Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
700/20.9T8FLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
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IMPUGNAÇÃO
PRAZO
SUSPENSÃO DO PRAZO
Nº do Documento: RP20210128700/20.9T8FLG.P1
Data do Acordão: 01/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O disposto nos artigos 100.º e 101.º, n.º 2 do Código do Notariado visa regular a publicidade das escrituras de justificação notarial, assim como os reflexos da sua impugnação no prazo de 30 dias, pelo que ocorrendo essa impugnação nesse lapso temporal, existe uma impossibilidade legal de nessa ocasião serem emitidas certidões dessa escritura para fins de registo predial.
II - O prazo de 30 dias previsto no artigo 101.º, n.º 2 do Código do Notariado ficou suspenso pelo artigo 7.º, n.º 2 e 6 da Lei n.º 1-A/2020, de 19/mar. (DR I, n.º 56), o qual veio estabelecer medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 700/20.9T8FLG.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes;
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos; Filipe Caroço
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. No processo n.º 700/20.9T8FLG do Juízo Local Cível C…, J2, da Comarca de Porto Este, em que são:
Recorrente/Notário: B…
Recorrida: Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial, Automóvel C…
foi proferida sentença em 26/set./2020 julgando improcedente a impugnação do despacho de qualificação do registo provisório por dúvidas proferido pela Sra. Conservadora da Conservatória do Registo Predial C… a 23 de Junho de 2020 e, em consequência, manteve o mesmo nos seus precisos termos.
1.1. Por despacho de qualificação proferido em 23/jun./2020 pela Senhora Conservadora foi decidido lavrar como provisório por dúvidas o título apresentado a registo de uma escritura de justificação outorgada no dia de 27/nov./2019.
1.2. B… Notário do Cartório Notarial D… veio impugnar judicialmente tal despacho de qualificação
1.3. O Ministério Público emitiu parecer em 18/set./2020 no sentido da improcedência da impugnação judicial.
2. O Senhor Notário interpôs recurso em 04/nov./2020 pugnando pela revogação da sentença recorrida, apresentando as seguintes conclusões:




3. Admitido o recurso foi o mesmo remetido a esta Relação, onde foi autuado em 04/dez./2020, procedendo-se a exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
4. Não existem questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer, obstando à apreciação do recurso
5. O objeto do recurso consiste em saber se o artigo 101.º do Código do Notariado ficou suspenso com a vigência do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
O Código do Notariado estabelece no seu artigo 100.º, n.º 1 que “A escritura de justificação é publicada por meio de extracto do seu conteúdo, a passar no prazo de cinco dias a contar da sua celebração”, acrescentando o seu n.º 2 que “A publicação é feita num dos jornais mais lidos do concelho da situação do prédio ou da sede da sociedade, ou, se aí não houver jornal, num dos jornais mais lidos da região.”. Por sua vez, o subsequente artigo 101.º, tem a seguinte redação:
“1. Se algum interessado impugnar em juízo o facto justificado deve requerer simultaneamente ao tribunal a imediata comunicação ao notário da pendência da acção.
2. Só podem ser passadas certidões de escritura de justificação decorridos 30 dias sobre a data em que o extracto for publicado, se dentro desse prazo não for recebida comunicação da pendência da impugnação.
3. O disposto no número anterior não prejudica a passagem de certidão para efeito de impugnação, menção que da mesma deve constar expressamente.
4 - Em caso de impugnação, as certidões só podem ser passadas depois de averbada a decisão definitiva da acção.
5 - No caso de justificação simultânea, nos termos do artigo 93.º, não podem ser extraídas quaisquer certidões da escritura sem observância do prazo e das condições referidos nos números anteriores.”
A jurisprudência tem considerado a propósito, como sucedeu com o Ac. STJ de 15/jun./1994 (Cons. César Marques, em www.dgsi.pt, este como os demais) que “O prazo de trinta dias, é o que é necessário que tenha decorrido após a publicação do extracto do conteúdo da escritura de justificação para poderem ser passadas certidões desta afim de, com base nelas, se levar ao registo predial o reatamento do trato sucessivo ou um novo trato sucessivo - artigo 116, ns. 2 e 3 do Código do Registo Predial.”.
O disposto nos artigos 100.º e 101.º, n.º 2 do Código do Notariado visa regular a publicidade das escrituras de justificação notarial, assim como os reflexos da sua impugnação no prazo de 30 dias, pelo que ocorrendo essa impugnação nesse lapso temporal, existe uma impossibilidade legal de nessa ocasião serem emitidas certidões dessa escritura para fins de registo predial – aliás o n.º 4 deste artigo 101.º é muito claro em fixar o momento em que havendo impugnação deve ser emitida a correspondente certidão. E bem se compreende que assim seja, porquanto essa escritura notarial é um título justificativo da aquisição originária de um direito real, cuja finalidade essencial é assegurar o seu registo predial – neste sentido os Ac. do STJ de 18/jun./2019 (Cons. Graça Amaral) e de 05/nov./2019 (Cons. Maria Clara Sottomayor). E havendo essa controvérsia não existe fundamento legal para que ocorra o correspondente registo predial de uma escritura de justificação notarial impugnada.
A Lei n.º 1-A/2020, de 19/mar. (DR I, n.º 56) veio estabelecer medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19, enunciando regras específicas quanto aos prazos e diligências processuais, consagrando no seu artigo 7.º, n.º 1 que “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica -se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública”, preceituando o n.º 2 que “O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto -lei, no qual se declara o termo da situação excecional”. E mais adiante no n.º 6 veio consagrar o comando de que “O disposto no presente artigo aplica -se ainda, com as necessárias adaptações, a: a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;”
Deste bloco normativo resulta, sem quaisquer sombras de dúvidas, que o prazo de 30 dias previsto no citado artigo 101.º, n.º 2 do Cód. Notariado para passar certidões de escritura pública para fins de registo predial encontra-se suspenso na decorrência da Lei n.º 1-A/2020. A sentença recorrida soube interpretar devidamente as mencionadas disposições e na sua leitura sustentou que “Dando por assente que foi apresentada uma escritura de justificação outorgada a 27-11-2019, no Cartório Notarial D… e publicada a 15-02-2020, por meio de extracto do seu conteúdo, no Jornal da Madeira e que o Sr. Notário deu entrada, a 13-04-2020, na Conservatória do Registo Predial C… pedido de registo predial da sobredita escritura de justificação, cremos que, de facto, não havia, ainda, decorrido o prazo de 30 dias previsto no artigo 101º do Código de Notariado.” Nesta conformidade, não temos nenhuma censura a fazer a este sentenciamento.
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Na improcedência do recurso, as suas custas ficam a cargo do recorrente – cfr. artigo 517.º, n.º 1 e 2 NCPC.
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No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto por B… e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas deste recurso a cargo do recorrente.

Notifique.

Porto, 28 de janeiro de 2021
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço