Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3827/16.8JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: CRIME DE DEVASSA DA VIDA PRIVADA
ELEMENTO SUBJECTIVO DO CRIME
Nº do Documento: RP201902063827/16.8JAPRT.P1
Data do Acordão: 02/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 788, FLS 93-100)
Área Temática: .
Sumário: I - A “intenção de devassar a vida privada das pessoas”, referida no corpo do nº 1 do artigo 192º do Código Penal, enquanto “elemento subjetivo típico”, não assume uma específica autonomia, tendo apenas como efeito prático dizer-nos que o crime de devassa da vida privada ali previsto só admite o dolo direto; que se trata, portanto, de um crime de dolo específico (especificamente o dolo direto), ou então, segundo um outro entendimento, visando apenas afastar a punibilidade com dolo eventual.
II – Assim sendo, comete o crime de devassa da vida privada quem, sem autorização da pessoa visada, e estando ciente do respectivo conteúdo, intencionalmente divulga fotografias onde aquela se encontra retratada despida, em roupa interior e em poses de natureza sexual.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3827/16.8JAPRT.P1 – 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO
1.1. Por sentença de 11/10/2018, proferida após realização da audiência de julgamento no Processo n.º 3827/16.8JAPRT, que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz 2, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi decidido o seguinte:
Quanto à instância criminal:
A. Condenar a arguida B... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192º, n.º 1, b), do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 780,00 (setecentos e oitenta euros).
B. Condenar a arguida no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2UCs.
Quanto à instância cível conexa:
Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante parcialmente procedente por provado e, em consequência:
A. Condenar a arguida/demandada B... no pagamento à demandante da quantia de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) por danos não patrimoniais, acrescido dos juros de mora que, contados, à taxa legal de 4%, se venceram desde a data da sentença, até efetivo e integral pagamento.
B. Custas por demandante e demandada, na proporção dos respetivos decaimentos.”
1.2. Da sentença referida supra interpôs recurso a arguida, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:
“1º O Tribunal "a quo" condenou a arguida no crime de crime de devassa da vida privada previsto e punido pelo artigo 192º, nº 1, alínea b), do C. Penal, na pena de 130 dias de multa à taxa diária de € 6,00, o que perfaz o montante de € 780,00 e no pagamento da quantia de € 1250,00 a pagar à demandante a título de indemnização pelos não patrimoniais sofridos.
Especifica a al. b) do n° 1 do art.º 192° do C. Penal, especifica que:
"Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual: (...) b) Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objetos ou espaços íntimos; (...) é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias".
A punibilidade das várias modalidades de conduta previstas nas várias als. do referido n° 1, e que nos interessa para o caso em análise, depende, pois, da intenção de devassar a vida privada das pessoas, do direcionamento da vontade do agente para atingir o bem jurídico protegido pela norma - a privacidade/intimidade, cujo fundamento constitucional reside no art.º 26º, nº 1, da CRP.
4° Trata-se, pois, é um crime de dolo específico e não de um crime de intenção.
O Dolo específico é a intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra para pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
E no caso sub judice, a eventual conduta da arguida não foi praticada com dolo específico e nada consta nos factos provados da sentença proferida que a conduta da arguida foi com intenção de causar prejuízo ou de obter um benefício ilegítimo, a fim de se poder concluir que atuou com dolo específico, pois, apenas mostrou a um grupo restrito de pessoas (três), 5 fotografias que estavam a circular na Internet, que tiveram acesso um número indeterminado de pessoas e que foram bastante comentadas no Centro Social que a assistente trabalha e no meio de ....
7° No presente caso, não estão preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos para que esteja verificado o crime de devassa da vida privada.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, com o douto suprimento que sempre se espera de Vossas Excelências, deve ser reapreciada a matéria de facto e de direito nos termos alegados e, na procedência das conclusões do presente recurso, deverá ser revogada a sentença proferida, substituindo-se por Acórdão desta Relação que absolva a recorrente do crime de crime de devassa da vida privada previsto e punido pelo artigo 192° n.° 1 alínea b) do C. Penal, bem como do pedido de indemnização civil.”
1.3. O Ministério Público respondeu, concluindo pela negação de provimento ao recurso, nos seguintes termos:
“1. A recorrente e arguida B... interpôs recurso da sentença da Mma. Juiz de Direito do J2 da Secção Criminal, Instância local de Vila do Conde, datada de 11.10.2018 que a condenou, pela prática de um crime de devassa da vida privada, para além do mais, na pena de 130 dias de multa à taxa diária de €6,00.
2. Alega a recorrente, em suma, que estamos perante um crime de dolo específico e que nada consta nos factos provados da sentença proferida que a conduta da arguida foi com intenção de causar prejuízo ou obter um benefício ilegítimo, pelo que deveria mesma ter sido absolvida.
3. Uma vez que são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso, é apenas sobre esta questão que nos pronunciaremos.
4. Não consta nem teria que constar nos factos provados da sentença proferida que a conduta da arguida foi com intenção de causar prejuízo ou de obter um benefício ilegítimo, a fim de se poder concluir que atuou com dolo específico.
5. Tal dolo subjetivo específico referido pela recorrente é privativo, por exemplo, do crime de falsificação, nas suas múltiplas vertentes e não do crime de devassa da vida privada.
6. Desnecessário seria para o preenchimento dos elementos do tipo que a recorrente pretendesse, com a sua conduta, causar prejuízo ou obter um benefício ilegítimo.
7. Tal teria relevância na dosimetria da pena, tendo em atenção o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal,
8. Mas não é elemento do tipo subjetivo, pelo que desnecessário se mostra quer que tal facto conste dos factos provados, quer que a Mma. Juiz a quo se refira ao mesmo.
9. O ilícito em questão basta-se com o preenchimento dos elementos do tipo legalmente previstos
10. Praticando o mesmo “Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual (…) divulgar imagem”.
11. Não podemos olvidar que o que a recorrente fez foi mostrar, ou seja, divulgar, fotografias da ofendida, despedida ou em roupa interior, em poses íntimas e de cariz sexual.
12. Outra intenção não teria, certamente, a não ser a intenção de devassar a vida privada da ofendida.
13. Assim, pelo exposto, ao contrário do defendido pela recorrente, nenhum reparo nem nenhuma censura nos merece a sentença recorrida,
14. Que deverá ser mantida nos seus precisos termos.”
1.4. O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual concluiu pela procedência do recurso.
1.5. Foi cumprido o art.º 417º, nº 2, do CPP, tendo respondido a assistente C..., pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
1.6. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pela arguida e os poderes de cognição deste tribunal, importa antes de mais apreciar e decidir a seguinte questão:
1.6.1. Se ao nível do tipo subjetivo há necessidade ou não de verificação positiva autónoma de uma específica “intenção de devassar a vida privada”, para além do mero dolo do tipo, de captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou objetos ou espaços íntimos, a que alude o art.º 192º, nº 1, al. b), do CP.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Factos a considerar
2.1.1. Na sentença condenatória proferida foi considerada provada a seguinte factualidade:
“1) Em data que não foi possível determinar mas que ocorreu, seguramente, antes de novembro de 2016, alguém, sem qualquer autorização, acedeu ao disco rígido do computador da assistente C... e extraiu para um outro suporte informático diversas fotografias e vídeos onde esta surge retratada despida, em roupa interior e em poses de natureza sexual, em quartos e em praias.
2) Também em data não concretamente apurada, mas sempre posterior à acima referida e de forma não especificamente determinada, a arguida tomou posse de cinco das fotografias acima referidas, entre elas as juntas a fls. 56 e 57, e guardou-as no seu telemóvel.
3) Ainda em data não concretamente determinada, mas que ocorreu em novembro de 2016, cerca das 16:00 horas, no interior do estabelecimento comercial denominado D..., situado na Rua ..., ..., Loja ., ..., Póvoa de Varzim, a arguida exibiu às pessoas que com ela se encontravam numa mesa, ou seja, às testemunhas E..., F... e G..., as supra aludidas fotografias da assistente.
4) A arguida agiu com vontade de exibir a diversas pessoas, acima identificadas, as fotografias supra referidas, onde a assistente se encontra retratada despida, em roupa interior e em poses de natureza sexual;
5) De forma livre e consciente, apesar de saber que tal conduta é punível e proibida.
Mais se provou que:
6) A arguida é casada;
7) Trabalha numa farmácia, auferindo o salário de €600,00 por mês;
8) O seu marido, que está emigrado, trabalha na construção civil, auferindo pelo menos €800,00/ mês;
9) A arguida vive em casa própria, suportando de prestação do empréstimo bancário contraído para a respetiva aquisição a quantia de €580,00.
10) A arguida não tem antecedentes criminais.
11) As fotografias exibidas pela arguida foram, em data anterior a essa exibição, divulgadas, por pessoa não identificada, através de página criada no Facebook, sob um perfil falso da assistente, a que tiveram acesso diversas pessoas em número indeterminado e que foram bastante comentadas no Centro Social e no meio de ....
(Do pedido de indemnização civil)
12) A atitude da demandante causou à demandada abalo psíquico, vergonha e vexame, uma vez que a situação foi comentada no seu local de trabalho.
13) A assistente trabalha numa instituição, em ..., onde lida com muitas pessoas e sentiu-se constrangida pela atuação da arguida.
14) A forma como as fotografias foram divulgadas, num espaço público de café, em frente à instituição onde a assistente trabalha, perturbou a assistente como ainda perturba.”
2.1.2. O Tribunal recorrido, quanto aos factos não provados, considerou o seguinte:
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2.2. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos
2.2.1. Da questão de saber se ao nível do tipo subjetivo há necessidade ou não de verificação positiva autónoma de uma específica “intenção de devassar a vida privada”, para além do mero dolo do tipo, de captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou objetos ou espaços íntimos, a que alude o art.º 192º, nº 1, al. b), do CP.
Diz o art.º 192º do Código Penal o seguinte:
“1- Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual:
a) Intercetar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, mensagens de correio eletrónico ou faturação detalhada;
b) Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objetos ou espaços íntimos;
c) Observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado; ou
d) Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa;
é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - O facto previsto na alínea d) do número anterior não é punível quando for praticado como meio adequado para realizar um interesse público legítimo e relevante.”
Dirigindo desde já a nossa atenção ao objeto do questionamento posto a este Tribunal no recurso interposto pela arguida, é bom de ver que relativamente à conduta típica dada como provada nos autos, isto é, a divulgação das imagens da assistente, não se fez constar dos factos dados como provados que uma tal divulgação havia ocorrido com uma “intenção de devassa da vida privada”. Sendo certo que a intenção de devassar a vida privada é elemento subjetivo do tipo-de-ilícito em causa, pois nele referido, logo no corpo do nº 1 do artigo 192º do CP.
A questão, porém, não é tão linear como a supõe a recorrente, e ao ponto de pretender que a decisão recorrida é omissa relativamente a tal elemento subjetivo, mesmo apesar de considerar estarmos perante um crime de dolo específico e não de um crime de intenção, acabando por concluir que a falta de tal elemento subjetivo tem como implicação a falta do dolo específico previsto no tipo incriminador, e desse modo a impossibilidade de a recorrente ser condenada pela autoria desse mesmo crime. E isto, repete-se, pelo simples facto de na factualidade dada como provada na decisão recorrida não se ter feito constar, “expressis verbis”, que a arguida, ao agir como agiu, fê-lo “com intenção de devassar a vida privada” da assistente, sendo certo que na mesma decisão resultou provado que “A arguida agiu com vontade de exibir a diversas pessoas, acima identificadas, as fotografias supra referidas, onde a assistente se encontra retratada despida, em roupa interior e em poses de natureza sexual” “de forma livre e consciente, apesar de saber que tal conduta é punível e proibida”, isto é, as mesmas fotografias que tinham sido obtidas sem consentimento, porquanto “sem qualquer autorização”, por quem “acedeu ao disco rígido do computador da assistente C... e extraiu para um outro suporte informático“ essas mesmas fotografias.
Sendo agora de perguntar: por que razão, para haver crime, pressupõe a lei, no corpo do nº 1 do artigo 192º, que a ação de divulgação, designadamente de imagem das pessoas ou de objetos ou espaços, tem de ocorrer com a “intenção de devassar a vida privada” de outrem, se logo a seguir, na previsão objetiva do tipo, vem novamente dizer que a divulgação dessas imagens das pessoas ou de objetos ou espaços têm de ser atinentes à área de intimidade ou de reserva da vida privada? Sendo sabido ademais que tal crime só é punível a título de dolo, nos termos do disposto nos art.ºs 13º e 14º do CP, isto é, exigindo desde logo o conhecimento e vontade de o agente levar a cabo uma tal divulgação, e sabendo que a mesma tem por objeto facto que claramente integra a intimidade ou a reserva da vida privada de outrem?
A uma tal pergunta responderia o cidadão comum que, quem age, querendo e sabendo que ao agir desse modo está a divulgar facto pertinente à intimidade da pessoa visada, logicamente também está a agir com a intenção de devassar a vida privada dessa mesma pessoa. Tão simples quanto isto. Podendo até afirmar-se, neste caso, que seria redundante, em tais circunstâncias, a menção contida no preceito citado à “intenção de devassar a vida privada das pessoas”. E terá sido com este sentido, a nosso ver corretamente, que a decisão recorrida se plasmou, assim como a resposta dada ao recurso pelo Ministério Público.
Mas cuidando de responder cabalmente à questão colocada, agora de um ponto de vista juridicamente mais apurado, mas ainda assim concordante com aquele acima referido, diríamos que a dita referência à “intenção de devassar a vida privada das pessoas”, enquanto “elemento subjetivo típico”, não assume uma específica autonomia, como já a assumiria se estivéssemos no âmbito dos chamados crimes de intenção, pois aquele elemento subjetivo, ao contrário do que acontece nesta espécie de crimes, “não acrescenta nada ao tipo objetivo, cobrindo-o por completo e, desse modo, identificando-se com o próprio dolo.” Sendo “o seu efeito prático o de excluir as formas de dolo necessário e eventual. Ou seja, tal elemento subjetivo visa apenas dizer-nos que no crime de devassa da vida privada o tipo subjetivo aí em causa só admite o dolo direto[1]. Tratando-se, portanto, de um “crime de dolo específico (especificamente o dolo direto) e não de um crime de intenção”[2]. Ou, numa outra perspetiva, considerando agora não estarmos perante “um crime de tendência interna transcendente, nomeadamente de um crime de resultado cortado”[3] ou de “resultado parcial”[4] [5] (e precisamente por o crime dos autos ser um crime de dano, na medida em que pressupõe a lesão efetiva do bem jurídico, no caso a privacidade ou a intimidade da pessoa humana, onde iniludivelmente se inclui a sua vida sexual, e não o mero pôr em perigo essa reserva ou intimidade)[6] mas, isso sim, perante um crime inserido na “categoria dos delitos de tendência”, em que “a ação típica está subordinada à direção da vontade do agente, que é o que lhe confere o seu particular caráter ou especial perigosidade”, ainda que com isso se entenda ser de afastar apenas a punibilidade com dolo eventual. Ou, num outro entendimento, afastar também a punibilidade com dolo necessário. Podendo falar-se, em qualquer caso, e por outras palavras, num elemento subjetivo que pertence ao dolo do tipo, mas não se traduzindo num elemento subjetivo especial do tipo, ainda que com o estrito sentido, portanto, de configurar a punibilidade assente apenas num “dolo direto intencional ou de primeiro grau”[9], não abrangendo, em suma, o dolo necessário e eventual.
Ou seja, ainda que limitados ao entendimento de que a expressão “intenção de devassar a vida privada”, contida no corpo do nº 1 do artigo 192º, quer significar que a devassa da vida privada objetivamente descrita no tipo, nomeadamente na al. b), só poderá ocorrer com dolo direto, é bom de ver que este, enquanto intenção determinada de a arguida levar a cabo a divulgação das imagens relativas à intimidade da assistente, sabendo e querendo realizar uma tal divulgação, com o sentido e desvalor penal que a mesma encerrava, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 14º, nº 1, do CP, está meridiana e linearmente descrito na factualidade dada como provada, quando aí se diz que “a arguida agiu com vontade de exibir a diversas pessoas, acima identificadas, as fotografias supra referidas, onde a assistente se encontra retratada despida, em roupa interior e em poses de natureza sexual; de forma livre e consciente, apesar de saber que tal conduta é punível e proibida. Sendo que as fotografias referidas haviam sido obtidas sem qualquer autorização e tendo por objeto imagens da assistente, nas quais esta se encontrava despida, em roupa interior e em poses de natureza sexual, tornando assim evidente o caráter íntimo do seu teor, bem como a proibição legal da sua divulgação. Divulgação cuja proibição legal a arguida tinha plena consciência e mesmo assim quis livremente levar a cabo.
Razão por que, ao contrário do sustentado pela recorrente, mostra-se preenchido nos autos o tipo subjetivo do crime por que foi condenada na decisão recorrida, nos termos em que o mesmo vinha descrito na acusação e na pronúncia, não havendo assim também qualquer fundamento para a invocação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015, de 20/11/2014, cuja doutrina pressupõe a falta de descrição na acusação dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, e no sentido de uma tal falta não poder ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art.º 358.º do Código de Processo Penal. Situação esta que, como vimos supra, não ocorre no caso dos autos.
A improcedência do recurso na parte crime determina logicamente a improcedência do recurso na parte cível, e já que este se baseou exclusivamente no efeito automático do sucesso do primeiro. Sem razão, diga-se, pois mesmo que o recurso merecesse provimento na parte crime, por se considerar, como defendia a recorrente, a existência de um elemento subjetivo típico não considerado na matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, a verdade é que os pressupostos da responsabilidade civil teriam de ser apurados à luz das normas do direito civil, relativas à responsabilidade civil por factos ilícitos, nomeadamente as dos art.ºs 70º, 79º, 80º, 483º, 496º e 563º do Código Civil, e não do direito penal – cf. art.º 129º do Código Penal -, responsabilidade para a qual seria bastante a factualidade apurada nos autos, assim como devida seria a respetiva condenação, por força do disposto no art.º 377º, nº 1, do CPP.
Razão por que irá ser negado provimento ao recurso.
2.3. Responsabilidade pelo pagamento de custas
Por ter decaído no recurso, as custas do processo ficarão a cargo da recorrente, de harmonia com o disposto nos art.ºs 513º e 514º do Código de Processo Penal, devendo ser fixada em 4 ½ UC a taxa de justiça – nos termos do art.º 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC, devendo ser fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii
3. Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Negar provimento ao recurso interposto pela arguida B..., mantendo na íntegra a decisão recorrida;
Custas a cargo da recorrente, fixando-se em 4 ½ UC a taxa de justiça.
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Porto, 06 de fevereiro de 2019
Francisco Mota Ribeiro
Elsa Paixão
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[1] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa 2010, p. 597.
[2] Ibidem.
[3] Manuel da Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, Coimbra 1999, p. 734 e 735.
[4] Cf. A. M. Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, Coimbra 1999, p. 309.
[5] Como sucede, por exemplo, com o crime de burla, na medida em que a intenção de enriquecimento ilegítimo neste prevista assume autonomia enquanto elemento subjetivo do tipo, não tendo que lhe corresponder, ao nível do tipo objetivo, um resultado de enriquecimento, falando-se por isso numa incongruência entre o tipo objetivo e o tipo subjetivo, sendo por isso categorizado como crime de “resultado cortado” ou de “resultado parcial”.
[6] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 308 e ss.
[7] Manuel da Costa Andrade, Ibidem.
[8] Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Ibidem.
[9] Sobre o dolo direto, Jorge de Figueiredo Dias, Idem, p. 348, 349 e 367.