pela integralidade da retribuição, em termos de poder justificar uma responsabilidade dos Réus pessoas singulares nos termos do nº 5 do art. 79.º da Lei no 98/2009 de 04 de Setembro.
Assim, na falta de factualidade que, uma vez demonstrada, permitisse afirmar a responsabilidade dos Réus pessoas singulares, e sem necessidade de tecer acrescidos considerandos, não podem os mesmos deixar de ser absolvidos do pedido formulado pelo Autor (al. b) do no 1 do art. 131º do Código de Processo do Trabalho.
3. Não se conformando a Ré Segurada com a mesma, pretende impugnar a decisão de absolvição dos Réus do pedido formulado pelo Autor.
4. Com o devido respeito, o douto despacho não tem qualquer cabimento segundo os elementos constantes dos autos e nos quais as partes verteram as suas posições.
5. Contrariamente ao constante da decisão recorrida e cujo trecho se assinala supra a negrito, quer do requerimento para cumprimento do art.99.º do CPT, junto aos autos em 19/02/2021, com ref.ª electrónica n.º 11165624, como do auto de não conciliação de 28/10/2021, do teor da PI e das Contestações apresentadas pela Rés resulta manifesto que a eficácia da apólice de seguro é posta em crise.
6. Em face de tal posição, competia ao Autor, como fez, apresentar a Petição Inicial para dar início à face contenciosa de acordo com a al. a) do n.º 1 do artigo 117.º do CPT, contra a Ré Seguradora e Réus Empregadores.
7. Devidamente citada, a Ré Seguradora reiterou os argumentos supra na Contestação que apresentou a 22/12/2022, mormente nos seus artigos 15.º a 19.º.
8. A Ré Segurada defende que o Sinistrado se encontraria a efectuar tarefas de corte de madeira e “não recolhe de restos de madeira”, o que é compatível com a actividade de exploração florestal.
9. Ora essa actividade não se encontra relacionada, nem directa nem indirectamente, com a actividade exercida pelos Réus Empregadores de "Restaurantes sem serviço de entrega ao domicílio" (CAE 56107) abrangida pela apólice em vigor.
10. O que equivale a dizer que na data e hora do acidente dos autos, o Autor não se encontrava abrangido pelas garantias do contrato.
11. Dada a arguida ineficácia do contrato de seguro celebrado entre a Ré Segurada e os Réus Empregadores, estes nunca poderiam ser absolvidos do pedido formulado pelo Autor.
12. Salvo melhor opinião, nesta fase encontra-se ainda por apurar a entidade responsável pela reparação do alegado sinistro.
13. As partes da presente acção não têm dúvidas de que a Ré Seguradora, sem prejuízo da demais defesa, invocou que a actividade que o Sinistrado se encontrava a desenvolver no momento do alegado acidente se encontra excluída do âmbito da apólice em vigor.
14. É evidente que os Réus Empregadores terão de se manter na presente acção, assim como a Ré Seguradora.
15. Só após a produção de prova em sede de audiência de julgamento estará o Tribunal a quo em condições de decidir a solução jurídica conferida ao processo no sentido de se julgar o evento coberto (ou não) pelo contrato de seguro.
16. Por outro lado, o facto H) da matéria assente assume natureza instrumental, não forma caso julgado, impondo-se ao Tribunal a quo a sua devida consideração, aquando da elaboração da sentença, após exame crítico das provas, conforme dispõe o n.º 4 do artigo 607.º do CPC.
17. Pelo que tal factualidade também não é idónea à absolvição dos Réus Empregadores.
18. Carece, portanto, de fundamento legal a decisão proferida pelo Tribunal a quo ao conhecer oficiosamente excepção peremptória de ilegitimidade passiva dos Réus Empregadores, impondo-se a sua alteração, o que se requer.
19. A decisão proferida pelo Tribunal a quo contende com o direito de reparação do Autor, que a provar-se o acidente de trabalho, tem natureza indisponível.
20. O Tribunal a quo, desta forma, fez errada aplicação do disposto no artigo 30.º do CPC.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO.

I.4 Discordando igualmente da decisão, também o autor apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido e fixados o modo de subida e efeito adequados, finalizando as alegações com as conclusões seguintes:
1. O presente recurso impende sobre o douto despacho saneador, o qual, salvo o devido respeito, decidiu de forma errada pela absolvição da ré entidade patronal.
2. Absolvição essa que não teve em consideração os factos vertidos nos presentes autos nas suas diversas peças processuais.
3. Na verdade, profere aquele despacho que «Quando no exercício da sua actividade laboral sofreu um sinistro que constitui um acidente de trabalho, demandando todos os Réus na medida em que a Ré Companhia Seguradora não assume a responsabilidade pelo acidente, pondo em causa o sinistro… Da leitura da petição inicial resulta que o Autor alega, além do mais, que “não assumindo a segunda R. a responsabilidade, deverá ser a 1ª R. condenada a assegurar o mesmo, uma vez que o trabalhador se encontrava ao seu serviço, a cumprir as ordens emanadas por esta, durante o horário de trabalho, pelo que dúvidas não nos restam de que existe, efetivamente, uma caraterização de acidente de trabalho, pelo que não assumindo a 2ª Ré a responsabilidade, caberá à 1ª Ré assumir tal responsabilidade (art.º 51.º da petição inicial corrigida).
Desde logo, o Autor não alega factualidade no sentido da afirmação da inexistência, por parte dos Réus pessoas singulares, da violação de regras de segurança em que possa fundar a sua responsabilidade agravada para efeitos do art. 18º da Lei nº 98/2009 de 04 de Setembro.
De acordo com os n.ºs 1 e 3 do art. 18º da Lei nº 98/2009, “quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais….Assim, na falta de factualidade que, uma vez demonstrada, permitisse afirmar a responsabilidade dos Réus pessoas singulares, e sem necessidade de tecer acrescidos considerandos, não podem os mesmos deixar de ser absolvidos do pedido formulado pelo Autor (al. b) do nº 1 do art. 131º do Código de Processo do Trabalho).
4. Ora, ao contrário do Douto Despacho, a verdade é que existem, já, factos vertidos em todos as peças processuais que demonstram a legitimidade da R. entidade patronal.
5. Não tem, o Tribunal a quo, todos os elementos necessários que permita conduzir à absolvição da R. entidade patronal, porquanto a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos não se encontra ainda determinada!
6. Sendo o acidente caracterizado como acidente de trabalho, a discussão resultante dos presentes autos prende-se em saber se se trata da responsabilidade da entidade patronal, aqui RRs. absolvidos, porquanto o seguro não previa o tipo de trabalho realizado pelo sinistrado, se efetivamente a responsabilidade em causa se prendia com o âmbito do seguro, e como tal, forçosamente seria a companhia de seguros a responsabilidade.
7. Sendo patente, nas diversas peças processuais, a existência de tal litigio, e como tal a legitimidade da ora R entidade patronal.
8. Veja-se, no auto de tentativa de conciliação, com a ref. 118553047, a qual se frustrou, consta que a Seguradora declina toda e qualquer responsabilidade pelo acidente de trabalho em apreço por entender que face às diligências realizadas verificou que o evento terá ocorrido quando o sinistrado procedia ao corte de eucaliptos e lenha, numa herdade nem no local, descrito na participação do sinistro (fls. 14 e 30)... , de onde se retira que entende a seguradora, aqui igualmente Ré, ser parte ilegítima, uma vez que o acidente não havia ocorrido da forma em causa.
9. Perante isto, não restou outra alternativa ao ora A., que não fosse apresentar a ação judicial contra ambos os réus, isto porque, sendo acidente de trabalho, teria que ser da responsabilidade de alguma dessas entidades.
10. O que corresponde dizer que se efetivamente não era da ré companhia de seguros, então teria que ser da entidade patronal, daí ter esta legitimidade para tal, sendo certo que em sentença será determinado, efetivamente, de quem é a responsabilidade.
11. Na verdade, na sua PI, aperfeiçoada, apresentada em 07-03-2022, com a ref. 41533562, no seu art. 66º vem expressamente alegar tais factos, na verdade: o ora A. e sinistrado estava em serviço por conta e nos interesses da entidade empregadora como de resto por esta é reconhecido, em execução de tarefas inerentes à sua condição de trabalhador dependente, cumprindo com zelo as tarefas confiadas e indicadas para serem realizadas pela entidade empregadora quando ocorreu, por risco inerente à própria atividade o acidente de trabalho, causado por projeção de um pedaço de madeira na perna esquerda do trabalhador.
12. Mais, a R. companhia de seguros contesta alegando que efetivamente a atividade segura nada teria a ver com a atividade desenvolvida pelo ora A., a mando da entidade patronal, aquando do sinistro, Vide nesse sentido art. 15º, 16º, 17º, 18º, 19º e 20 da Douta Contestação apresentada nos presentes autos em 22-12-2021, com a ref. 40817868.
13. Sendo que vieram os RRs, entidade patronal, apresentar a sua Douta Contestação, apresentada em 23-12-2021, com a ref. 40826273, de onde se retira que assumem o acidente como de trabalho, porquanto o mesmo se encontrava, no exercício das funções encarregadas pela sua entidade patronal, a realizar todas as atividades inerentes à prestação de trabalho habitual, vide nesse sentido o art. 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º da douta contestação apresentada.
14. O certo, neste momento, é que o A. sofreu um sinistro, o qual já é por demais assente como sendo de trabalho, sendo que a única divergência, e a qual não pode ser resolvida por mero despacho saneador, sem a realização do competente julgamento, prende-se efetivamente com a quem cabe a responsabilidade da reparação do mesmo, se à R. seguradora, se à R. entidade patronal.
15. Daí ter a ora R. entidade patronal legitimidade para permanecer em juízo.
16. Dito isto, e mais uma vez sem qualquer desprimor para o despacho, não podia, tal despacho absolver, sem a realização do julgamento, a ora R. entidade patronal, pois a ser assim, pode dar-se o caso, como aliás já alegado, de que o ora A. tenha sofrido um acidente de trabalho, e consequentemente, não exista entidade responsável por tal facto, violando claramente a indisponibilidade e irrenunciabilidade dos direitos emergentes do acidente de trabalho!
17. E, concluindo, como aliás consta das peças processuais, a ser verdade a alegação constante da contestação apresentada pela ora R. seguradora, competirá à R. entidade patronal a responsabilidade em proceder com a reparação do sinistro ao A., e da mesma forma, sendo verdade a alegação constante da contestação apresentada pela R. entidade patronal, então será responsável a R. seguradora!
18. Dito isto, e salvo o devido respeito, o ora A. evidenciou, de forma clara, a legitimidade da R. entidade patronal, para figurar nos presentes autos, uma vez que existe um litigio patente no que concerne à validade do seguro, alegada não só pela A., mas pela R. seguradora, e ainda pelo R. entidade patronal, pelo que dúvidas não nos restam de que a ora R. entidade patronal é parte legitima nos presentes autos.
19. Dito isto, não poderia o tribunal a quo, como fez, absolver mediante despacho saneador a R. entidade patronal, sem que fosse violada a lei nos termos do art. 30 do CPC!
20. Aliás, posição que tem sido amplamente sufragada na jurisprudência, veja-se a título de exemplo Ac. TRE, proferido em 09-03-2010, Ac. TRG, em 17-12-2020.
21. Dito isto, não se encontrando, o tribunal a quo, na posse de todos os elementos necessários para conduzir a uma eventual absolvição da R entidade patronal, porquanto tais elementos só serão possíveis de atingir após a realização do competente julgamento, é por demais evidente a existência da justificação para que a ora R. entidade patronal permaneça em juízo.
22. Assim, mal andou o tribunal a quo, ao proferir tal despacho, uma vez que é já patente existir uma relação controvertida entre o A. e ambas as Rés, relação essa que só será descortinada mediante audiência de discussão e julgamento, pelo que tem a ora R. entidade patronal que permanecer e manter-se em juízo, porquanto, como determina o art. 30º do CPC, tem a mesma legitimidade para permanecer e contestar os presentes autos, pois em último caso a responsabilidade pela reparação por tal sinistro poderá, efetivamente, ser sua!
23. Repare-se que a factualidade existente não é idónea à absolvição da R. entidade patronal, bem pelo contrário!
24. A não ser assim, a verdade é que se encontraria a ser violada o disposto no art. 12º e 78º da lei 98/2009, sendo de conhecimento oficioso a matérias relativa a tal reparação, e a esta aplicável o art. 74º do CPT, (aliás como doutamente expresso pelo TRP, proferido em 04-04-2022).
25. Carece, pois, de qualquer fundamento legal que possa conduzir e fundamentar, a decisão proferida no despacho saneador, e como deverá, forçosamente, ser a mesma alterada, mantendo-se, a R. entidade patronal, em litígio até à sentença que vier a ser proferida, o que se requer.
NESTES TERMOS, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO, E REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA,

I.5 Pelo Digno Procurador Geral Adjunto junto desta Relação foi emitido o parecer a que alude o art.º 87.º 3, do CPT, pronunciando-se pela procedência dos recursos, na consideração, no essencial, do seguinte:
-«3. Entende-se que na verdade os recursos merecem provimento devendo revogar-se o despacho recorrido.
Na verdade, do auto de tentativa de conciliação e depois da contestação, vê-se que a Ré seguradora/A..., não aceita a responsabilidade pelo acidente uma vez que entende que o sinistrado, no momento do acidente estava a realizar trabalhos não compreendidos no contrato de seguro, o que agravava o risco.
Se a Ré A... conseguir provar estes factos e afastar, em consequência, a responsabilidade no acidente, então, responsabilizada tem de ser a entidade empregadora a Ré BB-Cabeça de casal da herança.
Nesta hipótese o Autor deveria demandar, como demandou esta entidade empregadora.
E, pedir, antes de mais, a condenação da Ré seguradora/A....
Mas, sendo esta absolvida por aquele motivo – falta de seguro válido – então deve pedir a condenação da ré entidade empregadora, como primeira responsável pelo acidente.
A ré entidade empregadora é, assim, parte legitima nesta acção, tal como, aliás, é configurada pelo autor, e, por isso deve continuar na acção até julgamento e sentença, conhecendo-se, só então do pedido.
4. Nestes termos, emite-se parecer no sentido de que deverá conceder-se provimento aos recursos, revogando-se, antes, o douto despacho recorrido».

I.6 Concluídos os autos ao relator, verificando-se que os recursos foram admitidos sem que tivesse sido fixado o valor da causa, determinou-se a baixa dos autos à 1.ª instância para ser suprida essa omissão, dando cumprimento ao disposto no ar.º 306.º n.º3, do CPC.
Dado cumprimento ao determinado o Tribunal a quo proferiu decisão, fixando “à presente acção o valor processual de €22.073,68 (art. 120º do Código de Processo do Trabalho e Portaria nº 11/2000 de 13 de Janeiro)”.
Após trânsito em julgado do despacho, os autos voltaram a subir a esta Relação do Porto.

I.7 Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 657.º n.º2, CPC e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.

I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão suscitada para apreciação em ambos os recursos consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao ter decidido que “na falta de factualidade que, uma vez demonstrada, permitisse afirmar a responsabilidade dos Réus pessoas singulares, [..], não podem os mesmos deixar de ser absolvidos do pedido formulado pelo Autor (al. b) do nº 1 do art. 131º do Código de Processo do Trabalho)”.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação do recurso é a que resulta dos actos processuais referidos e transcritos no relatório.

II.2MOTIVAÇÃO de DIREITO
Os recorrentes Autor e Ré seguradora insurgem-se contra a decisão do Tribunal a quo imputando-lhe erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, ao ter decidido que “na falta de factualidade que, uma vez demonstrada, permitisse afirmar a responsabilidade dos Réus pessoas singulares, [..], não podem os mesmos deixar de ser absolvidos do pedido formulado pelo Autor (al. b) do nº 1 do art. 131º do Código de Processo do Trabalho)”.
Da fundamentação da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo chegou àeual conclusão na consideração, no essencial, do seguinte:
- “Da leitura da petição inicial resulta que o Autor alega, além do mais, que “não assumindo a segunda R. a responsabilidade, deverá ser a 1ª R. condenada a assegurar o mesmo, uma vez que o trabalhador se encontrava ao seu serviço, a cumprir as ordens emanadas por esta, durante o horário de trabalho, pelo que dúvidas não nos restam de que existe, efetivamente, uma caraterização de acidente de trabalho, pelo que não assumindo a 2ª Ré a responsabilidade, caberá à 1ª Ré assumir tal responsabilidade (art.º 51.º da petição inicial corrigida);
- “o Autor não alega factualidade no sentido da afirmação da inexistência, por parte dos Réus pessoas singulares, da violação de regras de segurança em que possa fundar a sua responsabilidade agravada para efeitos do art. 18º da Lei nº 98/2009 de 04 de Setembro”;
- “Em segundo lugar, relido o teor do auto de não conciliação de fls. 82 e ss., não foi posta em causa a celebração de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, a sua validade, ou a transferência da responsabilidade pela integralidade da retribuição, em termos de poder justificar uma responsabilidade dos Réus pessoas singulares nos termos do nº 5 do art. 79º da Lei nº 98/2009 de 04 de Setembro”.
Alega o Autor, no essencial, que o Tribunal a quo não dispunha de todos os elementos necessários para absolver dos pedidos a R. entidade patronal, porquanto a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos não se encontra ainda determinada, dado estar em causa saber se é aquela a responsável pela reparação por o seguro não prever o tipo de trabalho realizado pelo sinistrado, ou se efetivamente o mesmo se prendia com o âmbito do seguro, e como tal, a responsabilidade é da companhia de seguros.
Refere que tal decorre das diversas peças processuais, desde logo, do auto de tentativa de conciliação, de onde se retira que a seguradora não assume a responsabilidade, invocando que verificou que o evento terá ocorrido quando o sinistrado procedia ao corte de eucaliptos e lenha, numa herdade, não tendo o acidente ocorrido nem na forma nem no local descrito na participação. Perante essa posição, não lhe restou outra alternativa, “que não fosse apresentar a ação judicial contra ambos os réus, isto porque, sendo acidente de trabalho, teria que ser da responsabilidade de alguma dessas entidades”.
Mais refere que a R. companhia de seguros contesta alegando que a atividade segura nada teria a ver com a atividade desenvolvida pelo ora A., a mando da entidade patronal, aquando do sinistro, enquanto os RR entidade patronal assumem o acidente como de trabalho, porquanto o mesmo se encontrava, no exercício das funções encarregadas pela sua entidade patronal, a realizar todas as atividades inerentes à prestação de trabalho habitual, mas defendem ser a seguradora a responsável.
Conclui que “mal andou o tribunal a quo, ao proferir tal despacho, uma vez que é já patente existir uma relação controvertida entre o A. e ambas as Rés, relação essa que só será descortinada mediante audiência de discussão e julgamento, pelo que tem a ora R. entidade patronal que permanecer e manter-se em juízo, porquanto, como determina o art. 30º do CPC, tem a mesma legitimidade para permanecer e contestar os presentes autos, pois em último caso a responsabilidade pela reparação por tal sinistro poderá, efetivamente, ser sua”.
No mesmo sentido alega a Recorrente seguradora, referindo, também no essencial, que o despacho não tem qualquer cabimento segundo os elementos constantes dos autos e nos quais as partes verteram as suas posições, resultando do auto de não conciliação de 28/10/2021, do teor da PI e das Contestações apresentadas pela Rés que a eficácia da apólice de seguro é posta em crise.
Refere que alegou na contestação, mormente nos seus artigos 15.º a 19.º, que o Sinistrado se encontraria a efectuar tarefas de corte de madeira e “não recolha de restos de madeira”, o que é compatível com a actividade de exploração florestal, a qual não se encontra relacionada, nem directa nem indirectamente, com a actividade exercida pelos Réus Empregadores de "Restaurantes sem serviço de entrega ao domicílio" (CAE 56107) abrangida pela apólice em vigor, o que equivale a dizer que na data e hora do acidente dos autos, o Autor não se encontrava abrangido pelas garantias do contrato. Só após a produção de prova em sede de audiência de julgamento estará o Tribunal a quo em condições de decidir a solução jurídica conferida ao processo no sentido de se julgar o evento coberto (ou não) pelo contrato de seguro.
Em linha com o defendido pelos recorrentes, pronunciou-se também o Digno Magistrado do Ministério Público no parecer a que alude o art.º 87.º 3, do CPT.
Antes de passarmos à apreciação cabe deixar duas notas para repor o rigor das coisas.
Refere o Tribunal a quo que o autor instaurou a presente acção “contra DD, EE e CC, na qualidade de herdeiros de BB, mas mais rigorosamente verifica-se que o autor demandou “BB – CABEÇA DE CASAL HERANÇA”, quer na PI inicial quer na corrigida.
O recorrente autor enquadra a questão no plano de legitimidade da Ré empregadora. Porém, sendo indiscutível que a decisão recorrida errou na aplicação do direito, se bem a interpretamos, não decorre da fundamentação da mesma que o Tribunal a quo tenha entendido que os “Réus pessoas singulares” sejam parte ilegítima na presente acção. Na nossa leitura, o Tribunal a quo entendeu antes que a factualidade alegada não permitiria conduzir à “responsabilidade dos Réus pessoas singulares” e, logo, à sua condenação, daí tê-los “absolvido[s] do pedido formulado pelo Autor”.
Ou seja, o Tribunal quo conheceu do mérito quanto aos pedidos deduzidos contra os “Réus pessoas singulares”.
A legitimidade processual, que se não confunde com a denominada legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido, afere-se pelo pedido e causa de pedir, tal como os apresenta o autor, independentemente da prova dos factos que integram a última. Assim, a parte é legítima quando, admitindo-se que existe a relação material controvertida, ela for efectivamente seu titular [Ac. STJ de 14-10-2004, nº Convencional JSTJ000, Conselheiro Araújo Barros, disponível em www.dgsi.pt].
A legitimidade das partes é um pressuposto processual, cuja falta consubstancia uma excepção dilatória, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa e dando lugar à absolvição da instância [artºs 576.º 1 e 2, e 577.º al. e), do CPC].

II.2.2 Importa começar por deixar algumas considerações gerais com vista ao enquadramento jurídico da questão.
O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na Lei 98/2009, de 4 de Setembro (art.º2.º).
O direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho compreende as prestações mencionadas no art.º 23.º da Lei 98/2009, entre elas, [al.b)] “Em dinheiro - indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei.”.
Conforme dispõe o art.º 7.º, do mesmo diploma, “É responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção no posto de trabalho, nos termos previstos na presente lei, a pessoa singular ou colectiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço”.
Significa isso, que a responsabilidade pela reparação e outros encargos dos acidentes de trabalho é, em primeira linha, das entidades empregadoras ao serviço de quem se encontre o trabalhador sinistrado.
Porém, com a finalidade de assegurar aos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares a reparação dos danos decorrentes de acidentes de trabalho nos termos previstos na LAT, o empregador está obrigado a transferir a responsabilidade para entidades legalmente autorizadas a realizar esse seguro [art.º 79.º1 e 4,da Lei 98/2009], mediante a celebração de contrato de seguro que se rege pela “apólice uniforme do seguro acidentes de trabalho adequada às diferentes profissões e actividades, de harmonia com os princípios estabelecidos na presente lei e respectiva legislação regulamentar”, a qual é aprovada por Portaria, e “obedece ao princípio da graduação dos prémios de seguro em função do grau de risco do acidente, tidas em conta a natureza da actividade e as condições de prevenção implantadas nos locais de trabalho” [art.º 81.º 1 e 2, da Lei 98/2009].
A Portaria n.º 256/2011, de 05 de Julho, aprova a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respectivas condições especiais uniformes (art.º 1.º).
No que aqui releva, nos termos da cláusula 3º/1 da Apólice Uniforme “O segurador, de acordo com a legislação aplicável e nos termos desta apólice, garante a responsabilidade do tomador do seguro pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às pessoas seguras identificadas na apólice, ao serviço da unidade produtiva também ali identificada, independentemente da área em que exerçam a sua actividade.” Como observa o Ac. TRC de 12-01-2019 [Proc.º 175/16.9T8GRD.C1, Desembargador Felizardo Paiva, disponível em www.dgsi.pt], referindo-se a essa cláusula, “Assim sendo, o objecto do contrato e o correspondente âmbito de cobertura deverão ser determinados pela natureza da actividade económica a que o tomador do seguro se dedica e pretendeu ver coberta, sendo em função dela que são estipulados o prémio e as restantes condições contratuais (acórdão do STJ de 13/3/02, CJ do STJ, tomo I, p. 274)”.
Uma referência, ainda, para a Cláusula 7.ª, com a epígrafe “Dever de declaração inicial do risco”, onde se estabelece, no que aqui releva, o seguinte:
[1] O tomador do seguro está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.]
[2] O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.
Como sabido, o meio processual próprio para o sinistrado – ou os seus familiares beneficiários, nos casos de acidente mortal - exercer os direitos emergentes de acidente de trabalho consta regulado nos artigos 99.º a 150.º do CPT, compreendendo duas fases distintas: uma primeira, chamada fase conciliatória, de realização obrigatória e sob a direcção do Ministério Público; e, uma segunda, a fase contenciosa, de realização eventual e sob a direcção do Juiz.
Através da primeira, como a sua própria denominação o indica, procura-se alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente de trabalho para o sinistrado através da composição amigável, embora necessariamente sujeita a regras legais imperativas (direitos indisponíveis), atendendo aos interesses de ordem pública envolvidos. Para possibilitar aquele objectivo, a tramitação desta fase compreende, por sua vez, três fases, uma primeira, de instrução, que tem em vista a recolha e fixação de todos os elementos essenciais à definição do litígio, de modo a indagar sobre a“(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo susceptível de ser homologado (art.ºs 104.º 1, 109.º e 114.º); uma segunda, que consiste na realização do exame médico singular, devendo este no relatório “deve indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” (art.ºs 105.º e 106.º); e, finalmente, a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, com a finalidade primordial de obtenção de acordo susceptível de ser homologado pelo Juiz (art.º 109.º) [Cfr. João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efectivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e sgts.].
Conforme estabelece o art.º 112.º 1, do CPT, não se obtendo o acordo, no auto da tentativa “(..) são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”.
Como observa Albino Mendes Baptista, “Esta exigência legal visa circunscrever o litígio na fase contenciosa às questões em relação às quais não tenha havido acordo[Código de Processo do Trabalho Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2000, p. 204].
Nos termos do art.º 117.º, do CPT, não tendo sido alcançado o acordo, o início da fase contenciosa depende da apresentação de petição inicial ou o requerimento a que se refere o n.º2, do art.º 138.º do CPT. A apresentação de requerimento é o meio processual próprio quando o interessado “se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação da incapacidade para o trabalho” [art.º 138.º2 do CPT]; e, como se retira a contrario sensu do mesmo normativo, a apresentação de petição inicial é necessária quando a discordância entre as partes na tentativa de conciliação vá para além da questão da incapacidade.
Importa ter bem presente que em coerência com o fim visado pelo art.º 112.º , nos termos do art.º 131.º n.º1, al. c), ambos do CPT, o juiz deve “[C]onsiderar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados”.

II.2.3 Revertendo ao caso diremos desde já, que assiste razão aos recorrentes.
Refere o Tribunal a quo que o autor não alegou factualidade para fazer operar o art.º 18.º da LAT, ou seja, para defender que o acidente de trabalho que sofreu resultou da falta de observação pela entidade empregadora das regras sobre segurança no trabalho que no caso seriam exigíveis, tendo em vista o agravamento das prestações devidas pela reparação do sinistro, caso em que a responsabilidade pela reparação recairia sobre aquela.
Mas como se retira do auto de tentativa de conciliação, não o fez, nem o podia sequer fazer, em razão dessa hipótese nem ter aí sido configurada, quer pelo autor, quer pela Ré seguradora.
O que leva o Autor a demandar Ré empregadora tem outro fundamento. Em concreto, conforme resulta do auto de tentativa de conciliação, o facto da Ré seguradora ter declinado a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente, na consideração de que o mesmo, quer pelo local onde ocorreu quer pela actividade desenvolvida pelo sinistrado, não se enquadrar no âmbito do risco coberto pelo contrato de seguro. Senão veja-se:
«[..]
A Seguradora declina toda e qualquer responsabilidade pelo acidente de trabalho em apreço por entender que face às diligências realizadas verificou que o evento terá ocorrido quando o sinistrado procedia ao corte de eucaliptos e lenha, numa herdade pertencente à estalagem “Quinta ...”, pelo que o acidente não ocorreu da forma, nem no local, descrito na participação do sinistro (fls. 14 e 30).
- Assim, não aceita a existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho e não aceita o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente.
- Não aceita o grau de desvalorização atribuído pela Sr.ª Perita Médica e, ainda, o período de incapacidade temporária por ela fixado.
- Aceita, contudo, o salário auferido pelo Sinistrado, conforme acima mencionado pelo mesmo e, bem assim, conforme consta da apólice de seguros de acidentes de trabalho que esta Seguradora tem com a sua Entidade Empregadora (sendo que a mesma exclui do seu âmbito atividade compatível com exploração florestal).
- Pelo exposto, não se concilia, assim declinando o pagamento dos montantes acima reclamados pelo Sinistrado, ou quaisquer outras quantias”.
De resto, faz-se notar, é esse o sentido do despacho final feito consignar no auto de tentativa de conciliação pelo Digno Magistrado do Ministério Público que presidiu àquele acto, onde se lê o que segue:
DESPACHO: -As partes têm legitimidade e capacidade judiciária;
- As partes não se conciliaram devido ao facto da Entidade Responsável entender que o sinistro ocorreu quando o Sinistrado procedia ao corte de eucaliptos e lenha, cuja apólice exclui do seu âmbito atividade compatível com exploração florestal, não aceitando, assim, o nexo causal entre as lesões e o sinistro participado».
É verdade, como refere o Tribunal a quo na decisão recorrida, que pela Ré seguradora não foi posta em causa a celebração de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, a sua validade, ou a transferência da responsabilidade pela integralidade da retribuição, em termos de poder justificar uma responsabilidade dos Réus pessoas singulares nos termos do nº 5 do art. 79º da Lei nº 98/2009 de 04 de Setembro”.
Mas como já se percebeu, o ponto não é esse.
Com efeito, é inequívoco que a Ré seguradora declina a responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho, assim como estão suficientemente afirmados os fundamentos acima apontados, em que se baseia para sustentar essa posição. Se esses fundamentos têm, ou não, correspondência na realidade, e caso o tenham se conduzem ao resultado pretendido pela seguradora, ou seja, à sua desresponsabilização, foram as duas questões controvertidas que se configuraram a partir da tentativa de conciliação.
Nesse quadro, para assegurar devidamente os seus direitos o autor tinha que demandar, como o fez, a Ré seguradora e a sua entidade empregadora, ao serviço de quem, e no cumprimento das suas ordens, sofreu o acidente de trabalho. De resto, note-se, acidente de trabalho que foi por ela participado à seguradora.
Acresce dizer, que os recorrentes têm inteira razão quando assinalam que, para além do auto de tentativa de conciliação, também dos articulados que apresentaram decorre claramente delimitada a questão fulcral controvertida.
No que concerne ao autor, a própria decisão recorrida refere que este «alega, além do mais, que “não assumindo a segunda R. a responsabilidade, deverá ser a 1ª R. condenada a assegurar o mesmo, uma vez que o trabalhador se encontrava ao seu serviço, a cumprir as ordens emanadas por esta, durante o horário de trabalho, pelo que dúvidas não nos restam de que existe, efetivamente, uma caraterização de acidente de trabalho, pelo que não assumindo a 2ª Ré a responsabilidade, caberá à 1ª Ré assumir tal responsabilidade [..]».
Quanto à Ré seguradora, decorre claramente da contestação a reiteração da posição assumida na tentativa de conciliação, mormente do alegado artigos 15.º a 19.º, defendendo, como deixámos elucidado no relatório, no essencial, que na averiguação sobre o sinistro a que procedeu, o autor prestou declarações escritas de onde resulta que o local e a actividade desenvolvida quando foi vitima do acidente de trabalho não correspondem ao que foi feito constar na participação que lhe foi feita pela entidade empregadora. E, encontrando-se aquele a efectuar tarefas de corte de madeira e “não recolha de restos de madeira”, o que é compatível com a actividade de exploração florestal, que essa actividade não se encontra relacionada com a exercida pelos Réus Empregadores de "Restaurantes sem serviço de entrega ao domicílio" (CAE 56107) abrangida pela apólice em vigor.
Com base nesses argumentos, defende que embora à data do acidente o contrato de seguro se encontrasse válido, o mesmo é ineficaz relativamente à actividade que o Autor se encontrava a desenvolver, não se encontrando este abrangido pelas suas garantias, sendo a responsabilidade pela reparação da entidade empregadora.
Por seu turno, como também resulta do que se verteu no relatório, a entidade empregadora assume que o Autor foi vitima de um acidente de trabalho, no dia 2 de Novembro de 2020, porquanto se encontrava a executar um serviço ou tarefa determinado pela entidade empregadora e sob a sua direcção e autoridade, evento que participou à seguradora, defendendo enquadrar-se o mesmo no âmbito da cobertura do risco do contrato de seguro e, logo, que a responsável pela reparação é a aquela entidade. Basta atentar nos artigos 11, 12 e 23 da sua contestação, para se perceber a posição afirmada.
Por conseguinte, como deixámos dito, as questões controvertidas que cumpre ao Tribunal a quo apreciar não só ficaram claramente definidas na tentativa de conciliação, como para além disso foram confirmadas e ficaram delimitadas face à posição assumida pelas partes nos respectivos articulados.
Do despacho recorrido retira-se que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre elas, tanto quanto se percebe, por nem sequer as ter identificado, dado não lhes ter feito qualquer referência.
Diga-se, ainda, ser evidente que os autos tão pouco contém os elementos necessários para possibilitar a apreciação dessas questões.
Por conseguinte, há que reconhecer razão aos recorrentes, impondo-se revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento dos autos contra a entidade empregadora BB CABEÇA DE CASAL HERANÇA.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar os recursos procedentes, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos autos contra a entidade empregadora BB CABEÇA DE CASAL HERANÇA

Custas a final, na proporção do decaimento [art.º 527.º do CPC]:

Porto, 17 de Abril de 2023
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes